De Comendas e Comendadores
Naquela pequena cidade do interior, a cada ano se escolhiam, entre as personalidades do município, as que mais se destacavam.
Eram condecoradas com a comenda Dr. Nauseabundo Souza.
Esse fora um grande fazendeiro da região que trouxera a riqueza para o município, sendo um dos primeiros colonizadores do povoado que crescera às margens do Rio Sapo Cururu.
Ao iniciar esta colonização, habitavam índios da tribo puri e o Coronel Souza, com a ajuda de muitos jagunços, exterminaram esses primeiros habitantes da região.
Com a grilagem das terras e a exploração de pequenas quantidades de ouro que havia, pouco a pouco foram chegando outros aventureiros e com eles o gado e o café.
O desmatamento daquela área de Mata Atlântica fora total, não sobrando mais nada.
Ultimamente, o eucalipto começara a tomar o lugar dos pastos. Já o café, se limitara a pequenas propriedades, onde empregava a mão de obra sazonal costumeira.
Devemos nos recordar que, após o distrito ter-se tornado município, o crescimento e desenvolvimento estava a cada dia maior, o que atraía gente de todos os lugares.
No meio desse povo que migrara para lá, tínhamos um pequeno agricultor, de nome José, oriundo de Espera Feliz, cidade mais ou menos distante dali.
A riqueza traz todo tipo de gente, desde trabalhadores até aventureiros.
Dentre esses aventureiros, veio um grupo de paupérrimos moradores da periferia do Rio de Janeiro.
A chegada destes, trouxe para a população mais conservadora, o medo de que fossem bandidos ou traficantes, num infeliz preconceito que ainda habita as sociedades mais arcaicas e atrasadas do interior do Brasil.
Peterson era um dos homens mais violentos daquela cidade. Tinha, há muito, um programa numa estação de rádio local, cujo mote era “Bandido bom é bandido sepultado”.
Muito popular entre as camadas mais simples do local, este programa garantia ao radialista, a reeleição eterna à Câmara Municipal.
Não somente a ele, mas também à sua filha, Claudia, que seguia os passos do pai na política e no “jornalismo”.
Com o passar dos meses, os cariocas começaram a aparecer mortos, a cada mês aparecia um novo cadáver abandonado próximo aos bairros mais distantes da cidade.
Curiosamente, todos eles tinham uma marca estranha feita a canivete nas costas, uma caveira e duas tíbias cruzadas, à moda dos piratas.
A cada assassinato, Peterson, em seu programa de rádio, louvava a morte de mais um bandido, agradecendo ao executor misterioso, o favor de ter livrado a sociedade local de um facínora. Acrescentando à notícia, um monte de crimes imputados ao defunto.
Um grupo de estudantes que tinha ido estudar em Juiz de Fora, começou a perceber que essas coisas estavam se tornando repetitivas e fundaram uma associação de defesa dos direitos do cidadão.
Obviamente, Peterson começou a atacar esta associação, chamando seus membros de “defensores de bandidos”, de “turma de maconheiros sem vergonha”, etc.
Neste meio termo; José conheceu sua esposa, Maria. Começaram a namorar e, em pouco tempo se casaram.
Do casamento vieram três meninos, “as esperanças de José”, conforme dizia para todos os que conhecia.
Numa tarde do mês de maio, houve um incêndio na rua onde morava Jose.
Heroicamente, sem ter medo do que poderia acontecer e, na ausência de um Corpo de Bombeiros, José se meteu no meio do fogo e salvou uma criança recém nascida que dormia no berço, próximo à cama de sua desesperada mãe que assistiu a salvação emocionada.
Tal fato espalhou-se pela região, sendo noticiado até na televisão, num canal de Belo Horizonte, sendo José transformado, rapidamente, em herói.
José era muito bem relacionado e tinha, entre seus amigos, o Carioca.
Carioca era muito brincalhão, sujeito bom e honesto. Amigo do peito de José. Várias vezes tinha emprestado dinheiro, na época das vacas magras. Era pau pra toda obra.
Um dia, Carioca saiu para trabalhar e se despediu de José, carinhosamente.
Foi a última vez que Jose o viu vivo.
O corpo, encontrado na beira da estrada, crivado de balas e com aquela marca já descrita, feita a canivete nas costas do amigo.
No rádio, Peterson disse o que sempre dizia, que Carioca era um criminoso procurado pela polícia do Rio, envolvido com tráfico, essas coisas...
Essa notícia revoltou sobremaneira nosso amigo que, indignado disse a si mesmo e à esposa que nunca mais iria assistir àquele mentiroso, já que conhecia muito bem seu amigo e sabia-o incapaz de ter feito alguma coisa errada.
No final do ano, à época da escolha das personalidades do município, José foi lembrado pelo vereador do bairro onde morava.
Festejou muito; um humilde lavrador ser homenageado pela Câmara dos Vereadores!
Isso era motivo de comemoração e muito orgulho. Com toda a alegria do mundo, comunicou à esposa que se arrumasse para que no final do mês, na festa da cidade, fosse com ele receber a Comenda Dr. Nauseabundo Souza.
Comendador! Poderia agora, voltar a Espera Feliz com a cabeça erguida, ostentando no peito a comenda de que tanto se orgulharia.
Mas, por um desses acasos da vida, ao ir para o trabalho deparou com uma cena que chamou sua atenção.
Um homem enorme, com quase duzentos quilos, estava na beira do rio, pescando.
Até aí nada demais, mas ao se aproximar do cidadão, empalideceu.
Nas costas desnudas do pescador, deparou com aquela marca que vira desenhada a canivete nas costas do seu amigo Carioca.
A marca tatuada não deixava enganar. Era mesmo aquela.
O susto se tornou maior quando reconheceu Peterson, o radialista.
Era então isso, aquele homem estava ligado à morte de seu amigo.
Afastou-se calado e foi para o trabalho.
Passaram-se alguns dias, até que chegou o ansiado dia da condecoração.
Arrumou-se, se perfumou, vestiu sua mais bonita vestimenta e foi à Câmara receber sua comenda.
Para surpresa sua, entre os condecorados estava Peterson, que teve seu nome indicado pela filha.
A surpresa se transformou em ódio. E esse dominou todo o seu rosto empalidecendo-o.
Começou a tremer e, quase sem ouvir seu nome, levantou-se.
Ao ver Peterson com a comenda no peito, não se conteve.
Mal pegou a sua comenda, cuspiu sobre a mesma e atirou-a na cara do radialista, gritando:
“Essa é em homenagem ao Carioca, Comendador, aquele bandido que foi assassinado no mês passado, esse mesmo, aquele traficante que vocês anunciaram no seu programa de rádio. Vocês merecem essa comenda, vocês todos. Bandido bom é aquele que carrega essa homenagem no peito, vocês merecem!”
Para susto de todos, retirou-se, mas antes de sair, cuspiu no chão daquela digna “Casa do Povo”. Nunca mais ninguém teve notícias dele.
O corpo encontrado no dia seguinte nas proximidades da cidade, tinha o rosto deformado por ácido.
A marca da caveira e das tíbias estava feita nas costas.
Mas, desta vez, o radialista nada comentou...
Eram condecoradas com a comenda Dr. Nauseabundo Souza.
Esse fora um grande fazendeiro da região que trouxera a riqueza para o município, sendo um dos primeiros colonizadores do povoado que crescera às margens do Rio Sapo Cururu.
Ao iniciar esta colonização, habitavam índios da tribo puri e o Coronel Souza, com a ajuda de muitos jagunços, exterminaram esses primeiros habitantes da região.
Com a grilagem das terras e a exploração de pequenas quantidades de ouro que havia, pouco a pouco foram chegando outros aventureiros e com eles o gado e o café.
O desmatamento daquela área de Mata Atlântica fora total, não sobrando mais nada.
Ultimamente, o eucalipto começara a tomar o lugar dos pastos. Já o café, se limitara a pequenas propriedades, onde empregava a mão de obra sazonal costumeira.
Devemos nos recordar que, após o distrito ter-se tornado município, o crescimento e desenvolvimento estava a cada dia maior, o que atraía gente de todos os lugares.
No meio desse povo que migrara para lá, tínhamos um pequeno agricultor, de nome José, oriundo de Espera Feliz, cidade mais ou menos distante dali.
A riqueza traz todo tipo de gente, desde trabalhadores até aventureiros.
Dentre esses aventureiros, veio um grupo de paupérrimos moradores da periferia do Rio de Janeiro.
A chegada destes, trouxe para a população mais conservadora, o medo de que fossem bandidos ou traficantes, num infeliz preconceito que ainda habita as sociedades mais arcaicas e atrasadas do interior do Brasil.
Peterson era um dos homens mais violentos daquela cidade. Tinha, há muito, um programa numa estação de rádio local, cujo mote era “Bandido bom é bandido sepultado”.
Muito popular entre as camadas mais simples do local, este programa garantia ao radialista, a reeleição eterna à Câmara Municipal.
Não somente a ele, mas também à sua filha, Claudia, que seguia os passos do pai na política e no “jornalismo”.
Com o passar dos meses, os cariocas começaram a aparecer mortos, a cada mês aparecia um novo cadáver abandonado próximo aos bairros mais distantes da cidade.
Curiosamente, todos eles tinham uma marca estranha feita a canivete nas costas, uma caveira e duas tíbias cruzadas, à moda dos piratas.
A cada assassinato, Peterson, em seu programa de rádio, louvava a morte de mais um bandido, agradecendo ao executor misterioso, o favor de ter livrado a sociedade local de um facínora. Acrescentando à notícia, um monte de crimes imputados ao defunto.
Um grupo de estudantes que tinha ido estudar em Juiz de Fora, começou a perceber que essas coisas estavam se tornando repetitivas e fundaram uma associação de defesa dos direitos do cidadão.
Obviamente, Peterson começou a atacar esta associação, chamando seus membros de “defensores de bandidos”, de “turma de maconheiros sem vergonha”, etc.
Neste meio termo; José conheceu sua esposa, Maria. Começaram a namorar e, em pouco tempo se casaram.
Do casamento vieram três meninos, “as esperanças de José”, conforme dizia para todos os que conhecia.
Numa tarde do mês de maio, houve um incêndio na rua onde morava Jose.
Heroicamente, sem ter medo do que poderia acontecer e, na ausência de um Corpo de Bombeiros, José se meteu no meio do fogo e salvou uma criança recém nascida que dormia no berço, próximo à cama de sua desesperada mãe que assistiu a salvação emocionada.
Tal fato espalhou-se pela região, sendo noticiado até na televisão, num canal de Belo Horizonte, sendo José transformado, rapidamente, em herói.
José era muito bem relacionado e tinha, entre seus amigos, o Carioca.
Carioca era muito brincalhão, sujeito bom e honesto. Amigo do peito de José. Várias vezes tinha emprestado dinheiro, na época das vacas magras. Era pau pra toda obra.
Um dia, Carioca saiu para trabalhar e se despediu de José, carinhosamente.
Foi a última vez que Jose o viu vivo.
O corpo, encontrado na beira da estrada, crivado de balas e com aquela marca já descrita, feita a canivete nas costas do amigo.
No rádio, Peterson disse o que sempre dizia, que Carioca era um criminoso procurado pela polícia do Rio, envolvido com tráfico, essas coisas...
Essa notícia revoltou sobremaneira nosso amigo que, indignado disse a si mesmo e à esposa que nunca mais iria assistir àquele mentiroso, já que conhecia muito bem seu amigo e sabia-o incapaz de ter feito alguma coisa errada.
No final do ano, à época da escolha das personalidades do município, José foi lembrado pelo vereador do bairro onde morava.
Festejou muito; um humilde lavrador ser homenageado pela Câmara dos Vereadores!
Isso era motivo de comemoração e muito orgulho. Com toda a alegria do mundo, comunicou à esposa que se arrumasse para que no final do mês, na festa da cidade, fosse com ele receber a Comenda Dr. Nauseabundo Souza.
Comendador! Poderia agora, voltar a Espera Feliz com a cabeça erguida, ostentando no peito a comenda de que tanto se orgulharia.
Mas, por um desses acasos da vida, ao ir para o trabalho deparou com uma cena que chamou sua atenção.
Um homem enorme, com quase duzentos quilos, estava na beira do rio, pescando.
Até aí nada demais, mas ao se aproximar do cidadão, empalideceu.
Nas costas desnudas do pescador, deparou com aquela marca que vira desenhada a canivete nas costas do seu amigo Carioca.
A marca tatuada não deixava enganar. Era mesmo aquela.
O susto se tornou maior quando reconheceu Peterson, o radialista.
Era então isso, aquele homem estava ligado à morte de seu amigo.
Afastou-se calado e foi para o trabalho.
Passaram-se alguns dias, até que chegou o ansiado dia da condecoração.
Arrumou-se, se perfumou, vestiu sua mais bonita vestimenta e foi à Câmara receber sua comenda.
Para surpresa sua, entre os condecorados estava Peterson, que teve seu nome indicado pela filha.
A surpresa se transformou em ódio. E esse dominou todo o seu rosto empalidecendo-o.
Começou a tremer e, quase sem ouvir seu nome, levantou-se.
Ao ver Peterson com a comenda no peito, não se conteve.
Mal pegou a sua comenda, cuspiu sobre a mesma e atirou-a na cara do radialista, gritando:
“Essa é em homenagem ao Carioca, Comendador, aquele bandido que foi assassinado no mês passado, esse mesmo, aquele traficante que vocês anunciaram no seu programa de rádio. Vocês merecem essa comenda, vocês todos. Bandido bom é aquele que carrega essa homenagem no peito, vocês merecem!”
Para susto de todos, retirou-se, mas antes de sair, cuspiu no chão daquela digna “Casa do Povo”. Nunca mais ninguém teve notícias dele.
O corpo encontrado no dia seguinte nas proximidades da cidade, tinha o rosto deformado por ácido.
A marca da caveira e das tíbias estava feita nas costas.
Mas, desta vez, o radialista nada comentou...
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