quinta-feira, abril 03, 2008

A MINHA SINA, PRIMEIRA PARTE.

Durante tanto tempo em minha vida

Pensara ser possível nova sorte.

Da estrada em pensamentos percorrida

Mudando num momento, rumo e Norte.

Encaro as tempestades sem guarida

Sem ter uma esperança por suporte.

A mão que me acarinha traz ferida

Aprofundando sempre cada corte.

Nascido nos sertões lá das Gerais,

Em meio aos mais temíveis vendavais,

Nas noites o luar por lampião

Os olhos procurando quem me queira,

Deixando a solidão, velha bandeira

Espero a luz imensa na amplidão...

Meu pai que se perdeu em noite clara,

Deixando a solidão como presente.

Amor que tantas vezes desampara

Durante a vida vaga não se sente.

A boca da saudade é tão amara

Decerto uma esperança se pressente

Na mão que em mil carinhos antepara,

Porém o vento diz do amor ausente.

Sozinha, minha mãe pouco dizia

Do pai que já se foi pra nunca mais

Resíduo de uma imagem, fantasia.

Distante de meus olhos, tantas léguas

Saudade do vazio não dá tréguas

Pesando em minhas costas, dói demais...

As mãos que preparavam armadilhas,

Os olhos espiando numa espreita

Tentando adivinhar caminhos, trilhas

O sonho amenizando enquanto deita

Buscando paraísos, maravilhas,

Nas gretas entre nuvens se deleita.

Cometas entre estrelas andarilhas

A febre da esperança, uma maleita

Queimando os olhos frágeis da criança,

Ausência se tornando uma lembrança

Retrato na gaveta dos meus sonhos.

A boca que hoje beijo traz assim

O cheiro que guardado dentro em mim

Prometia momentos mais risonhos...

O tempo não sossega, nem se doma

A pele se enrugando já retrata

A vida que se perde enquanto soma

A cada novo nó, velhos desata.

Às vezes solidão cria redoma

Que enquanto nos protege, já maltrata

Destino em suas mãos, quando amor toma

Do rio em placidez, tanta cascata...

As palmas calejadas, foice e enxada

Os olhos embotados de poeira

Saudade sem saber de focinheira

Arranca com dentadas mil pedaços,

Do bem que se deseja; feiticeira

Amarra nossos pés em frios aços.

Tentando vislumbrar alguma luz,

Durante a minha infância nada via

Se o sonho em desespero reproduz

O que a vida em cortes me dizia

Ao carregar pesada e dura cruz

A noite prometida sempre fria

Minando nos meus olhos, sangue e pus

Deixando bem distante uma alegria...

Moleque entre correntes e horizontes

Ao perceber ausência de outras pontes

Com asas vai sonhando, ledo, em vão.

Cevando seus abortos, cada grão

Representa o vazio da lavoura

A seca se mostrando duradoura...

Quem vê belas montanhas sob o sol,

Os rios derramando suas águas.

A lua prateando este arrebol

Deitando poesia em suas fráguas,

Bucólica paisagem perpetrando

Imagens divinais, raro pendor.

Beleza sem igual se adivinhando

Convite para a paz, clamando amor.

Sol-pôr entre matizes tão diversos,

Aurora multicor, maravilhosa...

Encantos que irradiam tantos versos

Vislumbre desta cena fabulosa.

Quem cria a fantasia de um castelo,

Não sabe da dureza de um rastelo.

A adolescência chega e traz espantos

Os medos são temíveis companheiros.

Hormônios pululando pelos cantos

Desejos se tornando garimpeiros

Aguardam as respostas que não vêm.

Os dentes cariados, a alma vaga,

Vontade de sentir, mas sem ninguém

Apenas solidão ainda afaga...

Fortuitas alegrias. São bem poucas,

Momentos ilusórios, risos frágeis.

As vozes transmudando, ficam roucas,

Os olhos nos vazios correm ágeis...

Arrimo de família, o que fazer?

À noite, solitário, o meu prazer...

Estrada tão comprida... Longa espera,

A vida sonegando uma esperança

Quem dera conhecesse a primavera,

Porém nem mesmo o sonho dá fiança.

Deixando o meu passado para trás,

Seguindo por caminhos tão distantes

Destino, como amargo capataz

Mentindo, os meus olhares confiantes.

No lombo do cavalo, arreios, selas,

O gado se espalhando pelos pastos,

Em meio a tal cenário, belas telas,

Os ritos da esperança bem mais gastos

Não deixam que se pense em liberdade,

Nem mesmo alguma luz ou claridade...

Seu moço eu tenho tanto pra falar

Dos olhos da saudade, poço fundo.

Depois de tanto tempo procurar

Escute minha voz por um segundo.

Vivendo sempre assim ao Deus-dará,

Sobrando desistências no caminho

O quanto tantas vezes buscará

Um peito solitário, por carinho.

O gado se perdendo nas montanhas,

As horas sobre as selas do cavalo,

Partidas que joguei nunca são ganhas

Do gozo de um amor eu nunca falo,

Sabendo desta sina: ser peão,

Deixando no passado, o coração.

O peito não sossega, a mão se atreve

E busca a liberdade. Mesmo tarde.

Uma alma se sentindo bem mais leve

Tentando prosseguir sem dar alarde

Recebe o vento forte da esperança

E beija as corredeiras deste rio.

Mas quando no chicote, uma aliança,

Futuro se mostrando tão vazio...

A terra tem seus donos, coronéis,

A bala de um revólver faz estragos.

Tocaias preparadas são cruéis

Os sangues espalhados formam lagos.

Destino de jagunço é mesmo assim,

Com sangue vou regando o meu jardim...

Tocaia que se faz em noite clara

É mais um desafeto que se vai

Enquanto o funeral já se prepara

A morte se escondendo não me trai.

Depois de certo tempo, isso é normal.

Um corpo, dez mil corpos, tanto faz

Vingança feita à bala é natural,

Trabalho corriqueiro feito em paz.

A gente se acostuma desde cedo,

Ser matador é minha profissão,

Ofício que também tem seu segredo

Precisa sempre ter dedicação.

Mais difícil cair no sertão chuva

Do que regar com choro de viúva...

Das coxas tão bonitas da morena

Vontade de fazer tanta besteira,

Enquanto este desejo já me acena

A moça se mostrando feiticeira

Parece desejar o que mais quero,

Beber do mesmo gozo em noite imensa.

O amor se verdadeiro e mais sincero

Merece com certeza recompensa.

A filha do patrão, moça prendada

Olhando para mim, jagunço pobre

Vontade sem juízo alvoroçada

Cuidado que se tem que se redobre...

Mas moço que já fora ajuizado

Agora se perdendo, apaixonado...

A lua clareando no sertão

Deixando prateado todo agreste

A moça sem juízo não diz não,

De toda a sedução já se reveste.

Amor contrariando mãe e pai

Jagunço com princesa não dá certo,

Enquanto a noite mansa inda não cai

O vento se espalhando no deserto

Parece me dizer desta loucura,

Porém a juventude não se cala.

Na boca da morena uma ternura

No peito do seu pai, encravo a bala.

O ofício, com certeza, me treinou,

O tiro se bem dado, libertou...

Não tendo mais paragem nesta vida,

Depois de tanta morte, espero a minha

Enquanto se prepara a despedida

O fim da minha estrada se avizinha.

Vagando sem destino, ganho os matos.

Montanhas, descaminhos, onde estou?

As cenas tão iguais, mesmos retratos,

Apenas o deserto me restou...

Quem sabe o que deseja, sempre sonha,

Porém o que fazer se nada sei,

Na seca que tomou Jequitinhonha

Quem come algum calango vira rei.

Qual gado se perdendo em tanta fome,

Minha alma de meu corpo quase some...

Brasil este país forte e gigante

É quase um continente, com certeza,

A fome sertaneja, uma constante

Retrato mais fiel desta pobreza

Que é feita de injustiça e roubalheira,

Nas almas nos Congressos e cidades

Cevando sem limites, bandalheira

Impedem que se creia em liberdades.

Na fuga sem paragem, nada tendo,

A morte se aproxima e toma tento.

Enquanto este vazio se tecendo;

Meu olhar de jagunço sempre atento.

Em plena escuridão, como miragem,

Uma esperança toma esta paisagem...

Um homem que é temente a Deus já sabe

O que parece ser assombração

Bem antes do que a vida em fome acabe

Na mais completa e dura solidão,

Um moço sorridente aproximou

Falando de esperança e de riqueza.

Comida no embornal ele mostrou

Deitando sobre o chão, cabocla mesa.

Promessa me fazia de outros dias

Aonde eu poderia ser feliz

A lua renasceu em fantasias

De um tempo bem mais claro ele já diz.

Falava mansamente, até baixinho,

Trazendo em suas mãos, outro caminho...

Uma esperança agora tem um nome,

Sertão de Jatobá; meu Eldorado.

Nos olhos desta serra, a lua some

Um paraíso em vida abençoado.

A gente vai conforme o que precisa,

Seguindo com bornal bem guarnecido,

Do quanto é necessário, o tempo avisa,

Caminho com certeza decidido.

Vencer tantas montanhas... liberdade...

Saber destas tocaias e perigos

Porém uma esperança quando invade

Deixando para trás medos antigos

Expressa uma alegria sem igual,

Quarando a fantasia no varal...

Sementes espalhadas pelo vento,

Nem sempre de colheita, garantia.

Vivendo sem destino, no relento,

A noite se transforma em pleno dia.

Fugindo do cadáver que plantei,

Prevendo no final, um Xangrilá

Em meio a tantas pedras procurei

Caminho que me leve à Jatobá.

Subindo uma montanha pude ver

Em meio à claridade um lugarejo

Aonde eu pudesse perceber

Descanso, pois é tudo o que eu desejo.

Num sítio bem pertinho da cidade,

Pensava ter achado a liberdade...

A porta quando abrindo mostra a sala

Deixando a claridade entrar inteira

Enquanto na verdade tuda fala

Sorriso da morena mais faceira.

Mulher de coronel, o que me importa?

Vontade sem limites, não sossega,

A fome desejosa quando aporta

Caminha sem juízo, viva e cega.

Depois desta fartura sobre a mesa,

A noite, uma criança sem juízo,

A cama tão macia, sobremesa,

É tudo o que eu mais quero; o que preciso.

Enquanto o coronel, gordo, dormia,

Na cama da visita, uma folia...

A flor mais delicada ganha viço

Nos olhos do faminto aventureiro.

Do sangue tão ardente de um mestiço

O gozo se mostrando por inteiro.

Quem dorme no relento em pedregulhos,

Ao ter cama cheirosa se deleita,

Porém prazer imenso traz barulhos

Tremendo como febre de maleita.

A moça com gemidos e sussurros,

Olhando para o lado, o coronel,

Não vendo mais ninguém, desfere murros

Criando no final este escarcéu.

A bala do jagunço em mira certa

Uma alma desta vida se deserta...

Embora tenha mortes às centenas,

De tanto que cevei a vida afora

Tinha matado bobalhões apenas

Só gente que ninguém, que eu saiba, chora.

Porém, tanta desdita num momento

Depois das armadilhas mais cruéis

Agora com certeza eu me atormento

Matando dois gigantes, coronéis...

Perdido em noite imensa, em desatino,

Deixei aquele sítio, fui em frente,

Correndo num completo desatino,

Escuridão enorme que se enfrente.

Andando algumas léguas, sempre só,

Encontrei o arraial do Tororó....

A sede quando é muita, saiba disso,

Não deixa mais o cabra descansar.

A flor mais delicada ganha viço

Enquanto uma vontade quer matar.

Das águas que busquei nenhum sinal,

Porém uma morena deslumbrante

Com rebolado intenso e sensual

Tomou todo o cenário num instante.

Embora não quisesse ser só minha,

Fingindo que uma vez não fosse nada

Deitando em sua cama, assim sozinha,

A festa foi durante a madrugada.

Pois se no Tororó tal moça achei,

No mesmo Tororó eu a deixei...

Na busca pela Serra, Jatobá,

Deserto sertanejo se agiganta.

O sonho que domina levará

Decerto ao paraíso que me encanta.

Festança tão gostosa, uma ciranda

É dança que se faz a noite inteira,

A lua derramando na varanda,

Perfume de botão de laranjeira...

A boca quer a boca da morena,

Mil juras de um amor que não tem fim,

Enquanto um gozo imenso já se acena

Esqueço pra onde vou e de onde vim.

Porém em falsidade o diamante,

De vidro se quebrou num só instante.

Ao prosseguir a minha caminhada

Encontro uma calçada tão formosa

Em pedras tão bonitas, ladrilhada

Paisagem sem igual, maravilhosa.

Ao lado dessa rua um bosque em flor

Aonde posso ver um divino anjo,

Calado; solitário busca amor,

Porém a vida mostra em triste arranjo

Vazios nos seus olhos, dura sina,

Enquanto ladrilhava em esperança

Buscando ter os sonhos da menina,

O medo num tormento, o pobre alcança.

No bosque que se chama solidão,

Um anjo chora só, sem coração...

Ns terras da ciranda, uma princesa

Sozinha em seu castelo, sonhadora,

Ao vislumbrar decerto esta riqueza

Queria ter alguém consigo agora.

Sabendo do infortúnio de ser rica

Eu sei que ela não quer ficar ali,

Terrível solidão decerto explica

O medo que em seus olhos percebi.

Quem dera se encontrasse o seu amor,

Seria com certeza mais feliz.

Dinheiro mesmo sendo sedutor

Do que ela mais deseja nada diz.

Do reino de Marré, marré, dici

Tristeza sem igual, eu nunca vi...

Havia, no sertão, um coronel

Chamado simplesmente, assim, de Jó.

Que tendo como fama ser cruel

Matava e maltratava sem ter dó.

Os seus escravos, sempre em jogatina,

No Caxangá varavam madrugadas,

A filha deste Jó, bela menina

Cansada das vergastas aplicadas

Fugindo, me encontrou, não disse nada

Apenas caminhando junto a mim,

Tentando percorrer a mesma estrada

Na cama feita em relva, no capim,

Ao se entregar depressa e sem juízo,

Abriu em suas pernas, paraíso...

Saindo deste reino acirandado,

Depois de tantas tramas que encontrei

Olhando calmamente para o lado,

Um rosto conhecido eu vislumbrei.

O moço que eu pensei ser um fantasma,

Sorrindo novamente mostra a face.

Minha alma neste instante fica pasma

Ao ver esse sujeito sem disfarce.

Sentindo a mais terrível fedentina,

Eu pude perceber que estava frito,

Malicioso olhar que me alucina

Deixando o pensamento mais aflito.

Do céu em um momento eu já desabo

O cheiro denuncia este diabo...

A moça que comigo se encontrava,

Bonita e tão faceira, deu um nó,

Minha situação assim se agrava

A filha do danado deste Jó

Numa gargalhada lancinante

Mostrou por sob a saia um longo rabo,

Aquela moreninha deslumbrante

Queria, na verdade era dar cabo

Daquele que se fez amante e amigo,

Ao libertar a moça, perco o céu,

Sem ver qualquer sintoma de perigo,

A filha do safado coronel

Ao aprontar comigo essa falseta

A menina era esposa do capeta!

Depois de ter corrido a noite inteira,

Fugindo do Diabo sorrateiro,

Minha alma sem juízo, aventureira

Encontra um paraíso verdadeiro!

Mulher igual àquela, eu nunca vi,

Beleza sem limite cheira à flor;

Amor que se transforma em colibri

Esquece do passado qualquer dor.

Deitando com vontade de fazer

Aquilo que Deus sabe e nos mandou,

Porém ao encontrar tanto prazer,

Imagem tão faceira transformou.

Bem antes que o desejo se obedeça,

O fogo mostra a mula sem cabeça!