quarta-feira, maio 31, 2006

DO MILAGRE DO MERCURIO CROMO

Uma das cenas que considero inesquecíveis na minha vida de socorrista deu-se no PS de Guaçui, no Espírito Santo.
Estávamos no começo de uma tarde quente de sexta feira quando a ambulância que faz os atendimentos de urgência e emergência dentro do município foi solicitada para atender a um chamado próximo a Rodoviária.
Ao retornar ao PS, trazia um cidadão totalmente embriagado, com escoriações na face.
Esse fato se deu no início dos anos 90, portanto o mercúrio cromo ainda era utilizado em alguns lugares e, no PS ainda o utilizávamos como auxiliar na assepsia de ferimentos.
A auxiliar de enfermagem, ao fazer a limpeza da ferida, foi surpreendida por uma cabeçada do doente.
O resultado desse incidente foi a abertura do frasco, desses grandes com mais ou menos meio litro de mercúrio que, ao ser destampado, deixou cair sobre o pobre bêbado a quase totalidade de seu conteúdo.
Deixamos o “avermelhado” bêbado em observação, mas, com o decorrer do dia, e a chegada de urgências mais óbvias, fomos obrigados a remover o paciente para casa.
Pois bem, ao retornar ao Pronto Socorro, o motorista Cleber nos contou da dificuldade de encontrar o local onde habitava nosso amigo.
A informação que colhera, ao trazer o doente, é que o mesmo residia em Celina, distrito do Município de Alegre, que se acha a dez quilômetros de distância de Guaçui.
Ao chegar a Celina, e tentar encontrar a casa do bêbado, Cleber me disse da dificuldade da procura, os habitantes do local se referiam ao fato de “não conhecerem esse cidadão, inclusive por nunca terem visto um homem tão vermelho assim, na vida”.
Quando já estava desistindo, Cleber ficou sabendo por meio de um vizinho do alcoólatra, que este morava numa trilha de terra perto do distrito.
Devido à dificuldade de tráfego naquela estrada vicinal, Cleber deixou-o no começo da trilha e retornou ao PS.
Tudo bem se a história terminasse aqui, mas não.
Passados um ou dois meses, eis que o cidadão passa em frente ao Pronto Socorro, mas extremamente modificado.
A roupa comum tinha dado lugar a um paletó e gravata. No lugar da garrafa de cachaça, o cidadão trazia uma Bíblia.
Ao ser indagado do porque daquela mudança tão brusca, Cleber obteve uma resposta insólita:
- O Senhor não sabe o que aconteceu comigo!
Eu estava bebendo com uns amigos aqui em Guaçui quando, de repente, o diabo me levou, deu uma volta comigo, me marcou para a morte me pintando todo de vermelho e me jogou na estradinha lá perto de casa.
Quando acordei, seu moço, eu jurei pra mim mesmo que eu ia me arrepender dos meus pecados, ia entrar numa Igreja e nunca mais ia beber na minha vida!