terça-feira, fevereiro 16, 2010

24866 até 24885

24866


Não tendo nem saudade, o que vier
Trará alguma paz e dela vejo
Momento mais feliz ou benfazejo,
Albergando a esperança em novo affaire.
Elevo-me e percorro cordilheiras
Andinas ilusões, quedas imensas
Ainda irei manter as velhas crenças
E delas as palavras corriqueiras,
Antevisão de tempos mais ferozes
E deles preparando o meu final,
Aonde se quisera triunfal
Escuto do passado estranhas vozes,
E quando a realidade se agiganta
O grito; eu sinto preso na garganta.




24867


Já sabe distinguir alho e bugalho
Quem tanto procurara a luz mais terna
E sendo que em meu peito ainda inverna
A cada novo passo me atrapalho,
Mas tudo se repete e não reflete
Os erros mais comuns, medo e vingança
Aonde uma esperança em vão balança
Herança de outras eras pinta o sete,
Eclodem das crisálidas fantoches
Escusas criaturas que disformes,
Às vezes decompostas ou enormes
Permitem que dos passos tu deboches
E traces outra cena mais suave
Sem ter sequer a angústia que isto agrave.


24868

Impede que perceba claridade
À sombra inevitável da neblina
Herética figura que alucina
Enquanto o nunca ser ou ter invade.
Esqueço a poesia ou mesmo a prosa
E deito sob as névoas onde trazes
Olhares mais serenos ou mordazes,
E a sorte se mostrando caprichosa
Explana sobre o tema dor e vida
O quarto de dormir, abandonado,
À beira deste abismo o tosco Fado
Aonde minha história se decida,
Descanso o meu olhar sobre o vazio
Que mesmo espuriamente eu desafio.



24869


Rajando pelos céus, a tempestade
Que sei ser quase sempre tão cruel,
Assim ao desfiar meu carretel
Por mais que insanamente ainda brade

Não tendo outra saída que me aguarde
Escravo do passado, eu sinto o açoite
Por tanto que deveras não me acoite
Sabendo que esperança chegou tarde

Não vejo mais o brilho, nem desejo
Escracho caminhar de um tolo ator,
E mesmo que pudesse recompor
Estrada mais diversa em ar sobejo,

Vagando por estrelas o infinito
Expressa esta ilusão e em vão eu grito.




24870

Aonde não chegasse este rumor
Da torpe humanidade que se entranha
Por todos os caminhos, céu, montanha
E destruindo aos poucos, sem louvor

Destroça o que se fez com tanto amor,
E a vida que pensara, outrora ganha
Definha-se deveras noutra sanha
Contrariando ao Pai, o Criador.

Perdoe se meu verso não encanta;
A fúria deste ser se mostra tanta
E a ela não resiste eternidade

E enquanto a realidade nos degrade
Pudesse ter aqui em minhas mãos
O fruto da esperança em belos grãos.




24871


“Possa escutar dos anjos” os seus cantos
E ter a consciência de um futuro
No qual e pelo qual inda procuro
Em meio aos descaminhos, fartos, tantos,

E sendo tão comuns os desencantos
Nas teias do vazio eu me penduro
E tendo o meu olhar ausente e escuro
Expresso no não ter velhos quebrantos.

Escusos andarilhos, noite suja
Por mais que deste vão uma alma fuja
O tempo sonegando a paz mais terna

Das aversões diversas, os verões
Que a cada amanhecer já não expões
Traduzem a esperança que ora hiberna.


Citação de Machado de Assis



25872

“Lá onde a alma do vate” se perplexa
Ao ver tanta beleza desfilando
O dia que sonhara bem mais brando
A sorte se encaixando, mais complexa

Permite acreditar na dor anexa
Que tantas vezes creio me guiando,
Aonde se mostrara tanto e quando
E o tempo ao grande amor assim se indexa.

Descrevo a cada verso um claro alento
E por viver do sonho eu me atormento
Enquanto me apascento em voz macia,

A senda que desvendo não traduz
Realidade tosca em fogo e obus,
Mas dela uma esperança me inebria...

CITAÇÃO DE MACHADO DE ASSIS.




24873

“Ah! mas então será mais alto ainda;”
Esplêndida paisagem, cordilheira
Aonde esta ventura corriqueira
Aos poucos me transforma e se deslinda,

Vestindo a tênue glória a luz infinda
Por mais que a realidade isto não queira,
Andando em precipício, vejo à beira
Do tanto que imagino e já não finda

Eqüidistante sorte: vida e fim,
Perpetuando em sonhos dentro em mim
Assíduas borboletas das crisálidas

E larvas; preparando a liberdade
Que agora como um etéreo som que brade
Falena libertária que assim brade.

Citação de Machado de Assis.


34874

“Ventura, o amor e a paz” são dividendos
Herdados pós batalhas insensatas
Ao mesmo tempo entranhas e desatas
Os dias em momentos vãos e horrendos,

Expondo estes retratos frente á luz
Aspectos mais diversos desta vida
Que enquanto nos prepara uma guarida
Transforma falso brilho que reluz

Num último bastião que se permite
Emoldurada tela em tons diversos
E dela a insensatez de tolos versos
Buscando ao fim de tudo algum limite

Que possa inda moldar este sorriso,
Embora de soslaio ou impreciso.

CITAÇÃO DE MACHADO DE ASSIS.



24875


Glória da Natureza, riso e pranto
Belezas entre farsas e loucuras
Aquém do que na fé inda emolduras
O medo se transforma e me agiganto
No tanto permitido luz e canto,
Aonde se preparam nossas curas
Por vezes ensimesmas e murmuras
Enquanto com firmeza me levanto
E traço sobre as pedras, marcas fartas
Os gozos mais audazes tu descartas
E deixas como herança a turva espera.
Das fráguas o calor de alguns segundos
Catervas de delírios vagabundos
E a mansidão terrível de uma fera.


24876


O deserto nas urzes sem oásis
Angustiadamente me desfaço
E tramo sem ternura o mesmo passo
Diverso dos enleios que me trazes,
Apenas devaneios, toscas fases
O mesmo a ingratidão sonega o abraço
E quando me percebo sem espaço,
A casa se abalando, podres bases.
Dos antros e catervas, são afins
Os claros temporais, medos chupins
Sorvendo sanguinários; alegrias
E delas agonias traduzidas
Explodem em angústia nossas vidas
Que em vão por tantas vezes concebias.



24877



Nas vagas deste mar tempestuoso
Encontro um tenso abrigo, praia e areia
E quando a fome invade e banqueteia
Com toda a minha força, belicoso

Anseio muito além de simples gozo,
A sorte caprichosa se bandeia
E deixa sobre o mar sem lua cheia
Um ar fátuo, terrível, desairoso.

Mesclando ar e tormenta; eu fantasio
Cenário que se mostre mais sombrio,
Mas mesmo assim caminho contra o vento

Permanecendo imerso em tal ocaso,
Por vezes da verdade eu me defaso,
E mesmo em calmaria me atormento.


24878

“Porém minh’alma triste e sem um sonho”
Jamais se encontraria em plena paz
Se tudo o que faria não compraz
Tampouco o que deveras vão componho.
Se o todo numa parte recomponho
E o beijo se mostrara mais mordaz,
Porque, se nunca fui pleno e capaz
O mar onde me espelho é tão medonho.

Elejo dentre todos os infaustos,
Além dos meros ritos e holocaustos
Aquele que inda possa traduzir

Alguma luz após o temporal,
E mesmo que isto seja um ritual,
É nele que inda espero algum porvir.


CITAÇÃO DE FAGUNDES VARELLA



24879

“Murmuro, olhando o prado, o rio, a espuma”
Bem antes que se nuble o céu e arisco
O tempo perpetua cada risco
Enquanto a fantasia em vão se esfuma,

Aonde poderia ter alguma
Vontade de sonhar, já não me arrisco;
Na flórea maravilha de um hibisco
O olhar para o infinito então se ruma.

Traduzo neste rio as minhas mágoas
E quando mergulhando em calmas águas
Espero pelo menos lenitivo,

E sinto que inda resta uma esperança
Enquanto a minha alma assim se lança
Das ânsias e desejos tantos, vivo.

CITAÇÃO DE FAGUNDES VARELLA


24880


“O flóreo bafo que o sertão perfuma”
Expressando esta senda à qual me entrego
E a voz em maciez agora emprego
Tocando a mansidão que esconde a bruma.

Arestas apontadas deixam claro
Que tudo poderia ser melhor,
Mas quando se percebe bem maior
O encanto para o qual eu me preparo

Ao ancorar meu sonho em belo prado,
As dúvidas fenecem, reconheço
Que além de qualquer forma de tropeço
Mantenho cada dia ensolarado

Olhando o raro brilho deste céu,
Usando para tanto este cinzel.


CITAÇÃO DE FAGUNDES VARELLA


24881

“Uma mulher completamente nua”
Exposta em galerias, desejada
O quanto deste todo trama o nada
E a vida, normalmente, continua.

A velha prostituta em cada rua.
Prazer feito bandeira desfraldada
A sorte tantas vezes desgraçada
Enquanto a tosca atriz, fingindo atua,

Hedônicos fantasmas, inocentes,
Ou sátiros ateus, incréus ou crentes
Saciam-se na fonte apodrecida

O Pai, silencioso vê tal cena
Revejo ali Maria Madalena,
Milênios se passaram? Mesma vida...


CITAÇÃO DE AUGUSTO DOS ANJOS

24882

Apenas negritude, espessa treva
Adentrando os umbrais em noite escura
Imensa solidão nos emoldura
E a vida só tristezas inda leva

Perenes ilusões? Frágil cenário
E nele restituo velhas cismas,
Enquanto novamente tu me abismas
O tempo este terrível adversário

Não deixa qualquer dúvida e transporta
O sonho para além onde não posso
Saber se existe luz e assim esboço
A reação estúpida, vã, torta

Mas tudo o que me resta; então me calo,
Da noite tempestade, fúria e abalo.



24883

Balões riscando o céu não mais decoram
As noites onde eu quis verso e magia,
E apenas solidão agora guia
Os tempos em que os medos já se afloram,

Se os barcos noutras ilhas não ancoram
O tempo se transforma em agonia
A estrela preferida se perdia
Enquanto as esperanças se demoram.

Arbustos se tornando quais ciprestes
E quando em teu olhar tu me arremetes
À tosca imensidão deste oceano

O caos se aproximando e até quem sabe,
O todo neste pouco já se acabe
E enquanto me procuro em vão me dano.



24884

Brincando com estrelas que não vejo
Há tanto se espairecem em noite fria
A porta que deveras não se abria
Traduz destinos vários do desejo

Ao qual o coração de um sertanejo
Bebendo do luar em poesia,
Transforma o que talvez tanto queria
No quadro divinal aonde almejo

O brilho redentor feito a criança
Que à vida sem perguntas já se lança
Medonhos temporais? Enfrenta em paz.

Porquanto ser feliz é ter nas mãos
Certezas que permitem sins e nãos
Que apenas a verdade assim nos traz.



24885

Sonhando com diversas maravilhas
Brincar de ser feliz é o que mais quero
Enquanto o mundo vejo amargo e fero
Diverso da ilusão que ainda trilhas,

Por mais que na verdade as armadilhas
Demonstram o final no qual tempero
A sorte do viver, audaz e austero,
E nele com certeza, agora brilhas.

Serenas as manhãs com maciez,
E sei do quanto a vida já nos fez
Trazendo raro encanto a quem se quis.

Depois de tantos medos, desenganos,
A vida já nos traz diversos planos
E deles a certeza: ser feliz!