quinta-feira, janeiro 03, 2008

CORDÉIS

CORDÉIS

A MERETRIZ E A SANTA


Trazendo o viço da vida
E um vício, felicidade.
Perseguindo na cidade
As portas da despedida
Do tempo que fui feliz
No colo da meretriz
Matada por ser verdade
O boato que dizia
Que em toda essa eternidade
Rasgando essa fantasia
De dona desse bordel,
Viajava pelo céu
No cabo desse cometa
Que comentam que surgia,
No nascedouro do dia
Pelas alvorada afora
Que desde que foi embora
Escurraçada, essa moça.
Nunca mais quebrou a louça
Que compunha nessa Igreja
Para quem quiser que veja
A clarear nesses dia
Nessa imagem dessa santa
Olhos da Virgem Maria.
Pois então desde esse dia
Ando vida solitária
Buscando cara metade
Mas no mundo sem alarde
Num tem esperta ou otária
Que queira, de serventia
Ou por amor ou decreto
Viver, amar de concreto
Fazer da vida a valia
Que possa dar compromisso
Fazendo do jogo atiço
Do rogo desse serviço
Que traga minha fornada
De pão e de poesia
Pra poder só nessa estrada
Ser a minha estrela guia
Essa mão que me consola
Que me carrega a viola
E me ensina nessa escola
De que serve a valentia
Se nada mais me trazia
O rebento desse dia
Que acende todo pavio
Que me deixa por um fio
Antes que nada avacalha
Sou do fio da navalha
E gosto de ser assim
Que tudo seja por mim
Como nada mais poderia
Se tivesse essa fantasia
De ser feliz com mulher
Se Deus isso não quer
Por culpa da cafetina
Que amei desde menina
Que voava sem ter asa
Pelas soleiras das casa
Esquentando feito brasa
Aquele que nunca se acha
Que pensa que vai, despacha
E que carregando essas acha
Pra aquecer tempo mais frio
No mundo segue vadio
Meu coração sem atino
Acostumou com destino
De viver do desatino
Por causa de bruxaria
De quem nunca foi compasso
Com pressa nem o cadarço
Da vida amarrou direito
Trafegando no meu peito
Sem rumo e sem direção
Foi o lastro desse chão
O gosto azedo da vida
Assumindo a despedida,
De quem nunca mais voltou
As asas criadas vento
Os olhos partidos, tento
Fazer desse meu intento
O meu maior instrumento
Se preciso restaurar
As mãos estão calejadas
Perfumadas por suor
Trincadas pelo melhor
Da vida que a vida nega
A quem na vida trafega
Sem ter rumo que se entrega
Nos traços desse meu lápis
Que com grafite bem negro
Não deixa mais que me escapes
Sorte sem rumo e apego
Minha sombra rela o pé
Atravessa esse portão
Formiga das lava pé
Queimando meu coração.
O amor, foi reviravolta
Sentou praça sem escolta
Vacilou, o amor caiu
Ralando o seu joeio
Sangrando todo vermeio
O coração já saiu
Andou dando devorteio
Na viola que ponteio
Do mundo roçando o meio
Varando pela porteira
Que permitiu minha fuga
Mas agora já refuga
Disfarçada em brincadeira
Dessas
de saltar fogueira
Nas noites de sexta feira
Na coruja da ribeira
Qual mocho de bico torto
Vou seguindo absorto
No meio desse caminho
Que vai pra trás da fazenda
Perto daquela moenda
Que moendo, me matou
Os olhos perdidos ao leu
Percorrendo nesse céu
Em busca de minha amada
Única infeliz madrugada
Que acalentou minha lua
Que andava toda nua
Nos meus sonhos mais gulosos
Agora, como os leprosos
Do testamento mais velho,
Sem Cristo pra me curar
Embolado escaravelho
Me enovelo devagar
Qual fora ouriço caixeiro
Me defendo dos cachorro
Que lá por cima do morro
Já passam o tempo inteiro
A preparar o seu bote
A minha sina mais forte
Aquela que leva pro norte
Procurando minha sorte
Mas só tenho minha morte
Pra poder negociar
No fundo, pode estar certo
Que nada tendo por perto
É o que melhor vai tocar
O coração deslambido
Que bate de tanto sofrido
Num acalanto sem rima
Acabando com estima
Estrume tomando tudo
O corpo vai cego, mudo
Eu nem sei se me ajudo
Se posso saber o contudo
Se não sei nem o porque
De tudo que posso ver
Tá tudo selecionado
Nas cismas da minha sina
Feito mágoa cristalina
Feito matreira saudade
Gerada por contrafeitos
Contra os meus próprios defeitos
Nada posso argumentar
Só sinto nada ter feito
Nem do doce nem confeito
Mereço ao menos respeito
Pela dor que trago, o peito
Batendo feito demente
Trazendo para essa gente
Esse canto de amargar
A boca da noite vigora
Essa minha triste espora
Machuca qual catapora
Queima tal qual caipora
Me lembrando que agora
Já ta chegando minha hora
O meu tempo já se estora
É hora de ir-me embora
Embora fora de hora
Agora chegou minha hora
Doutor vou já vazar fora
Desculpe pela demora
A lua já se ancora
A barra da noite aflora
E terminando essa história
Carrego nessa memória
Os tristes olhos da Santa
Quebrados, por essa moça
Cuja carne não foi louça
Sangrada até não ter força
Com ela também fui morto
Meu pensamento absorto
Procurando por um porto
Onde possa ter descanso
Procurando pelo remanso
Desse rio que se encurva
Pra no meio dessa curva
Numa noite do sertão
De lua e de poesia
Enterrado, sem valia,
Meu inútil coração...

X

A Minha Sina capítulos 1 a 11

Cordel - A minha sina - capítulo 1 - O coronel e o doutor

Vou curvando minha vida,
Nas capotadas da sorte,
Perdoando até a morte,
Que sei que traz despedida.
Minha sina, minha vida,
Carrega tanta certeza,
De fundear a tristeza,
De trazer pano pra manga,
A morte, minha capanga,
Flutua desta leveza.

Fiz parto de sucuri,
Namorei onça pintada,
Minha sorte não foi nada.
Carreguei o que perdi,
Travei luta e não venci.
Deu empate nessa joça.
Fiz uma nova palhoça
Para morar com você;
Queria lhe conhecer,
Plantei uma nova roça.

Você foi minha quimera,
Não conheci sua manha,
Minha lida foi tamanha,
Dentro da minha tapera,
O sal da vida tempera.
Plantei feijão, plantei milho,
Plantei, em você, um filho.
Fiz da lenha essa fogueira,
Minha velha companheira,
Só tem cano e tem gatilho.

As armas da solidão,
São as mesmas que disparo,
Com meu amor, eu deparo,
Nas rotas do meu sertão,
Bebo o sim, conheço o não.
Vadiando sem parar,
Sem ter nem onde chegar,
Sou um passo da saudade,
Vou mesmo sem ter vontade,
No sertão virando mar...

Cravo dente na maçã,
Da cara de quem me escarra,
Tenho dentes tenho garra,
A vida segue mal sã.
Tem tempero d’ hortelã...
Nas enchentes da ribeira,
Desabou a barranceira,
E cobriu casa e estradão,
Nada restando, senão
Uma cama e uma esteira...

Nas ligas dessa fornalha,
As plagas se confundiram,
Vieram e se fundiram
Numa ponta de navalha,
Nessa dor bem mais canalha.
No medo da poesia,
Fiz a minha moradia,
Nos altos desse penedo,
Mas a chuva meteu medo,
Só restou melancolia...

Coronel Antonio Bento,
Cabra muito descarado,
Só matou pobre coitado,
Sempre a gosto e a contento,
Nem precisa juramento...
Pois mesmo de safadeza,
Carregado na pobreza,
Matou sem pedir licença.
Matou mais que a doença,
Por causa de miudeza.

Deu três tiros em criança,
Comeu ovo de valente,
Matou cabra já doente,
Se não me falta a lembrança,
Matou até esperança...
Sem dar chance de defesa,
Foi o rei da malvadeza,
Não perdoa nem defunto,
Quando a morte é o assunto,
Coronel é realeza...

Pois bem, meu companheiro,
Conto sem titubear,
Pela luz desse luar,
Juro pelo mundo inteiro,
Que no dois de fevereiro,
No sertão da Muriçoca,
Coronel virou paçoca,
Nas mãos desse matador,
Contratado por Doutor,
Lá da serra da Minhoca...

Doutor lá da medicina,
Homem muito conhecido,
Famoso por ser sabido,
Que conhecendo Marina,
Pelo amor, mal assistido,
Quis levar ela pro céu,
Nessa vida assim, ao léu,
Nos colos dessa montanha,
Conheceu a dor tamanha,
Na filha do Coronel...

De emboscada, na tocaia,
Foram três tiros com fé,
Dois na cabeça e um no pé,
Estribuchou qual lacraia,
Bem antes que o mundo caia,
Escapou por um milagre,
Mas a vida pro vinagre,
Ficou quase sem andar,
Agora deu de sonhar,
-Vou pescar aquele bagre...

Lá na capital mineira,
Escondido na grandeza
Da cidade, na certeza,
De que numa vez primeira,
Preparava uma rasteira,
Para o Coronel safado,
Mundo gira, tá girado,
Tempo passa sem parar,
Não perde por esperar,
Já tá tudo combinado...

Passa mês, passa dois, três,
Passa um ano sem notícia,
A vida naquela delícia,
Coronel matando rês,
Volta e meia, outro freguês.
Tudo em paz, na paz da morte,
Quem tiver pouco de sorte,
Escapa da covardia,
Vê nascer mais outro dia,
Sabe que é gado de corte...

Numa ponta de fuzil,
Na bala bem atirada,
Vida não valendo nada,
Coração batendo vil,
Nessas terras do Brasil.
A morte por encomenda,
A solidão vira tenda,
Vai cortando esse caminho,
Cabra andando tão sozinho,
É, da morte, compra ou venda...

Acontece que, Marina,
Moça bonita e safada,
Me pegou só, de empreitada,
Pela luz que me ilumina,
Foi a minha triste sina...
A moça bem sem vergonha,
Me deitou mesmo sem fronha,
Num travesseiro de terra,
Lá bem n’alto dessa serra,
Que prazer e dor medonha!

As pernas da moça prendiam,
Eram como um alicate,
Prontas para esse arremate,
Davam prazer e ardiam,
Depois, de novo, fugiam...
Madrugadas com Marina,
No mato, bem de surdina,
Dos grilos, de companhia,
Mordia, depois gemia,
Marina, doce menina...

Sabendo que essa querência
Era coisa do diabo,
Pisando em Satã, no rabo,
Imaginei qual valência
De morrer sem clemência...
Mas a vida tem seu jeito,
De fazer desse mal feito,
Uma nova circunstância,
Mesmo tendo na distância,
Essa dor que dói no peito...

Quis a vida, no seu bote,
Trazer minha solução,
Sem ter mesmo precisão,
De sangrar o seu cangote,
Nem viver desse rebote,
Tive a sanha mais querida,
De salvar a minha vida,
No meio desse pagode,
Matar esse velho bode,
Era a minha despedida.

Acontece que o doutor,
Sabendo da valentia
Que meu nome já dizia,
Entre os cabras de valor,
Escolheu, pra matador,
Dentre os homens do quartel,
Que sangrasse o Coronel,
Esse que aqui vos fala,
Me deu rifle, me deu bala,
Pra mandar ele pro céu...

Fiz que não queria tento,
Pois já conhecia a fama,
De deitar gente na lama,
De não ter um pensamento,
De saber que esse jumento,
Era a mais terrível fera,
Que riscava até cratera,
Nas pontas do cravinote,
Era preparar o bote
Que a morte sempre se gera.

Cobrei desse Satanás,
Pra fazer esse serviço,
Que eu mesmo já cobiço,
Quase vinte mil reais,
Se pedisse, dava mais...
Da raiva que ele mantinha,
Da tristeza que ele tinha,
De não poder mais andar,
Da querência de vingar,
As balas que ele retinha...

Numa noite sem ter lua,
Me preparei para a caça,
Com uns goles de cachaça,
Me dirigi para a rua,
Onde o medo não atua,
Onde a saudade não vinga,
Eu tomei mais uma pinga,
Prá coragem não fugir,
Na certeza de engrupir,
Os quatro ou cinco safados,
Que, pau desses bem mandados,
Dali não iam sair...

Acontece que, chegando,
Na casa do celerado,
Olhando assim, bem de lado,
Eu fui logo reparando,
Nesses olhos que, m’olhando,
Diziam pois sem dizer,
Que bem queriam me ter,
Da forma que sempre teve,
Na cama que me conteve,
Do jeito que fosse ser...

Marina, bem safadinha,
Camisola transparente,
Dizendo ser eu parente,
Do mesmo saco, farinha,
Me fez de galo, a galinha.
Colocou dentro de casa,
A fogueira e toda a brasa,
Que queriam tanto arder,
Era matar ou morrer,
A vingança não se atrasa...

Fiz da sorte, o sortilégio,
A vida foi na maçada,
Sangrou até na calçada,
A morte sei do colégio,
Matar foi meu privilégio.
Sei de tanta valentia,
Que não viu raiar o dia,
Sangrada no coração,
Não deixou sequer razão,
Nem a sorte que queria...


Cordel - A minha sina - capítulo 2 - Jacinta
Marina, minha menina,
Safada como ela só;
Na minha vida deu nó.
Depois da mão assassina,
Continuei minha sina;
Em busca do meu caminho,
Mas dei tempo, fiz um ninho;
Com Marina fui morar,
Tanto prazer para dar,
Por que vou ficar sozinho?

O doutor nem me pagou,
Nem precisava pagar;
Marina foi no lugar,
Foi tudo que me restou;
E, de novo, aqui estou...
Na cama dessa pequena,
Que faz bico e que faz cena;
Pronta para me engrupir,
Bastava só me pedir,
Rezava até em novena...

Mas, num dia de tristeza,
Por causa de romaria,
Cismou de ir com Maria;
Filha da dona Tereza,
Que fez voto de pobreza;
Duma forma diferente,
Dando pra todo vivente,
O que Deus lhe deu com fé,
Ia a cavalo ,ia a pé;
Toda noite um diferente...

Juntando pólvora e fogo,
O troço todo fedeu;
Marina, então se esqueceu,
E mesmo com todo rogo,
Fugiu com um tal Diogo;
Sem deixar rastro e sinal,
Juntei então no bornal,
E pra outras cercanias,
Em busca das valentias,
Recomecei meu jornal...

Nessas estradas mineiras,
Sem ter medo mais nada;
Na serra ou noutra baixada,
Fiz das rimas verdadeiras,
As ramas foram esteiras,
Onde dormi sem ter medo.
Desse meu novo degredo,
Exilado sem ter casa,
Meu peito ardendo na brasa,
Na solidão, meu segredo...

No bornal levo cachaça,
Três pistolas carregadas,
Luares e madrugadas,
Que é coisa que dá mais graça,
Cigarro prá ter fumaça;
Um monte de valentia,
Um novo romper do dia,
Quatro mortes nas “costa”
Três foram de pau de bosta,
Que nem pra bosta servia...

Num canto desse cerrado,
Onde vi onça pintada,
Pelas ribeiras, jogada,
Tudo me foi preparado
Encoivarei um roçado,
Das coisas que sei plantar,
Quiseram me contratar,
Pra fazer mais três “defunto”,
Que, pra terra de pé junto,
Era fácil de levar...

O serviço foi moleza,
Eles morreram no susto,
Tavam atrás dum arbusto,
Se borraram na certeza,
Nem me causaram grandeza.
Servicinho mais vulgar,
Mas deu pra comemorar,
A filha dum tal meeiro,
Nunca vi, no mundo inteiro,
Uma beleza sem par...

Jacinta, a moça chamava,
Tinha um rosto mais perfeito,
Tudo que tinha direito,
A moça tinha e sobrava,
Mas eu nunca imaginava
O que tinha diferente,
Pois se toda aquela gente,
Ninguém me contava nada,
Por que estava, ali, jogada,
Uma moça, assim, ardente...

Sem querer saber por que,
Não me importava a peleja,
Pois quando um homem deseja,
Nada pode convencer,
Não há do que se temer,
Nem há o que perguntar,
É só correr e pegar,
Pois, na vida o que é do home,
Nenhum bicho vai e come,
Nem preciso comentar...

Pois bem, essa tal Jacinta,
Tinha a beleza da flor,
Nem conhecera o amor,
Não procurou fazer finta,
Fui pintando, tanta tinta,
Sem licença pra pedir,
Chegando, fui conferir,
A moça bem de pertinho,
No seu colo fiz um ninho,
O seu cheiro quis sentir...

A moça ficou só no beijo
Não aceitou meu carinho,
Que, mesmo indo de mansinho,
Acendendo seu desejo,
Me deixou só no cortejo,
Fechando as pernas pra mim,
Pensei logo ser assim,
O jeito dessa donzela,
Que depois, numa esparrela,
Ia tintim por tintim...

Depois de tanto alvoroço,
Sem dar ouvido a ninguém,
Que quando a gente quer bem,
Angu não tem nem caroço,
A gente mergulha no poço,
Sem saber profundidade,
Nem pergunta da maldade,
Nem quer saber de mais nada,
A moça, perna fechada,
Parecia santidade...

Mas, depois de três semanas,
De tanto rala e não abre,
Mostrei a ponta do sabre,
Os olhinhos mais sacanas,
Que engana mas não me enganas;
Jacinta não resistiu,
De beijos, então cobriu,
Fez que teve uma vertigem,
Surpresa: não era virgem,
Onde entra um entra mil...

Quis saber dessa safada,
Por que foi que me fechou
Porteira por onde entrou,
Um boi, talvez a boiada,
Ela então, desesperada,
Me disse bem deslambida,
Que nunca na sua vida,
Ela poderia ter,
Um outro amor pra viver,
Sua sorte era perdida...

Me contou: quando menina,
Com doze anos de fato,
Deitada nesse regato,
Que a lua mais ilumina,
Nessa água tão cristalina,
Foi, um dia, se banhar,
Mas não podia esperar,
Que toda nua, e bonita,
O coração que s’agita
Nunca iria imaginar...

Na margem daquele rio,
Um moço que lá chegava,
Belo cavalo montava,
Um príncipe em pleno cio,
Enchente em tempo de estio,
Não conseguiu resistir,
A boca então quis abrir,
Num solavanco com força
Ali, acabou-se a moça,
Se deixando possuir...

Acontece, não sabia,
Que esse príncipe fajuto,
Era o safado dum bruto,
Que não tinha serventia,
A não ser na sacristia,
Que tristeza dessa sina,
Quando tirou a batina,
O padre por pilantragem,
Fez tremenda sacanagem
Com essa pobre menina...

Saiu correndo depressa
Mal completou o contado;
Eu fiquei descompassado,
Com toda aquela conversa,
A quem quer que isso interessa,
Vou contar bem devagar,
Nessa noite de luar,
Vendo de novo essa cena,
Ouvi de longe a pequena,
Num lamento, relinchar!

Sai correndo ligeiro,
Deixei tudo de empreitada,
E, naquela madrugada,
Naquele triste janeiro,
Perto daquele ribeiro,
Antes que a terra me engula,
Só falar, coração pula,
Te juro e falo verdade,
É pura realidade:
Eu tinha comido a mula!


Cordel - A minha sina - capítulo 3 - Virgulino
Minha vida vai depressa,
Nas matas desse grotão,
Onde bate coração,
Vida fazendo remessa,
Vou passando sem ter pressa,
Buscando um novo cantar,
Procurando por lugar
Onde possa ter certeza,
Que não tenha mais tristeza,
Nem do que me admirar...

Depois dessa confusão
Com Jacinta e sua laia,
Não quis saber de gandaia,
Muito menos procissão,
Procurando um novo chão,
Bicho de saia, tô fora,
Pelo menos por agora,
Nem que peça a condessa,
Até mula sem cabeça.
Encontrei por mundo afora...

Cheguei nas terras do Juca,
Pelos matos da Terena,
Naquela serra pequena,
Alma da gente cutuca,
Vivendo dessa arapuca,
Não posso dela fugir,
Vou morrendo sem sentir,
Cheiro de terra molhada,
Pelo sangue, temperada,
Brotando sem se pedir...

Pois te conto seu doutor,
Não podendo ficar quieto,
Peguei caminho mais reto,
Todo cabra de valor,
Debaixo do sangrador,
De sujeito mais safado,
Abriu desde seu costado,
Descendo o pau mete ripa,
Revirando então as “tripa”,
Deixando bem perfurado...

Empreitada como aquela,
Nunca mais eu vou saber,
Era coisa pra querer,
Sem pensar direito nela,
Por conta duma costela,
Que um sujeito me quebrou,
Mas deu o fora, vazou,
Nem notícias nem recado,
Correu pelo descampado,
Nem rastro dele ficou...

Esse maldito chulé
Dera de contar vantagem,
Isso é muita sacanagem,
Não vou deixar isso a pé,
Nem que fique tereré,
Não vou fazer de rogado,
Eu pego esse desgraçado.
Eu vou tirar isso a limpo,
Soube que está num garimpo,
Vou matar esse viado...

Peguei a minha mochila,
Despenquei, fui para lá,
Tem gente falou não vá,
Mas tem defunto na fila,
Fui correndo pr’essa vila,
Eu nem pensei duas vezes,
Quero a cabeça do sapo,
Arranco logo no papo,
Que é assim que matam reses...

No garimpo lá no Norte,
Procurei por toda parte,
Não pedindo nem aparte,
Estava com gosto de morte,
Apostei na minha sorte,
Pro garimpo fui correndo,
Mal o sol ia nascendo,
Eu nem esperei brotar,
Querendo depressa chegar,
Vingança assim, vou vivendo...
Chegando no mafuá,
Encontrei cabra valente,
Ouro tinha até no dente,
Tanta gente tinha lá
De todo jeito que dá;
Tinha velho desdentado,
Tinha cabra magoado,
Por causa duma mulher,
Todo jeito que quiser,
Muito pudim de cachaça,
Tem sujeito boa praça,
A desgraça que vier...

Perguntei pra todo mundo,
Onde estava o desafeto,
Que por certo, tava perto,
Ele chamava Raimundo,
Era um cabra vagabundo,
Tinha cicatriz na cara,
Bigode tinha na apara,
Uma cara de paçoca,
Uma cor de tapioca,
Ia sangrar numa vara...

Me pediram com cuidado,
Muita vagareza e tino,
Pois ele tinha o destino,
E o corpo tava fechado,
Que por mais que fosse errado,
Com ele ninguém bulia,
Era o rei da valentia,
Sujeito muito covarde,
Que antes que a noite tarde,
Matava mesmo de dia...

Camarada sem tempero
Senhor dessas taperas,
Maior fera entre essas feras,
Temido por companheiro
Rei dum reinado inteiro,
O maior dos assassinos,
Herói de todos meninos,
O superhomem de lá
Nó em jararaca dá,
Dobrava todos os sinos...

Sem ter medo de valente,
Cara feia e assombração,
Matador desse sertão,
Pensei dum modo decente
De levar esse vivente
Pra casa de Satanás,
Dei dois passos para trás,
Chamei esse tal Raimundo,
Que era fedorento e imundo,
Que só morte satisfaz...

Na hora do desafio,
Ele me reconheceu,
E sabendo quem sou eu,
Chamou espada no fio,
Convidando mais um trio,
Prá “mode” poder brigar,
Gostei do desafiar,
Quatro sujeito é demais,
Mesmo assim eu quero mais,
Nunca vou me acorvadar...

Porém com o sangue quente,
A gente não pensa, demora.
Eu nem pensei, nessa hora,
Que tinha lá muita gente,
Que era melhor, de repente
Esconder e tocaiar,
Podia escolher lugar
Pra pegar esse safado,
Mas deixei tudo de lado,
E com ele fui lutar...

Depois de já ter furado,
Um dos cabras de Raimundo
Uma faca entrou bem fundo ,
Me machucou desse lado,
Agora eu já tô ferrado,
Chegou a hora da morte,
Acabou a minha sorte,
Minha sina terminou,
Pensei que tudo acabou;
Mas meu Deus tem muito porte...

Na hora que eu precisava,
De uma ajuda de meu Deus,
Surgiu um cabra dos meus,
Que eu nunca que imaginava
Que esse camarada tava,
Endiabrado, esse dia,
E no mei da ventania,
Sacou de sua peixeira,
Na porrada fez fileira,
Fez à sua serventia...

Esse sujeito do Norte,
Parecia mais menino,
Chamado de Virgulino,
Não temia dor nem morte,
Para culminar a sorte,
O moço meio zarolho
Era cego só dum olho,
Mas enxergava por dois,
Numa conversa depois,
Temperou com muito molho...

Contou que era garimpeiro,
Veio de Serra Talhada,
Corria na vaquejada,
Percorreu sertão inteiro,
E que desde fevereiro,
Nesse garimpo chegara,
Que cedinho já notara,
Naquele tal de Raimundo,
Um sujeito vagabundo,
Que esse dia preparara...

Força de eu ter conhecido,
Pros lado de Pernambuco,
Um cabra bom de trabuco,
E muito do divertido,
Resolvi por mais sentido,
Nessa nossa ladainha,
Perguntei nessa tardinha,
De quem ele era parente,
Fiquei quieto de repente,
Com a resposta que tinha...

Contou-me, pra susto meu,
Que era neto de Zefinha,
Moça dessas bonitinha,
Que no passado viveu,
Que de perto conheceu,
Com muito beijo e abraço,
Moça pegada no laço,
Nas terras desse sertão,
Que teve com Lampião,
O rei de todo cangaço,

Um moleque bem criado,
Um sujeito musculoso,
Cabra muito perigoso,
Campeão de todo o gado,
Esse peão afamado,
O rei de todo sertão,
Era cara e coração
Do pai, sujeito valente,
Compreendi, bem de repente,
Que o neto de Lampião

Era o tal de Virgulino,
Que lutou junto comigo,
Sem temer nenhum perigo,
Sem ter medo do destino
Que com todo desatino,
Ajudou a terminar
Com quem quis me machucar,
Me pegar na covardia,
Mas com toda valentia,
Me ajudou comemorar...

E desde aquele incidente,
Agora não tem jeito não,
Quando vamos no sertão
Ninguém bole com a gente,
Nem na faca ou no repente,
Quem queira corre perigo
Mexeu com ele ou comigo,
Na ponta duma peixeira,
Arrepende a vida inteira,
Depressa vem o castigo...


Cordel - A minha sina - capítulo 4 - No dia em que o Diabo criou chifre
Depois de ter conhecido,
O neto de Lampião,
Lenda viva do sertão,
E tendo me convencido
Que nada mais é perdido;
Fiz pro moço, uma proposta,
Coisa de gente que gosta,
Ir pelo sertão afora,
Sem ter dia mês e hora;
Mas partiu, nem deu resposta...

Sozinho pelas estradas,
No meio de tanta areia,
Procurando pela teia,
Seguindo novas pegadas,
Esperando outras jornadas.
Homem valente de fato,
Encontrei uns três ou quatro,
Mas não queria de sócio
A vida precisa d’ócio,
Pescando nesse regato.

Acontece que sujeito
Que vive dessa maneira,
Pulando da barranceira,
Não pode ver um mal feito,
Acha que tá no direito,
De se meter em rabuda,
Não pode ver da miúda
Que entra em nova enrascada,
Saindo de madrugada,
Atrás de moça taluda...

Joaquim me deu pousada,
Pros lado do Patrocínio,
Falou num tal vaticínio,
Coisa das muito enrolada,
Botei meu pé, nova estrada,
E parti bem de mansinho,
Levando meus bagulhinho,
Guardados no meu bornal,
Quarta feira, carnaval,
Ia de novo sozinho...

Nessa mesma quarta feira,
Que é de cinzas pode crer
Montado num zabelê
Filho duma égua estradeira,
Pru móde ser mais ligeira,
Que eu precisava chegar,
Determinado lugar,
Na curva do Zebedeu,
E lá mesmo é que se deu
Isso que eu vou lhe contar...

Chegando nessa serrinha,
Que é lugar bem diferente,
Um monte de gente crente,
Disse que toda tardinha,
Avoa umas avezinha
Fazendo gesto indecente,
Mas é coisa de veneta,
Imagina, coça as teta,
Dando banana pro povo,
Os cabra mexe nos ovo,
Que isso é coisa do capeta!

Fui pagando para ver,
No que essa história daria,
Subindo na ventania,
Sem ter medo nem por que,
Esse trem vou resolver.
Num tem nem mais precisão,
De fazer sua oração,
Sou um cabra penitente,
Num tenho medo de gente,
Que dirá d’assombração!

O lugar era bonito,
Tinha cor do meu tiê
No meu velho metiê
Nunca tive tanto grito,
De mulher vaca e cabrito,
Zoando feito vespeiro,
Até fiquei mei besteiro,
Mas não arredei meu pé,
Chegando com pontapé,
Entrei nesse pardieiro.

No meio da confusão,
Reparei numa bobagem,
Reparei na sacanagem
Que não tinha nem perdão,
Um tremendo mocetão,
Tava toda machucada,
A bunda toda lanhada,
Riscada com um chicote,
Mesma hora dei o bote,
Levando a destemperada...

Moça bonita e dengosa,
Tinha os olhos rabichados,
Os lábios grossos, inchados,
Um perfume igual a rosa,
Eta bichinha gostosa!
Eu, na hora pensei nela,
Arretada matusquela,
Banquete prum homem só,
Nem pensei em ter mais dó,
Esqueci dessa esparela...

A moça num conseguia,
Falar na minha linguagem,
Mas pra quem quer sacanagem,
Era de pouca valia,
Entender o que dizia,
Não preciso nem falar,
Comecei a cutucar,
A moça de pouco a pouco
O troço deixando louco
Vontade de não parar...

Que boca boa, eu beijava,
A minha mão bem safada,
Fazia sua jornada,
Enquanto ela delirava,
Sua blusa eu abaixava,
As tetas todas macias,
Minhas mãos eram vadias,
Chegavam nas suas coxas,
As florizinhas mais roxas,
Não tinham tais serventias...

A perna da moça aberta,
Esperando pela clava,
Tanto gozo que se lava,
A danadinha era esperta,
Coisa boa que se flerta
Nunca se esquece mais não,
Deitei gostosa no chão.
Cavalguei essa danada,
Minha vida desgraçada,
Parecia ter perdão...

Tanto gosto, tanta festa,
Depressa a noite chegou
Quem gozou não reparou
Uma porrada na testa,
Uma pancada indigesta,
Acabei desacordado,
Quando vi, tava danado,
No meio desse barraco
Que recendia a sovaco,
Misturado com meleca
Reparei nessa boneca,
Mas sentindo do meu saco...

Num canto, tava amarrado,
Pelo saco sim senhor,
Por isso senti a dor,
Um calor desesperado
Tô frito, talvez assado,
Eu pensei por um segundo,
Nessa merda eu me afundo,
Não vai sobrar nem pentelho,
Vi um cabra de vermelho,
Mais feio que o tal Raimundo...

A morte não tinha pressa,
Fiz promessa de jurar,
Que nunca mais vou matar,
A minha mão Deus engessa,
Atadura nem compressa,
Precisa mais ter valor,
Nunca mais um matador,
Nunca mais um sanguinário,
Se meu Deus me der contrário,
Prometo agir com amor...

Apois bem, nem compensava
A morte via de perto,
Nem podia ser esperto,
O troço se complicava,
O moço os olhos injetava,
Com brabeza sem igual,
Meu último carnaval,
Era fava mais contada,
Toda tristeza instalada
Morto naquele arraial...

Uma voz de touro bravo,
Foi berrada neste instante,
Com três metro o tal gigante,
Me disse: em teu sangue lavo
Tu não serves nem pra escravo,
Depois dessa que aprontou,
Essa mulher que pegou,
Fez safadeza de fato,
Fez dela gato e sapato,
Pro chão, você arrastou...

Essa dona é melindrosa,
Com ela não bole não,
Ela é minha tentação,
Do jardim é minha rosa,
Eu sei que ela é bem fogosa,
Já lhe dei muita pancada,
Mas bem sei que a desgraçada,
É chegada em aprontar,
Qualquer um que for chegar,
A vadia é bem chegada...

Mas nunca tinha me dado,
Tanto trabalho afinal
Nesse fim de carnaval,
Parece ter despertado,
O que tem de mais tarado,
As pernas não sossegou
Depressa ela se entregou
A um vagabundo sem eira,
Depois de tanta besteira,
Um par de chifre botou...

A minha cabeça lisa,
Tá ficando encaroçada,
Por causa da disgramada,
Que tanta lição precisa,
Em teus bagos se batiza,
Não vai sobrar mais nada,
Nem sombra dessa safada,
Nem de você seu matuto,
Agora cansei, fiquei puto
Essa conversa fiada!

O trem estava fedendo,
Eu não vi mais solução,
Amarrado no culhão,
O calor já tava ardendo,
Eu pensei: já ‘to morrendo,
Num tem outro jeito não,
Pedi a Deus seu perdão,
E rezei com muita fé,
Mas, de repente, num pé
De vento uma solução...

Quando senti ventania,
Olhei de beira pro lado,
O troço tava arretado,
Meu Bom Deus me protegia,
Apesar das covardia
Que tanto fiz por aí,
Nesse momento eu senti,
Que meu Pai não me deixara,
Nesse vento que ventara,
Surgiu, do nada, o Saci...

Junto com o Pererê
Tava amigo Virgulino,
Que em todo esse desatino,
Nunca iria se esquecer
Dum amigo pra valer,
Companheiro do perneta,
Um tocador de trombeta,
Um arcanjo lá do céu,
Que no meio desse escarcéu,
Deu porrada no capeta!

Trazia de tira colo,
Aquela santa menina,
Ela mesmo, a tal Marina,
Por pouco que eu não me enrolo,
Vendo nesse mesmo solo,
O trio que me salvara,
Tomar vergonha na cara
E parar de safadeza,
Me perdendo nas beleza,
Vou parar com essa tara...


Cordel - A minha sina - capítulo 5 - Na terra do cirandar...
Depois de ter conseguido,
Sair do tal Tororó,
Vazado, comendo pó,
De me sentir perseguido,
Tanto tempo lá perdido,
Nessa ciranda de roda,
Minha vida tendo poda,
Por causa desse diabo,
Tá tentando me dar cabo,
Não vou cantar essa moda!

E quase que ele me pega,
Usando da fantasia,
Que meu peito já queria,
Mas a verdade me nega,
Amor é coisa que cega...
Tenho que ter mais calma,
Pois senão perco minha’alma,
A coisa pode estourar,
Não quero mais complicar,
Nem enfiar minha palma...

Nesse mundo da ciranda,
Pensei sair bem depressa,
Mas a vida me confessa,
Que pra frente é que se anda
Senão a coisa desanda,
Não vai sobrar nem poeira,
Dançarei a vida inteira,
Sem ter como nem dizer,
Eu não quero assim morrer,
No meio dessa besteira...

Bem perto do Tororó,
Tem as terras do De Conta,
Onde tem gente que apronta,
Faz e nem sente mais dó,
Comendo um saco de pó,
A gente passa por lá,
Tem tanta gente que dá,
Vontade de ficar triste,
O meu peito não resiste,
Dessa gente muito má...

Um grito desafinado,
Bem agudo por sinal,
Foi todo meu grande mal,
Eu ouvir o tal miado,
Um bicho pobre felino,
Tava nesse desatino,
Amassado qual paçoca,
Corria de toca em toca,
E pedra em cima, zunino...

Foi pedra e foi paulada,
O bichano quase urrava,
De tanto que apanhava,
Mas não pensei mais em nada,
Também dei u’a cacetada,
Acertei bem de primeira,
Foi uma bruta sangreira,
O gato tá esfolado,
Dessa vez tá bem matado,
Mas vazou na capineira...

Dona Chica s’admirou
Do berro que o gato deu,
O danado não morreu,
E bem depressa escapou.
Pras terras pr’onde vou,
Vou guardar acontecido,
Dele não ter se morrido
Não vou mais m’esquecer,
Quase vi gato morrer,
Mas agora tá fugido...

Saí depressa dali,
Fui em busca d’outro canto,
Mas, logo ouvi novo pranto,
Escorrendo qual xixi,
Nessa mata me perdi,
Procurando quem chorava,
Uma bela moça estava,
Triste que dava pena,
Sua mão de longe acena,
Perguntei que se passava.

A moça então já me disse,
Que um moço cirandeiro,
Acendeu o candeeiro,
Depois fez muita bobice,
Que bem antes que s’ouvisse,
Deixou ela tão sozinha,
A moça era bonitinha,
Minha vontade coçou,
Logo se recuperou,
Pensei logo na Ritinha...

Ela falou da ciranda,
Da meia volta prá dar,
Onde fora cirandar,
Mas caiu meio de banda,
No mundo fez a quitanda,
Mas a vida foi mesquinha.
“O amor que ele me tinha,
Era pouco e se acabou”;
Me mostrou ali no lado,
Um anel todo quebrado,
Foi tudo que lhe restou...

Deixei a moça tristonha,
Não pude falar mais nada,
Passei para outra estrada,
Numa curva mais medonha,
Dessas que nem gente sonha;
Pesadelo sei de cor,
Uma dor foi bem maior,
Quando tive o desprazer,
De perto conhecer,
Uma sina bem pior...

Um moleque bem safado,
Filho do Seu Francisco,
Um pivete bem arisco,
Ria-se tanto o danado,
Um jeito desengonçado.
Quis saber logo o porquê,
Só pedi pra me dizer,
Ele me contou sorrindo,
Foi contando achando lindo
O que passo pra você:

“Pai Francisco entrou na roda,
Tocando seu violão”.
Não fazia nada não,
Mas tem gente que vem, poda,
Nem pode cantar mais moda,
Delegado não quis não,
“Pai Francisco foi pra prisão”.
“E como ele vem faceiro”,
Contava pro mundo inteiro,
O seu filho, sem perdão...

O pobre tão machucado,
Depois de tanto apanhar,
Não podia nem cantar;
“Vem todo requebrado,
Boneco desengonçado”.
Eta filho desumano,
O velho entrou pelo cano,
Tomou tanta da porrada,
Inda agüentar a gozada,
De beltrano e de sicrano!

Deixei depressa esse mato,
Fui buscando outra paragem,
Mas a tal da sacanagem,
Não respeita nem regato,
Como digo, assim, de fato.
Percebi, numa sacada,
A rosa despedaçada,
Que, por causa dum entravo,
Brigou com um velho cravo,
E saíram na pancada...

E logo ali, adiante,
Vinha moça bem tristonha,
Roupa amarrada na fronha,
Que por tristezas que cante,
Me mostrava estar diante,
Dum caso que me entristece,
A moça bonita padece,
Duma pobreza sem dó,
A vida fazendo nó,
A dor no meu peito cresce...

Me dizia não ter cobre,
Tanta coisa assim perdi
De marré, marré, dici;
Eu sou pobre, pobre, pobre...
Eu tentei um gesto nobre,
Mas reparei meu bornal,
Não dava nem pro mingau,
As migalhas que trazia,
Meu bem, fica proutro dia,
Quem sabe lá pro Natal?

Andando mais um pouquinho,
Passando naquele rio,
De noite um tremendo frio,
Reparei, bem de mansinho,
Um sapo dando pulinho...
Mas não era um pulo só,
Tanto pulo dava dó,
Tava todo jururu,
Era um sapo cururu,
Cum frio no fiofó!

No meio do sururu,
Uma coisa também vi,
Me deu vontade e eu ri,
Um tremendo brucutu,
Falando assim pro bitu:
“Vem aqui, bitu, vem cá”,
“Não vou lá, eu não vou lá”,
Respondia o bicho arisco,
“Você me quer de petisco,
Não quero mais apanhar”.

Saindo desse buraco,
Passei por rapaz chorão,
Chorava de borbotão,
Eu fui logo dar pitaco,
Me respondeu num só taco:
“Deus, o que será de mim,
Como vou viver assim.
O meu boi, tadim, morreu”...
Mas antes ele que eu:
“Vai buscar no Piauí!”

Depois de tanta mazela,
Encontrei uma saída,
Dei um tchau na despedida,
‘Tô ficando matusquela,
Escapei dessa esparrela,
Mas pra nunca me esquecer,
Do meu grande bem querer
Pra não perder a centelha,
Peguei a rosa vermelha,
Hei de amar até morrer!


Cordel - A minha sina - capítulo 6 - Boi bandido e Catirina
Depois de ter escapado
Da terra do cirandar,
Eu voltei a procurar,
O meu destino marcado,
Ter meu mundo desolado,
Num momento diferente,
Voltar ser, de novo, gente;
Podendo ter paz na vida,
Buscando sem despedida,
Viver, de novo, contente...

Partindo do tal reinado,
Encontrei novo caminho
Entrando, bem de mansinho;
Num belo mundo marcado,
Pelos campos, verde prado,
De beleza assim, sem par;
Pois esse belo lugar,
De bonito dava brilho,
Não quero perder o trilho,
Mas preciso descansar!

Coisa mais sensacional
Era tal lugar bonito,
Digo, redigo e repito,
Eu nunca vi nada igual,
Parecia um festival
Dessa natureza em flor,
Nunca tanta vi tanto verdor,
Nem em sonhos ‘maginei
Pois foi lá que desbanquei
Esse peito sofredor...

Conheci moço bacana,
Um doutor muito educado,
Me falou ter procurado,
Um cabra que não engana,
Tinha muito safardana,
Enganando o pobre moço,
Eu não fiz muito alvoroço,
Mas pedi logo um emprego,
Cuido de vaca e burrego,
Carregando água de poço...

Olhei pra cara do dono,
Me disse que tava bem,
Não confiava em ninguém,
Vivendo nesse abandono,
Um rei grande no seu trono;
Mas, porém, sem confiar,
Tanto deram de enganar
Um moço tão confiado,
Entendi o seu recado,
Comecei a trabalhar...

Me falou dum boi bandido,
Que era boi dos premiado,
Um tal boi condecorado,
Boi daqueles bem vestido
Por Deus, boi escolhido,
Um campeão de rodeio,
Tinha um couro bem vermeio,
Era grande pra danar,
Era boi pra se ganhar
Bem mais de milhão e meio!

Costumado a criar gado,
Nos tempos lá das Gerais,
Pensando não querer mais,
Esse mundo disgramado
De correr lado pra lado,
Buscando por valentia,
Escapar da covardia,
Do capeta mais chifrudo,
Entro calado, vou mudo,
Viver essa regalia!

Eta mundinho dos bão,
Viver aqui na moleza,
No meio da natureza,
Sem ter preocupação,
Não quero mais nada não.
Só quero essa vida boa,
De tardinha na garoa,
De noitinha no meu quarto,
A vida enfim, me deu trato,
Fez canoeiro e canoa...

Nesse campo bem verdinho,
Sem ter seca nem ter fome,
O que se quiser, se come,
Só tá faltando carinho,
O resto vai direitinho,
Não quero sair daqui,
É, pois, tudo o que pedi,
Pensei estar realizado,
O meu coração, danado,
Resolveu se divertir...

Tinha moça bem faceira,
Filha dum sujeito bravo,
Mas sem temer por agravo,
Eu cantei a noite inteira,
Esperei, falei besteira,
Essas coisas de quem ama,
Esquentei brasa na chama,
Chamei pra dar uma volta,
Aceitou, não fez revolta,
Foi parar na minha cama!

O pai, depois do mal feito,
Reclamou com o patrão,
Esse não deu bola não,
Os dois quer tá no direito,
Agora vamos dar jeito,
Os dois precisa casar,
Aceitei sem nem pensar,
Eu casei com Catirina,
Era o nome da menina,
Mais bonita que o luar...

Passa mês três mês, um ano
Eu me sentindo feliz,
É tudo o que sempre quis,
Vivendo assim sem ter plano,
De tanto saber engano,
Desconfiava de nada,
Tudo de carta marcada,
Na jogatina da vida,
A tristeza tá perdida,
A vida dá gargalhada...

A moça então, embuchou,
A barriga tá crescida,
Minha sorte decidida,
É nesse mundo que vou,
Devagarinho chegou
O meu tempo de ser rei,
Doutro caminho não sei,
Até que enfim tenho paz,
Me esqueci de Satanás
Nem pros lados eu olhei!

Acontece que a danada,
Uma noite então me disse,
Que seu coração ouvisse,
Pro móde tá embuchada,
Sonhou nessa madrugada,
Um desejo diferente,
Vai ouvindo minha gente,
Veja só se isso tem jeito,
Com todo amor no meu peito,
Me pediu, de modo urgente,

Pra matar essa vontade,
Coisa que não tem juízo,
Me falou que era preciso,
Lhe trazer até de tarde,
Coisa de gente covarde,
Me pegou desprevenido,
Agora tô convencido,
Não tenho mesmo sorte,
Isso me cheirava a morte,
A língua do boi bandido!

Eu tentei desconversar,
Catilina então chorava
Dizia que eu não amava,
Me falando, sem parar,
Que se não fosse pegar,
A língua do desenfeliz,
Nosso filho tão feliz,
Ia ser um desgraçado,
Nesse choro, maltratado,
Minha vida por um triz...

Sem ter jeito nem escapo,
Cheguei perto desse boi,
Nesse dia então se foi,
Dei pancada até sopapo ,
Por pouco que não fui capo,
Numa chifrada mal dada,
A calça saiu rasgada,
Quase que fico capado,
Mas o boi foi deslinguado,
Sua língua ensangüentada...

Peguei, então tal troféu,
Voltei correndo pra casa,
Coração queimando brasa,
Descortinei esse véu,
Nesse inferno, cadê céu?
Reparei na gargalhada,
Eu não pensei em mais nada,
Minha vida não tem jeito,
Reparando bem direito,
No riso da desgraçada,

Eu vi que fora enganado,
A tal dessa Catirina,
Que pensei ser a menina,
Por quem fui apaixonado,
Tinha já se transformado,
De maneira diferente,
Num jeito mais repelente,
Com dois chifres apontando,
Era o diabo enganando,
Rindo seu riso contente...

Vazei então no capinado,
Deixando tudo depressa,
Não querendo nem conversa,
Com o bicho disgramado,
Sem vergonha e tão safado,
Ter me deixado sozinho,
Procurei o meu caminho,
Não posso mais ter nem paz,
Esse bicho ruim é capaz,
De me comer picadinho...

Cordel - A Minha Sina Capítulo 7 - Caçando o porco errado...
Depois de ter escapado,
Das terras do faz de conta,
Tanta coisa que se apronta,
Meu mundo vai enganado,
Não me resta nem recado.
O bornal ficou por lá,
Quem mandou me casá
Com a tal de Catirina,
Quase me pegou de quina
De modo a me extropiá.

Minha sorte é que deixei,
Escondida nesse mato,
Na beirinha do regato,
Foi depois que me lembrei,
Quando na mata cacei,
A minha velha espingarda,
Senão a vida danada,
Acabava duma vez,
Já tava morta essa Inez,
Não ia sobrar mais nada...

Com espingarda na mão,
De fome não vou morrer,
Riacho dá de beber,
Vou seguindo a procissão,
Vazando pelo sertão,
Deixando tudo pra trás
O Maldito Satanás
Não vai desistir da caça,
Passa vila passa praça,
‘Tô precisando de paz...

Depois, pensando direito,
É que fui lembrar com calma,
O que vai ser da minh’alma,
Mas o feito já tá feito,
Metendo as caras e o peito,
Eu pensei bem devagar,
Como fui engravidar,
Pensei na minha veneta,
A mulher desse capeta,
No quê que isso vai dar?

Deixei de lado a bobiça,
Vazei no trecho, direto,
Seu capetão vadre reto,
Eu não posso ter cobiça ,
Senão essa joça enguiça,
Vou deixar de lero lero,
Se me dar também eu quero,
Vou caçando esse meu rumo,
Quem sabe acerto meu prumo?
Assim seja, assim espero...

Depois de muito caminho,
Estou de novo sozinho,
Nas matas do Jequibá,
Sem vontade de casar,
Vou caçando passarinho,
A fome tá me matando,
Assim eu vou reparando,
Nas belezas dessa serra,
O bom cabrito não berra,
É melhor sair caçando...

Logo perto dum regato,
Achei um rastro bendito,
Eu vou poder comer frito,
Rastro de porco do mato,
Vou rapidim dar um trato,
A carne é muito gostosa,
É caça das preciosa,
Dá pra gente empaturrar,
Saí depressa a caçar,
Minha barriga já goza...

Mas, essa maldita sina,
Não dá sossego nenhum,
Senti um cheiro, um futum,
Um fedor mei de latrina,
Me lembrei de Catirina,
Um tremendo pescoção ,
Me jogou, logo no chão,
Quase me arranca o papo,
Tomei um outro sopapo,
Apanhei pior que cão...

Em cima do tal do porco,
Um anãozinho dos feio,
Com o cabelo vermeio,
Tava me dando um sufoco,
Eu peguei então um toco,
Dei pancada demais,
O danado foi pra trás,
Num segundo pus sentido,
Os pé do bicho invertido,
Eu não posso ter mais paz...

Deu risada e gargalhada,
Reparei então nos dente
Os dente desse demente,
Tinha a cor esverdeada,
Tomei tanta porrada,
Por pouco ele não me estora,
Eu ‘tô ferradim agora,
Não tenho mais nem saída,
Eu vou perder minha vida,
Nas mãos desse Caipora...

De repente ele parou,
Me falando assim de banda,
Quase que tudo desanda,
Quase que você matô,
Um bicho de muito valô
O meu porco é montaria,
É por isso que eu batia,
Pra você se sussegá,
Agora, pode caçá,
Mas manera a valentia...

Num precisa de regalo,
Nem de fumo nem de esteira,
É só num fazer besteira,
Mata passarim ou galo,
Prá comer não atrapalho;
Só num gosto de maldade,
Nem de saber crueldade,
Com os bicho cá do mato,
Entonce tá feito o trato,
Você ganhou liberdade...

Não me bastou Satanás,
Quase que eu estou ferrado,
Fui caçar o bicho errado,
Minha vida deu pra trás,
Nessas matas, nunca mais...
Vou pegar minha espingarda,
Vou vazar dessa invernada,
Vou sair do matagal,
Depois de tomar um pau,
Não quero saber de nada...


Cordel - A minha sina - capítulo 8 - Um tiro dado pela culatra... E salvador.
Acontece que, na pressa
De sair do matagal,
Eu trupiquei nesse pau;
Minha vida anda as avessa,
Inda morro numa dessa!
As perna quase parti,
De cara pru chão caí,
O negócio tava feio,
Eu num arranjava meio,
Desse fardunço saí...

Machucado, bem doído,
Tive que ficar parado,
Cheiro de mato queimado,
Eu pensei: eu tô perdido,
Nesse caminho comprido,
Eu num tenho salvação,
E não tem mais jeito não,
Como posso me escapar,
Se não encontro lugar,
Nem encontro solução...

A noite tava chegando,
Escura e muito fechada,
É parar a caminhada,
Ali ficar matutando
Num posso sair andando.
O mato pegando fogo,
Complica mais esse jogo,
Brilhando lá d’outro lado,
Se chegar eu tô ferrado...
Rezei, pedindo num rogo.

Arrastei dentro da mata,
Devagar, fui deslizando,
Vi dois foguinho brilhando,
Tanto medo me maltrata,
Procurei marca de pata,
Encontrei um rastejar,
Trem começa a complicar,
Os dois olhinhos brilhando,
Nesse bicho rastejando,
Pensei logo : Boi Tatá...

Escondido desse bicho,
Fiquei nesses matagá,
Eu sei que esse Boi Tatá,
É pior que carrapicho,
Se não vazar num esguicho,
O troço pode feder,
O danado vem fazer,
Com o pobre do coitado,
Um fogaréu desgraçado,
Fazendo o cabra morrer...

Depois é que me lembrei
De ter matado um gambá,
Os restos dele deixá,
E pelo que eu já bem sei,
Esse gambá que matei,
É que trouxe esse malvado,
Não vivo mais sossegado,
Minha sina é de matar,
Como é que vou escapar,
Desse bicho disgramado...

Mas pru sorte, seu dotô,
Deus é muito meu amigo,
Com Ele corro os perigo,
Me protege sim sinhô,
O meu maior protetô!
Um caçador, nesse instante,
Deu um tiro na vazante,
Do rio que passa perto,
Esse tiro foi incerto,
Passando bem raspante...

Esse tiro salvador,
Dado sem ter direção,
Foi a minha salvação,
Esse tal de caçador,
Sem ter noção, atirou
Na casa do Boi Tatá,
Acertando tudo lá;
E fazendo um grande estrago,
Escapei dessa, tô pago,
Mato parou de quemá...

O caçador, desastrado,
Me salvou desse bagaço,
A faca que corta é d’aço,
O medo traz estampado,
Eta mundão mais danado,
Feito de cruz e diabo,
Vou babando igual quiabo,
Eu tô fedendo defunto,
Mas vamo mudá d’assunto,
Pois senão assim, acabo...


Cordel A minha Sina Capítulo 9 Matinta Perêra


Escapando dessas matas,
Nas terras do Boi Tatá,
E precisando encontrar,
Por terras menos ingratas,
Passei por morros, cascatas,
Por luares e sol forte,
Seguindo o rumo do Norte,
Na busca da solução,
Não via outro jeito não,
Tentar escapar da morte...

Seguindo lá pra Bahia,
Tanta coisa por dizer,
Não queria me perder,
Tanta coisa que eu fazia,
Esperava pelo dia,
Da verdade, libertar..
Nem podia descansar,
Chegar de manhã, de tarde,
Sair sem fazer alarde,
Novas matas chafurdar...

Depois de muito caminho,
Precisando d’acalento,
Dormindo só no relento,
Tive que procurar ninho,
Não me importa estar sozinho,
Noite não tinha luar,
A mata pra se embrenhar,
A vida fica de fora,
Escapei do caipora,
É melhor pra descansar...

No meio da noite escura,
Um passarim lá cantando,
Com o bico se espraiando,
Dizia, tal criatura,
Canto que ninguém atura,
Reparei nessa bestêra,
Por detrás da capoêra,
Procurei nem deu pra ver,
Depois pude perceber,
Era o Matinta Perêra...

Procurei donde chegava,
O canto dessa agourenta,
Escutei mais de quarenta,
A peste nunca parava,
A diacha só cantava,
Trazendo uma maldição,
Corri, diantava não,
A danada arrepetia,
A terrível cantoria...

Já cansado de correr,
Vi que não tinha mais jeito,
Não tenho mais nem direito,
Maleita, peste, vou ter...
E depois d’adoecer,
É torcer pra ficar bom,
O danado desse som,
É coisa pior que praga,
Inté valente se caga,
Não canta num outro tom...

Bem mais tarde se lembrou,
Duma coisa que sabia,
Convidar para outro dia,
O passarim que piou,
Com o qual já s’assustou
Para tomar um café,
Gritou com força e com fé,
O Perêra concordou,
Foi pelas mata, avoou,
Fui devagar pé no pé...

Na madrugada alvorada,
Ouvi tremendo barulho,
Parecia que os entulho
Das mardita alma penada,
Tava a fazer revoada,
Perto donde eu lá dormia,
A noite tava bem fria,
A mata tava sem lua,
Vi uma mocinha nua,
Me chamando, essa vadia...

Eu pensei ser o Perêra,
Que chegava pro repasto,
Olhei de banda, de fasto,
Valeu essa noite intêra,
Já pensei nas bandaiera,
A moça era bem bonita,
Tinha jeito de cabrita,
No cio, a bichinha tava,
Então me refastelava,
Eta mocinha catita...

Dei meu braços pra safada,
Agarrei nessa cintura,
Com tamanha formosura,
Viva a vida a madrugada,
Vou lhe dar uma pernada,
Vou fazer festa de monte,
E bem antes que s’aponte,
O sol na barra do dia,
Vou pegar essa vadia,
Já tá feito meu apronte...

Acontece que a demente,
Agarrou com tanta força,
Que nem parecia moça,
Eu até fiquei descrente,
O sol lá no seu nascente,
Apontava sua cara,
A moça ria da tara,
Chegava, então, gargalhar,
Num mexia do lugar,
Todo mordida se sara...

Nesse embrolho de dar dó,
A moça deu um chupão,
Acelera o coração,
Quase que virei foi pó,
Na garganta deu um nó...
Nesse momento, a portera,
Aberta na ribanceira,
Eu vi um redemoinho,
Pensei não tou mais sozinho,
Deve ser a tal Perêra...

Quando vi tal reboliço,
A garganta já mordida,
Minha vida tá perdida,
Já tô no mei desse enguiço,
Espetando como ouriço,
A moça largou as mão,
Assim, mei de supetão,
As mão da moça era garra,
Escapuliu dessa farra,
Me largou, depressa então...

Reparei, nesse momento,
A coisa de se estranhar,
Logo depois de largar,
Bem no meio desse vento,
Arreparei tomei tento,
Eu vou contar pra você,
Pode inté te surprendê,
Um perneta bem risonho,
Como que fosse dum sonho,
O tar saci pererê!

Me contou que já sabia,
Dos caminho meu nas trilha,
E sabendo da armadilha,
Veio depressa, de dia,
Me tirar dessa arrelia,
Me livrar dessa estribeira,
Arrancando de primera,
Das mão desse Satanás,
A sorte é que veio atrás,
Ele, Matinta Perêra!


Virgulino, meu cumpade,
Sabendo dessas encrenca,
Tando com vida da avenca,
Vivendo lá c’a cumade,
Pensou na realidade,
Da vida do seu amigo,
E pediu preu vir contigo,
Prá te sarvá da peleja,
Ah! E que ele te deseja,
Munta sorte nos perigo...

Partindo sem mais dizê,
Sumiu numa ventania,
Me deixou na manhã fria,
Varejou sem perceber,
Nas mata do bem querer,
Foi correndo, foi na fé,
Não dexou nem seu chulé,
Na perna que lhe restava,
Adepois que eu reparava...
Nem tomou o seu café!!!!!


Cordel - A Minha Sina Capítulo 10 - A Cabeça Satânica


Depois de ter escapado,
De novo dessa mulher,
Pensei preciso de fé,
Senão eu já tô ferrado,
Nesse mundo desgraçado,
Sem tentar escapatória,
Dei a mão à palmatória,
Vazei daquele lugar,
Preciso me concentrar,
Senão nem resta memória...

Procurando me esconder,
Entrei na mata bravia,
A gente, quando se fia,
Não tem nada pra temer...
Nas matas do Zabelê,
Nas minhas Minas Gerais,
Espero poder ter paz,
Aqui a terra eu conheço,
Não pode dar nem tropeço ,
Descansar, eu sou capaz...

A noite estava bonita,
Noite de lua e luar,
Um bacurau a cantar,
Outra coruja que grita,
E quem não é bobo evita,
Escapar donde se encontra,
Não tenho medo por conta,
Mas não quero vacilar,
Deixando só por deixar,
A noite, bobeia, apronta!

Debaixo dum jetibá,
Aqui vou ficar, parado,
Descanso bem sossegado,
Repouso não vai faltar,
É melhor ir repousar,
Não perder um só segundo,
Depois eu vazo no mundo,
Procurando Deus M’acuda,
Por certo terei ajuda,
Vou dormir sono profundo...

Sonhei com tanta beleza,
Satisfiz o meu desejo,
Em anja dei muito beijo,
Espantei minha tristeza,
Nadei contra a correnteza,
Fiz a casa de sapê,
Isso é lugar de viver,
Não tem outra solução,
Pr’essas terras, pr’esse chão,
Só no sonhar dá prazer!

Encontrei com Virgulino,
Em Marina dei abraço,
Vencendo esse meu cansaço,
Eu cruzei todo destino,
Virei de novo menino,
Nas cordas dum violão,
Levantava o poeirão,
Dançando muito forró,
Da vida nem tive dó,
Balançou meu coração...

As danças que lá dançava,
Não parava de dançar,
Dançando bem devagar,
Nessas danças me encontrava,
Dancei do jeito que tava,
Não corria mais perigo,
Acabara-se o castigo,
Nem ligo pra mufuá,
O pau pode vir quebrar,
Eu finjo nem é comigo!

Sonho gostoso de ter,
A noite fazia frio,
O coração mais vadio,
Despencado de bater,
Acostumado a sofrer,
Tava bem sossegado,
Eu também tava cansado,
Precisava repousar,
Mas não dá pra descansar,
Sem ficar preocupado.

Um barulho, então ouvi,
Era o mato se mexendo,
Reparei que tava havendo,
Acordei depressa, eu vi,
Há uns dez metros dali,
Uma coisa me espantou,
Do mato se levantou,
Uma coisa diferente,
Uma cabeça de gente,
Que parece, alguém cortou...

A cabeça se mexia,
A danada até falava,
Dava riso, gargalhava,
Tanto medo ela metia,
Desabei na correria,
Sem pensar em direção,
O terrível cabeção,
Não se fez nem de rogado,
Disparou para o meu lado,
Eu não via solução...

Atrás da tal cabeçona,
Eu vi um descabeçado,
Pensei, já tô ferrado,
Meu pai já to na lona,
Vou correndo pr’outra zona,
Aqui não fico mais não,
Procurei o meu facão,
Correndo sem pena e dó,
Cortei mato, até cipó,
Vazei no capoeirão.

Me lembrei então na pressa,
O que contava vovô,
A cabeça se criou,
Na noite que não confessa,
Eu não escapo mais dessa,
Gosmenta como o quiabo,
Com essa agora me acabo,
A cabeça vem atrás,
Foi feita por Satanás
A cabeça do diabo!

Então reparando bem,
Eu vi no descabeçado,
Aquele jeito safado,
Que me lembrava d’alguém,
O capeta agora vem,
Atrás de mim, não tem jeito,
Meti as caras e o peito,
Num buraco qu’encontrei,
Lá dentro eu me enfiei,
Me dou bem por satisfeito...

Quando entrei nesse buraco,
O danado se fechou,
Quem tava fora ficou,
Escapei, foi por um naco,
Confiando no meu taco,
Fui entrando pela terra,
Um bom cabrito é que berra,
Calado morre, sem pena,
Ao entrar, que bela cena,
Um monte no mei da serra!

Tudo brilhava, dourado,
O sol lá tinha nascido,
Até hoje eu duvido,
Daquele meu novo achado,
E fiquei maravilhado,
Com o que meus olhos viu,
Nem parecia o Brasil,
Uma lagoa dourada,
Muito bela, iluminada,
Por um céu azul, anil...

Quando ouvi então sussurro,
Duas moças que se ria...
Me escondi, sem covardia,
Que eu não sou um cabra burro,
Ponta de faca dei murro,
Não quero mais confusão
Me deitei naquele chão,
Reparei que ele brilhava,
Toda a terra clareava,
Um bonito amarelão...

As duas moças branquelas,
Com o cabelo bem liso,
Vou me calar pois preciso,
Escapar pra longe delas,
As roupas bem amarelas,
Os cabelos alourados,
Até chinelos dourados,
Uma riqueza de brilho,
Parecendo até o milho,
Os cabelos cacheados..

Pensei bem onde é que estava,
Depois é que recordei,
Tanta coisa que não sei,
Mas aquela eu me lembrava,
Tanto brilho que brilhava,
Até num lago dourado,
Já tava tudo explicado,
Esse lugar diferente,
Adivinha minha gente:
Encontrei o Eldorado!

Nada mais belo no mundo,
Precisei me beliscar,
Não dá nem pra acreditar,
Que nesse buraco profundo,
Aqui nesse fim de mundo,
Lugar de muita beleza,
Lugar de muita riqueza,
Guardado nesse buraco,
Já tava ficando fraco,
Esperei na correnteza...

Quando vi, bem de repente,
Um bicho bem engomado,
Num caminho rastejado,
Apareceu bem contente,
A danada da serpente,
Começou a me falar,
Então eu fui reparar,
O negócio complicou,
Um bicho que me falou,
Já dá pra desconfiar...

De repente a gargalhada,
Conhecida já faz tempo,
Me criou um contra tempo,
Eu não pensei mais em nada,
A risada da safada,
Da mulher de Satanás,
Corri, deixando pra trás,
Tanto ouro que nunca vi,
Nem da terra despedi,
Mais que o ouro vale a paz!

Voltei de novo, correndo,
No buraco do tatu,
Tô cagado d’urubu,
Viver assim, me escondendo,
Tantas terras percorrendo,
Até descansar da sina,
Pela luz que me ilumina,
Já tô ficando cansado,
Pelo capeta marcado,
Outras tantas me destina!


Cordel A minha Sina Capítulo 11 A Besta Fera


Escapando dessa terra,
Desse famoso Eldorado,
Num caminho desgraçado,
Subindo naquela serra,
Onde coração se enterra,
A vida não tendo jeito,
Lutando pelo direito
De viver a vida em paz,
Escapei de Satanás,
Me dando por satisfeito...

Depois deste descaminho,
Nas matas não ando mais,
Eu deixei tudo pra trás,
Procurei o meu caminho,
A vida sem ter um ninho,
Onde possa descansar,
Tô precisando parar,
A vida não faz sentido,
Meu mundo está mais perdido...

Encontrei um vilarejo,
Lá perto de Sucupira,
Onde cabra bom atira,
Por vontade e por desejo.
Numa morena dar beijo,
Deitar de novo na rede,
Matar a fome e a sede,
Sem ter dó e piedade,
A danada da saudade,
Encostada na parede...

Nessa terra do pé junto,
Que se chama de Ramela,
Onde todo cabra pela,
Tesconjuro seu defunto,
É melhor mudar de assunto...
Encontrei com Virgulino,
Contei os meus desatino,
Ele respondeu na lata,
Me deu um punhal de prata,
Pra cuidar do meu destino...

Depois de muita conversa,
Se despediu o amigo,
Me disse: agora é contigo,
Me desculpe minha pressa,
Tenho que voltar depressa,
A Marina tá esperando,
É melhor ir terminando,
Que essa noite não demora,
É melhor eu ir embora...
Se despediu, me abraçando...

Fui então procurar casa,
Encontrei uma viúva,
Me fez bolinho de chuva,
O seu corpo andava em brasa,
Tanta saudade me arrasa,
Me chamou pra ir dormir,
É melhor ficar aqui,
Um lado meu me dizia,
O outro lado me pedia,
Foi esse que obedeci...

A mulher era fogosa,
Deitada naquela rede,
Viúva igual galho verde,
Balancei então a rosa,
Com dois dedinhos de prosa,
Tava feita a sacanagem,
No mei daquela engrenagem,
As coisas perderam rumo,
Alisei mantive prumo...
O resto todo é bobagem..

A noite de lua cheia,
Era plena madrugada,
Foi então que a cachorrada,
Como que tivesse peia,
Numa bagunça incendeia
Todo aquele povoado,
Num barulho desgraçado,
Assustando até defunto,
Não gostei daquele assunto
Fui depressa conferir,
Mal a porta pude abrir,
Nunca vi tanto cão junto!

Os danados dos cachorro
Corria feito o diabo,
Nesse trem inda me acabo,
Fui conferir, subi morro,
Fui prestar o meu socorro,
Quando vi um bicho feio,
Cavalo e homem no meio,
Sobre os cascos galopando,
Nos cachorros chicotando,
Sem parar sem ter nem freio...

A viúva então me disse,
Que era a tal besta fera,
Que nessas noites impera,
E se a danada me visse,
Se por acaso me ouvisse,
Era melhor cair fora,
Tô frito, pensei na hora,
Eu não dou sorte me ferro,
O bicho então solta um berro,
É hora de eu ir embora!

Não deu tempo nem daria,
Olhando pra minha cara,
Relinchou, fez que anda e para,
Disparou na montaria,
Eu vazei na noite fria,
Ele correndo por trás
Parecendo Satanás,
Não me deixou nem por reza,
Tudo que demais se preza,
A gente não é capaz...

Me lembrei do tal punhal,
Que Virgulino me dera,
Parei, olhando pra fera,
E mostrei fiz um sinal,
Pus na mão direita um pau,
O punhal também mostrei,
Parecendo que era um rei,
O bicho não quis correr,
Fez que iria até morrer,
Pra outras banda vazei...

O danado do mistério,
Se mostrou na solução,
Trotando pediu perdão,
E vazou pro cemitério,
Fiz de bravo, fiquei sério,
Ele então se acovardou,
Num momento se abaixou,
Fez então cara de triste,
O diabo não resiste,
Ao punhal que prateou...

Nem voltei para a viúva,
Peguei o meu embornal,
Varejei no matagal,
Eu prefiro até saúva,
Comi bolinho de chuva,
Fiz festança com mulher,
Vivendo como Deus quer,
Me embrenhei então na mata,
Meu destino me arrebata,
Seja lá o que Deus quiser!

A minha Sina Capítulo 12

O sonho e a nova vida

Sonhei um sonho acordado
Que me deu essa clareza.
Depois de tanta surdeza
Depois de tanto roçado
Meu caminho revelado
No sonho que eu pude ter
Era subir e descer
Quarenta e cinco montanha.
Tanta coisa assim assanha
Nunca dá pra comprender

Um nome logo guardei,
Depois da terra de Juda
Um tar de Deus nos acuda.
Que é terra de munto rei.
Esse caminho bem sei
É caminho diferente
Pregunte pra toda gente
Ninguém sabe bem dereito
A gente dá logo um jeito
De descubri, de repente...

Virgulino me dizia
Que logo que o sol raiasse
Essa estrada que eu pegasse
Dispois do tár Zé Maria
As montanha que eu subia
E dispois ia descê
Num dava pra arrependê
Era pudê incontrá,
Nas terra do Seu Babá
Os prado do Zabelê!

Apois intão ansim fiz
Caminhano mais deiz dia
Eu num tinha montaria,
Mas caminhava feliz
Levantei o meu nariz
E parti pra arribação
Clareô o coração
Pensei agora eu escapo
Nesse mundo de supapo
Já levei o meu quinhão!

Pensei nesse tár diabo
Um chifrudo de dá dó,
Logo num vô tá só,
Babendo qui nem quiabo
Em Deus me acuda me acabo!
Vô vazá da tremedêra
Caçando essa vida entêra
Um cantinho pra escapá,
Num percisa nem me contá
O resto todo é bestêra!

Apois bem, assim eu faço
Num tenho medo de macho,
O pobrema é esse diacho,
Num me vence no cansaço
Prá quem ficar um abraço,
Vô vazá no capinado,
Quem quisé fique de lado
Eu num tenho medo não
Nem desse tár capetão,
Desse bicho disgramado!

Êta caminho cumprido...
Depois de oito noitada,
Minha perna estrupiada
Quarenta morro subido
Outros quarenta descido
Deus me acuda já chegava.
A terra toda mudava
O chão já tava verdinho,
Tudo munto bunitinho
Quanta alegria me dava!

Adormeci na ribêra
Dum riacho mais bunito
O meu peito num agito
Uma coisa de premêra
Nunca vi, na vida entera
Um sonho igual eu sonhei.
Parecia inté um rei
Um moço sentado rindo
Num trono que era mais lindo
De tudo que já pensei.

Ele me chamo num canto
Me disse das safadeza
Que me dera inté grandeza
Me falô: cê num é santo,
E num percizava tanto
Que eu tinha era de pagá,
Que eu aprendesse a rezá
Senão eu tava perdido.
O meu distino cumprido.
Nunca houvera de pará...

Acontece, seu dotô
Que nesse instante passava
A muié que embelezava
Cum um cherinho de frô.
A rainha dos amô,
Cumade de Santa Rita
Me deu um laço de fita
Prá esse rei ela disse:
Meu fío dexa a tolice
A vida dele é mardita

Mas vancê vai perdoá
Esse cabra ele é do bem.
Se já feiz már prá arguém
Se ele aqui pode chegá
Se ele incontrô o lugá
Acho que tá no dereito
Apesá desses defeito,
De nova chance ele tê
Vâmo vê se vai fazê
As coisa do nosso jeito!

O rei, mei que cabisbaxo,
Oiando pra minha cara
Que essa duença se sara
Eu chorei que nem capacho
Eu ví nus ói desse macho
A brandura de Jesus,
Oiei pras marca da cruz
E implorei o seu favô
Ele de riba me oiô
Dus seus óio vi a luz...

Quano acordei desse sonho
Óiano pras cercania
Eu vi crareá o dia
Um sór danado, risonho.
Clareô mundo tristonho
Dêxano tudim bonito.
Me deu vontade de grito
Mai num falei nada não
Me mirei na direção
Dum caminzim mais restrito.

Prá sarvá meu coração
Num pérciso de pecado,
Vô ficá acomodado,
Cumecei pedi perdão,
Dexei mata dexei chão
Subi nas tár corredêra,
Era numa sexta fêra
Adentrei pelas montanha
Já vô terminá a sanha.
Mas eu errei de premêra.

A minha Sina Capítulo 13

O Arroiz e o Capim

Dispois de drumi dimais
Levantei di minhã cedo
Num tinha resto de medo,
Eu tava cheim di paiz,
Num timia Satanáis,
Já tava liberdo da dô,
Cum meus pé caminhadô,
Disparei a passiá
Era bunito u lugá,
Um lugá incantadô!

Lá nu céu o sol qui bría
Um brío desses que incanta,
Um passarim livre, canta
Numa grande maravía
Que belezura di dia!
Isquicido da mardade,
Num tinha minó sôdade
Dessa tár pirsiguição,
Fugino qui nem ladrão
Incontrei filicidade!

Disci dos árto da serra
Dispois eu vi na baxada
Um cabôco cum inxada
Cavucando ansim a terra,
Qui bom cabrito é que berra!
Me aproximei do sujeito,
Preguntei do que era feito
Aquele seu labutá,
Disse sem titubiá
Prá dexá o chão prefeito
Prá móde pudê prantá!

Deixei o véio de lado,
Seguino na caminhada
Dispois de munta passada
Deitei nuns campo cansado
Inda tava istrupiado
De tanto que caminhei
Nessa terra me encontrei
Tô mi sintino quár gente
Todo mundo di repente
Nesses canto vira rei!

Risrurvi vortá dispois
Pros canto adonde chegara
Onde o sonho me amparara
Vô prantá feijão arrois,
Se pudé criá uns bois
Daqui num quero vortá,
Aqui é o meu lugá.
Aqui eu posso vivê
Num mi importa nem morrê
Coração pacificá!


Medi as terra prás pranta
Uns dois arquere bastava
Mais ainda percisava
Pois qui sozim num se canta
A vida boa é qui encanta,
Cavalo bão num dá coice
Vô percisá duma foice
Inxada e otros petrecho,
Eu vô vortá lá prus trecho,
Vê si o véio num se foi-se

Dispois de tê caminhado
Prás banda que eu cunheci
Num negóço me perdi,
No lugá do véio calado,
Um hôme disingonçado
Cum uma fuça isquisita
Istranha aquela visita
Umas simente, capim,
Espaiáva bem ansim,
Naquelas terra bunita.

Eu reparei nu sujeito
Era dos mau encarado,
Um sujeto disgramado,
Queria punhá defeito
Nu qui o véio tinha feito!
Num gostei daquele fato,
Escundido lá no mato,
Isperei ele saí,
Poco dispois foi qui vi
Pru riba lá dum regato

O véio táva vortando,
Cum a carma que Deus deu
Divagá apareceu...
Logo fui prele contando
Falei sem nada ocultando...
O danado deu risada,
Munto brigado, di nada
Eu istranhei tanta carma.
Me disse: é uma pobre arma
Qui véve disisperada.

Cumo num sabe prantá
Arroiz como eu prantei,
Ará cumo eu já arei,
Gosta ansim misturá
Uns capin nos arrozá
Prá móde me confundi
É ansim dês qui nasci,
O pobre num tem respeito
E nunca mais vai tê jeito.
Ele vórta sêmpe aqui!

Már sabe o pobre coitado
Que num dianta fazê mardade
É só tê tranquilidade
Que nunca vai dá errado
É isperá os prantado
Crescê qui num tem pobrema,
Dispois arrancá os mato
Qui os dois nunca faiz trato,
No ovo tem crara tem gema,
Isso num dá nem dilema!!!

Ansim minha prantação
Todo esse meu roçado
Toda veiz que ele é prantado
Sêmpe a mêma confusão
Má num tem pobrema não.
Tudo fica bem ansim,
Fica tudo bem pra mim
Quem num sábe nem prantá
Num dianta misturá
Os arroiz cum os capim!

A minha sina capítulo 14

A Istrela Cadente

Estando quage curado
Depois de tanta amargura,
Encontrei tanta ternura,
Novo campo novo prado,
Meu cantar apaixonado,
A vida tinha razão,
Eu abri meu coração
E parti no meu caminho,
Gosto de andar sozinho,
Desde os tempos do sertão

Eu andava sem tristeza,
Com tanta felicidade,
Numa grande claridade
Num momento de beleza,
Nesse mundo de surpresa,
Encontrei um casalzinho,
Muntado num jeguezinho,
Lá prus lado dessas mata,
Pru riba duma cascata,
Onde canta um passarinho...

A moça muito bunita,
Muntada naquele burro,
Eu pensei cá num isturro
O meu coração se agita,
E bem dipressa parpita,
Oiando praquela moça,
Nu seu rostinho de louça
Uma beleza sem fim,
O moço oiando mansim,
Devarim nem faiz força...

Dispois de tanta clareza,
Arreparei num sigundo,
Num havéra nesse mundo
Nu mei de tanta tristeza,
A tumanha buniteza
Daquele casá que incontrei.
Na pobreza ele era rei
Tinha doçura de santo,
Uns passarim no seu canto,
Tanta carma eu incontrei...

Mais dispois arreparano,
Que de perto se ve bem,
Tava esperano nenem,
Tanta coisa nos prano
Oiano nunca me engano ,
Nascia ansin por tarveis
Inté no finár do meis...
Cumprementei o casá,
Pula estrada vô vortá
No meu caminho otra veis...

A tardinha já chegô,
Meu camim vô pricorrê
Num podeno me esquecê
Daquele campo di frô,
Daquele reino di amô,
A noite tava chegano
As istrela iluminano
Di riba prême luá
Naturaleza a cantá,
Vida num escóie prano...

Dirrepente lá no cé
Uma coisa arreparei
De tanta coisa que sei,
Numa eu boto mais fé,
Nos óio di quem me qué,
Dos amô qui dá na gente,
Ansim mei qui dirrepente,
No cé eu vi a briá
Mais bunita qui luá,
Uma istrela das cadente...

Nu mei daquele sertão,
Do meu solo nordestino,
Um brio mais cristalino
Anunciano a ampridão,
Arrupia u coração,
Martrata quem se qué bem,
Não aperdoa ninguém,
Uma istrela mais bunita
Qui na noite tanto agita,
Lá du cé caino vem...


Dispois de te reparado
Naquela istrela a caí,
Bem dipressa repeti,
Um pedido apaxonado
Desse cabra margurado,
Com sodade dos amô,
Espreitano pela frô
Tocaiado da sodade,
Viveno mais sem maldade
Nas ispera dum calô.

Dirrepente nas istrada,
Uns moço tudo enfeitado,
Todos treis acoroado,
Disparado em debandada
Surgiro
como do nada,
Me preguntaram se vi
A bela istrela a caí
Quar era essa direção,
Apontei lá pru sertão
E vi us tres prossegui...

Um brío qui nunca vi,
Arreparei lá no fundo
Crareava todo o mundo,
Coisa qui nem esqueci,
Deu vontade de parti,
Mas acabei por ficá,
Eu vi o só a raiá,
Na noite do meu nordeste,
Eu sô cabra da peste,
Mintira num vô contá!

X

Três mil réis


Nada falei, na verdade,
Por não ser coisa noviça,
Casco de barco, cortiça,
Resistindo à tempestade,
No meio de qualquer liça,
Se não briga não enguiça,
Já me traz tranqüilidade...

Feito de muita coragem,
Fui criado, muita fé,
Com tabaco e com rapé,
Não falei tanta bobagem,
Nada quis ser nada até,
Metade que sei não é,
Na vida da pilantragem...

Da vergonha sou sedento,
Não tenho medo de gente,
Nada sei de mais urgente,
Que ir correndo contra o vento...
Por mais que não se tente,
Nada que no mundo invente,
Já me dá contentamento...

Sou filho da Jacutinga,
Sou irmão de Jezebeu,
Tudo desse mundo meu,
Que conhece e não respinga,
Quem pensa que não morreu,
Nas estradas se perdeu,
Se não souber vem e xinga...

Moço criado sem medo,
Aprendi a ler no marra,
Mulher é qual gambiarra,
Vive guardando segredo,
Fui vivendo tanta farra,
Da saia, agarrei a barra,
Aprendi a casar cedo...

Nas montanhas do sertão,
Nas águas deste riacho,
A vida se escorre abaixo,
Dilacera o coração,
Das bocas já fiz um cacho,
Misturadas neste tacho,
Sei fazer embromação...

Das Minas Gerais eu vim,
Não guardei melancolia,
De tudo que eu não sabia,
Quase tudo para mim,
Muita noite, muita orgia,
Nunca quis perder um dia,
Nas balas, sei do festim...

No reco reco da sorte,
Vestígios duma certeza,
Comida sem sobremesa,
Espantei até a morte.
Da vida quero a clareza,
Não quero saber tristeza,
Bebi meu sangue do corte...

Chamusquei tanta peleja,
Nas ordens que recebi,
Por isso é que estou aqui,
Finge que vem e deseja,
Tanto amor eu já senti,
Nos teus braços me esqueci,
Tua boca não me beija...

Agora que estou marcado,
A vida não tem valor,
Na ravina deste amor,
Amor de preço cobrado,
Mais de dor e de pavor,
De frio mais que calor
Não quero morrer cansado...

Tenho um certo desperdício,
Nas escarpas da montanha,
Cabelo que não assanha,
Me criei cheio de vício,
A costa toda se lanha,
Minha sorte não me arranha,
É final de precipício...

Na calagem dessa moça,
A verdade que conheço,
Não tenho mais endereço,
Tá quebrada a minha louça,
No fim da queda, tropeço,
Nessa vida sem começo,
De chorar já formo poça...

Nada de dizer bom dia,
Nada de dizer sermão,
Alivia o coração,
Nas selas da montaria,
Não quero mais teu perdão,
Da cabeça até meu chão,
Toda vida tem valia...

Mas moço tome cuidado,
Depois de tudo que disse,
É melhor que não me visse,
A minha sina, seu fado,
De pó que já te cobrisse,
Que bom se não me bulisse,
Mas a morte dá recado...

Por conta de três mil réis,
Que é tudo que sei dizer,
Nada mais posso saber,
A vida arranco dos pés,
Não preciso mais dizer,
Sei que você vai morrer,
Por conta de três mil réis..

X

Encarnação

Nas estradas da saudade,
Um filho da terra quente,
No sertão que, de repente,
Me trazendo a qualidade
De tentar viver contente,
Tendo a valência de gente,
E conhecer igualdade,

Montei meu cavalo baio,
Nas vaquejadas da vida,
Nessa noite mais comprida
Lembre primeiro de maio,
Tanta vida que se lida,
Tanta morte descabida,
Nessa luta que não caio...

Criado sem mordomia,
No meio das terras bravas,
Na boca não ponho travas,
Não temo nem valentia,
Não me importa se me amavas
Nem as tetas que mamavas,
Nem teu pai nem tua tia...

Fui depressa num corisco,
Vazei pela mata afora,
Não tenho medo nem hora.
Da vida neguei petisco,
Quem mama nem sempre chora,
Sem nem porque sem embora.
Nas esporas sou arisco...

Chamei por muita entidade,
Me defendo sem ter medo,
Nem quero mais ter segredo,
Não vivo dessa saudade,
Minha vida, meu degredo,
Antes tarde, melhor cedo,
O resto é tranqüilidade...

Vestido de couro cru,
Nas abas deste caminho
Vou vivendo assim sozinho,
Caça, buraco e tatu,
Voando qual passarinho,
Nunca mais farei meu ninho,
O que me engorda é angu...

Cheguei de Terra sem Dono,
Não temo padre nem santo,
Não quero mais ter um pranto,
Nem quero o teu abandono...
Vou vivendo no meu canto,
Não me bastando entretanto,
Viver morrendo de sono...

Um Coronel vira bosta,
Chamando de vagabundo,
Eu varejei esse imundo,
Uma facada nas costa,
A faca cortou lá no fundo,
Agora parti no mundo,
Isso é coisa pra quem gosta...

Chamado de Farinhada,
Bastou um tapa na cara,
A vida que não se apara,
Não vale pra mim, de nada,
Quem caminhando não pára,
Valentia nunca encara,
Corto na ponta da espada...

Subindo morro ligeiro,
Na ponta do meu fuzil,
Não retiro nem um til,
Encaro tudo de inteiro,
Nas terras do meu Brasil,
Dentro desse barril,
Coronel tá no cinzeiro...

Cheguei na tarde sofrida,
Fiz tremenda confusão,
Já te lasquei bofetão,
Roubei da tua comida,
Estraguei teu coração,
Se caminho no sertão,
A minha estrada é comprida...

Não restava nem momento,
Não me deram mais nem jeito,
A morte carrego no peito,
Não preciso sofrimento,
O que tá feito tá feito,
Se não for eu endireito,
Num momento eu arrebento...

Nada fiz que me arrependo,
Não tenho medo de feio,
Nesta ciranda onde teio,
Na morte que vou vivendo,
Colocou a mãe no meio,
De chumbo vai ficar cheio,
De tanto fiz, nunca aprendo...

Encontrei linda morena,
Apaixonei de primeira,
Eta moça mais faceira,
Não gostou fiquei na pena,
A minha faca, peixeira,
Eu deitei ela na esteira,
Nem doutor sabe da cena..

Gemendo na comilança,
Olhei pra moça sem dó,
A danada virou pó,
Escapou da minha lança,
Fui parar no xilindró,
Apanhei qual pão de ló,
Depois de tanta lambança...

A moça depois eu vi,
Tinha uma marca na testa,
Depois de fazer a festa,
Mais depressa que eu sai,
A coisa fedeu não presta,
Nas bordas desta floresta,
No meio do mato eu vi...

O piar desse mutum,
Piava que retumbava,
O troço só piorava,
Eu senti esse futum,
Quem seca e nunca mais lava,
Do olho esquerdo ela chorava,
Furado que nem do assum...

A mão direita trazia,
Uma roseira bonita,
Meu coração não palpita
Na barriga dava azia,
No que restou dessa fita,
Um vestidinho de chita,
Aberto dava folia...

Eu senti a moça feia,
Da beleza que ela tinha,
Não sobrou nem gotinha,
Virou bruxa essa sereia,
A boca pequenininha,
Enfiando dente e linha,
Direto na minha veia...

Depois dessa encarnação,
Eu passei a ser um homem,
Desses que matam e comem,
Não adianta perdão,
As palavras já me somem,
Eu virei um lobisomem,
Hoje eu sou assombração!

X

A danada da paixão

Seu moço me dê licença
Deu lhe contar uma história
Essa eu já sei de memória,
Embora não lhe convença
É um caso de doença
Que se espalhou no sertão,
É preciso de atenção,
Senão num vai entender,
Como posso me esquecer
A doença da paixão?

Conheci moça bonita,
Nas estradas que passei,
Nos caminhos já fui rei...
É coisa que muito agita,
Com um lacinho de fita
A moça era bem faceira...
Eu gostei foi de primeira
Parecia uma princesa,
Me envolvi nesta beleza
Era paixão verdadeira...

Acontece que essa moça
É filha dum inimigo
Que já me trouxe perigo
De sangrar já formou poça
A mocinha era de louça
Uma bela namorada,
Eta vidinha azarada
O quê que posso fazer?
Era melhor nem saber
E parar a caminhada...

Mas o coração da gente
Não quer saber desse troço,
Bem cedo é que me alvoroço,
Não posso viver contente
Se não matar a serpente
Não posso comer esse ovo,
Já me dizia meu povo
Eu não tenho mais saída,
O que fazer desta vida
Vou encarar esse corvo...

Tantas vezes vi saudade
Voando qual passarinho
A procurar o seu ninho
Vida parece maldade
Preciso tranqüilidade
Eu não aceito conselho
Vivo nesse sol vermelho
Nessa terra meu deserto
Não tenho medo do incerto
Pode guardar seu bedelho...

Filho de cabra marcado
Pra morrer em emboscada
Minha
viola é tocada
Não tenho medo de fado,
Nem destemido e safado
Vão poder me segurar
A bala que vai matar
No meu revólver se esconde,
Eu não vou perder o bonde
Não precisa preocupar...

Mas ao ver a moça linda
Um coração não tem jeito,
Arrebentando no peito
Essa saudade não finda
Pois tanta tristeza ainda
Nessa vida vou viver,
Mas é matar ou morrer
Essa dúvida tortura
Passear na noite escura
Esperar amanhecer...

Depois de muita fofoca
Amor que fora mimoso,
Agora é bem perigoso,
Eu não vou sair da toca
Não vou pra terra, minhoca
Eu preciso solução
Como viver no sertão
Essa terrível doença
Não me deixa recompensa
A danada da paixão!

X

Seu moço, por caridade
Escuta esse povo sofrido
Que vive nas tempestade,
Trabaia quar desgraçado
Pelos mata e nas cidade.
Esse povim sem parage,
Vivendo sem amparage
Dos home de capitár.
Eles chinga nóis de tudo
Quanto ruim há no mundo.
Chama nois de vagabundo
Que nois semo anarfabeto
Que nois semo cachacero,
Que num pode dá denhero,
Pra móde sobreviver,
Essa raça de safado
Desses pobre desgraçado
Que róba mais que ladrão.
Eles conta a mentirada
Pois num cunhece uma inxada
Nem sabe o valô da gente,
Pru mais que o mundo comente.
Nóis num passa de pilantra
Nossos fío, qui nem pranta
Num percisa de comida.
Essa gente é convencida
E não cunhece nois não
Não sabe o valô da vida
Sufrida nesse sertão.
Nem anda nesses comboio
Quar boi em canga marcado
Que anda dependurado
Nesses trem cá da cidade.
Nos otromóve eles passa,
Nem percebe os coletivo
Cheios desse bicho vivo
Que eles cunhece pur massa;
Trabaindo todo dia
Pra pudê dá mordomia
Presses homê, prus dotô
Nóis semo quem aproduz
A cumida que eles come
Apois veja, a própra luz
Que alumia bem os home
Se num fosse os disgraçado
Se num fosse o seu trabáio
Já tava tudo apagado,
Queria ver nos atáio
Dessa vida, vivo táio,
O rumo que eles tomava,
Quem sabe se eles paráva
Nus beco onde a gente véve
Onde não há quem se atreve
A chamar de residença
Chei de criança e doença,
Pra podê tê consciença
Da vida que leva a gente
Dexava nois té contente
Preles pudê aprender
Que num basta sabê
Pra
se dizê sabedor
Que é percizo munto amô
E bem sei, que só merece
Amor, quem se conhece
Que num sabe conhecê
Aquele que nunca viu.
Portanto, moço seria
De munta serventia
O sinhô pode passá
Pobreza só pur um dia
Pra mode valorizá
O trabái de nossa gente
Quem sabe, ansim seu dotô
Havéra de valorá
Esse povo brasilero
Ia aprender mais, garanto
Que nos livro lá da escola
Nóis só presta em feverero
Ou
se for craque de bola
Aí vanceis acha bão
Inté pága pra nus vê.
Nossas fía mais bunita
Tumbém serve pra vancê
Nas buate mais perdida
Mais se incontra pra valê
Com home de capitar
Pra servi de companhia,
Mas mar amanhece o dia
Tudo vorta como era antes
Dispois vem esse disprante
De chamá di inguinorante
O povo mais umiádo
Nois tudo semo safado
Na vóis desses doutô
Se esquece que nois é home
Nem percebe se nois come
Se nossos fío tem fome
Isso nem lembra o sinhô
Na hora dos seus projeto
Nois semo tudo uns inseto
Sirvimo pra atrapaiá
Sirvimo pra trabaiá
Pra alimentá os dotô!
Intonces já me vô indo
Pros sertão to retornando
Pras favela vô saino
Meu tempo ta se acabano
Vo vortá pro meu roçado
Ou então pro meu serviço
Passa dia mês e ano
O carro num anda, enguiço,
Já faiz tempo tá parado.
Mais ficaria contente
Se oceis perduasse a gente
Num custa perdão pedido
Perdoa por ter nascido
Um fío meu lá em casa
Que
, pros óio dos doutô
Foi feito por descuidado
Nasceu fruto do pecado
Da inguinorança da gente
Mais me dexô bem contente
Esse meu menino amado
Que é fruto de munto amô.
Que nois pobre, tombém ama
Embora oceis me parece,
Num cridita nisso não
Nóis tudo fais nossa prece
Nóis tombém somo cristão.
Fíos do mesmo Sinhô
Que morreu, naquela Cruz
Que foi feito cum amô
E era pobrinho, Jesus.
Então pense por favô
Nu munto que se ensinô
O Pai de todos os home
Dos que come e que tem fome
De todos sem distinção
Que nois tudo nessa vida
Por mais que seja doída
Por mais que seja distinta
Diferente em sina e tinta,
NOIS SEMO TODOS IRMÃO!

X

A minha alma que era pura
Depois de tanto sonhar
Com brancura e com ternura
Resolveu me descarnar.
Se elevou achou, pro céu
Montadinha num corcel...

Pois bem, minha alma sem medo
Foi vencendo esta amplidão
Percebendo um tal segredo,
Que corrói um coração.
Vestida num alvo véu
Me inspirou este cordel...

Alma quase sem juízo
Sem temer qualquer pecado
Achando que o paraíso
Ficava ali do seu lado.
Mas o troço tava quente
A minha alma que se agüente...

Achando que era um arcanjo
Deu piscadela sem dó.
Ouvindo cavaco e banjo
Sentindo cheiro de pó,
A minha alma percebeu
Não era branco, era breu.

Sentindo esse desafio
De passear sempre a esmo,
Saltando por sobre o rio
Sentiu que não era o mesmo
Que imaginara, coitada
Dessa minha alma penada...

Eu fiquei aqui parado
Esperando ela voltar
Tava ficando cansado
Cansado de tanto esperar...
Ela percebeu, coitada
Alguma coisa anda errada...

Passeando pelo espaço
Tanto calor que sentia
Vestida deste cansaço
Nunca vinha noite fria
Apesar de ser inverno,
Descobriu: tava no inferno...

A minha alma se assustou
E voltou pra cá correndo
De cabeça mergulhou
Quase que acabou morrendo.
Agora tá bem quietinha
Sossegada, só na minha...

X

Aqui, nesse fim de mundo
Contam histórias estranhas
Contam casos de defunto
Perdidos nas montanhas
Coisa que assustam o homem
Histórias de lobisomem.

Contam contos da saudade
De um tempo que não vivi,
Juram que é bem mais verdade
Que todas as que eu já vi...
Falam das moças perdidas,
De tristezas, d'amor, vidas...

Falam de tanta esperança
De esperar por mais alguém,
Que só vive na lembrança,
De quem tanto quis seu bem,
Esquecidos pelo tempo,
Nomes perdidos no vento...

Contam do amor de Maria
Que morreu no meio do mar,
Saudades de quem queria,
Com Maria se casar...
Mas o canto da sereia,
O levou, longe da areia...

Contam desse desespero,
Já nem dá mais pra escutar,
Virou do mar, o tempero
Tanto foi o seu chorar,
Choro tão desesperado
Que tornou o mar salgado...

Por isso, pelo seu pranto,
Pelo seu choro sofrido,
Começando, por encanto,
Por causa do amor perdido,
Tanta, tanta salgaria,
São lágrimas de Maria...

A Pobre moça, assombrada,
Vagueou pelas estradas
Sem rumo, amor, sem mais nada
Perambula as madrugadas,
A procura de vingança,
Só lhe resta esta esperança...

Por isso tudo se sabe,
Antes que o dia comece,
Uma luz azul não cabe,
De tão bela fosse prece,
Quem vê dessa luz padece,
Vai perdido, se enloquece...

X

Seu moço, minha tristeza,
Vem desse amor acabado,
Perdendo minha Tereza,
Tanto sonho desprezado,
Me resta somente dor,
A saudade desse amor.

Nasci nas Minas Gerais,
No meio desse sertão,
Seu doutor, não posso mais,
Me dói a recordação,
Daquela moça morena,
A minha bela pequena.

Foi embora sem deixar,
Nada mais do que saudade,
Como é que posso ficar,
Sem lembrar tanta maldade.
Daquela que tant’ amei
Prá onde foi? Eu não sei...

Minha Tereza era linda,
Bonita como uma flor,
Eu guardo no peito, ainda.
A foto que me restou;
Na lembrança, na retina,
Daquela doce menina...

Foi-se embora prá não mais,
Nunca mais saber por que,
Tudo deixando prá trás,
Levando meu bem querer.
Tereza moça maldosa,
Espinho num pé de rosa!

Meus companheiro acredita
Que ela num quer mais voltar,
Levando o corte de chita,
Que tanto custei pagar.
Mas, pior que esse chitão,
Me rasgou o coração.

Quando, de noite faz lua.
Me bate a melancolia,
Vou saindo pela rua,
Nela amanheço meu dia.
Perguntando pra quem passa,
Só encontro na cachaça...

Seu moço me dê licença,
Vou voltar prá minha caça.
Talvez tenha a recompensa,
Depois, dormindo na praça,
Quem sabe, então, toda nua,
Ache Tereza na lua...

X

Seu moço, vou lhe contar
Uma história diferente,
Nem vai dá pra acreditar,
No que me conta essa gente.
Gente de muito saber;
Dos lado da capitá.
Eu vou contar pra você
O que que eu ouvi falar.

Me contaram e é verdade,
Que esses tal de deputado;
Para um monte de cidade,
Mandaram, com muito agrado;
Pra levar gente doente
Das roças pros hospital,
Carregando muita gente;
Das que anda passando mal.

Indicaram, nos projeto,
Para o governo comprar,
Uns carro desses completo,
Pra mode de transportar,
Com rapidez e presteza,
Sem reparar na distância.
Pra sarvar; vê que beleza,
Esses tár carro ambulância...


Esses carro são bacana,
Viajando pela estrada
A gente vê, não se engana,
É coisa das bem montada.
Tem uma tár luz vermeia
Piscando quar vaga-lume,
Fais zuera nas oreia,
Não é pra ter azedume.


Se esses carro nas viagem
Nois topa pelo caminho,
É percizo dar passage,
Pois carrega, com carinho,
Só gente necessitada,
Percizando de dotô,
Descendo pelas estrada...
É coisa de muito valô.


Nóis tudo fica contente
Com a atenção dos políticos
Quando se lembram da gente
Nesses momento mais críticos;
Como em caso de doença,
Que nóis tamo mais sofrendo
Essas coisa tem valença,
Ajuda a nóis ir vivendo.


Aqui mesmo, nesse canto
Um deputado mandô,
Pra alegria e nosso encanto,
Um desses carro, sinhô.
Apois bem fiquei sabendo
Nas notícia dos jornal;
Eu só acredito vendo,
Eu juro inté pasei mal,


Quando sube das notícia
Que o nome desse dotô,
Nos recorte das polícia,
Pelos investigador,
Foi chamado de ladrão.
Isso me causou espanto.
Esse dotô é tão bão,
Pro povo tem feito tanto...


Mandou essas assistência
Pra essa nossa região,
E, falo de experiência
Que aqui no nosso sertão,
Elas faiz um bem danado
Pro nosso povo pobrim...
Agora ta explicado,
Tanta “bondade”, pra mim...


Ao preço que eles pagava
De uma, comprava mais,
A grana que eles levava,
De adivinhar sou capaz.
Roubava mais que podia,
Inda passava por bão.
Os votos pois, recebia
Nos tempo das eleição.


Apois essa história triste
Já me trouxe essa lição:
Milagre já não existe,
Eta povinho ladrão!
E favor dessa cambada,
A gente não pode crer:
LARANJA BOA, NA ESTRADA?!
BICHADA... LOGO SE VÊ!

X


Por não crer nesses fantasmas

Que atrapalham nosso sono

Por não ver nesses miasmas

Nem acreditar em mono

Bichos
de sete cabeças

Nem em trem desgovernado

Foi que tive nas travessas

Travessura vai formando,

Com esse mesmo alentado

Que me fez assim calado

Palavras poucas consumo

Não penetro nem no sumo

Das poucas que sei usar.

Nasci quase taciturno

Emburrado, sem sorriso,

Dos dias todo seu turno

Foi do meu tempo preciso


Percebo que sei de nada

De nada quase não sei

Minha vida vai estrada

Por tantas quantas passei

Fui da ponta dessa espada

No choro da carpideira

Fiz de toda sexta feira

Minha trama mais pecada.

Foi meu mundo minha escola

Das lições sei a primeira

Quem não luta não decola

Quem faz tanto nada faz

Quem quer mostrar ser capaz

Num precisa de recado

Nesse mundo meu pecado

Foi o de não certeza

Se serve tanta tristeza

Pra que que se reza tanto

Se não existe mais santo

Nem hora de precisão

Pra transformar em encanto

O
que foi assombração.


Menino solto, liberto,

Sem ter nada nem por perto

Nem distante do meu peito

Que correndo, sempr’aberto,

Trazia por satisfeito

Cada trocado da vida

Num abraço de partida

Numa luz sem ter reflexo

Isso pode parecer

Que nada é tão mais complexo

Que não consigo entender

O resto dessa viagem

Vida seguindo, paragem.

Não podendo traduzir

Por onde mais querer ir

A não ser o recomeço

Do fosso que bem mereço

Do gosto podre do beijo

Da moça que não desejo

Mas beijo por precisão

De aliviar o meu peito

De transtornar satisfeito

O que dizem coração.



Fui crescido, de precoce,

Tantas foram as pancadas

Não permito que se coce

Essas carnes machucadas

Triste peleja da vida

Trazendo lá da partida

Um gosto de sangue em riste

A
dor sendo o meu alpiste

Para que nada despiste

O Passarim sofredor

Que insiste e logo desiste

Pois não cultiva mais dor

Trafegando sem atino

Correndo feito menino

Nesse peito aparador

Acostumado a desmando

Sem entender o comando

Que destina o meu senhor

Único que conheci

Na minha sina estradeira

Por quanto que já vivi

Não tenho medo de esteira

Não sei mais tanta besteira

Pode conter meu amor.


Não tive dono nem guia

Minha vida minha trilha

Foi toda essa poesia

Feita de tanta Maria

Quantas pude ter de dia

Na minha boca safada

Que pior que minha enxada

Tanto solo desbravou

Num canto qualquer da mata

Na beleza que arrebata

Faz de todos um doutor

Nas sinas dessas meninas

Que por tanto sei, senhor,

São todas as minhas sinas

As bocas mais assassinas

Das que um homem já provou.

Criado sem asas, só,

Dum jeito sem sentir dó

Nos campos de cabrobó

Fui feito de muita lenha

Nas matas por onde embrenha

Os passos mais corajosos

Os trajes mais andrajosos

O peito guardando a senha.



Agora vou mais completo

Das dores já vou liberto

Sem mala medo sem cuia

Sem trama nem plenitude

Sem ter cabra que me ajude

Que disso não tem precisão

Nem tamoio, nem tapuia.

Nem trava no olho por certo

Vou seguindo meu deserto,

Sem querer nem companhia

Nada que me atrapalhe

Seguindo por valentia

Medo que me avacalhe

Transformando essa agonia

No sol desse novo dia

Que possa me dar alegria

A alegria dessa sorte

Da morte tenho alergia

Por isso sigo meu norte

Não há nada que me importe

A não ser minha batalha

Por esse canto qualquer

Onde possa, minha fé

Ter a força que agasalha

Fumando um cigarro palha

No corte dessa navalha

Que sangra na teimosia

Desse cabra mais inquieto

Que não teme por perto

Nem fantasma ou fantasia.



Quero trazer boa nova

Pro povo que me escutar

Venho sem lua nem trova

Chego só por eu chegar

Eu na mão trago essa rosa

Pra moça um dedo de prosa

Por causa d’uma sereia

Que transfundi nessa veia

Acendendo essa centeia

Que alumia o coração

Não quer saber de fastio

Vou vivendo meu estio

Como estivesse no cio

Carregando, mais vadio

O que não fora vazio

Meu peito sem serventia

Pra outra coisa qualquer

Quero acender o meu dia

Nos braços dessa guria

No cheiro dessa mulher

Que me deu a poesia

Agora não mais me quer

Que trago no meio dia

Da vida, sem valentia,

Comendo só de colher

A sopa amarga da vida

Que me deu a despedida

E vai hoje por qualquer

Coisa que seja capaz

De nunca olhar para trás

Nem vigor nem mansidão

Trazendo nessa amplidão

O brilho claro da lua

Iluminando essa rua

Por onde ela passará.



Tanto tempo sem falar

Falei tanto sem parar

Sem fazer descanso ao menos

Por isso pra terminar

Sem destilar os venenos

Que podia destilar;

Seguindo por esse rumo,

Buscando por meu aprumo

Procurando me encontrar

Vou terminar os meus versos

Já falei dos adversos

Já falei de diversão

Já mostrei meu coração

Já espantei esse frio

Debulhei todo esse mio

Já liguei fio por fio

Agora nada fazer

Senão olhar pra você

E nos seus olhos perder

De vez toda mocidade

Pois o fruto da saudade

Trouxe-me a firme verdade

Que não posso renegar

Minha lida é por saber

Que não consigo viver

Sem ter mulher para amar...

X

Quero te falar seu moço
Como pode esse alvoroço
Em troca desse colosso
Que pendura no pescoço
Suga portanto até o osso
E traz de novo esse preço
Que custa minha cabeça
Que me traga assim, à beça,
Que me pega e nem confessa
Deixando-me pelo avesso
Pelo medo dessa lida
Sangrada e sempre curtida
Numa espécie de malgrado
Meu coração safado
Perdido nessa loucura
Que morde tampouco cura
E transforma essa bravura
Em bravata loroteira
Que na vida por inteira
Goles bebe mais sedenta
Que prende, mata, arrebenta
Que nem fosse água das benta
Das beatas que arremete
A vida na bola sete
Que não luta quem compete
Nem jogando mais confete
Nem alenta nem repete
Apenas me traduzia
A cota da valentia
Das setas com que feria
Os tentos dessas Maria
Que tanto foram poesia
Jazendo num canto novo
Criado feito esse povo
Costume de embriagar
A noite inteira tragar
Nas fronteiras desse bar
Na sombra desse luar
Nas matas do meu sertão
Arremete toda luta
Vencendo, sem força bruta,
Quem teima em relutar.
Trago no peito, cativo,
Meio morto, meio vivo,
Num somar bem mais ativo
Que permite, sobrevivo,
Resistir à ventania
Que transforma meio dia
Em noite escura de breu
Que foi e que fora meu
Modo mais silencioso
De dizer ao Poderoso
Quanto me causa alvoroço
O ter que ser mais fogoso
Num modo mais salutar
De converter minha guia
De saber viver serventia
Sem ter medo do viria
Nem do vindo perceber
O que foi já esquecer
Nesse nunca mais ter sido
Que me traz o ter perdido
O que jamais conquistei
Se perdi ou se ganhei
Ficaram sombras no chão
Do que mais temo ou venero
De tudo quanto eu mais quero
Doce veneno singelo
Do valor que mais espero
Dos goles o mais bitelo
Na ponta do meu cutelo
No corte dessa saudade
Que me traz a novidade
De saber que não há de
Nem perdão peço direito
O sabor desse confeito
Desmancha na minha boca
Vivendo de muita ou pouca
Nessa voz muito mais rouca
Que bobagem seja então
A rima dessa canção
Por tanta vadiação
Das cordas do violão
Que repetem sem parar
Falando que vai voltar
A sensação de friagem
Voltando dessas paragem
Feitas dessa forte aragem
Que entra pela garagem
Das portas do coração
Trancando toda bestagem
Que me fez fazer bobagem
E nunca me disse o não
Nesse sentido comporto
As luzes desse meu porto
Nas vezes em que me importo
Retirando meu conforto
Revirando minha cama
Ardendo na tua chama
Que queima tão devagar
Permitindo minha lenta
Sensação de quem não tenta
De quem perde o que se inventa
Nessa tarde que se aumenta
A vida que se lamenta
Ardendo feito pimenta
Estourando toda farsa
Naquele velho comparsa
Que tenaz, sempre disfarça,
O bote dado na praça
E matando mais amassa
O sentido dessa massa
A que vai, tenta e não passa,
Manipulando essa massa
Transformando na cachaça
Gosto de rebelião
De tremer o nosso chão
Meu peito vai ao contrário
Sendo revolucionário
Não pode ser funcionário
Nem pode bater cartão
Tem amanhã por divisa
Sabe tudo que precisa
Sabe da hora precisa
De espalhar nesse chão
A luta sempre altaneira
Sempre em busca verdadeira
Do que seja liberdade
Do que quer dizer verdade
Sem ter pingo de saudade
Sem ter frases de perdão
Quero molhar meu sertão
Com certezas e paixão
Das lágrimas sem maldade
Paridas do coração!

X


Seu delegado, desculpa
Preciso me confessar
É somente minha a culpa,
Isso não posso negar.
Foi coisa de valentia
Ou bobage das graúda
Só sei que naquele dia
Falando em conta miúda,
Apercebi minha amada
De um jeito mais diferente
Ness’ hora desesperada
Em que tudo, de repente
Se transforma, denda gente
Nesse coração doente
Amante sem ter consolo
Nu meio desses embolo
O gosto amargo do bolo
Servido no meu casório
Estragando todo espólio
Cortando feito sapólio
O triste sabor desse óleo
Que no meio desse embrólio
Faz a gente nem pensar
Nos beijo de amor trocado
Nos sonho mais delirante
Desses dia apaixonado
Que passemo na invernada
Da vida desconsolada
Trazendo sorte e recado
Do tempo mais serenado
Nos óio, nesses semblante
Dessa muié cativante
Que a vida num belo instante
Aportou nesse meu barco
Transformando todo o arco
Desse mundo tão mais parco
Mas, criando novo sonho
Peito deveras tristonho,
Nesse momento feliz
Escapando por um triz
Escreve na vida o giz
Me dá a certa medida
De quanto vale essa vida
Mesmo que seja sofrida,
Mesmo que seja do nada
No cabo da minha enxada
Meus fio sempre criei
Nas noite que transformei
Em momento de fartura
Rolando na cama escura
Brincando com a loucura
Dessa minha fermozura
Que era essa minha muié
Bela da cabeça aos pé
Cheia de tanta doçura
Num beijo que mais atura
Na caçada da percura
Viveno cumo Deus qué.
Apois bem seu delegado
Esse home paxonado
Pelo amor mais disgramado
Pelo desejo safado
Desse corpo delicado
Dessa minha companhera
Por quem essa vida intera
Procurei desde premera
Dende as hora que a partera
Anunciou minha vinda.
Dende bem menino ainda
Sonhava com essa linda
Moça, com quem casei.
A quem munto já amei
A quem tudo dediquei
Nessa sina desmedida
Que cumpro por ser a vida
Minha maior esperança.
Renovada nas criança
Que por a vista alcança
São as gota de orváio
Que num dia de trabáio
Do suó de Deus brotô
Acendendo o fogarero
Que trago no meu bestero
Coração mais sonhadô
Me descurpa seu dotô
Eu assuntar tudo ansim
Eu vou conta pro sinhô
O que que onte passou
Vortava da minha lida
Dura lida nesta roça,
Discurpe, meu peito impoça
Nas lágrima mais doída
Nas marca tão dolorida
Que varejaro a ferida
Aberta no peito meu.
Antes tivesse num vindo
Antes hovera ficado
Bem que já tava sentindo
Um gosto bem amargado
Por isso vortei mais cedo
Antes das hora devida
Mas Deus me deu o segredo
Dessa vida mais bandida
Numa tristeza sem par
Num divia, seu dotô
Pru mode pode encontrá ,
O que num imaginava
Nunca podia sonhá
Cum o que vi na hora
Mais dorida que vivi
Na cama desembestada
Nas coberta revirada
Um corpo deitado, nu
Abraçando minha amada
As marca já derramada
Das lágrima da jornada
Sangrando o peito doente
Sangrei tudo de repente
De repente tudo foi-se
No corte da minha foice
Dos taio já bem taiado
Nos gorpe desesperado
Desferido, por pecado
Por um cabra paxonado
Que agora aqui delegado
Perfere ser degolado
Do que bem ser perdoado
Pelo que pude fazê
Duas morte já carrego
Minha vida já arrenego
Meus óio já tão mais cego
Pruque preferi não vê
O qui num teve mais jeito
Que me sangra nu peito
O qui num posso escondê
Im quarquer dia ou horaro
Im quarquer tempo diverso
Essa dor num assucaro
Rasga meu mundo diverso
Pois eu num pude entender
Que bem que eu preferia
Nunca mais eu ver o dia
Nem saber dessa arrelia
Que matô a fantasia
Que meu deu o disamparo
Pois cum todo meu preparo
Pros troço mais cumplicado
Me dexa desamparado
Eu queria ter cegado
Do que tê visto seu moço
Nu mei de tanto alvoroço
Os braço da minha amada
Tava de riba trocado
Cum dois braço, meu pecado
Desses da vida sangrado
Num tem jeito nem amparo
Tô na vida, disgraçado
Preste atenção, delegado
Me diga se eu to errado
Eta mundo mais avaro
Ao ter visto, arreparado
Percebi que to ferrado
Os braço mais abraçado
Com esses braço entrelaçado
Eram os braço do vigáro!

X

Nas andanças pelo mundo
Muita coisa encontrei.
Gente de todos os tipos
Nas terras por onde andei
Gente de amor profundo
Temente a Deus e ao diabo
Por tanto tempo são sei
Se devo estar enganado
Sei que esse tempo passado
Não foi de todo perdido
De certa forma cumprido
Na barca da minha sorte
Nas trilhas de minha sina
Na vida mais assassina
Que combina com passado
Que nega o nunca negado
Meu sonho de liberdade
Passeia pela cidade
E dobra, a cada esquina,
No remédio mais doído
O meu andar foi comprido
E meu destino cumprido
Na minha alma o comprimido
Da bula felicidade
Passando pelos volteios
Das curvas desse regato
Sei que nada mais que seios
Adormeceram meus retratos
De triste cavalgadura
Na mata, da noite escura.
Que mata, carece pura.
Como a pinga que bebi
No tempo que resisti
Na beirada dessa estrada
Que leva o nada a esse nada
Que comporta muita força
Do colo da menina moça
Ao cheiro da maresia
Cravando de poesia
O tempo mais assuntado.
Assustado companheiro
Não sei desse mundo inteiro
Mas sei bem mais que você
Pelo menos sei perder
O rumo no colo doce
Que essa morena me trouxe
Lá das matas do Pará,
Do cheiro dessa capina
Da terra molhada o gosto,
Brilhando no seu rosto
Feito pedra cristalina.
O campo que me alucina
É o verde da minha terra
Que me transporta, fascina,
E não acerta mais nem erra
Apenas aceita a dança
Da mais forte temperança
Que nunca arreda, criança,
No meio dessa vingança
Que é minha essa contradança
Que espalha, me dá sustança,
De encarar outro sermão
De saber mais desse chão
Que me pega, supetão.
Traz o sim confunde o não
E se espalha no sertão
Fazendo tal confusão
Que nem padre ou sacristão
Resolve e dá solução
Ao que pergunta meu povo
Para onde ele vai de novo
Se quebrarem mais um ovo
E não deixarem nascer
O futuro mais esperado
Onde quisera viver
Sem esse tal de volver
Sem essa de nunca ver
Que poderia saber
O resto dessa embolada
Que nada mais é distante
Trazendo o que era adiante
Como se fosse constate
O grito desse levante
Que me fez deu tal arrelia
Que cravado nesse dia
Foi de resto minha sobra,
Que rasteia feito cobra
Nas ondas desse que cobra
O que a gente não gastou
Somente a gente tentou
Mas, remediando a vida,
Nessa estrada mais sem rumo
Vou tentando ter meu prumo
Das dores faço um insumo
Que mantém meu caminhar
Por onde gente passar
Contando essa valentia
Vou com minha fantasia
De quem não quer sufocar
Nem precisa suportar
As marcas desse chicote
Dos que tentaram o bote
Não há mais quem que suporte
O peso desse grilhão
Que maltrata tanto a sorte
Que sufoca até a morte
E que mata o coração.
Quero dizer pra você
Aquilo que me comporta
Abra bem a sua porta
Não liga, pois não me importa,
O que quer que te contaram
Sou amigo nada tema
Por mais tempo que passaram
Mudar a história da gema
Que faz nascer um poema
Que se chama liberdade
Não creia nessa maldade
Desse povo mais safado
Que negam o já negado
Que pegam o caso encerrado
Para carregar de lado
Nas página do jornal
Que trazem nesse embornal
Para embrulhar mais você
Não deixe esse temor ter
Mais força do que devia
Muda de cavalaria
Esquece a cavalgadura
Senão essa noite escura
Vem de novo lhe cobrir
Não deixe que essas premissas
Nem se rezada nas missas
São os frutos das cobiças
Das gentes que, movediças,
Transformam o nosso sonho
Num pesadelo medonho
Daqueles que eu não me enfronho
Nem tento solucionar
Pois percebo nessa gente
Que se ver gente contente
Logo fica mais doente
Parece gente demente
Mas é um povo que mente
Difícil de acreditar.
Moço não dê mais assunto
Pra esse povo sem pudor
O que eles querem, e muito,
É transformar um doutor
De cara mais deslambida
Parece de mal com a vida
Tem jeito de enganador,
Pois então tome cuidado
Que esse povo safado
Tá querendo engabelar
Vendem-te como coitado
Esse cara mal lavado
Que não dá pra confiar
Esse sujeito é famoso
Por permitir mais o gozo
De quem gosta de levar
Da nossa propriedade
Quase toda, as mais querida.
Mesmo assim, sinceridade,
Gosta de aumentar a dívida
E não paga nada não
Deixando toda pobreza
A ver nessa tristeza
O fim de nosso país
Que não é mais meretriz
Aprendeu o seu valor
O valor de ser brasileiro
De correr o mundo inteiro
Com o orgulho altaneiro
De nosso novo janeiro
De ser bem mais verdadeiro
Sem deixar escravizar
Deixa de novo brotar
No meio desse pomar
A fruta mais melindrosa
Que perfuma como rosa
Que brilha nesse luar
Que nunca mais que se alcança
Que bela como criança
Faz do futuro essa dança
Que transporta na lembrança
A NOSSA FRUTA ESPERANÇA!

X

A PRAGA SOCIAL

Seu padre presta atenção
No que vou falar agora,
Sempre fui um bom cristão,
Daqueles que sempre chora
Quando passa procissão,
Ajudando sem ter hora,
Quando se tem precisão.
Mas agora vou me embora...

Acontece, meu senhor,
Que depois de me casar
Com uma mulher, por amor,
O troço vei piorar
A danada sem temor,
Só queria namorar,
E depois fez o favor
De querer é me matar...

Inda agüentei um bocado
Pensando na criançada,
Mas um dia já cansado,
Eu parti. Não levei nada,
Só meu coração marcado
De tanto tomar porrada,
O resto deixei de lado,
Mas acho que dei mancada...

Vou lhe dizer excelência
Que assim que eu me separei
Por burrice ou inocência
Eu de novo me casei,
Mas eu te peço clemência
Eu quero viver na lei,
Casamento é indecência?
Foi isso que arreparei...


Apois bem desse ajuntório
Já nasceu um menininho
Devia ir pro crematório
Esse pobre garotinho?
Pois é filho do pecado,
Do amor que Deus não libera
Apois adivorciado
É cabra pior que fera!

Somo a peste sociar,
Como disse o Papa Bento,
Nós num pode comungar
Isso me dá sufrimento,
Nas hora de dizimar,
Meu dinheiro tem alento,
Mas como é que vou ficar?
Me responda num momento...

Cabra ladrão,assassino,
Agiota e vagabundo
Estuprador de menino,
Como tem muito no mundo,
Não precisa preocupar
Fazedô de coisa feia
Tudo pode comungar,
Nas reza lá na cadeia...

Entonce pensando direito,
Arranjei a solução,
Ficarei bem satisfeito
De poder ter comunhão,
Vou dexá de ser a praga,
Cunforme esse Papa quer,
Quem topar a gente paga,
Pra matar minha ex mulher!

X

Seu moço vou lhe contar

Um sonho muito esquisito

Que toda noite vem cá

Eu conto de novo e repito.

Com tanta gente bonita

Nesse mundo de Meu Deus

Eu não tô fazendo fita

Pergunte pros olhos meus,

Quase que assim me acabo

Passando por tanto frio

Já me dando calafrio

Eu sonhei com o diabo...

Pois bem quando vi o bicho

Conversando com o Senhor

O meu ouvido eu espicho

Pra escutar o falador

Que falava bem baixinho,

Em tom de lamentação

Diabo falando mansinho?

Esconjuro, meu irmão,

Coisa nova para mim,

Coisa de outro planeta

Diabo falando baixim?

Isso é coisa do capeta!

Eu vou tentar repetir

O que falou o danado,

Foi o que deu pr’ouvir

Desse demo desgraçado:

-Meu pai eu não guento mais,

Tenha piedade de mim,

Tudo que um sujeito faz

Nessa vida de ruim,

A culpa é desse que fala

Com a Vossa Senhoria,

A dor na minha alma cala,

Não ouço outra sinfonia.

Mulher chifrou o marido

Com vizinho ou com padeiro,

O dinheiro foi perdido,

Sumiram com paradeiro,

O sujeito deu um tiro

Por umas brigas de fato,

Outra mulher quer prefiro,

Ou a quebra do contrato,

Político fez ladroagem,

A vizinha quis te dar,

Filho fazendo bobagem

Outras ervas quis fumar

Sócio deu golpe na praça

Tacaram fogo no mato,

Sujeito tomou cachaça

E num quis pagar o pato,

Outro cabra tropeçou,

Na queda quebrou nariz,

Quem foi que ele culpou?

O capeta esse infeliz.

Já não agüento Senhor

Tudo de ruim que acontece

Todo traste pecador,

Rogando a ti numa prece

Diz que a culpa é toda minha,

Eu juro que não agüento

Mais ouvir a ladainha

Pouco a pouco me arrebento

Com a danada falação

Todo mundo se esquecendo

Que nós tudo é como irmão,

É melhor eu ir morrendo

Não agüento isso mais não

Pois pelo que estou sabendo

Cristo em crucificação

Sofreu uns dias de dor,

Agora eu, o capetão,

Por onde quer que eu for,

Vou carregando essa cruz

Que me pesa o tempo inteiro,

Só porque um anjo de luz

Teve inferno em paradeiro...

Já que a culpa é toda minha

Pra todos vou sugerir

Uma coisa muito certa,

E bem fácil de sentir.

Deixando a cadeia deserta

E prender só o culpado,

Que é o capeta desgraçado

Causador de todo o mal

Vai ser sensacional

Economiza dinheiro

E garante o capital.

Libertando o mundo inteiro

Deste sufoco infernal

Não ter mais prisioneiro

Vai ficar tudo legal.

Mas a culpa disso tudo,

É do Senhor, Grande Pai,

Mas eu bem sei que contudo,

Sua cabeça mudou

E ganhou um certo nexo,

Todo anjinho que criou

Depois de mim, não tem sexo.

A culpa foi da diaba

Da mulher que eu escolhi,

Toda noite me chifrava

Só depois eu percebi.

Nasceu chifre, nasceu rabo,

Fiquei vermelho, raivoso,

Virei o capeta, o diabo,

Esse bicho pavoroso,

Culpado de tudo de errado

Que na terra o homem faz,

Tem pena desse coitado,

Deixa esse diabo em paz!

X

SE ELE VOLTASSE... OU DO CRISTO SERTANEJO...

Seu moço, tome cuidado
Ao caminhar no sertão,
Tem tanto bicho arretado,
Tem tanta da assombração
Que te peço, devagar,
Ande com muita atenção
Prá móde não encontrar,
Lobisomem ou papão.

Me contam, e eu acredito,
Que nas luas das mais cheias
Se você ouvir um grito
Lá pros lados de Candeias,
Pode sair de mansinho,
Que o negócio fica feio,
Vai vazando de fininho,
Senão, de ti, sobra meio...

Outra coisa que me falam,
Nisso tudo ponho fé,
Essas coisas que me abalam
Tremo da cabeça ao pé,
Vento nas folhas da mata,
É coisa feia de vê,
De repente, a gente engata
Com o tal do Pererê.

Mas assombração pior
É a que vem da carabina,
Que vai matando sem dó,
Nada detém a assassina...
Pega a gente de tocaia,
A bala vem lá do céu,
Por todo canto que saia,
A mando do coronel.

Não adianta nem chorar,
Nem pedir por caridade,
Quando a ordem é de matar,
Nada impede essa verdade,
Não adianta nem floreio
Nem adianta mais fardunço
Quando a morte vem por meio
Desses cabra, dos jagunço.

Tanta gente já morreu,
Na luta por sua terra,
Pois que não seja mais eu,
Que o bom cabrito não berra,
Nessa luta desigual,
A gente vira bandido
Pro povo da capital,
Invertendo os ‘contecido.


Quando vejo no jornal,
Falar que nós tam’ errado
Fico passando até mal
Esse povo anda enganado.
Nós só queremos, Doutor,
Um bocadinho de chão,
Terra de Nosso Senhor,
Um pouco desse sertão.

De sangue foi adubado,
Nascendo revolução,
Pois se não dá outro arado,
Nem brota outra plantação,
Só queria ter decência
Uma vida mais humana
Venho pedindo clemência
Nós num somos safardana.

Somos gente mais sofrida
Em busca de solução,
Dignidade nesta vida
Garantindo nosso chão,
Seu doutor, pois me desculpe
Eu não quero lhe irritar,
Mas, por favor não me culpe
É grande o nosso lutar.

Desde pequeno sofrido,
Sem esperança de vida,
Do nosso canto banido,
Nossa esperança perdida,
A bala roçando a nuca,
A fome comendo a pança,
A morte sempre cavuca,
Desde os tempo de criança.

Quando a gente vai, reclama
Nós somos os baderneiro
Mas a nossa velha chama,
Brilhando no candeeiro,
A tristeza que eu engulo,
Aqui nesse matagal,
Já inspirou seu Catulo,
Já iluminou seu Cabral.

O meu nome é Severino,
Sou das mata do nhambu,
Caminho desde menino,
Me chamam Jeca Tatu.
Tenho o Brasil no meu peito,
A esperança, companheira,
Ficaria satisfeito,
Alegria verdadeira,

Se vocês desse pra gente
Um restozinho de pão
Doutor pros nossos doente,
Para os filhos, educação
Prá plantar basta uma enxada,
Um pedacinho de chão,
A gente não quer mais nada,
Não quer dar amolação.

Prá lembrar pro povo crente,
Falo em nome dum judeu
Que curou tanto doente,
E que, na cruz, já morreu.
Pois bem esse carpinteiro,
Um pobre trabalhador,
Famoso no mundo inteiro,
Por disseminar amor,

Também vagava na terra,
Sem ter nenhum parador
Quando subia na serra,
Falava sem ter temor,
Os coronéis torturaram
Tinham medo da verdade,
E depois crucificaram,
Usando da crueldade.

Pois, se ele agora voltasse
Pobre como sempre foi,
Eu duvido que escapasse
E, sangrado como um boi,
Pelos nossos coronéis,
Pelas bala e por navaia,
Amarrado pelos pés,
Vítima de uma tocaia..

X

Vou contar da liberdade
De buscar quem mais queria
Caminhando na cidade
Fui em busca de Maria,
Meu amor, bateu saudade
De quem mais amor pedia,
Nesse sonho que sonhei,
A tristeza não deixei.

Na procura de outra sorte
Encontrei nova mulher,
Moça bela, loura e forte,
Do jeito que a gente quer,
Mas amor recebeu corte,
Eu perdi a minha Ester,
Toda a sorte que busquei
E a tristeza eu não deixei...

Passa boi, passa boiada,
Na porteira deste peito,
A minha alma magoada
Vai perdendo o seu direito
No final não resta nada,
Vou ficando insatisfeito,
Meu amor eu magoei
E a tristeza eu não deixei...

Fogo que queimou de tarde
De noitinha incendiou,
Essa saudade inda me arde,
Desse bem que me deixou.
Vou embora sem alarde,
Carregando o que sobrou.
Nesse fogo me queimei
E a tristeza eu não deixei.

Se quiser ser minha amiga,
Venha aqui, ó companheira,
Minha casa já te abriga,
Minha chance derradeira,
Te garanto nós não briga
Quero paz da verdadeira,
Na mulher que eu abriguei
A tristeza já deixei...

X

Meu amigo eu vou contar
Uma história diferente
Que tanto nojo me dá,
Mas preciso, de repente
Pra poder desabafar
Espalhar pra toda gente,
Nem que seja devagar
Ou em forma de repente.

Um sujeito bem safado,
Enganando um coronel,
Com moça bela do lado,
Não é coisa de cordel,
Apesar de ser casado,
O pilantra, este xexéu
Querendo ser ajudado,
Arrumou este escarcéu.

Disse o velho safardana,
Para o moço de dinheiro,
Que o coração desengana,
E se faz interesseiro,
Com olhar bem mais sacana,
Vagabundo por inteiro
Que a mulher sendo bacana,
Gostosinha e com bom cheiro

Era na verdade irmã
Deste velho sem vergonha,
Alugou sua maçã
Para o coronel pamonha,
Que sentindo em doce afã
Fez sacanagem medonha
Com a moça na manhã
No travesseiro e na fronha...

Pois te falo meu amigo,
Que este caso só termina,
Com verdade que te digo,
Numa coisa que alucina.

O Deus bom ao ver de perto
A safadeza do moço,
Fez chover neste deserto,
Causando grande alvoroço

E num momento, a verdade,
Foi revelada de fato.
Pois vendo a barbaridade,
O coronel com maltrato

Disse ao velho, com franqueza
Que caíra em boa fé,
E comera com largueza
A coitada da mulher

Enganado sem saber
Que era dele a companheira,
E que agora ia fazer
Com certeza uma besteira...

O velho se desculpando
Esclareceu a verdade,
Não mentira desde quando
Falava desta irmandade

-Minha irmã, só na metade,
Sendo filha do meu pai,
Toda noite e toda tarde,
Na gandaia a gente cai...

O Coronel te garanto,
Depois desta putaria,
Que causando grande espanto
Com tanta velhacaria

Agora não quer saber
Mais de comer à vontade,
E pede antes de meter,
Carteira de identidade...

X

LOBISOMENS


Quando o brilho dessa lua
Clareia todo sertão
A verdade surge nua
Em forma de assombração.
Correndo pelas estradas
Acompanhando o luar
No meio das madrugadas
Num grito de apavorar,
Ao longe se ouve distante
O latido doloroso
Esse ladrar inconstante
Assustando, pavoroso
Quem cruzasse no caminho
Quem tentasse andar sozinho
Pelas trilhas dessa terra,
Travando sempre essa guerra,
Entre vivente e defunto
Nessa luta, tudo junto
Se confunde na batalha,
Mesmo que você atalha
Por outro rumo ou estrada
Não adiantará de nada
Você não pode escapar.
Se não vier lobisomem
Outro poderá chegar
Meio bicho meio homem.
Nessa mata sem ninguém
Mula sem cabeça vem
Procurando devorar
A quem puder encontrar.
Mas, me contam e acredito
No meio de tanto maldito
Outra coisa perigosa
É gente cheia de prosa,
No meio desses fordunços
Trabalha prá coronel
Sem pena, manda pro céu.
Essa turma de jagunços.
O povo do meu sertão
Vive toda ameaçada
Bastar dizer um só não
Ou então precisa nada.
Na ponta de uma peixeira
Ou na mira de um fuzil,
De sangue, mancham a bandeira
Envergonham o Brasil.

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