João Polino e Jimico
Naquela tarde, João Polino não queria fazer mais nada, a não ser descansar e olhar para as nuvens.
Aos oitenta e quatro anos, dera para olhar para as nuvens e tentar adivinhar os desenhos que elas, porventura, faziam.
Já se ia muito distante o tempo em que corria atrás dos passarinhos, armando arapucas e alçapões.
Menino ainda, tivera que trabalhar, mas a delícia do correr livre, dono de todas as artimanhas e estradas, sabia todas as manhas dos bichos do mato.
Sabia a luta do tatu pela sobrevivência, cercado pelos cães, cavando rápido o buraco na terra e se tornando inatingível.
Sabia o canto dos passarinhos em busca de fêmeas, encontrando muitas vezes o estilingue certeiro de João Polino.
Quantas rolinhas e inhambus viraram almoço para o moleque descalço que corria pelas cercanias de Santa Martha...
Trazia, do lado, a garrucha velha e quase sem serventia, a não ser valentia. Mas valentia boba, sem necessidade, simples falácia e farsa.
Fora sempre de paz, as confusões em que se metera, foram simples invencionices de menino falastrão.
O vilarejo crescera, nesses quase oitenta anos; já contava com quase cem moradias. Algo extraordinário para quem vira, praticamente, nascer o povoado.
As primeiras casas de pau a pique, com teto de sapé, ( eles insistem em chamar de sapé, embora o dicionário diz ser sapê), sem luz, por onde a cobra entrava para mamar na mulher e deixar a criança mamando, faminta, o rabo; ludibriando, assim, a boa fé da pobre mãe da criança.
O sapo cururu cantando no rio e pulando de frio...
Frio, a casa fria sem luz, sem móveis, sem conforto.
Mas, as crianças cresceram ali, sem luxo mas com dignidade.
A missa aos domingos representava o banho na véspera e os pés tinham que se adaptar aos sapatos.
Sapatos cobertos com as galochas, para não se enlamearem, nos dias de chuva, nem para ficarem empoeirados, nos dias de sol.
O fogão a lenha fazia as delícias que sua mãe e sua irmã, Oracina, tão bem sabiam fazer.
A batata doce assada, o café de guarapa, a lingüiça de porco, a carne de lata, guardada na banha. A broa de fubá quentinha, de manhã, antes de ir para o trabalho.
Delícias que o tempo levara para nunca mais.
Agora, o conforto da eletricidade e do calçamento das ruas, aposentaram a serpentina e a galocha.
João sabia que o tempo era outro, que a vida era outra, mas a saudade insistia em bater na porta.
Saudade da mulher, nova e bonita, a menina que esperara crescer para poder ser sua. Sua mulher, mãe de seus oito filhos.
Seis vingaram e cresceram fortes e trabalhadores.
Mas todos tinham aquele ar de liberdade que João cultivara desde menino.
Nos idos dos anos sessenta, quando os guerrilheiros resolveram invadir o Caparaó, a casa de João serviu de abrigo para aqueles moços que falavam em liberdade.
Do palavreado deles restou o “camarada”, repetido a toda hora pelo velho libertário.
Aprendera a ser, teimosamente, da oposição. A qualquer um, desde que fosse governo.
Nunca se cansava de dizer que tempo bom, “era o tempo de antes”, mal percebendo que falava não do mundo, mas do seu mundo, saudoso dos seus vinte, trinta anos...
Mas, com o nascimento de seu neto caçula, dera para se transportar para a doçura da infância.
O João valentão, temerário, sonhador, dera lugar ao avô extremamente dedicado, apaixonado por aquele menino lourinho, ruço, que andava pela casa a fazer todas as artes possíveis e imagináveis.
O pai do menino, Marcos, permitia uma liberdade absoluta para o garoto, o que trazia, na lembrança de João, seus dias de menino criado pelas irmãs e pela mãe, já quase idosa.
Temporão, avô aos oitenta e dois anos. Tragando de novo, a infância livre nos olhos e gestos do “Jimico”, forma carinhosa que chamava o garotinho.
Agora, não sabia bem porquê, dera de olhar para as nuvens e tentar adivinhar as formas que elas desenhavam no céu, mal sabendo que ali estava o resgate da felicidade escondida, num tempo distante e reacendida pelo moleque ruçinho que anda correndo, solto, pela casa...
Aos oitenta e quatro anos, dera para olhar para as nuvens e tentar adivinhar os desenhos que elas, porventura, faziam.
Já se ia muito distante o tempo em que corria atrás dos passarinhos, armando arapucas e alçapões.
Menino ainda, tivera que trabalhar, mas a delícia do correr livre, dono de todas as artimanhas e estradas, sabia todas as manhas dos bichos do mato.
Sabia a luta do tatu pela sobrevivência, cercado pelos cães, cavando rápido o buraco na terra e se tornando inatingível.
Sabia o canto dos passarinhos em busca de fêmeas, encontrando muitas vezes o estilingue certeiro de João Polino.
Quantas rolinhas e inhambus viraram almoço para o moleque descalço que corria pelas cercanias de Santa Martha...
Trazia, do lado, a garrucha velha e quase sem serventia, a não ser valentia. Mas valentia boba, sem necessidade, simples falácia e farsa.
Fora sempre de paz, as confusões em que se metera, foram simples invencionices de menino falastrão.
O vilarejo crescera, nesses quase oitenta anos; já contava com quase cem moradias. Algo extraordinário para quem vira, praticamente, nascer o povoado.
As primeiras casas de pau a pique, com teto de sapé, ( eles insistem em chamar de sapé, embora o dicionário diz ser sapê), sem luz, por onde a cobra entrava para mamar na mulher e deixar a criança mamando, faminta, o rabo; ludibriando, assim, a boa fé da pobre mãe da criança.
O sapo cururu cantando no rio e pulando de frio...
Frio, a casa fria sem luz, sem móveis, sem conforto.
Mas, as crianças cresceram ali, sem luxo mas com dignidade.
A missa aos domingos representava o banho na véspera e os pés tinham que se adaptar aos sapatos.
Sapatos cobertos com as galochas, para não se enlamearem, nos dias de chuva, nem para ficarem empoeirados, nos dias de sol.
O fogão a lenha fazia as delícias que sua mãe e sua irmã, Oracina, tão bem sabiam fazer.
A batata doce assada, o café de guarapa, a lingüiça de porco, a carne de lata, guardada na banha. A broa de fubá quentinha, de manhã, antes de ir para o trabalho.
Delícias que o tempo levara para nunca mais.
Agora, o conforto da eletricidade e do calçamento das ruas, aposentaram a serpentina e a galocha.
João sabia que o tempo era outro, que a vida era outra, mas a saudade insistia em bater na porta.
Saudade da mulher, nova e bonita, a menina que esperara crescer para poder ser sua. Sua mulher, mãe de seus oito filhos.
Seis vingaram e cresceram fortes e trabalhadores.
Mas todos tinham aquele ar de liberdade que João cultivara desde menino.
Nos idos dos anos sessenta, quando os guerrilheiros resolveram invadir o Caparaó, a casa de João serviu de abrigo para aqueles moços que falavam em liberdade.
Do palavreado deles restou o “camarada”, repetido a toda hora pelo velho libertário.
Aprendera a ser, teimosamente, da oposição. A qualquer um, desde que fosse governo.
Nunca se cansava de dizer que tempo bom, “era o tempo de antes”, mal percebendo que falava não do mundo, mas do seu mundo, saudoso dos seus vinte, trinta anos...
Mas, com o nascimento de seu neto caçula, dera para se transportar para a doçura da infância.
O João valentão, temerário, sonhador, dera lugar ao avô extremamente dedicado, apaixonado por aquele menino lourinho, ruço, que andava pela casa a fazer todas as artes possíveis e imagináveis.
O pai do menino, Marcos, permitia uma liberdade absoluta para o garoto, o que trazia, na lembrança de João, seus dias de menino criado pelas irmãs e pela mãe, já quase idosa.
Temporão, avô aos oitenta e dois anos. Tragando de novo, a infância livre nos olhos e gestos do “Jimico”, forma carinhosa que chamava o garotinho.
Agora, não sabia bem porquê, dera de olhar para as nuvens e tentar adivinhar as formas que elas desenhavam no céu, mal sabendo que ali estava o resgate da felicidade escondida, num tempo distante e reacendida pelo moleque ruçinho que anda correndo, solto, pela casa...
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