segunda-feira, novembro 20, 2006

Não posso permitir que me torture

I

Não posso permitir que me torture
A dor d’uma existência sem sentido.
Por mais que a tempestade se perdure,
O dia brilhará, eu não duvido!
Preciso muitas vezes que se cure
A dor da solidão no amargo olvido.
O trilho que me trouxe ao teu regaço
Com minhas mãos sedentas, o desfaço.

Vieste qual penumbra dos meus sonhos,
Nasceste com a marca da pantera.
Os dias que vivemos, vãos, medonhos,
Por certo de se jogaram na cratera
Do esquecimento. Morta essa quimera,
Nascerão com certeza mais risonhos.
O sol que nunca brilha, se esvaindo.
A lua dos amores vem surgindo!

Recebo das manhãs, doce promessa
Da vida que se fez enamorada.
Albor de bela aurora me confessa
Os sonhos que guardei da madrugada.
Querer ser mais feliz, já tenho pressa,
Procuro nos meus sonhos nova fada.
Vestindo claros mantos, mansa lua,
Desfila nos meus édens, toda nua...

Respiro seus momentos de prazer,
No cio que jamais vou confessar.
Penetra feramente todo o ser,
Na calmaria atroz vinda do mar.
Soprando nova brisa, converter
As duras tempestades, calmo ar...
Forjando sua imagem, minha mente,
Encontra teu olhar, puro, envolvente...

Meus versos disfarçados em sementes
Fecundam os teus olhos, mostram lume.
Os gritos que bradara, vãos, dementes,
Perderam intensidade de costume,
A boca que mordia sem os dentes,
Tua flor já me inunda de perfume.
Amor que não soubera paradeiro,
Invade, me tomando por inteiro...

Não quero mais saudades nem tristezas,
A vida se demonstra mais sincera.
Percebo que virão tantas certezas
Matando a solidão, minha quimera.
Os campos se encharcando de belezas,
Nascendo, finalmente, a primavera!
Recebo desta vida, seu pendor,
Na doce mansidão do teu amor!!!!

II


Porém o tal destino, traiçoeiro,
Derruba meus castelos, mata o mundo.
Amor que se mostrara verdadeiro,
As máscaras se quedam num segundo!

Rasgaste nossos sonhos, sequer traço,
As luas que te viram morrem pasmas,
Meu barco desgoverna, perde espaço;
Restam-me tão somente meus fantasmas...

Quem trouxe tanta luz, morre no breu,
Quem fora juventude traz a morte;
Quem fora claridade, escureceu.
Quem fora meu caminho, perco o norte...

Vestígios do que fui, velho retrato,
Jogado na parede, despencou...
Nas noites em que lembro, me debato,
Procuro, não encontro mais quem sou...

Desfaço-me nas dores da saudade,
O rumo que seguia perde prumo.
Ao peso tão cruel da mocidade
Desfeita, me esvaindo como o fumo...

Acordes dissonantes são meu mote,
A dor vem entranhada e traz receio
Meu barco naufragado, sem um bote,
Dos campos que sonhei, morre centeio.

A vida se transcorre, sem abrigo,
O medo de morrer já não assombra.
A tal felicidade, nem persigo,
Nas ruas onde passa, sequer sombra...

Qual noite que perdeu o firmamento,
Qual reino que jamais teve tesouro.
Qual sonho num presságio de tormento,
Destrói as esperanças, mau agouro...

Mendigo pelas ruas, noites frias,
Estrelas que me tragam esperanças.
As luas se gargalham, vãs, vadias,
Restando-me somente estas lembranças...

No cálice do vinho que não bebo,
Amarga solidão encontra cura.
Quem fora, em pensamento, tal qual Febo,
Deforma-se infeliz caricatura.

III

Vestígios deste amor? Nunca mais os terei...
As cordas que rebento, esquecem-se dos nós.
A dor qual vil quimera, erguida, faz a lei...
Meu rio, assoreado esquece-se da foz.
Esboço minha queixa, aguardando meu fim.
Meu canto que brilhava, embalde, sem festim...


IV


Os astros tão distantes, decorando
Todo o céu com seus raios generosos,
Percebem fogo fátuo se emanando
Dos meus olhos vazios, lacrimosos...
Astros! Meus companheiros de desdita!
Desfaçam esta dor, cruel, maldita!


Entretanto, uma estrela mais sensata,
Mostra-me, no seu rastro, meu caminho!
A noite que negara serenata,
Entrega-se num canto, passarinho...
O raio desta estela-viajante,
Explode-se em luz; forte, radiante!

Meus olhos qual procelas disfarçadas
Ressurgem tempestades mais bravias...
Cortantes, tantas trevas; de guardadas
Rebentam num segundo, nas sangrias.
Amar que parecera ser inútil,
Num átimo devora, não é fútil...


Qual vergalhão penetra no meu peito,
Dilacera simplesmente, corta fundo.
Quem fora despedida, novo leito,
Do mar que naufragara, já me inundo!
Respiro, aliviado, essa promessa,
Nas pedras deste cais, vida arremessa!



Estrela luminária, sou falena,
Inebrias meus sonhos, aguardente.
Em tantos turbilhões, em louca cena,
No manto desta estrela, sou demente!
Rasgando minhas dores mostro entranhas,
Feridas terebrantes são tamanhas!

Estrela radiosa, meu destino,
Seus rastros me levaram para o mar...
Do canto que escutei, volvi menino,
Deveras mergulhei, sou constelar.
Cometa que lhe trouxe, minha estrela,
A noite dos amores, revivê-la!

Ao ver a mansidão desse sorriso,
Ao ver a paz que enfim já se aproxima,
Descubro que conheço o paraíso,
A fonte que me trouxe, tanta estima....
Nos olhos tão tranqüilos, calmaria,
Bonança que promete um novo dia...

Amores tão sutis quanto a manhã,
Na aurora sem ter nuvens, dia claro.
Recebo mansamente a guardiã
Que trouxe em minha vida, rumo raro...
Na maciez dos olhos, sem quimera,
O renascer divino, uma nova era...!

Sem guerras, sem desgraças e desmandos...
Sem medos, sem angústias, fim e rota...
As aves calmamente, tantos bandos,
Nascentes tão suaves, vida brota...
Recebo no bafejo desta brisa,
As boas novas que a alegria avisa...

Eflúvios matinais, forte esperança...
Os lagos, placidez, as águas mansas.
Das dores nem sequer triste lembrança.
A noite que virá promete danças...
Recebo seu carinho, estrela amada,
As mãos tão carinhosas duma fada!


V





Nesse amor o meu celeiro.
Promessas de amanhecer,
Vontade de renascer
E vagar o mundo inteiro.
Vivendo sem ter queixume,
Espalhando um bom perfume
Por campos, terras e mares,
Sem temer sequer a luta,
A vida que fora bruta,
Desmaia em belos luares.

Vestígios da solidão
Dormitam, não amanhecem,
São cadáveres que apodrecem.
Fenecem na podridão.
Os vermes já devoraram
No passado, se esgotaram...
O canto do passarinho
Engaiolado d’outrora
Há muito já foi embora,
Não cantarei mais sozinho...

Meus versos procuram rimas
Nos claros desta paisagem
Na brisa mansa, na aragem,
Pomares, laranjas, limas...
Nas flores deste jardim
Perfumes, rosas, jasmim...
A mão macia da vida
Desliza num rosto calmo.
Meu canto, meu manso salmo,
A dor deveras vencida!

Nem as densas tempestades
Que cismam pelos espaços,
Trazendo futuros baços,
Nem as garras das saudades,
Nem a morte que angustia,
Com a mão cortante e fria,
Nem a sombra da mortalha,
Nem sequer o vago medo
Conhecedor do segredo
Do corte desta navalha.

Nem o vento do deserto,
Nem procelas e quimeras
Nem o bafio das feras,
Nada mais anda por perto.
Minha vida se renasce,
Amor me mostra outra face,
A face mansa, serena,
De quem sabe perdoar
Do beijo manso do mar...
A vida renasce plena!

Vestido de paciência,
Rompendo com tristes elos,
Dias se passam tão belos
Refazem-se na clemência.
No perdão, no amor completo
De saber-se predileto,
De saber que é tão feliz,
Do saber-se iluminado,
De saber do belo fado,
De ser tudo o que se quis!

Amor desta estrela guia
Que da noite fez a luz
Abelha que mel produz
Derramando poesia
Nos rumos belos, floridos,
Nos caminhos divididos,
Olhares de mansa delícia,
Sem as trevas, negra noite,
Sem cicatrizes, açoite,
Nas mãos, a plena carícia!


Amor que nunca promete
Não me torna prisioneiro,
É tinta do meu tinteiro.
É brilho que me reflete.
Amor, promessas divinas
Das águas mais cristalinas!
Recebendo manso beijo
Da fantasia mais pura.
Refletindo tal ternura
Que me inunda de desejo!

Amor praieiro destino,
Enfrentando a solidão,
Abençoado perdão.
Meu peito refaz menino.
É brilho, doce manhã,
Esperança temporã
Trazendo-me calmaria
Dedico meus longos versos,
Aos seus belos universos,
À luz clara desse dia!


V

Descortinando toda angústia fera,
O gosto da saudade, amargo vinho,
Deixado, abandonado não impera.
Meu canto que era, outrora, desalinho,
Se esgueira da tocaia da pantera.
Trazendo a mansidão d’um passarinho...
Não posso conceber a crueldade,
A vida se refez nesta verdade!

Meus olhos que viviam tão tristonhos,
São provas de que existem esperanças.
No mundo que te trago, puros sonhos,
Persiste essa alegria das crianças.
Os vales que caminho são risonhos,
Refletem tantos cantos, tantas danças.
A casa dos meus sonhos traz o mar.
O verbo que conjugo: pleno amar!

Meus dias vão passando sem tormentos,
A noite que já fora tão escura
Explode de alegria e sentimentos,
Aprendo a cada dia, que a ternura
Destrói, tão mansamente, os sofrimentos...
As dores que vivi tiveram cura,
A vida se renasce em mil momentos...
Estrela que ilumina tristes breus?
Nos braços tão amados de MEU DEUS!