sexta-feira, julho 07, 2006

Do abandono - Para Maximo Gorki

Havia na pequena cidade no sul do Espírito Santo, uma daquelas figuras folclóricas comuns no interior do país.
Demente, andava pelas ruas, sem lar ou abrigo constante, adotado e abandonado por todos. Um quase mendigo, um quase cidadão, na verdade, quase gente.
Na fria cidade, nas noites mais geladas, às vezes era recolhido pelo Asilo, mas não suportava a clausura e fugia, sempre fugia, retornando às ruas.
Pela característica falta de todos os dentes, ganhou o apelido de “Sem Teclado”.
Não fazia mal a ninguém, nunca se soube de ter agredido a quem quer que fosse incomodando mais pelo mau cheiro e pelo aspecto da falta de higiene do que por atitudes.
Com certeza era menos maléfico que a maioria dos nossos políticos, e muito menos do que certas pessoas das elites governantes de vários locais desse país.
Beber; bebia, mas era raro encontrá-lo bêbado.
De um tempo para cá, dera de buscar abrigo no Pronto Socorro municipal da cidade.
Dependendo de quem estava de plantão, sua presença era suportada.
Muitas das vezes, encontrava uma cama, uns restos de comida e coberta.
Cão sem dono se acostuma a afago, mesmo que seja somente o suportar a sua presença. Esse era o caso. Começara a ir, quase que diariamente, ao Pronto Socorro em busca da cama, do calor e da comida.
Um dia, plantão tranqüilo, noite fria, tudo transcorrendo tranquilamente.
Mas, para susto de todos, ouviu-se uma voz gemente, ao longe.
O gemido aumentava de intensidade, deixando os enfermeiros e o médico de plantão de sobressalto.
Pensando que fosse algum paciente com dor ou tendo seu estado de saúde agravado, o enfermeiro de plantão, resolveu ir ao Hospital, anexo ao Pronto Socorro.
Nada, não havia ninguém gemendo.
Aí, um dos funcionários do Hospital se lembrou dos leitos do Pronto Socorro, afastado do local onde dormiam todos.
A chuva caindo, e a ausência de pacientes graves, deixara todos tranqüilos.
Havia somente dois pacientes no repouso, uma bêbada que sempre exagerava na ingestão de álcool e o “Sem Teclado”.
De repente, ouviu-se a voz estridente do funcionário que, aos brados chamou a atenção de todos sobre o que estava acontecendo.
Num ato de amor, de compaixão ou de selvagem atração, Sem Teclado e a bêbada, entrelaçados se amavam sobre a cama desarrumada.
O funcionário, como se estivesse, naquele momento, assistindo a um ato simplesmente animal, não pestanejou.
A água fria jogada sobre o casal, afastou-os, cães abandonados pela vida, vira-latas sem paradeiro, sem abrigo e sem rumo.
A chuva chorava pelos dois, abandonados por todos, expulsos e jogados na rua, naquela noite incrivelmente gelada da cidadezinha.
O funcionário sem pensar no que falava, repetia a todo o momento;
“-Vai que isso procria”...

Tucanolândia - capítulo 2 - Abafadoria Geral da União


Estamos em janeiro de 1995 no reino da tucanolândia. O antigo rei, Topete primeiro, de olho nas maracutaias e trambiques contumazes naquele reino beira mar, havia criado uma comissão de investigação, feita por representantes das mais variadas áreas do povo do reino.
Entre os representantes da igreja, dos sindicatos dos advogados, dos órgãos de classe, havia tantos aliados como contrários ao Rei de Plantão.
Pois bem, Fernando Caudaloso, o sucessor de Topete primeiro, ao sentir que não poderia agir com liberdade, em um momento bastante estranho e duvidoso, extinguiu essa comissão.
A partir desse momento, a porta para as ilicitudes e ações suspeitas, como favorecimento de amigos, atos de corrupção passiva e ativa, entre outros, ficou escancarada.
Depois disso, começaram a aparecer denúncias a cada momento, todas as operações feitas pelo Governo foram abafadas, perdendo o controle da sociedade sobre todos os atos, mesmo que os mais escandalosos, dos “amigos” e aliados de Caudaloso.
Após seis anos de descontrole e sem nenhum órgão da sociedade que pudesse controlar os atos e operações ligadas ao governo, a sociedade resolveu reagir.
Os parlamentares da oposição resolveram criar uma Comissão Parlamentar de Inquérito sobre os atos de corrupção.
Ao ver que a vaca ia para o brejo, Fernando criou um órgão de controle, a Controladoria-Geral que, ao contrário da anterior, não era composta por representantes universais da sociedade civil, mas sim ligada ao Governo, sendo conhecida como Abafadoria – Geral do Reino.
Assim foi durante o Governo Fernando, onde os trambiqueiros e corruptos navegaram num mar de tranqüilidade comparável ao da calmaria de quinhentos anos antes.
Com o final do mandato de Fernando Caudaloso, conhecido por esse nome pelo “mar” aberto nas fronteiras do reino, para a evasão de recursos, ao final do seu reinado, a Controladoria-Geral passou a ter uma importância enorme no controle da corrupção.
O fato da extinção e da posterior substituição desfigurada de um órgão de autocontrole dos ilícitos feitos com o dinheiro público demonstra duas coisas: 1- o Rei não estava muito bem intencionado. 2- a porteira aberta fez um estrago no futuro do reinado.
E, como diz o povo daquele lugar, arrombada a porteira, por onde passa um boi, passa uma boiada, mesmo que seja via Banestado...