Um coleirinho e uma sina...
Santa Martha, pequeno distrito da cidade de Ibitirama, no sul do Espírito Santo, é o cenário desta história.
Entre os seus pouco mais de cem habitantes, havia um que era amado por todos, conhecido por José Coleiro. Tinha herdado esse apelido pelo simples fato de ser apaixonado por passarinhos; a bem da verdade, passarinhos não, coleirinhos para ser mais especifico.
Desde menino, sua presença podia ser associada a gaiola que levava, inseparável, para todos os lugares onde fosse.
O coleiro é um grande cantador e, por isso admirado por quem gosta de criar passarinhos; sendo, inclusive utilizado em torneios de canto.
José Maria, pois esse era o nome do jovem, cuidava dos seus pássaros com todo carinho que podia. Sendo que, durante vários dias, a comida podia escassear para José mas o alpiste e o jiló maduro nunca deixavam de freqüentar a gaiola de um pássaro sequer.
Nos últimos dias, José estava extasiado pois, havia conseguido um coleiro raro, excelente cantador, o melhor que poderia imaginar ter encontrado na vida.
Esse seu companheiro fazia inveja a todos os que conheciam a arte inata dos pequenos animais.
As propostas de compra se sucediam mas José, certo de que ninguém cuidaria com tanto cuidado daquela jóia, não se desfaria dele por preço nenhum era, simplesmente, inegociável.
João Polino, dono dos seus oitenta verões de sabedoria e sensibilidade, falara comigo deste amor gigantesco do João Coleiro por este passarinho especial.
Eu havia percebido, desde algum tempo, que João estava diferente; já não demonstrava a alegria de antes, mesmo motivado pela raridade que possuía.
Aliás, tal pássaro era o motivo de tanta tristeza e apreensão. A partir do momento em que vira a cobiça dos outros aumentando sobre o animalzinho, as noites tranqüilas de José passaram a ter o caráter de pesadelos.
Qualquer barulho ou sinal de movimentação no quintal, deixava o sentinela em prontidão. Várias vezes se viu acordado lá pelas duas, três horas da manhã, alertado por um gato que esbarrara em algum latão, ou por outros alarmes falsos.
Com o interesse demonstrado por Jesuíno pelo pássaro, a situação complicou.
Jesuíno tinha sido uma espécie de jagunço, ligado ao Coronel Farias, mitológico fazendeiro da região, muito mais conhecido por suas lendárias histórias do que por fatos verídicos. Conta-se que matara mais de vinte pessoas no interior da Bahia, onde morara por uns tempos, na fazenda de um doutor, médico, e político.
Mas essas historias nunca foram comprovadas, cabendo mais na imaginação do povo de Santa Martha do que nos anais da justiça baiana, o certo, entretanto, é que Jesuíno metia medo em todos, sentindo um enorme prazer em ver as crianças fugindo a sua presença e as portas se fechando quando saía pelo povoado.
José Coleiro flagrara Jesuíno, num domingo à tarde, com os olhos parados sobre o coleiro e, ainda tivera tempo de ouvir um comentário sobre o passarinho.
Jesuíno interrogara a João Polino se era aquele o famoso coleirinho campeão, ao que João confirmara.
Um adendo, João Polino era um dos poucos habitantes de Santa Martha que não temia Jesuíno. Também, para quem dera uma surra no Saci Pererê e montara na mula sem cabeça, isso era café pequeno...
Ultimamente, os temores de José começaram a se transformar em verdadeira paranóia.
Qualquer comentário sobre o bichinho, ao invés de agradar, começou a deixar nosso herói em estado de tensão absoluta, irritadiço ao extremo.
Começara a agredir quem quer que fosse, desde que esse, inadvertidamente, elogiasse o coleirinho.
Passara a dormir com a gaiola dentro de casa, para desespero de sua mulher, dona Rita, a quem dedicava, por certo, muito menos atenção e carinho do que ao animal de estimação.
Dona Rita, embora se sentisse ofendida no começo do casamento pela clara predileção de José aos animais, com o tempo se acostumara e até ajudava-o na difícil arte de cuidar dos pequenos passarinhos.
Como Deus lhe tinha dado um útero estéril, passara a ver as avezinhas como se fossem verdadeiramente os filhos que a natureza negara.
Dona Rita nem reclamava mais, conformada com a sina de estar, na maior parte do tempo, sozinha, sem a companhia do marido.
Mas, desde que o marido passou a se sentir ameaçado em seu bem mais precioso, dona Rita sentira o peso do mau humor de José; sempre pronto a agredi-la com palavras e, dizem, até fisicamente.
No pequeno distrito, um menino é o dono do mundo. E uma das coisas que mais atraem uma criança é uma bela mangueira carregada de frutas maduras.
No quintal de José, havia uma das mais profícuas mangueiras do distrito. Manga espada, grande e docinha. Deliciosa!
Tenorinho, filho do seu Jurandir, era um dos moleques mais audaciosos daquele reinado. Não respeitava nada e nenhum muro ou cerca.
As marcas que tinha nas pernas e nádegas demonstravam os dentes dos cães e os tiros de sal, troféus da sua heróica meninice.
José fora dormir, como sempre, às sete horas da noite, um ouvido no ronco da mulher e outro atento aos barulhos do quintal.
Mas, nessa noite, estava mais sensível do que nunca; e o ouvido de tuberculoso denunciou um barulho maior no quintal.
Gritara e repetira, diversas vezes para que quem ali estivesse foi embora.
Uma sombra enorme, denunciava que, desta vez, não era um gato ou um outro animal qualquer que o viera visitar, a sombra era de um homem...
Com medo de Jesuíno, mandou que este se retirasse, no que não obteve resposta.
Como a sombra se agigantava e vinha em sua direção, José sacou, rapidamente da garrucha e atirou.
As mangas encontradas no chão, espalhadas próximas à poça de sangue denunciaram, tardiamente, o mal entendido...
Entre os seus pouco mais de cem habitantes, havia um que era amado por todos, conhecido por José Coleiro. Tinha herdado esse apelido pelo simples fato de ser apaixonado por passarinhos; a bem da verdade, passarinhos não, coleirinhos para ser mais especifico.
Desde menino, sua presença podia ser associada a gaiola que levava, inseparável, para todos os lugares onde fosse.
O coleiro é um grande cantador e, por isso admirado por quem gosta de criar passarinhos; sendo, inclusive utilizado em torneios de canto.
José Maria, pois esse era o nome do jovem, cuidava dos seus pássaros com todo carinho que podia. Sendo que, durante vários dias, a comida podia escassear para José mas o alpiste e o jiló maduro nunca deixavam de freqüentar a gaiola de um pássaro sequer.
Nos últimos dias, José estava extasiado pois, havia conseguido um coleiro raro, excelente cantador, o melhor que poderia imaginar ter encontrado na vida.
Esse seu companheiro fazia inveja a todos os que conheciam a arte inata dos pequenos animais.
As propostas de compra se sucediam mas José, certo de que ninguém cuidaria com tanto cuidado daquela jóia, não se desfaria dele por preço nenhum era, simplesmente, inegociável.
João Polino, dono dos seus oitenta verões de sabedoria e sensibilidade, falara comigo deste amor gigantesco do João Coleiro por este passarinho especial.
Eu havia percebido, desde algum tempo, que João estava diferente; já não demonstrava a alegria de antes, mesmo motivado pela raridade que possuía.
Aliás, tal pássaro era o motivo de tanta tristeza e apreensão. A partir do momento em que vira a cobiça dos outros aumentando sobre o animalzinho, as noites tranqüilas de José passaram a ter o caráter de pesadelos.
Qualquer barulho ou sinal de movimentação no quintal, deixava o sentinela em prontidão. Várias vezes se viu acordado lá pelas duas, três horas da manhã, alertado por um gato que esbarrara em algum latão, ou por outros alarmes falsos.
Com o interesse demonstrado por Jesuíno pelo pássaro, a situação complicou.
Jesuíno tinha sido uma espécie de jagunço, ligado ao Coronel Farias, mitológico fazendeiro da região, muito mais conhecido por suas lendárias histórias do que por fatos verídicos. Conta-se que matara mais de vinte pessoas no interior da Bahia, onde morara por uns tempos, na fazenda de um doutor, médico, e político.
Mas essas historias nunca foram comprovadas, cabendo mais na imaginação do povo de Santa Martha do que nos anais da justiça baiana, o certo, entretanto, é que Jesuíno metia medo em todos, sentindo um enorme prazer em ver as crianças fugindo a sua presença e as portas se fechando quando saía pelo povoado.
José Coleiro flagrara Jesuíno, num domingo à tarde, com os olhos parados sobre o coleiro e, ainda tivera tempo de ouvir um comentário sobre o passarinho.
Jesuíno interrogara a João Polino se era aquele o famoso coleirinho campeão, ao que João confirmara.
Um adendo, João Polino era um dos poucos habitantes de Santa Martha que não temia Jesuíno. Também, para quem dera uma surra no Saci Pererê e montara na mula sem cabeça, isso era café pequeno...
Ultimamente, os temores de José começaram a se transformar em verdadeira paranóia.
Qualquer comentário sobre o bichinho, ao invés de agradar, começou a deixar nosso herói em estado de tensão absoluta, irritadiço ao extremo.
Começara a agredir quem quer que fosse, desde que esse, inadvertidamente, elogiasse o coleirinho.
Passara a dormir com a gaiola dentro de casa, para desespero de sua mulher, dona Rita, a quem dedicava, por certo, muito menos atenção e carinho do que ao animal de estimação.
Dona Rita, embora se sentisse ofendida no começo do casamento pela clara predileção de José aos animais, com o tempo se acostumara e até ajudava-o na difícil arte de cuidar dos pequenos passarinhos.
Como Deus lhe tinha dado um útero estéril, passara a ver as avezinhas como se fossem verdadeiramente os filhos que a natureza negara.
Dona Rita nem reclamava mais, conformada com a sina de estar, na maior parte do tempo, sozinha, sem a companhia do marido.
Mas, desde que o marido passou a se sentir ameaçado em seu bem mais precioso, dona Rita sentira o peso do mau humor de José; sempre pronto a agredi-la com palavras e, dizem, até fisicamente.
No pequeno distrito, um menino é o dono do mundo. E uma das coisas que mais atraem uma criança é uma bela mangueira carregada de frutas maduras.
No quintal de José, havia uma das mais profícuas mangueiras do distrito. Manga espada, grande e docinha. Deliciosa!
Tenorinho, filho do seu Jurandir, era um dos moleques mais audaciosos daquele reinado. Não respeitava nada e nenhum muro ou cerca.
As marcas que tinha nas pernas e nádegas demonstravam os dentes dos cães e os tiros de sal, troféus da sua heróica meninice.
José fora dormir, como sempre, às sete horas da noite, um ouvido no ronco da mulher e outro atento aos barulhos do quintal.
Mas, nessa noite, estava mais sensível do que nunca; e o ouvido de tuberculoso denunciou um barulho maior no quintal.
Gritara e repetira, diversas vezes para que quem ali estivesse foi embora.
Uma sombra enorme, denunciava que, desta vez, não era um gato ou um outro animal qualquer que o viera visitar, a sombra era de um homem...
Com medo de Jesuíno, mandou que este se retirasse, no que não obteve resposta.
Como a sombra se agigantava e vinha em sua direção, José sacou, rapidamente da garrucha e atirou.
As mangas encontradas no chão, espalhadas próximas à poça de sangue denunciaram, tardiamente, o mal entendido...
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