domingo, setembro 03, 2006

Cordel - A minha sina - capítulo 9 - Boi bandido e Catirina

Depois de ter escapado
Da terra do cirandar,
Eu voltei a procurar,
O meu destino marcado,
Ter meu mundo desolado,
Num momento diferente,
Voltar ser, de novo, gente;
Podendo ter paz na vida,
Buscando sem despedida,
Viver, de novo, contente...

Partindo do tal reinado,
Encontrei novo caminho
Entrando, bem de mansinho;
Num belo mundo marcado,
Pelos campos, verde prado,
De beleza assim, sem par;
Pois esse belo lugar,
De bonito dava brilho,
Não quero perder o trilho,
Mas preciso descansar!

Coisa mais sensacional
Era tal lugar bonito,
Digo, redigo e repito,
Eu nunca vi nada igual,
Parecia um festival
Dessa natureza em flor,
Nunca tanta vi tanto verdor,
Nem em sonhos ‘maginei
Pois foi lá que desbanquei
Esse peito sofredor...

Conheci moço bacana,
Um doutor muito educado,
Me falou ter procurado,
Um cabra que não engana,
Tinha muito safardana,
Enganando o pobre moço,
Eu não fiz muito alvoroço,
Mas pedi logo um emprego,
Cuido de vaca e burrego,
Carregando água de poço...

Olhei pra cara do dono,
Me disse que tava bem,
Não confiava em ninguém,
Vivendo nesse abandono,
Um rei grande no seu trono;
Mas, porém, sem confiar,
Tanto deram de enganar
Um moço tão confiado,
Entendi o seu recado,
Comecei a trabalhar...

Me falou dum boi bandido,
Que era boi dos premiado,
Um tal boi condecorado,
Boi daqueles bem vestido
Por Deus, boi escolhido,
Um campeão de rodeio,
Tinha um couro bem vermeio,
Era grande pra danar,
Era boi pra se ganhar
Bem mais de milhão e meio!

Costumado a criar gado,
Nos tempos lá das Gerais,
Pensando não querer mais,
Esse mundo disgramado
De correr lado pra lado,
Buscando por valentia,
Escapar da covardia,
Do capeta mais chifrudo,
Entro calado, vou mudo,
Viver essa regalia!

Eta mundinho dos bão,
Viver aqui na moleza,
No meio da natureza,
Sem ter preocupação,
Não quero mais nada não.
Só quero essa vida boa,
De tardinha na garoa,
De noitinha no meu quarto,
A vida enfim, me deu trato,
Fez canoeiro e canoa...

Nesse campo bem verdinho,
Sem ter seca nem ter fome,
O que se quiser, se come,
Só tá faltando carinho,
O resto vai direitinho,
Não quero sair daqui,
É, pois, tudo o que pedi,
Pensei estar realizado,
O meu coração, danado,
Resolveu se divertir...

Tinha moça bem faceira,
Filha dum sujeito bravo,
Mas sem temer por agravo,
Eu cantei a noite inteira,
Esperei, falei besteira,
Essas coisas de quem ama,
Esquentei brasa na chama,
Chamei pra dar uma volta,
Aceitou, não fez revolta,
Foi parar na minha cama!

O pai, depois do mal feito,
Reclamou com o patrão,
Esse não deu bola não,
Os dois quer tá no direito,
Agora vamos dar jeito,
Os dois precisa casar,
Aceitei sem nem pensar,
Eu casei com Catirina,
Era o nome da menina,
Mais bonita que o luar...

Passa mês três mês, um ano
Eu me sentindo feliz,
É tudo o que sempre quis,
Vivendo assim sem ter plano,
De tanto saber engano,
Desconfiava de nada,
Tudo de carta marcada,
Na jogatina da vida,
A tristeza tá perdida,
A vida dá gargalhada...

A moça então, embuchou,
A barriga tá crescida,
Minha sorte decidida,
É nesse mundo que vou,
Devagarinho chegou
O meu tempo de ser rei,
Doutro caminho não sei,
Até que enfim tenho paz,
Me esqueci de Satanás
Nem pros lados eu olhei!

Acontece que a danada,
Uma noite então me disse,
Que seu coração ouvisse,
Pro móde tá embuchada,
Sonhou nessa madrugada,
Um desejo diferente,
Vai ouvindo minha gente,
Veja só se isso tem jeito,
Com todo amor no meu peito,
Me pediu, de modo urgente,

Pra matar essa vontade,
Coisa que não tem juízo,
Me falou que era preciso,
Lhe trazer até de tarde,
Coisa de gente covarde,
Me pegou desprevenido,
Agora tô convencido,
Não tenho mesmo sorte,
Isso me cheirava a morte,
A língua do boi bandido!

Eu tentei desconversar,
Catilina então chorava
Dizia que eu não amava,
Me falando, sem parar,
Que se não fosse pegar,
A língua do desenfeliz,
Nosso filho tão feliz,
Ia ser um desgraçado,
Nesse choro, maltratado,
Minha vida por um triz...

Sem ter jeito nem escapo,
Cheguei perto desse boi,
Nesse dia então se foi,
Dei pancada até sopapo ,
Por pouco que não fui capo,
Numa chifrada mal dada,
A calça saiu rasgada,
Quase que fico capado,
Mas o boi foi deslinguado,
Sua língua ensangüentada...

Peguei, então tal troféu,
Voltei correndo pra casa,
Coração queimando brasa,
Descortinei esse véu,
Nesse inferno, cadê céu?
Reparei na gargalhada,
Eu não pensei em mais nada,
Minha vida não tem jeito,
Reparando bem direito,
No riso da desgraçada,

Eu vi que fora enganado,
A tal dessa Catirina,
Que pensei ser a menina,
Por quem fui apaixonado,
Tinha já se transformado,
De maneira diferente,
Num jeito mais repelente,
Com dois chifres apontando,
Era o diabo enganando,
Rindo seu riso contente...

Vazei então no capinado,
Deixando tudo depressa,
Não querendo nem conversa,
Com o bicho disgramado,
Sem vergonha e tão safado,
Ter me deixado sozinho,
Procurei o meu caminho,
Não posso mais ter nem paz,
Esse bicho ruim é capaz,
De me comer picadinho...