quarta-feira, maio 17, 2006

POR NÃO CRER NESSES FANTASMAS

Por não crer nesses fantasmas

Que atrapalham nosso sono

Por não ver nesses miasmas

Nem acreditar em mono

Bichos de sete cabeças

Nem em trem desgovernado

Foi que tive nas travessas

Travessura vai formando,

Com esse mesmo alentado

Que me fez assim calado

Palavras poucas consumo

Não penetro nem no sumo

Das poucas que sei usar.

Nasci quase taciturno

Emburrado, sem sorriso,

Dos dias todo seu turno

Foi do meu tempo preciso

Percebo que sei de nada

De nada quase não sei

Minha vida vai estrada

Por tantas quantas passei

Fui da ponta dessa espada

No choro da carpideira

Fiz de toda sexta feira

Minha trama mais pecada.

Foi meu mundo minha escola

Das lições sei a primeira

Quem não luta não decola

Quem faz tanto nada faz

Quem quer mostrar ser capaz

Num precisa de recado

Nesse mundo meu pecado

Foi o de não certeza

Se serve tanta tristeza

Pra que que se reza tanto

Se não existe mais santo

Nem hora de precisão

Pra transformar em encanto

O que foi assombração.

Menino solto, liberto,

Sem ter nada nem por perto

Nem distante do meu peito

Que correndo, sempr’aberto,

Trazia por satisfeito

Cada trocado da vida

Num abraço de partida

Numa luz sem ter reflexo

Isso pode parecer

Que nada é tão mais complexo

Que não consigo entender

O resto dessa viagem

Vida seguindo, paragem.

Não podendo traduzir

Por onde mais querer ir

A não ser o recomeço

Do fosso que bem mereço

Do gosto podre do beijo

Da moça que não desejo

Mas beijo por precisão

De aliviar o meu peito

De transtornar satisfeito

O que dizem coração.

Fui crescido, de precoce,

Tantas foram as pancadas

Não permito que se coce

Essas carnes machucadas

Triste peleja da vida

Trazendo lá da partida

Um gosto de sangue em riste

A dor sendo o meu alpiste

Para que nada despiste

O Passarim sofredor

Que insiste e logo desiste

Pois não cultiva mais dor

Trafegando sem atino

Correndo feito menino

Nesse peito aparador

Acostumado a desmando

Sem entender o comando

Que destina o meu senhor

Único que conheci

Na minha sina estradeira

Por quanto que já vivi

Não tenho medo de esteira

Não sei mais tanta besteira

Pode conter meu amor.

Não tive dono nem guia

Minha vida minha trilha

Foi toda essa poesia

Feita de tanta Maria

Quantas pude ter de dia

Na minha boca safada

Que pior que minha enxada

Tanto solo desbravou

Num canto qualquer da mata

Na beleza que arrebata

Faz de todos um doutor

Nas sinas dessas meninas

Que por tanto sei, senhor,

São todas as minhas sinas

As bocas mais assassinas

Das que um homem já provou.

Criado sem asas, só,

Dum jeito sem sentir dó

Nos campos de cabrobó

Fui feito de muita lenha

Nas matas por onde embrenha

Os passos mais corajosos

Os trajes mais andrajosos

O peito guardando a senha.

Agora vou mais completo

Das dores já vou liberto

Sem mala medo sem cuia

Sem trama nem plenitude

Sem ter cabra que me ajude

Que disso não tem precisão

Nem tamoio, nem tapuia.

Nem trava no olho por certo

Vou seguindo meu deserto,

Sem querer nem companhia

Nada que me atrapalhe

Seguindo por valentia

Medo que me avacalhe

Transformando essa agonia

No sol desse novo dia

Que possa me dar alegria

A alegria dessa sorte

Da morte tenho alergia

Por isso sigo meu norte

Não há nada que me importe

A não ser minha batalha

Por esse canto qualquer

Onde possa, minha fé

Ter a força que agasalha

Fumando um cigarro palha

No corte dessa navalha

Que sangra na teimosia

Desse cabra mais inquieto

Que não teme por perto

Nem fantasma ou fantasia.

Quero trazer boa nova

Pro povo que me escutar

Venho sem lua nem trova

Chego só por eu chegar

Eu na mão trago essa rosa

Pra moça um dedo de prosa

Por causa d’uma sereia

Que transfundi nessa veia

Acendendo essa centeia

Que alumia o coração

Não quer saber de fastio

Vou vivendo meu estio

Como estivesse no cio

Carregando, mais vadio

O que não fora vazio

Meu peito sem serventia

Pra outra coisa qualquer

Quero acender o meu dia

Nos braços dessa guria

No cheiro dessa mulher

Que me deu a poesia

Agora não mais me quer

Que trago no meio dia

Da vida, sem valentia,

Comendo só de colher

A sopa amarga da vida

Que me deu a despedida

E vai hoje por qualquer

Coisa que seja capaz

De nunca olhar para trás

Nem vigor nem mansidão

Trazendo nessa amplidão

O brilho claro da lua

Iluminando essa rua

Por onde ela passará.

Tanto tempo sem falar

Falei tanto sem parar

Sem fazer descanso ao menos

Por isso pra terminar

Sem destilar os venenos

Que podia destilar;

Seguindo por esse rumo,

Buscando por meu aprumo

Procurando me encontrar

Vou terminar os meus versos

Já falei dos adversos

Já falei de diversão

Já mostrei meu coração

Já espantei esse frio

Debulhei todo esse mio

Já liguei fio por fio

Agora nada fazer

Senão olhar pra você

E nos seus olhos perder

De vez toda mocidade

Pois o fruto da saudade

Trouxe-me a firme verdade

Que não posso renegar

Minha lida é por saber

Que não consigo viver

Sem ter mulher para amar...