sexta-feira, agosto 18, 2006

Quando andando, descalça, na fogueira

Quando andando, descalça, na fogueira,
As brasas nem tocando nos teus pés,
Eu percebi então; ser verdadeira,
Minha sorte, jogada de viés...

Embarcação naufraga, vai sem eira,
Procuro-te, sereia, meu convés.
Daria toda vida, caso queira,
Nem contaria nunca, mais que dez...

Rendido assim, percebo teu domínio,
Nem quero mais lutar contra evidência,
Tua força de ferro, eu alumínio,

Quem dera que tivesses tal clemência.
Amor de formas belas, longelínio,
Tão fraco, eu só te peço paciência...

No gosto verdadeiro desta lua

No gosto verdadeiro desta lua,
A marca da pantera traz o mote,
Ato vai repetido, sei atua,
No verão mais sedento sem o pote...

Sou de terras mineiras, em Papua,
Encontrei cavalgando, fui a trote,
No calor do deserto tanto sua,
Que tirei paletó, calça e culote...

Envernizei meus lumes e solfejos,
Vagando o trem, na curva sem vacilo.
A morte tem, trancados, seus desejos...

De corte, bala, câncer ou bacilo,
No pé da Minas, quero novos queijos,
Para poder viver bem mais tranqüilo...

Minhas mãos, silenciosas e audazes...


Minhas mãos, silenciosas e audazes, procuram a cura e a santidade, nos seios que sei meus e sonhei eternos. Ternos e tenros, nos trinos dos passarinhos que passam pelo alpendre, onde se prende meu amor. Armas e almas se confundem, nas pernas e nas nossas bocas; tempestades e repasto. Do nefasto não a distância aumenta; um gosto de menta exalado pelo hálito que por hábito, habito. O teu doce perfume, meu lume e ciúme, no azedume da saudade...
Cada adendo aditado, ansiado e amado, amiga e amargura, âmago da cura que procuras em todo sentido. Idos e vivos, meus dedos são caçadores.
Tua nuca se oferece ao beijo e ao desejo, meu desejo e desespero. Espero o teu gozo, nos gonzos e nos gostos que gesticulas e gotículas, ausculto.
Te cultuo e te crispo, num duo arrepio, num átimo, um ótimo, um último pendão. A flor, a múltipla ação, na multiplicação...
Quero saber-te inteira, na teia que me prendes, prisioneiro, pretérito e futuro, no muro preterido do passado. Passo a passo, me confesso sendo senda e sendo sobra, sendo solar e sendo porta, porão e sótão, só e tão, inteiramente, teu...
Mas nada queres, nem mereço, obedeço...Teu começo é meu princípio, meu ópio, meu contrário, me contrario...
Vou ao rei, sou ao rio, sorrio, serei, sobras e cobras as sondas e as ondas que aprofundas num sorriso, num só riso, pré siso e preciso, necessito...
Me situo entre o teu e o uno, verso mar, universo, onde sou inverso e perverso, não canto. Tatuo...
Tacitamente, a mente mente e macula. Na gula de tua boca e seus lábios, sábios hábeis e abertos, na certeza do contato, do portanto e de tanto, amiga, a migalha que me deste, confete e crosta, resta somente um gole, uma fala, uma gala, que regala e me faz ficar comovido, como a vida, como o vidro, devido e decidido. Estampado...

Malinculía

Essa dor que me fais cósca,
Me dá um prazê danado,
Quando a sodade se enrosca,
Coração apaxonado,
É dô trazeno alegria,
Essa tár malinculia...

Quano o vento venta forte,
Me lembro dessa muié,
Só queria ter a sorte,
Na casinha de sapé,
De cantá, na poesia,
Essa tár malinculia...

Me dexô tanta tristeza,
Mas cumo é bom recordá,
Me lembrá das safadeza,
Só pru móde namorá,
Como é bom, na noite fria,
Essa tár malinculia...

A viola chora mansa,
O grilo canta, tristonho,
Meu coração só amansa,
Se eu pego firme no sonho,
Vida seguindo vadia,
Nessa tár malinculia...

Vou viveno sem tê medo,
Lev’essa vida na fé,
Vou guardando esse segredo,
Pescando no Jereré,
Meu Deus me levô Maria,
Só restô malinculia!

No trapézio caído, machucado

No trapézio caído, machucado,
O coração saltou sem perceber;
Foi, pesando assim, meio para o lado...
Deveria, por certo, bem saber,

Que coração, batendo apaixonado,
Não conhece da vida nem por quê;
Quisera conhecer seu triste fado,
Bater descontrolado por você...

O salto, enfim, direto no vazio;
Sem ter, ao menos, rede pra aparar,
Meu coração, tão louco neste cio,

Errou, assim, de tempo e de lugar.
Agora vai meu peito, vai vadio.
Procura um coração, lá no luar...

Vivendo sem ter medo, tudo nego

Vivendo sem ter medo, tudo nego.
Afago a fera louca que devora,
Cravando no meu peito estaca e prego;
Dessa vida, contar hora por hora.

Na despedida, nada sei, renego
Meus passos, sentimento que m’aflora,
Quem me dera saber luz, mas sou cego,
Querendo teu carinho... Nada agora...

Criei, minha epiderme, tal defesa,
Que; embora sem sentir, no fundo, mata.
Não temeria nada, com certeza!

Mas sei, que, na verdade, é só bravata.
Fingindo ser mais forte, na grandeza;
Meus olhos, mal contendo essa cascata...

Meu amor, quem me dera ser teu elo

Meu amor, quem me dera ser teu elo,
Atar-me ao infinito por teus laços;
Ouvindo um doce canto, violoncelo.
Perder-me sem ter medo em teus compassos...

Dançar contigo, amor que tanto velo,
Nas noites ao luar, junto a teus braços...
Saveiros cortam mares; tão singelo
O brilho dos faróis, desenha traços...

Quem me dera poder ter a certeza,
De que um dia, virás bailar comigo,
Seria ter tão bela realeza.

Ser mais que teu amante, teu amigo;
Flutuando, audaz em tal leveza,
Ser muito mais feliz do que te digo...