Mausoléu
A vida inteira João esperara Maria de Fátima.
Menina bonita, correndo solta pela fazenda vizinha a que morava, com os pés descalços e os olhos brilhantes. Menina trazendo nas tranças, a beleza da infância que prometia a mulher exuberante.
João, nos seus quase vinte anos, se encasquetara com a garotinha; “vai ser minha”, não parava de pensar.
O tempo passando, a menina se tornara uma bela adolescente e João, amigo dos pais da menina, começara a freqüentar, com certa freqüência , a casa vizinha.
Entre indas e vindas, todas as semanas batia o cartão de ponto.
Um olho nas guloseimas feitas por dona Ritinha e outro na menina bonita de olhos cabisbaixos e sorriso matreiro.
É claro que a mocinha começara a perceber as intenções do visitante, coisa que a menina mal adivinhara. Nesse ponto, dona Ritinha também começou a achar sentido nos olhos e suspiros soltos descuidadamente pelo visitante.
Todos observaram, menos Seu Jorge, o pai da menina.
Quando alguém tocava no assunto, ele dava bronca e exigia respeito, isso não era assunto que se falasse, que respeitasse o Seu João, amigo da família e que era um absurdo que se pensasse isso dele, etc.
Ao perceber que as dificuldades que teria que enfrentar seriam intransponíveis, por conta da posição contrária de Seu Jorge, o pobre João quase que teve um piripaque. Os sonhos de tanto tempo desfeitos dessa forma eram por demais dolorosos para serem encarados de frente.
Mas, a vida tem suas surpresas e essas nos deixam, muitas vezes, de queixo caído.
Maria de Fátima, ou melhor, Fatinha, dona dos seus quatorze exuberantes anos, surpreendentemente, mandou um recado, um bilhete, chamando-o para conversar com ela depois da missa.
No domingo, João se emperiquitou todo, colocou aquele perfume importado, o Vitess, e foi para a missa com o coração em frangalhos.
O que poderia querer aquela bela moça com ele?
Não perdia por esperar.
Após a missa, Fatinha mais bela do que nunca esperava nosso amigo na lateral da Igreja e foi direto ao assunto.
Queria que ele soubesse o quanto ela o amava e o quanto estava disposta a encarar qualquer coisa por ele e, sabendo que seu pai seria contrário ao namoro dos dois, planejara fugir com ele para qualquer lugar que ele quisesse.
O amor faz das suas e não tem juízo, o que fez com que João, sem pestanejar, topasse as loucuras da adolescente apaixonada.
Tudo combinado, horário e forma da fuga.
Ás quatro da manhã do sábado, todo mundo dormindo, menos Fatinha e João e o motorista do carro que os esperava na estrada, próxima da fazenda do Seu Jorge.
A estrada é longa, mas a vida é mais, as curvas se parecem e numa delas, bem distante de tudo, o carro parou e deixou o mais novo casal daquelas redondezas.
Fatinha, dona dos seus catorze anos e o quase quarentão João, prontos para começar a vida...
No começo, tudo tranqüilo, mas com o tempo, Fatinha se mostrara insaciável e João, pobre João, não tinha condições de satisfazer plenamente os desejos da sua amada...
João, prevenido e mais vivido, quase lívido com tamanho apetite e, pleiteando pela integridade de sua honra, resolveu tomar uma atitude radical.
Construiu uma casa numa região distante, bem distante de qualquer outra, isolada no meio de um pasto quase inatingível.
Lá, morava com sua amada que, a cada dia, se transformava em uma das mais belas ninfas da região, ninfa e ninfomaníaca, exigente, cada vez mais exigente...
Na casa, quase inatingível, João se encontrava, desesperadamente,
O maior amor do mundo, o amor de João.
Mas, o quase inatingível se mostrou verdadeiro quando, num dia
Viera do Rio, em busca de sua família perdida naquele grotão mineiro.
Vizinhos distantes de João, os seus pais permitiram que desse uma volta com o cavalo. Cavalo bravo, fugidio, rapaz novo, sem experiência...
O cavalo, como a que guiar nosso Apolo, levou-o diretamente àquela casa perdida no meio do pasto, longe de todos...
A sede e a curiosidade o fizeram bater à porta, no que foi atendido pela Fatinha, exuberantemente bela e carente.
A porta aberta, a mesa posta, a broa de fubá, os carinhos, os seios, os lábios, a cama revolta e o sexo explodindo furioso, dentro daquela casa feita por João, com todo amor e carinho do mundo.
Uma vez, duas vezes, dez vezes, agora o cavalo já não errava o caminho.
Mas João, um dia, errara a hora ou a chuva adiantara sua volta, ou uma inocente dor de barriga, sei lá. Só sei que voltou a tempo de ver o rapaz subindo no cavalo e retornando pelo pasto a fora.
A dor foi cruel, lancinante, percorrendo todo o corpo e a alma de João.
O que fazer?
Teria que se vingar de Fatinha, mas teria que agir sorrateiramente.
Pegou seu cavalo e partiu, a galope, atrás do Apolo amante de Fátima.
Excelente cavalo e bom cavaleiro, garrucha nova, tiros certeiros. O corpo foi fácil de ser escondido, uma pedra no pescoço, não afunda mais.
Retornou para casa, como se nada tivesse acontecido.
O sorriso na cara da mulher tinha, então, uma explicação.
Sorriso que, com o passar dos dias e com a ausência do objeto de desejo, foi se transformando em irritação.
Irritação em lágrimas e lágrimas em desespero, contido desespero.
João, então, resolveu se vingar da amada.
Dolorosa vingança.
A pequena casa tinha três cômodos, uma janela no quarto, outra na sala e a porta da sala. Única porta da casa.
O remédio fora fácil de ser encontrado.
O boticário tinha mandado tomar um comprimido à noite. Daria uma noite de sono profundo.
Vinte comprimidos diluídos em um litro de suco. Suco de abacaxi, coisa divina. O preferido por Fatinha.
Devorada rapidamente, a garrafa vazia, a cabeça rodando, vazia...
Excelente pedreiro, João não teve dificuldade de fechar as janelas e a porta.
Trancadas com uma estrutura de ferro e cimento. Invioláveis.
Agora, quem passa perto daquele pasto, estranha aquela construção, toda fechada.
Parece que foi, um dia, uma casa.
Agora, ninguém mais sabe o que era.
A não ser João, que casado com Dona Rosa, tem três filhos e mora lá em Goiás, mal se recordando do mausoléu construído num pasto, no interior de Minas Gerais....
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