O Brasil não conhece o Brasil...
Como não conheces o país aonde vives!
Cada vez mais me assusto com a cruel realidade em que vivemos, há uma total ignorância do que seja a pobreza e a miséria por parte de uma classe média arrogante e ensimesmada.
Essa “elite branca” não consegue ver um palmo à frente do nariz e fala sobre o que não conhece e nem sequer imagina.
Quando se tem um país dividido, claramente, em castas, à moda indiana; a dura realidade das ruas não consegue tocar e muito menos se fazer ouvir pela oligofrenia social e econômica dos que se julgam donos da verdade e, infelizmente, por ignorância estão totalmente distantes dela.
Um rápido exame demonstra que a miséria simplesmente é vista como algo contagioso e distante.
Nos condomínios de classe média e nos bairros da pequena burguesia, a simples presença dos famintos é vista com ojeriza e preconceito. Não se consegue entender o que seja fome, muito menos pobreza.
Para quem, como eu, lida com este estrato da população no dia a dia, e conhece esta realidade de perto, nada mais triste e desanimador do que perceber que o Brasil não conhece o Brasil, e nem quer conhecer.
A história de Buda se repete a cada dia nas esquinas das grandes cidades, onde uma família a pedir esmola logo traz a idéia de banditismo e de tráfico.
Pobre para essa parte asquerosa da nossa sociedade, é sinônimo de bandidagem ou de pilantragem.
Há os que pensam que a fome é simples figura de retórica.
O quilo do arroz, para o miserável, pesa muito mais na economia deste do que os finais de semana em Búzios ou no litoral paulista para essa “classe média branca e preconceituosa”.
Os “donos da verdade” se fazem de juízes e de “comentaristas” sobre um mundo que não sabem conceber, pois desconhecem.
Quando se vê uma criança desnutrida e faminta, a reação dessa canalha é fugir.
Fogem do espelho que estampa a cara do mundo em que vivem e não conseguem encarar, por medo ou hipocrisia.
Este nosso país é, ainda, o país das desigualdades sociais, herança de centenas de anos de exploração, sob o olhar complacente e cúmplice da nossa “elite”.
Não falo da elite rica e dasluiana, essa não; pois essa casta nem sabe direito o que é Brasil, já que vêm e vão para o trabalho nos helicópteros particulares, em atitude verdadeiramente principesca.
Falo do pequeno burguês, do pequeno empresário, do funcionário público medianamente graduado, dos doutores de escritório e de consultórios ricos e com secretarias gentis e de “boa aparência”.
Falo dessa nossa estranha e obscura multidão de protegidos da pobreza, que passam por ela e a ignoram, que depositam seus reais nos programas televisivos de “caridade” e acham que estão quitando a sua conta com Deus.
Falo dessa enorme multidão de engravatados que circulam nos centros comerciais das cidades grandes e que, ao dar bom dia ao porteiro, se acham “boas e perfeitas almas”.
Falo daqueles que compram uma quinquilharia qualquer anunciada na televisão, e contribuem com as “casas de ajuda aos pobres”.
Pobre não quer ajuda, quer dignidade!
O dia do trabalho na roça vale dez reais, DEZ REAIS, e os energúmenos não conseguem entender isso!
Os programas assistencialistas são “uma esmola que vicia o cidadão?”
Concordo, mas vá você passar um mês todo com menos de um salário mínimo e me diga que é um programa politiqueiro!
Vá pegar um ônibus lotado, depois outro e outro para chegar no trabalho, duas a três horas depois e ter que ouvir que “o brasileiro é vagabundo”.
Vá ter seu filho crescendo faminto, subnutrido, sem assistência médica adequada...
Vá passar uns dias de fome e, quem sabe, de sede, na casa de um desses milhões de brasileiros.
Eu acho que essa experiência seria fantástica para vocês conhecerem o país onde vivem, seu povo e suas necessidades.
Peguem uma enxada, capinem o dia inteiro, de sol a sol, comendo uma comida fria, sem sabor, sem proteína, e depois receba dez reais por isso.
Veja a cara de nojo com que essa nossa “elite branca” olha para você e sinta a maravilha de ser brasileiro.
Mande seus filhos venderem balas nos sinais, fazer malabares enquanto você recolhe latas de refrigerantes e cerveja e papel para poder viver mais um dia, faça isso por uma semana, somente uma semana.
Mande suas filhas se prostituírem por qualquer cinco reais para poder garantir um pouco mais de comida na mesa.
Façam isso e me digam depois se os cem reais por mês de ajuda são politiqueiros e eleitoreiros!
Enfrentem os mangues podres, buscando caranguejos para manter a panelada de arroz e feijão feita no fogão a lenha, para ser disputado pelos filhos.
Dispute a palma com o gado, para não morrer de fome! Bebam a água apodrecida nas cacimbas para não morrer de sede!
Tentem sobreviver desta forma, pelo menos uma semana!
Agora, uma coisa irá surpreendê-los: esse povo faminto, miserável, por incrível que pareça, é muito mais solidário que a pequena burguesia hipócrita, solidário e companheiro, amigo.
Na pobreza; se divide o pão, na sede; se dá água, na dor; se dá alento.
Alento e consolo, coisas que a nossa elite não conhece.
Tome um pouco de cachaça, mesmo que te chamem de alcoólatra, escondidos sob o glamour dos vinhos importados e do uísque paraguaio que teimam em ostentar.
Tome um gole, converse com os companheiros, batize seus filhos, console as dores de todos, e tão comuns e iguais.
Faça isso e perceberás por que Jesus Cristo,quando veio à Terra, não quis a “elite branca” nem a burguesia. Nasceu e viveu entre os miseráveis de seu tempo, falou com eles e para eles.
Depois de dois mil anos, o trigo e o joio continuam iguais.
Absolutamente iguais.
A próxima vez que orares e fores a um templo, pensem nisso.
O verdadeiro Cristo não anda de helicóptero e nem tem nojo dos homens e, muito menos, não passa por eles como que a ignorá-los.
Tenha coragem e arrebente a redoma de vidro em que vives, te garanto que vai ser muito bom, para sua alma e para sua vida.
Daí, quem sabe, vás começar a entender que coisa linda e maravilhosa é o ser humano, em sua essência e que “cheiro de povo” é muito mais agradável do que o cheiro do cavalo.
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