VESTIDO VERMELHO E CURTO.
A noite traria de novo aquilo, aquela sensação de total insegurança, um misto de angústia e solidão.
A vida fora muito difícil, mas nada justificava aquele medo e aqueles pesadelos, terrores noturnos que faziam cada segundo se tornar uma incômoda eternidade.
Na idade do lobo, se transformara novamente em criança, cada noite era uma ânsia gigantesca, uma tenebrosa experiência com transpirações estranhas e tudo exalando um cheiro de fim, de ocaso, de vazio,
Nada mais poderia impedi-lo de viver, já tinha tido tantas e tanta decepções e vazios que nada parecia vencê-lo, mas aquilo parecia demais.
Os olhos ficavam fixos no teto, e cada vez que um carro passava na rua, os faróis iluminando o teto, pareciam lampejos de um tempo jamais esquecido.
As sensações de perda, do oco, do nada se aglomeravam e geravam um desesperador sentimento atroz.
Suas andanças pelo mundo, suas noites solitárias nos hotéis e pensões da vida de um “representante comercial” novo nome para caixeiro viajante.
Nome bonito como os paletós inexoráveis, devidamente lavados e passados nos mesmos hotéis onde dormia.
A solidão por companheira.
Claro que havia as prostitutas, mas isso não o tentava, sexo é bom, mas tem que ter o amor por base, pelo menos a atração física.
E os orgasmos fingidos e pagos regiamente o diminuiriam, o tornariam não o agente, mas sim a vítima, o prostituído.
Mas acostumara-se com essa solidão. Fiel e eterna companheira.
Podia ter-se casado, mas não, a solidão fora sua esposa e a mãe de cada uma das suas rugas e de cada fio branco de cabelo.
O amor, na verdade, não servia para ele e, talvez mais que o próprio amor, a palavra família era muito confusa.
Não se adaptaria a vozes e correria de crianças pela casa, nem podia imaginar-se em tal situação.
Era por demais egoísta para poder dividir seu espaço com mais alguém e, depois de certo tempo, sua independência seria totalmente aniquilada.
Sabia disso e isso lhe era de tal forma insuportável que, melhor nem pensar.
Fora sua a opção pela solidão, mas, de algum tempo para cá, essa o apavorava.
Como é que, beirando os 50 anos, idade em que deveria ser mais forte que sempre, esses pavores poderiam estar tão firmemente arraigados?
A timidez piorara, agora dera para gaguejar, essa tartamudez o surpreendia.
Velho, gago e medroso.
Que final de vida se desenhava!
Faltava voltar a ter as enureses, ai sim, a sua decadência seria completa.
Procura um psicólogo, talvez, quem sabe.
Um psiquiatra talvez fosse melhor.
Ouvira falar na andropausa, parecia esse o caso.
Mas, que nada!
A solução era parar de palhaçada e retornar à vida.
O dia nascia, e a vida renascida melhorava tudo, menos a gagueira, recomeçava a trabalhar.
Mas quando se aproximava a noite, ressurgiam os medos e se repetia tudo.
Começara a beber, isso talvez ajudasse.
No começo sim, o álcool fora um bom companheiro.
A embriaguez dava alento e, ainda por cima, desinibia-o.
Começara a freqüentar boates e prostíbulos.
Tornara-se um pândego, e foi perdendo os medos e as angústias.
Mas cada vez mais necessitava do álcool como suporte, cada vez mais e cada vez maior quantidade.
Um homem de 50 anos não tem tantos atrativos, mas o paletó, a gravata e uma pasta dessas de executivo associadas a esse homem, produz um encanto impar.
E foi assim, naquela noite.
Belas pernas, morena, deliciosamente escondida parcamente num vestido vermelho, curto, pernas torneadas, coxas deliciosas, rebolado divino, vestido vermelho, curto, curtíssimo.
O tempo também era curto e curto o punhal, o vestido vermelho, agora mais do que nunca, vermelho.
A vida restara mais curta que o vestido e que o punhal.
O paletó e a gravata manchados de sangue.
Na pasta algumas amostras de pano, pano vermelho, do mesmo tecido do vestido, não dava nem para fazer um vestido, mesmo curto como o da moça que, chateada, saiu do hotel praguejando.
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