quarta-feira, agosto 09, 2006

Anjinho de Porre

“Menino tem cada idéia”, pensava João Polino, observando sua filha caçula, Ritinha brincando na chácara.
A menina, esperta como ela só, tinha a mania de sair correndo pelas ruas do distrito; calçando o sapato de salto alto da irmã mais velha, Maria, e com o rosto todo maquiado com o rouge e o lápis fantasiando o rosto infantil dos seus três ano, isso sem nos esquecermos do batom vermelho, acompanhado da indefectível chupeta...
Os cabelos alourados da pequena davam um aspecto angelical que contrastava com as atitudes da sapequinha.
João Polino, como todo pai que tem uma temporãzinha, babava quando via a espoletinha fazendo suas artes.
Quem não iria gostar da idéia era Maria; moça feita e bonitona, extremamente vaidosa e que não gostava de compartilhar nada. Principalmente se tivesse comprado com o seu dinheiro, como era o caso em questão.
Mas era hilariante ver o pequeno anjo mal se equilibrando nos sapatos de salto gigantesco e enfeitada como uma palhacinha.
Dona Rita, sabendo da encrenca que teria que enfrentar se não limpasse o rosto da filha, chamou-a para um canto e deu uma bronca, suave, mas incisiva.
A filha, com aquela cara de “juro que não faço de novo”, pediu desculpas e voltou para o quarto.
Criança quieta é coisa de se espantar, mas o silêncio é tão bem vindo que, às vezes, o pessoal se esquece do moleque e vai tocando o barco, quando vai ver...
Ritinha era a principal aliada das bagunças de Paulinho, o penúltimo da longa série.
Três anos mais velho, volta e meia aprontava alguma para a “santinha de pau oco”; a última delas foi quando incitou a menina a colocar uma pimenta malagueta inteira dentro da narina.
O desespero da menina deixou todo mundo preocupado, menos o sorridente Paulinho que, não confessando nem santo nem milagre, ficou quieto no canto.
Até descobrir que a malagueta malaguetava o nariz da petiz, foi um verdadeiro inferno.
Com medo da bronca que pensava tomar, Ritinha omitiu o que acontecera. Somente com muita paciência, dona Rita descobriu o mal feito.
Uma semana de castigo e Paulinho, ainda por cima, deu uns bons cascudos na cabeça da irmã dedo-duro.
Seu João Polino, já há algum tempo, resolvera entrar no lucrativo negócio de fabricação de cachaça e, para isso, fizera um alambique na chacrinha onde morava.
O alambique estava, naqueles tempos, em plena atividade, produzindo a melhor cachaça de Santa Martha, tendo consumidores em Ibitirama, Guaçui e até na longínqua Ibatiba.
Aquela porta, sempre fechada, despertava o interesse de Paulinho e de sua irmã, Ritinha.
Naquele dia de primavera, seu João cometeu um erro que seria fatal.
Ao ser chamado para atender um freguês interessado na famosa aguardente, esqueceu a porta entre aberta.
Conversa vai, conversa vem, aquele silêncio de catedral na casa.
Depois de quase duas horas de bate-papo, seu João se lembrara de que necessitava de fazer mais uns dois galões de cachaça, já que a encomenda, daquela vez, tinha sido muito boa.
Ao reparar na porta escancarada, pressentiu o drama.
Ao entrar, viu o seu anjinho de cabelo louro, junto com o irmão, Paulinho, deitados no chão, dormindo profundamente.
E um tonel de cachaça, desses médios, abertos escorrendo pelo galpão a deliciosa caninha “Santa Martha”.
Seu João Polino lamentou, além do prejuízo, o pito de dona Rita.
Os meninos, com certeza, tomaram o maior pileque de suas vidas...
E, como dizia João Polino: “Menino tem cada idéia...”