quarta-feira, agosto 02, 2006

O porco falando do toucinho.

Sanatório geral
O velho e bom professor Sigmund ensinou que não se deve conter os impulsos da alma, sob pena de transformá-los em recalques incontornáveis. O prefeito Cesar Maia segue à risca o conselho. Sempre que lhe bate o impulso de esmagar os calos de alguém, ele os esmaga mesmo. Ainda que estejam localizados em pés aliados.

Em seu boletim eletrônico desta terça-feira, Cesar Maia pisou, como sói, nos sapatos de Geraldo Alckmin. À sua maneira, passou uma carraspana no candidato tucano. Acha que Alckmin não tem conseguido falar às massas. O alcaide carioca referiu-se especificamente a uma reportagem exibida no Jornal Nacional:

“Depois de tirar fotos e cumprimentar eleitores”, contou Cesar Maia, “Alckmin foi abordado por um pedreiro desempregado e falou dos planos para criar vagas: ‘É preciso o Brasil fazer as reformas, para poder, num mundo globalizado, ter boa competitividade. O que não pode é a ineficiência do Estado tirar a eficiência das empresas. Esse é o grande desafio. Aí o emprego cresce’, falou Geraldo Alckmin”.

Se fosse vivo, o professor Sigmund talvez tivesse alguma dificuldade para analisar o comportamento de Cesar Maia. Acharia que a mania do prefeito de lavar roupa suja na internet é coisa que nem a Freud é dado explicar. Quanto à prolixidade de Alckmin, o professor decerto diria que o caso é de internação.


Realmente, a linguagem popular é muito difícil de ser dita pelas elites. O povo tem sua forma própria de se expressar e deve ser ouvido. O maior problema é esse, ter paciência para tentar ouvir e compreender o que o povo diz.
São pouquíssimos os intelectuais que conseguiram se expressar em uma linguagem mais simples e acessível a todos. Cito Mário Quintana que, com sua forma popular de se comunicar, se eternizou. Outro que pode ser citado é Catulo da Paixão Cearense que, em seus poemas, traz o sotaque caboclo à tona. Com todo o seu lirismo e simplicidade.
O próprio Cesar Maia passa longe disso, como a maioria de nossos políticos que quando não pertencem à elite, tentam se comunicar com a linguagem própria dela, o que transforma boa parte dos discursos em páginas hilárias.
Chamar alhos de bugalhos, não somente cria um aspecto de prepotência como afasta o eleitor.
Uma das coisas mais belas que existe é o poder de comunicação, e isso é para poucos.
No linguajar médico, uma simples dor de cabeça se transforma em cefaléia, a falta de apetite em anorexia.
Isso me recorda um colega que, durante a faculdade, ao fazer a anamnese (conversar com o paciente, perguntando sobre o que sentia, o que tinha tido quando criança, etc.), anotou que o paciente tinha anorexia pós prandial, forma bonita e acadêmica de dizer que o paciente tinha “falta de apetite depois que comia”.
O linguajar jurídico também é muito interessante e exclusivista, assim como o psicanalítico, entre outros tantos.
Um arquiteto tem que se familiarizar com os verbetes próprios da arte que exerce, tanto quanto um engenheiro ou um pedagogo.
Agora, para um político, é essencial que saiba se comunicar, e não é somente durante os discursos previamente preparados e sim, principalmente, no corpo a corpo.
Lula é um dos maiores exemplos de comunicação popular que temos, e isso é inegável. Embora seja criticado por quem espera de um presidente coisas como “fi-lo porque qui-lo”, ou como “duela a quien duela”, ou o hermético fernandês de Fernando Henrique Cardoso, Lula consegue se comunicar com o povo mais ignorante e menos culto do país, ou seja, a imensa maioria do povo brasileiro.
Uma das coisas que me chama a atenção é o despreparo de algumas pessoas para se comunicarem com outrem.
Temos exemplos claros e diários de erros crassos de português cometidos por “intelectuais” da nossa política.
Me recordo de que, na campanha passada, José Serra, ao encerrar uma entrevista, disse que teria que ir embora pois “são meio dia e tenho que ir”. Procurei em todos os lugares e não encontrei nenhum santo com esse nome...
Outro exemplo que dispomos, se encaixa no Vanderlei Luxemburgo tentando arranhar um portunhol e criticando depois, ferozmente, aqueles que o criticaram. Ora bolas, fale em português ou em espanhol e se fará ser entendido; intérprete serve para quê?
Outro técnico da seleção brasileira, o meu conterrâneo Sebastião Lazzaroni inventou, também, o seu idioma particular – o Lazaronês.
No entanto, as críticas de Cesar Maia me parecem corretas, mas com vício de origem; não reconheço em Cesar autoridade para criticar Alckmin, pois ambos são, como diz o povo “farinhas do mesmo saco” e me parece “o porco falando do toucinho”.