O trabalho enobrece o homem...
Menino criado na roça desde cedo aprende a lidar com a enxada e a foice.
Não fora diferente com Inaldo, rei nos seus oito anos.
Aos quatro, o pai já o levava para ajudar a debulhar o milho e a colocar as sementes nas covas feitas com o enxadão.
Terra pouca, terra dura e ruim, dinheiro para adubo não havia, mas tinha que ser assim.
Deus provém quem trabalha e a lida era sagrada.
Quando chovia no tempo certo, que maravilha! Dava até para sobrar dinheiro para comprar umas bugigangas para a mulher e para os filhos.
Coisa boba, mas Zezito não esquecia da prole não.
Prole grande, comum naquelas bandas. Sete filhos, entre meninos e meninas.
O mais velho tinha treze anos, parrudo e trabalhador, Deus é bom...
As meninas eram muito bonitas, os olhos verdes delas realçavam os cabelos loiros, espiga, como a do milho.
A mina jorrava água boa, suculenta.
Pelo menos isso não faltava, ao contrário do sertão de Jequitinhonha, onde o pai de Zezito nascera, lá em Pedra Azul.
Pedra Azul, nome bonito pra terra seca, para a feiúra do gado e a magreza do povo.
Mas ali em Espera Feliz era diferente.
O que queimava era o frio, frio do Caparaó, perto do pico da Bandeira.
Doutor pediatra tinha dois; dos bons: O doutor Aníba e a doutora Tânia, se os meninos precisassem sabia que podia contar com a boa vontade deles.
Agora , uma coisa ele não havia se acostumado ainda: Por que esses doutores insistiam tanto em que ele deveria comprar um filtro? A água de mina é pura, e não tem doença não doutor...
De uns tempos para cá, Inaldo estava começando a estudar.
Isso deixava ele meio cabreiro, estudo para quê?
Coisa de rico essas modernices, menino tem é que trabalhar, não entendia porque a assistente social tinha chamado a atenção dele. Se menino não trabalhar, vira vagabundo e depois que virar cadê a assistente social?
Assim aprendera com o pai e assim ia ser com seus filhos...
Tinha um tal de PETI, a moça falou nisso, mas ele não queria o dinheiro não, queria era dar rumo na vida dos meninos...
A enxada ensina mais que qualquer caneta, moça.
Enxada faz o homem ficar forte e ter dignidade.
Estudo não, isso não dá futuro não.
E nem uns tapas podia dar nos meninos mais não, tinha um tal de conselho tutelar que, se soubesse disso, até pra cadeia era capaz de mandar.
Essas novidades eram difíceis para serem compreendidas por Zezito.
Igual a esse negócio de ter filho em Hospital, coisa mais estúpida. Filho forte nasce é em casa, e com umbigo curado pela avó de preferência com teia de aranha. Isso seca a ferida bem melhor do que os remédios que os doutores passam.
Quando a moça que trabalha na saúde, a Fatinha, filha da dona Cremilda, veio com essa história de preventivo, a casa quase caiu!
O tal de Doutor Paulo não vai ver as partes da mulher não. Só por cima do meu cadáver.
Vê se pode! A mulher ficar nuinha perto do homem, e com as pernas abertas!
Mas, esse ano, ia ter que trabalhar a meia na colheita de café, não ia ter jeito não.
O problema era os meninos na escola, isso ia atrapalhar muito.
A mulher tava com um problema de fígado, segundo o Doutor Ben-Hur, coisa chata que tinha até que operar.
Trabalhar sozinho, não tinha mais idade, beirando os quarenta anos, a coluna doía e o doutor Marcos não dava jeito. Mandava fazer repouso.
Engraçado, como fazer repouso? Esses homens não têm a menor idéia do que é a vida na roça.
Caboclo nasce trabalhando e morre trabalhando.
A colheita do milho e do feijão, tinha sido bem menor do que nos outros anos. Não dera nem para cobrir as despesas com a comida.
Ainda bem que tinha aquele empréstimo do governo, o tal do Pronaf, mas isso não ia bastar.
Precisava trabalhar no café.
O caminhão de bóia fria passava lá pelas seis e meia, e o frio era de rachar, ia pegar uma carona até a propriedade do Seu Jorge Grillo, homem bom e honesto, filho do seu Nenzinho...
Ia trabalhar à meia, ainda bem que o seu Jorge teve a bondade da dar aquela colheita à meia.
Senão o negócio ia ficar feio, feio de cara...
Partindo pra lá, teve que deixar os filhos irem para a escola, a mulher ficou em casa, esperando uns exames de sangue para marcar a cirurgia.
Jararaca. Jararaca atrás de jararaca. A roça é difícil e complicada.
Uma picada da danada e tudo acabado...
Colheita complicada, sem dinheiro.
Pois bem, não deu outra.
A picada foi dolorida e o tornozelo começou a inchar depressa.
Correu para o Hospital, soro antibotrópico, repouso e pé para cima.
A úlcera no tornozelo ficou grande, infeccionou.
Jararaca disgramada.
Que o desculpasse a assistente social, podia chamar até o juiz e o promotor.
Os meninos no caminhão de bóia fria.
Trabalho a dia, adiando a escola, adiando o futuro...
Zezito curando a perna, a duras penas.
Perna inchada e minando água, toda rachada.
O sol frio do Caparaó observando tudo...
Inaldo, mais um dia, outro dia. Inaldo e seus irmãos...
Vida de pobre é difícil, mas os meninos estão na labuta.
O pai, orgulhoso, espera a perna ficar boa e que a tal assistente social nunca mais apareça na sua frente...
Não fora diferente com Inaldo, rei nos seus oito anos.
Aos quatro, o pai já o levava para ajudar a debulhar o milho e a colocar as sementes nas covas feitas com o enxadão.
Terra pouca, terra dura e ruim, dinheiro para adubo não havia, mas tinha que ser assim.
Deus provém quem trabalha e a lida era sagrada.
Quando chovia no tempo certo, que maravilha! Dava até para sobrar dinheiro para comprar umas bugigangas para a mulher e para os filhos.
Coisa boba, mas Zezito não esquecia da prole não.
Prole grande, comum naquelas bandas. Sete filhos, entre meninos e meninas.
O mais velho tinha treze anos, parrudo e trabalhador, Deus é bom...
As meninas eram muito bonitas, os olhos verdes delas realçavam os cabelos loiros, espiga, como a do milho.
A mina jorrava água boa, suculenta.
Pelo menos isso não faltava, ao contrário do sertão de Jequitinhonha, onde o pai de Zezito nascera, lá em Pedra Azul.
Pedra Azul, nome bonito pra terra seca, para a feiúra do gado e a magreza do povo.
Mas ali em Espera Feliz era diferente.
O que queimava era o frio, frio do Caparaó, perto do pico da Bandeira.
Doutor pediatra tinha dois; dos bons: O doutor Aníba e a doutora Tânia, se os meninos precisassem sabia que podia contar com a boa vontade deles.
Agora , uma coisa ele não havia se acostumado ainda: Por que esses doutores insistiam tanto em que ele deveria comprar um filtro? A água de mina é pura, e não tem doença não doutor...
De uns tempos para cá, Inaldo estava começando a estudar.
Isso deixava ele meio cabreiro, estudo para quê?
Coisa de rico essas modernices, menino tem é que trabalhar, não entendia porque a assistente social tinha chamado a atenção dele. Se menino não trabalhar, vira vagabundo e depois que virar cadê a assistente social?
Assim aprendera com o pai e assim ia ser com seus filhos...
Tinha um tal de PETI, a moça falou nisso, mas ele não queria o dinheiro não, queria era dar rumo na vida dos meninos...
A enxada ensina mais que qualquer caneta, moça.
Enxada faz o homem ficar forte e ter dignidade.
Estudo não, isso não dá futuro não.
E nem uns tapas podia dar nos meninos mais não, tinha um tal de conselho tutelar que, se soubesse disso, até pra cadeia era capaz de mandar.
Essas novidades eram difíceis para serem compreendidas por Zezito.
Igual a esse negócio de ter filho em Hospital, coisa mais estúpida. Filho forte nasce é em casa, e com umbigo curado pela avó de preferência com teia de aranha. Isso seca a ferida bem melhor do que os remédios que os doutores passam.
Quando a moça que trabalha na saúde, a Fatinha, filha da dona Cremilda, veio com essa história de preventivo, a casa quase caiu!
O tal de Doutor Paulo não vai ver as partes da mulher não. Só por cima do meu cadáver.
Vê se pode! A mulher ficar nuinha perto do homem, e com as pernas abertas!
Mas, esse ano, ia ter que trabalhar a meia na colheita de café, não ia ter jeito não.
O problema era os meninos na escola, isso ia atrapalhar muito.
A mulher tava com um problema de fígado, segundo o Doutor Ben-Hur, coisa chata que tinha até que operar.
Trabalhar sozinho, não tinha mais idade, beirando os quarenta anos, a coluna doía e o doutor Marcos não dava jeito. Mandava fazer repouso.
Engraçado, como fazer repouso? Esses homens não têm a menor idéia do que é a vida na roça.
Caboclo nasce trabalhando e morre trabalhando.
A colheita do milho e do feijão, tinha sido bem menor do que nos outros anos. Não dera nem para cobrir as despesas com a comida.
Ainda bem que tinha aquele empréstimo do governo, o tal do Pronaf, mas isso não ia bastar.
Precisava trabalhar no café.
O caminhão de bóia fria passava lá pelas seis e meia, e o frio era de rachar, ia pegar uma carona até a propriedade do Seu Jorge Grillo, homem bom e honesto, filho do seu Nenzinho...
Ia trabalhar à meia, ainda bem que o seu Jorge teve a bondade da dar aquela colheita à meia.
Senão o negócio ia ficar feio, feio de cara...
Partindo pra lá, teve que deixar os filhos irem para a escola, a mulher ficou em casa, esperando uns exames de sangue para marcar a cirurgia.
Jararaca. Jararaca atrás de jararaca. A roça é difícil e complicada.
Uma picada da danada e tudo acabado...
Colheita complicada, sem dinheiro.
Pois bem, não deu outra.
A picada foi dolorida e o tornozelo começou a inchar depressa.
Correu para o Hospital, soro antibotrópico, repouso e pé para cima.
A úlcera no tornozelo ficou grande, infeccionou.
Jararaca disgramada.
Que o desculpasse a assistente social, podia chamar até o juiz e o promotor.
Os meninos no caminhão de bóia fria.
Trabalho a dia, adiando a escola, adiando o futuro...
Zezito curando a perna, a duras penas.
Perna inchada e minando água, toda rachada.
O sol frio do Caparaó observando tudo...
Inaldo, mais um dia, outro dia. Inaldo e seus irmãos...
Vida de pobre é difícil, mas os meninos estão na labuta.
O pai, orgulhoso, espera a perna ficar boa e que a tal assistente social nunca mais apareça na sua frente...
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