EU TE AMO! COROA DE SONETOS 140
1947
O medo vai distante, se perdendo
Depois da derrocada uma bonança
Formada pelas mãos de uma aliança
A noite em novo dia se vertendo.
Embora te pareça algum remendo
Espero traduzir por esperança
O sonho de uma vida bem mais mansa.
Mas sinto que inda está; forte, chovendo...
O gosto mesmo amargo, ácido, azedo
Da boca que beijara desde cedo
Já torna suportável o dia-a-dia
Maçã do rosto, na romã dos seios
Converto a fantasia em outros veios
Roubando mesmo falsa, uma alegria...
1948
Roubando mesmo falsa, uma alegria,
Eu passo o tempo inteiro a me iludir
Do quanto venho em versos te pedir
A noite transformada em frágil dia.
Procuro nos teus lábios, poesia
E disso vejo o sonho a redimir.
Cevando o que jamais irei sentir
O medo pouco a pouco se recria.
Vem ver a vida que se perde aos poucos,
Olhares que se encontram, quase loucos
Não deixam que se pense em amanhã.
Amor que não se entrega e não se dá,
Decerto nem saudade nos trará.
No gozo inesquecível, nosso afã...
1949
No gozo inesquecível, nosso afã
Metaforicamente sou só teu.
O quanto tanto amor nos concedeu
Mergulho sem limites na manhã.
O gosto desejoso da maçã
No corpo que se entrega inteiro; ateu
Há tanto que meu medo já venceu
Que nada impedirá loucura sã;
Assanhas a vontade de poder
Chegar e mansamente converter
A noite em chama intensa, fogaréu.
Tomara que este tempo se eternize,
Amor quando demais nega um deslize
Supera uma amargura e trama o mel...
1950
Supera uma amargura e trama o mel
Intensamente o jogo desse amor.
Que pode mesmo sendo sedutor
Negar a cada dia o velho céu.
Andando tantas vezes sou revel
E nada poderá me recompor
Perdido no teu corpo, com vigor
A vida vai cumprindo o seu papel.
Apenas ilusão. Disso estou farto!
Ao mesmo tempo chego, vejo e parto
Não deixo mais pegadas pelo chão.
Lamento se não posso mais cantar
Nem mesmo debruçar de novo o mar,
Amor preconizando arribação...
1951
Amor preconizando arribação
Negando cada verso que eu fizer.
No corpo delicado da mulher,
A lua se transforma num bordão.
Benesses derramadas pelo chão
Trazendo pra este sonho um tom qualquer.
Não sei se tendo tudo o que se quer
Encontrarás perfeita solução.
Sonego o que talvez pareça prêmio.
Se na verdade eu sou quase um abstêmio
Inebriado eu fico com teu cheiro.
Morena ou coreana, a sorte grande
Mostrada mesmo em gozo que desande
Poeira levantando, vou inteiro...
1952
Poeira levantando, vou inteiro,
Atrás de uma alegria, vã, falsária.
Uma alma que pretende ser corsária
Trazendo um paraíso corriqueiro.
O gesto de carinho é lisonjeiro,
Mas manifestação só temporária
No quanto uma ilusão é temerária
Não posso ser mais franco e verdadeiro.
Jogando pra vencer, eu reconheço
A cada novo passo outro tropeço,
Amor não condizendo com verdade.
Depois do diamante que me deste
Do vidro que se quebra, simples teste
Mostrando ao fim de tudo, falsidade...
1953
Mostrando ao fim de tudo, falsidade
O tempo não trará nova notícia.
Talvez numa hora calma e mais propícia
A gente possa ter felicidade.
O barco noutra praia não invade
Nem deixa que preveja uma delícia
Nos olhos traiçoeiros, a malícia
Opacificará u’a claridade.
Nem tudo o que reluz traduz-se em ouro
Disfarço nesta busca por tesouro
Sabendo que ao final, nada me resta.
Beirando ao suicídio sigo em frente,
Às vezes vou cativo e penitente
No fundo, nosso amor, eu sei; não presta...
1954
No fundo, nosso amor, eu sei; não presta,
São tantas falcatruas que me espanto,
O quanto desejei em desencanto
Não deixa nem mais sombras na floresta.
A boca tão audaz restou modesta
A língua se escondeu em algum canto.
Parece que esse amor sofreu quebranto
Monotonia mata antiga festa.
Um dia há de chegar, mas não sei quando,
Que toda esta verdade se mostrando
Em pratos limpos sobre a nossa mesa
Sou réu confesso, assumo meus pecados,
Porém em meus desejos revogados
Espero ao fim da tarde uma surpresa...
1955
Espero ao fim da tarde uma surpresa
Em forma de carinho ou canivete.
O quanto uma esperança se repete
Não deixa que eu me sinta mera presa.
A lua que se deita e te embeleza
Ao mesmo tempo foge; vã vedete,
Amor que tantas vezes pinta o sete
Seguindo sempre contra a correnteza...
Desprezo o que não veio e nem viria
Jocosa maravilha cega o dia
E deixa o gosto amargo do não ser.
Eu beijo a boca aberta da ilusão
Sabendo deste amor, um vendilhão,
Mentindo toda noite em desprazer.
1956
Mentindo toda noite em desprazer
Eu tento me enganar, mas não consigo
O corpo que se fez amante e amigo
Por toda a minha vida hei de saber.
Quem dera novamente receber
O gosto delicado deste abrigo.
É tudo o que eu desejo, até persigo
Viver o que nos resta em bem querer...
Partiste em noite fria. Um temporal
Desabando as estrelas, morta a lua
Saudade tão somente continua
Tristeza prolifera como cuva.
Quem sabe tu virás depois da chuva
Trazendo em claridade todo o astral...
1957
Trazendo em claridade todo o astral
Belezas encontradas no passado
Permitem que eu caminhe lado a lado
Com sonho tão gostoso, magistral.
No porto de teus braços, minha nau
Demonstra um tempo novo anunciado,
Deixando bem distante amargurado
Caminho que se fez sempre venal.
Amor que é canibal durante a noite,
Dos lábios e dos dedos, como açoite
Cativa enquanto marca e traz suores.
Bebendo com fartura estes licores
Não deixo de querer tanta fartura
No campo desenhado por ternura...
1958
No campo desenhado por ternura
Adentro toda noite sem juízo,
Sentindo no teu rosto este sorriso
Encontro o que a vontade já procura.
No corpo da mulher, bela moldura,
A tela desenhada em tom preciso
Trazendo todo o brilho em que matizo
Clareia num delírio a noite escura.
Transcorre libertária a madrugada
Ao vislumbrar divina e louca estrada
Levito de prazer me sinto um Deus.
Que a vida não prepare novo adeus
Nem mesmo um louva-deus eu quero ser,
Girassóis entre estrelas posso ver...
1959
Girassóis entre estrelas posso ver
Rondando a nossa cama em noite imensa...
Bebendo gota a gota a recompensa
Que é feita com ternura em bel prazer.
Incendiando tudo eu quero crer
No bem que se mostrando nos convença
Amor desenha em belo templo a crença
Trazendo a dois amantes o poder.
O canto que me encanta, um desafio,
Andorinhas penduradas neste fio
Aguardam a final arribação.
Será que nosso amor vence o verão?
Amor que imaginei um girassol,
No inverno servirá como farol?
1960
No inverno servirá como farol
Teu corpo incandescendo minha cama.
Não quero em nossa vida qualquer drama
A boca se prendendo neste anzol.
De todas as vontades sei o rol
E nelas eu mergulho enquanto chama
A vida desse jeito não reclama,
Ninguém merece ser simples atol...
Nascendo pra brilhar e ser feliz,
Vivendo este desejo amor nos diz
Que tudo o quiser acaba sendo.
Não tendo mais segredos, sigo em frente,
Enquanto amo nos toma de repente
O medo vai distante, se perdendo.
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