segunda-feira, setembro 04, 2006

Para Rita

Eu quero o gosto salutar do beijo,
Roçando os lábios, mansidão trazendo;
Nesse querer, aprofundar desejo,
Num renascer, por todo amor, morrendo...
Quero viver ansiedade... Vejo
Nos olhos, brilho do luar, sorvendo...
Ah! Quem me dera conhecer perdão,
Seria assim, como m’erguer do chão...

Eu quero a mansidão do teu carinho,
Quero a ternura mansa de teus dedos
Percorrendo; macios, todo o ninho,
Onde se esconde todos meus segredos...
Eu quero me sentir belo azevinho,
E não guardar, sequer, nenhum dos medos,
Que tantas vezes foram empecilhos,
Que impediram, seguir enfim, meus trilhos...

Eu quero a sombra d’arvoredo em mim,
Beijar as mãos de quem carícia traz.
Sentir o teu poder, trazido assim,
Nessas manhãs que me permitem paz...
Esquecer quem sou, vindo d’onde vim,
Saber cada minuto, ser capaz
De penetrar esses caminhos tortos,
Vou esquecendo tudo, até meus mortos...

Ter amor, ter paixão, felicidade...
Saber que estás, por perto a todo instante;
Conhecer quão amarga uma saudade.
Amor, palavra que traduz constante,
Num diário exercício, liberdade...
Ao contrário, paixão, inebriante,
Delira e me maltrata, sem ter pena,
Enquanto o amor, suave manso, acena...

Perdido num passado me encontrava,
Sem luz, sem brilho, delirante algoz;
Juro-te, então, jamais imaginava,
Que poderia ouvir silente voz,
A voz do coração, que se negava,
Sequer mais uma chance, dor atroz...
Agora que conheço ser feliz,
Mergulho no teu colo e peço bis.

Amiga, me permita um desabafo,
A vida foi cruel, mas é passado...
Da fera solidão, senti seu bafo,
Meu mundo tantas vezes foi errado.
Quantas vezes calado estou, abafo
A sensação feroz do triste cardo.
Nos seus espinhos me feri demais,
Minha memória grita então, Jamais!

Quero a delicadeza de teus pés,
No caminho feliz que me ensinaste...
A vida tantas vezes no viés
Desviou-se do rumo que traçaste...
Meu barco, naufragando sem convés,
És o porto seguro, fiel haste
Sustentas com vigor a minha vida,
Quem dera nunca houvesse despedida...

Se bem sabes o quanto que te quero,
E quanto devo nunca tenhas cismas;
Em cada novo verso, eu sempre esmero,
Tentando prosseguir sem cataclismas;
Porquanto tanto amor, sempre tempero
As luzes vou filtrando em novos prismas...
Amada, nunca fujas de meus beijos,
A vida se traduz nesses desejos...

Trovas - Saudade

Tanta saudade no peito,
Maltrata até me cansar;
Saudade, não tem mais jeito,
Me maltrata até matar...

Saudade foi companheira,
Eu, sem saudade sou nada;
Procurando a vida inteira,
Onde estará minha amada?

A saudade foi meu mote,
Fiz dela meu bem querer;
Saudade corta, serrote,
Mas também me faz viver...

Saudade cabe nos versos,
Que eu só fiz para você;
Procurei nos universos,
Tanta saudade por quê?

Do beijo dessa mulher,
Nada guardo, na verdade;
Mal me quer ou bem me quer,
Sem querer, sobrou saudade...

Vida sem ter poesia,
É noite sem claridade;
Meu amor, nunca faria,
Poesia sem saudade...

Veio da noite esse sonho,
Teve, também, tempestade;
Querida, como é medonho,
Um viver sem ter saudade...

Recebi o teu recado,
Quem me deu foi a cumade;
Coração pesa dum lado,
Carregado de saudade...

Meu amor já foi embora,
Na hora pensei: vai tarde.
Mas agora o peito chora,
Restou a tal da saudade...

Nunca mais quero teu beijo,
Não sou padre nem abade;
Mas ficou um só desejo,
Me livrar dessa saudade...

Saudade é um passarinho,
Que canta sem nunca parar;
O danado fez seu ninho,
Coração quer me matar...

Vida não tem cabimento,
Se não houver mais amor;
A saudade é condimento,
Temperada pela dor...

Minhas trovas de saudade,
São todas para você;
Isso é muita crueldade,
Sem você posso morrer...

A saudade tem sabor,
Amargando com o mel;
Outras vezes, por amor,
Adoça a vida com fel...

Razão de Vida

Quando restar apenas simples luz,
Quando nos olhos nem sequer reflexo;
Quando a beleza se tornar sem nexo,
Quando a delícia transformar-se em cruz.

Quando a saudade transtornada, blues...
Quando o côncavo vago sem convexo;
Quando não me restar nem sequer sexo,
Quando a seca aflorar, só restar pus;

Quando meu verso não tiver sentido,
Quando um abraço for mordaz, perdido,
Quando a saudade me negar querer,

Quando meus passos forem tontos, vários...
Quando o nada restar, calar canários;
Se estiveres aqui, quero viver!

Meu pensamento

Meu pensamento, traiçoeiro amigo;
Por tantas vezes, fugirei de ti...
Acumulando sem querer, comigo;
As horas tristes que sequer vivi...

Pensei poder, te revelar o abrigo,
Onde procuro me esconder, mas vi
Teus olhos tomam toda a casa aqui.
Me perseguindo mas, audaz, prossigo...

Meu pensamento, tal quimera viva,
És, no meu porto mais seguro, estiva
E cais, jamais eu poderei fugir...

Pensando assim, já procurei meu mundo,
Mas, vens depressa, machucando fundo;
A paz espero, não consigo agir...

Ingrata

Solidão, fúnebre maltrata tanto...
Não deixa pedra sobre pedra em mim,
Cruel fantasma és um sinal d’espanto
que me persegue, feroz, destrata assim,

Causando o medo, recebendo o sim
Como prenúncio do não, nunca canto,
Meu principal sonho seria, enfim;
Poder voar livre, tirar seu manto...

A solidão, feroz arma, corta. Sabre
Pairando sobre meus sentidos, mata...
Nem sequer sabe que tal chaga s’abre...

Nos meus delírios, solidão, matando,
Marcando todos meus momentos. Ando
Nessa procura, insanamente ingrata...

Quem vê cara...

Ritinha era muito gulosa e isso tinha suas conseqüências. Adorava frutas, qualquer tipo de fruta. Principalmente jabuticaba.
Não sossegava enquanto não se empaturrava dos pequenos frutinhos saborosos e suculentos,
Dona Rita tinha cansado de avisar que não engolisse os caroços; e Ritinha obedecia fielmente.
Outra fruta que gostava muito era goiaba; tanto da branca quanto da vermelha; muitas vezes ignorava se tinha ou não os costumeiros bichinhos que iam parar no estômago da voraz petiz.
Ibitirama estava crescendo e isso significava melhoria da saúde e da educação. A inauguração de um pronto socorro tinha sido motivo de vários dias de festa, com a presença do Secretário Estadual de Saúde, inclusive.
Entre os médicos que começaram a trabalhar no pronto socorro havia alguns bem famosos, como o doutor Norton Fagundes e o doutor Pedro Elias, lá de Guaçui.
Havia também uma jovem médica, vinda de Vitória, dona dos seus vinte quatro anos de idade e zero de experiência.
Impecavelmente vestida, usando um jaleco todo branco, daqueles que são obtidos com muito anil e muita força nos braços da lavadeira.
Naquela tarde haveria a inauguração oficial do Pronto Socorro e a doutora estava mais do que nunca, enfeitada e limpa, impecavelmente limpa.
Paralelamente lá em Santa Martha, totalmente alheia aos festejos, Ritinha dona dos seus seis anos e de um rosto angelical cobertos por um cabelo louro e com bochechas rosadas, um exemplo raro de beleza e inocência.
Inocência e teimosia, naquele dia fizera a festa. Comera goiaba e jabuticaba até não poder mais.
Tão empolgada estava que nem reparou nas sementes, devoradas com toda a sofreguidão possível.
Depois de tal repasto, não deu outra. A barriga começara a doer, e doer muito.
Dona Rita até que tentou paliar levando ao farmacêutico local mas, em vão.
Esse então, se lembrou que o Pronto Socorro já tinha sido inaugurado.
Dona Rita, toda envergonhada, pegou a menina e desceu com ela para Ibitirama.
A festa estava animada, com banda de música e tudo mais.
Ao ver Ritinha chorando e gritando de dor, o enfermeiro de plantão querendo mostrar serviço, mandou dona Rita entrar que a doutora Lenice iria atender a menina.
O Secretário de Saúde, ao ver a beleza da menina se encantou e, médico que era, resolveu ajudar a pobre garota.
A doutora, por sua vez, doida para mostrar serviço, se apressou a chamar a pequena paciente para ser atendida.
Ao saber do motivo da dor, não se fez de rogada; pediu para que a menina ficasse de quatro e começou, com uma pinça, pacientemente, a tirar semente por semente o enorme bolo fecal que se formara.
Num certo momento, a montanha começou a dar sinais de desmoronamento, mas a doutora entre distraída e embevecida pela presença do Secretário Estadual de Saúde, não percebeu.
Nem o primeiro e nem o segundo aviso.
Não houve o terceiro, a montanha desmoronou e atingiu em cheio a pobre médica, literalmente enfezada, o jaleco e o rosto principalmente. Alguns respingos atingiram o curioso e arrependido Secretário que, dizia entre dentes que nunca mais iria se deixar enganar por uma carinha de anjo.
Como diz o ditado popular: quem vê cara....

Gilberto - Incêndios e demônios

Todo menino é um rei, rei das suas ilusões, de seus fantasmas e de suas reinações.
Gilberto não era exceção, moleque correndo solto pelas ruas estreitas de terra batida da Santa Martha de João Polino...
Um dos brinquedos favoritos das crianças da zona rural é a confecção de caveira de abóbora. Quem nunca morou em cidade pequena, provavelmente não conhece a alegria que dá em assustar as pessoas, principalmente com as ditas caveiras, numa alegoria parecida com a dos dias das bruxas, um dia das bruxas acaboclado.
Pega-se uma abóbora, retire todo o seu miolo, corte a casca de forma que pareça um rosto e coloque uma vela dentro e é só esperar o resultado.
Estávamos em pleno mês de agosto, mês de cachorro doido.
A seca se arrastando há longos dois meses e o mato seco, totalmente esturricado. Nem sombra de nuvens no céu, uma verdadeira seca.
Pois foi nesse cenário que Gilberto resolveu fazer a sua caveira de abóbora, escondido de dona Rita, obviamente...
Um adendo, não se soltam tantos balões no interior quanto nas grandes cidades, eu mesmo fui ter maiores contatos com os balões riscando os céus no Rio de Janeiro, apesar de ser mineiro do interior. As queimadas são assustadoras e os balões, justamente por esse motivo, são evitados.
Mas, voltando ao nosso causo, encontramos com a meninada de Santa Martha capitaneada por Gilberto, em pleno alvoroço com os preparativos das estripulias daquele dia.
Catar uma vela de dona Rita foi fácil, já que a mesma, como toda boa devota, tinha sempre uma vela de estoque, além do fato da energia elétrica, recém chegada a Santa Martha não era muito confiável.
Pois bem, noite alta, e a caveira pronta.
Pronta e assustadora. Realmente os meninos tinham caprichado na confecção do artefato.
Entre os moradores de Santa Martha, tínhamos alguns que já nem ligavam mais para essas brincadeiras mas, dona Ziquinha estava com visitas em casa, uma prima do Rio tinha chegado há alguns dias e trouxera a tira colo, uma amiga carioca, desacostumada, pois, com as traquinagens interioranas.
A tal amiga era uma senhora assustadiça e neurótica, estava até fazendo tratamento com um psiquiatra e fora aconselhada por este a passar uns dias num local tranqüilo.
Esse era o principal motivo que a levara a Santa Martha, onde o cheiro do mato, o gosto da broa de milho, o café de guarapa, a paçoca, a galinha ao molho pardo, os ovos caipiras e a comidinha feita no fogão a lenha eram reconfortantes.
Acontece que, apesar do silêncio interrompido somente pelos grilos, corujas e sapos, a nossa visitante não estava tendo os resultados desejados.
Passando alguns dias, dona Ziquinha aconselhou a sua amiga a dar umas voltas, quem sabe o ar da noite poderia ter algum efeito sobre a melancolia que atingia Maria das Graças.
Estava Gracinha caminhando serena e calma pelas ruas quando, de repente avistou a imagem fantasmagórica de uma cabeça sem corpo brilhando e rindo para ela.
Assustada, pegou uma pedra e atirou contra a escultura dos meninos.
A caveira caiu ao chão imediatamente, levando a vela acesa com ela.
Vela acesa em mato seco, imaginem o mafuá.
Corre corre para cá, o fogo alto invadindo os quintais das casas, dona Rita e João Polino com baldes de água na mão.
Ritinha chorando e rezando, Oracina, por outro lado orando e “amarrando” o demônio do incêndio, um alvoroço absoluto!
Enquanto isso, Gilberto, meio sem graça, se escondeu num beco onde encontrou a desesperada Gracinha.
A partir daquele dia, Beto arranjou uma defensora sem igual, pois nada tirava da cabeça da pobre senhora que o culpado dessa confusão era o próprio demônio que, disfarçado de caveira, ao ser atingido pela pedrada disparada por ela, se vingou ateando fogo no matagal.
O psiquiatra da pobre mulher se arrepende até hoje da péssima idéia de mandar a paciente ir para o interior a procura de paz e descanso...

O Preço de um Abraço

Na Candelária ainda respinga dor,
Nos corpos podres dos meninos mortos.
Esse cheiro que exalam, pelos portos,
Nas nossas praças, cemitérios. Flor

Brotada num esgoto, sem calor...
Nossos caminhos seguem sendo tortos;
Nossas manhãs nas xepas nossos votos
De Bom Natal, na podridão d’amor...

Os olhos cegos, solidão da morte,
Mesmo assim, tantas vezes fundo corte.
Navalhas penetrando com seu aço.

E passam os meninos, nem os sente...
A bicheira das almas nem pressente
Quanto te custará, simples abraço...

Jardins do Céu

Nesse minuto, nesse exato instante,
Passeiam loucos nos jardins do céu...
Cobertos pelas suas mantas, véu...
Num só momento, ficarão diante

Do grande trono do Senhor. Avante!
Estão cobertos de poeira e mel,
Andando, vagam certamente ao léu;
Em cada movimento semelhante...

Os seus caminhos se cruzaram, sinto
Vir vindo novo sentimento. Absinto
Embriagando de loucura e paz.

Pelos jardins, vão caminhando, santos...
Os seus segredos são guardados, tantos
Medos sentidos, descansar jamais...

Vila Isabel

“No girar da coroa, a liberdade”,
Desfilando esperanças na avenida...
Dando um sentido bem maior à vida,
Consegues traduzir felicidade...

No teu canto, vivendo essa igualdade,
Trazendo o grito duma raça, lida
Com nossos sentimentos, sentida
A força, continente em unidade...

No Boulevard dos sonhos, é o céu.
Levitas poesias de Noel,
Não queres abafar, assim desfila

Minha maravilhosa escola, Vila;
Em teus passistas, tu destilas mel...
É tão bom te cantar Vila Isabel...


Em Homenagem ao Título de 2006 da Minha Escola de Samba

Vá logo embora

Cansado de esperar a tua volta,
Pensando na distância que deixaste;
Não vou querer perdão, nem mais revolta...
Num átimo, meu mundo, terminaste...

Vencido pela dor, não quero escolta,
Tampouco quero o canto que entoaste;
Me transformei, tira essas garras, solta
Meus braços, deixe-me viver! Sangraste

Todos os poros, me perdeste, enfim...
Não quero o gosto de saber se sim,
Ou se não; nada mais importa, agora...

Foste cruel, nada mais temo, vivo...
Se me negaste, sou nefasto, altivo.
Suma de vista já. Vá logo embora...

Quando perdi

Quando perdi, eu nem sabia mais,
O que fazer, sem conseguir sonhar;
Tinha a certeza de viver um lar,
Mas, ao partires, me roubaste paz...

Eu não percebo nem consigo um cais...
Pois destruíste minhas pontes; mar
Distante torna-se mordaz, vulgar...
Quem fora sonhos, voltarás jamais...

Na despedida me disseste não,
Levando a vida, retirando o chão,
Agora seco os tristes olhos, cego!

Tento fugir, tento escapar, prossigo...
A dor chegando, me destrói, mas sigo...
Morrendo, embora, teu perdão eu nego...

Cordel - A Minha Sina Capítulo 10 - Caçando o porco errado...

Depois de ter escapado,
Das terras do faz de conta,
Tanta coisa que se apronta,
Meu mundo vai enganado,
Não me resta nem recado.
O bornal ficou por lá,
Quem mandou me casá
Com a tal de Catirina,
Quase me pegou de quina
De modo a me extropiá.

Minha sorte é que deixei,
Escondida nesse mato,
Na beirinha do regato,
Foi depois que me lembrei,
Quando na mata cacei,
A minha velha espingarda,
Senão a vida danada,
Acabava duma vez,
Já tava morta essa Inez,
Não ia sobrar mais nada...

Com espingarda na mão,
De fome não vou morrer,
Riacho dá de beber,
Vou seguindo a procissão,
Vazando pelo sertão,
Deixando tudo pra trás
O Maldito Satanás
Não vai desistir da caça,
Passa vila passa praça,
‘Tô precisando de paz...

Depois, pensando direito,
É que fui lembrar com calma,
O que vai ser da minh’alma,
Mas o feito já tá feito,
Metendo as caras e o peito,
Eu pensei bem devagar,
Como fui engravidar,
Pensei na minha veneta,
A mulher desse capeta,
No quê que isso vai dar?

Deixei de lado a bobiça,
Vazei no trecho, direto,
Seu capetão vadre reto,
Eu não posso ter cobiça ,
Senão essa joça enguiça,
Vou deixar de lero lero,
Se me dar também eu quero,
Vou caçando esse meu rumo,
Quem sabe acerto meu prumo?
Assim seja, assim espero...

Depois de muito caminho,
Estou de novo sozinho,
Nas matas do Jequibá,
Sem vontade de casar,
Vou caçando passarinho,
A fome tá me matando,
Assim eu vou reparando,
Nas belezas dessa serra,
O bom cabrito não berra,
É melhor sair caçando...

Logo perto dum regato,
Achei um rastro bendito,
Eu vou poder comer frito,
Rastro de porco do mato,
Vou rapidim dar um trato,
A carne é muito gostosa,
É caça das preciosa,
Dá pra gente empaturrar,
Saí depressa a caçar,
Minha barriga já goza...

Mas, essa maldita sina,
Não dá sossego nenhum,
Senti um cheiro, um futum,
Um fedor mei de latrina,
Me lembrei de Catirina,
Um tremendo pescoção ,
Me jogou, logo no chão,
Quase me arranca o papo,
Tomei um outro sopapo,
Apanhei pior que cão...

Em cima do tal do porco,
Um anãozinho dos feio,
Com o cabelo vermeio,
Tava me dando um sufoco,
Eu peguei então um toco,
Dei pancada demais,
O danado foi pra trás,
Num segundo pus sentido,
Os pé do bicho invertido,
Eu não posso ter mais paz...

Deu risada e gargalhada,
Reparei então nos dente
Os dente desse demente,
Tinha a cor esverdeada,
Tomei tanta porrada,
Por pouco ele não me estora,
Eu ‘tô ferradim agora,
Não tenho mais nem saída,
Eu vou perder minha vida,
Nas mãos desse Caipora...

De repente ele parou,
Me falando assim de banda,
Quase que tudo desanda,
Quase que você matô,
Um bicho de muito valô
O meu porco é montaria,
É por isso que eu batia,
Pra você se sussegá,
Agora, pode caçá,
Mas manera a valentia...

Num precisa de regalo,
Nem de fumo nem de esteira,
É só num fazer besteira,
Mata passarim ou galo,
Prá comer não atrapalho;
Só num gosto de maldade,
Nem de saber crueldade,
Com os bicho cá do mato,
Entonce tá feito o trato,
Você ganhou liberdade...

Não me bastou Satanás,
Quase que eu estou ferrado,
Fui caçar o bicho errado,
Minha vida deu pra trás,
Nessas matas, nunca mais...
Vou pegar minha espingarda,
Vou vazar dessa invernada,
Vou sair do matagal,
Depois de tomar um pau,
Não quero saber de nada...

Para Fernando Pessoa

Quero brincar, simples palavras são
As ferramentas que preciso, amor.
Fingir amar, temer fugir, sim, não...
Nas labaredas, as mentiras, dor.

Quero dizer, voar, sangrar, senão
Esse meu verso, sem razão, valor...
Poder pedir, sem ter por que, perdão.
Nesse meu jogo, sei pecar, andor.

Mas, tantas vezes, nas mentiras, uso
Muitos disfarces, confissão, confuso
Nem sei se minto, mas sei, sinto dor

O que parece, fantasia pura.
A dor fortuita, versejar, apura...
Vivendo esses meus versos, fingidor...

Querer macio

Bem querer, quero enfim, poder gritar
Pelo seu nome sem temer mais nada...
Nossos abraços, nossos beijos... cada
Amanhecer terá sabor solar,

Não quero morte, simplesmente estar
Junto a seus braços, minha doce amada.
Quando maldiss’a sorte, pois errada
A minha vida sem saber amar,

Seguia rumos tão tristonhos... Vem
Acalmar medos, sem você, meu bem
Não há razão, sequer por que, vazio...

Sem o teu prumo, desatino, morro...
Tenho em você, o meu maior socorro,
Como viver sem seu querer, macio...

Balé Maldito

Nesse balé maldito, roda a vida.
Nessa dança cruel, meu sentimento...
Não poderei jamais fugir, mas tento...
Quem sabe então, terei, enfim, saída...

Na contradança, bem querer. Divida
Teu passo nos compassos mas sou lento.
Não mais consigo acompanhar, invento
Então, mas caio, me levantas. Tida

Como a maior; mas sei que mentes bem,
És falsa, nunca mais tentei, ninguém
Consegue enfim, te traduzir farsante...

Teu riso corta, denuncia a farsa.
Não queres companheiro e sim comparsa...
Minha cabeça roda, delirante...

Ilha Sonífera

Ilha sonífera, traz manso mar...
Quebrando as ondas, maresia, lua...
Me permitindo então sonhar, amar...
Em tantos mares e marés, flutua...

Quero os saveiros, cais e portos, lar
Desse albatroz, longe ficar da rua,
Velhos problemas, esquecer, nadar
Nas águas limpas, a minha alma é sua...

Nesse coqueiro, minha sede mato...
Nos meus dilemas, nem guardar retrato.
Sou simplesmente, sonhador, eu sei.

Mas meu sonhar me permitindo tanto,
Me dá tal força que concebo encanto.
Nesses meus mares; sou, com certeza, rei!

Voltar ao Pó...

Me bastaria estar contigo, amor,
Mais uma noite. Na canção que sonho,
Ouvindo vozes tão suaves, ponho
Meu mundo, trago essas saudades... Flor

Que sempre trouxe seus espinhos, dor...
Mas quando vejo esse luar, tristonho;
Brusco me calo, esse lugar medonho,
Não poderá mais prosseguir. Condor

Atravessando cordilheiras, Andes...
Bem que tentei, não consegui nada antes...
Espero pelo melhor, vivo só...

Me deixas luto, mas, perder não sei...
Quem sabe tenho o que jamais sonhei;
Quem sabe então, eu voltarei ao pó...

Teu Nome

Não saberei falar teu nome, quem!?
Nem quererei mais conhecer teus dias...
As noites passam, passa o dia, sem
Que pelo menos venha alguém. Serias

Por um acaso, simplesmente o bem?
Minhas canções irão caber teus guias?
A tua casa, no teu quarto, vem
A voz cansada a perguntar, virias?

Respondes nada, teu silêncio fala,
A dor, distante, no meu peito cala...
Minhas voz, muda, silencia, some...

És a distância mais cruel que tive...
Amor, calado, em teu semblante, vive.
Quem souber diga, por favor, teu nome...

Manhã

Nesse cigarro, tantas dores calo...
Cada tragada, viva dor nasce,
Não consegui, nem ofereço a face.
Nas cusparadas da má sorte, falo

Nas entrelinhas, vou seguir o ralo
Onde vomitas. Quem souber que trace
O próprio trilho. Mas que faço? Embace
Minha visão, nessa fumaça, embalo...

Quero sorver cada segundo, cada...
Quero sentir, mas não me resta nada...
Por isso, fumo; nos cigarros, vida.

Deixai então, eu conhecer amor,
Deixai o brilho vir, nascer, Senhor!
Quero somente essa manhã, perdida...

Carla

Quem fora, segue seu caminho, louco...
Meu movimento vai seguir meu canto.
Não poderei mais, nem mais quero...Encanto
Que vem, num grito, me deixando rouco...

Vida perturba, solidão, sufoco,
Nada mais triste que secar teu pranto...
Meus olhos miram nos teus olhos, tanto
Que me corrói, assim, matando um pouco

Do que restara de meus dias, Carla.
Quando te vejo, andando pela sala
Tua nudez transformando tudo...

Tua beleza, vai vagando a esmo.
Nesse reflexo, procurar eu mesmo,
A cada passo, mas não falo, mudo...

Ventania

Quando perdi, eu nem pensava mais,
Nem saberia mais lutar, imbecil...
O coração, num batimento vil,
Não poderia conhecer a paz...

Afago cada sentimento; traz
Uma saudade convertida em mil,
Em tantas cores, renovando abril.
Bem quis saber, mas eu serei mordaz...

Quero a mordida, tua boca, dentes...
Minha verdade, conceber vertentes
Por onde nada me transporta, lento.

Quem sabe, tenho esse calor oculto,
Qual um vulcão. Esquecerei teu vulto,
Terei quem sabe, liberdade, vento...

Liberdade

Nada mais poderá calar a voz,
Meu grito, liberdade, rasga o vento.
Não terei mais nenhum pensamento;
No meu mundo, vivendo essa feroz

Sensação libertária. Num atroz
Desejo de vencer todo tormento,
Da sensatez vencer esquecimento.
A vida me trará; virá veloz!

Manhã renascerá nessa cidade,
Nesse país, no mundo, no universo...
Cantarei, eu só tenho esse meu verso!

Minha voz, esperança tão felina,
No novo mundo, tudo descortina,
Enfim poder cantar a liberdade!