domingo, agosto 27, 2006

Gauche na vida

Quando meu nascimento aconteceu,
Houve silêncios, vagos murmurinhos;
Jogado ao canto, lerdos passarinhos,
Fingiam nem cantar, entristeceu...

Em tal momento obscuro, tanto breu,
Coloriu minhas ruas, meus caminhos;
E negra solidão, somos vizinhos...
Nascido esse moleque, mundo ateu...

A morte preparou a despedida,
Enfim não resistiu, foi vencida...
Ludibriei a sorte mais safada.

De tudo me restou, bem pouco ou nada.
A voz desafinou, descompassada...
Como a profetizar: gauche na vida!


Em Homenagem a Carlos, outro gauche na vida...

Conhaque

Confusão decidida num segundo.
E vamos recordar o que foi fado.
Não deixes, na parede, esse recado.
Senão eu não prossigo nesse mundo...

Profusão do que tanto sei profundo,
Na maresia quero ser salgado.
Valentia e maré trazem pescado,
Mundo redondo, mundo tão rotundo...

Marionete, sinto, sou movido;
Na sensação, dever que foi cumprido...
Minha emoção, cadência sem poema.

E se fosse sertão, seria emblema;
Mas nada mais será, a vida rema.
Conhaque me deixando, comovido...

Nada mais

Batucando meu samba sem compasso,
Vou vivendo sem passo e sem poema;
O que demais que a vida nunca teima.
É, da morte, sentir medo e cagaço...

Sinto-me, tantas vezes, um palhaço;
Perdido vagabundo sem ter lema;
Não quero clara, quero ponto, um trema.
Na fonte fiz, farei; mas nunca faço...

Na sordidez leal que tu me tinhas,
Amor que era bem pouco, parcas linhas.
Vestido tirolês: comenta leite...

Não quero nem inglês, talvez azeite;
Nem estou procurando quem aceite,
Fazer de todo canto, essas vizinhas...

Teus seios, doces seios, tão macios...

Teus seios, doces seios, tão macios...
Quem dera poder neles me perder;
Eu saberia então o que é viver!
Quisera conhecer teus vários rios...

Nas coxas que deflagram mais vadios,
Orgasmos são procuras, quero ter;
Delicioso campo do prazer.
Quem dera misturar os nossos cios!

Penetrando com calma, devagar,
Essa estrada tão bela lembra o mar;
N’umidade gentil; teu belo sexo.

Venceria, feliz, o meu complexo,
Viveria contigo: seu anexo...
Explodindo os dois juntos num gozar!

O meu tempero é tua boca amarga

O meu tempero é tua boca amarga;
Meus dentes, tentativas de mordida.
Não quero mais sangrar a despedida,
Nem quero sentir tudo qu’alma embarga...

Minha carta, postada, tudo alarga;
Só meu desejo, nunca mais traz vida,
Minha vida, fecunda e bem curtida;
Não suporta, nos ombros, essa carga...

Disseste-me verdades incompletas,
Navegante perdido, tão sem metas.
Meu rumo, sem ter prumo nem ter rima.

Faz de tudo, machuca a auto-estima,
Finges doçura, falsa não és lima.
Estradas curvas, mesmo nessas retas...

Ninguém acertou na mosca

Final de campeonato, jogo entre Pedra Roxa e Santa Martha. Estádio lotado!
Na arquibancada, estavam sentados Dadinho e Gilberto quando, ao perguntar as horas para um sujeito que estava sentado na carreira atrás, tiveram uma surpresa no mínimo agradável.
Zezinha Muriçoca, uma das mais belas e desejadas garotas de Pedra Roxa estava sentada dois degraus acima.
Sentada e usando uma minissaia extremamente convidativa e reveladora.
Reveladora não era a palavra correta, já que tal visão gerara uma dúvida atroz.
Gilberto que tinha se aposentado precocemente no futebol, depois dos episódios já descritos sobre a confusão dos bombons e do apelido, não titubeou.
Afirmou peremptoriamente que a deliciosa moçoila estava usando uma calcinha preta.
No que foi, imediatamente, desmentido por Dadinho. Calcinha preta que nada, estava era mesmo sem calcinha!
Calcinha preta pra cá, sem calcinha prá lá, a discussão estava esquentando.
Até que resolveram apostar, aposta entre irmãos, coisa de dez reais, por aí.
Para que não houvesse mentiras e isso Beto não admitia, amigo incondicional da verdade que era, decidiram pedir ajuda a Pedro Gambá, a essas alturas um abstêmio totalmente confiável.
Pedro, imediatamente aceitou a missão “delicada”.
Iria chegar até bem perto de Zezinha Muriçoca e decidiria a questão.
O jogo tinha começado e todo o público estava empolgado com a atuação do time de Santa Martha, todos, exceto Zezinha que estava preocupada com o time de Pedra Roxa, além de Gilberto e Dadinho, mais preocupados com as calçolas da garota.
Pedro Gambá estava demorando e Dadinho, desconfiado, solicitou que alguém fosse chamá-lo.
Quando foi encontrado, olhar fixo entre as pernas da incauta moça, pediu um instante e que iria descer em seguida.
Dez minutos depois, eis que surge o juiz da partida entre Gilberto e Dadinho.
Ansiosos com o final da contenda, perguntaram em solilóquio ao famoso Pedro Gambá.
-E aí? Quem ganhou?
Pedro, para surpresa de todos, deu um veredicto inusitado e inesperado.
-É, para falar a verdade, deu empate!
-Como? Empate?
-Não é calcinha preta e nem ela está sem calcinha...
Aquilo que vocês viram, é MOSCA...

O Cãozinho

Menina muito esperta, Ritinha tinha um defeito; a curiosidade em excesso cria situações inauditas.
Oracina, sua irmã adorava cães e gatos; e os tivera às dezenas; se não fosse João Polino, aquela casa em Santa Martha teria se transformado num verdadeiro asilo de cães abandonados.
Acontece que um deles, o Plutão, era o xodó de Oracina.
Muitas vezes brigara com seus irmãos por causa daquele cãozinho.
Realmente o bicho era bonito, todo negro e com uma pequena mancha branca próximo aos olhos, dando uma sensação de uma bela máscara de carnaval; Joãozinho, muito sacana tinha colocado o apelido de Máscara Branca no animalzinho, em homenagem à famosa marchinha de carnaval muito tocada na época.
Plutão resistira a todas as tentativas de expulsão que João Polino efetuara.
Vira-latas sim, mas com classe e beleza. Manso até onde podia chegar, Plutão era o companheiro mais constante de Oracina.
Quando saia quer fosse de noite ou de dia, Plutão a acompanhava, fiel e companheiro.
Ritinha, crescendo junto com o animal, pois eram praticamente da mesma idade, tivera por ele um afeto quase que fraternal.
Adorava brincar com o animalzinho o que, muitas vezes, causara ciúmes em dona Rita e mesmo em Oracina.
Numa tarde, lá pelos idos de 1979, deu-se uma enorme confusão na casa.
Corre-corre e latidos misturados com desespero. O pobre animal corria feito louco pela casa a fora, sem que ninguém entendesse por que.
Oracina, com medo de que seu bibelozinho estivesse doente e, pior, fosse necessário sacrificá-lo, entrou em pânico.
Nisso, com a cara mais lavada do mundo, Ritinha adentra a sala, esclarecedora:
-O que houve, pergunta Oracina à sua irmã caçula.
A resposta veio rápida e com toda a simplicidade que somente a infância traz.
-Sabe o que foi? Pergunta, já respondendo Ritinha.
Sabe a cachorrinha da vizinha, a Lulu?
-Sim, responde Oracina, assustada.
-Pois é, o Plutão machucou a patinha da frente.
-E daí?
-Daí a Lulu, ficou com peninha dele e deu uma carona, amarrada nele igual aquele recoque que puxou o carro do tio José outro dia. (reboque queria dizer a ingênua criança)
- Tá bom e o quê que você fez, pestinha?
Perguntou Oracina já irritada com a caçula.
-Daí eu fiz uma coisa errada, e é por isso que ele ficou com raiva de mim...
-Fala, peste, o que você fez?
-Ah, Cicina, eu cortei a cordinha...

Gilberto e o Peixe estranho...

Pescaria boa, somente nos meses que têm a letra R: de setembro a abril, quando está mais quente e os peixes ficam mais espertos.
Pescar no inverno é quase certeza de bornal vazio. Menos para Gilberto, o nosso grande pescador!
A isca não importa, muito menos a vara, ele pesca até sem anzol!
E isso causou espanto em todos os pescadores de Santa Martha, acostumados à pesca menos exitosa, felizes com os poucos bagres, mariazinhas, cambevas e outros peixes noturnos...
Acontece que, naquele dia de inverno; inverno santamartense que, para quem não conhece é de um frio cortante e inesquecível, ainda mais se embalado com a garoazinha chamada de “nublina” pelo povo da região, Gilberto se animou a ir pescar.
Dona Rita quis impedir, mas sabia que seria em vão, Gilberto era de uma teimosia asinina!
Preparativos feitos, Betinho partiu rumo ao delicioso hábito da pesca.
Noite fria e garoenta, os ossos tiritando e as mãos congeladas...
A pescaria ia, como sempre, num marasmo gostoso e, se não fossem os pernilongos e muriçocas, dava até vontade de dormir...
Quando, de repente, a vara enverga com força. Gilberto, numa luta hercúlea, depois de três horas, conseguiu finalmente retirar o peixe do rio.
Peixe estranho, meio cor de rosa, com um nariz diferente, sem escamas.
Beto, desconhecendo o peixe, mas satisfeito com a pescaria, resolveu se dar por satisfeito e mal esperava para mostrar a todos aquela espécie diferente que tinha conseguido pescar.
Ao chegar em casa, lá pelas três horas da manhã, foi se deitar e sem incomodar ninguém, temendo as broncas de Ritinha e de Seu João Polino, foi para a cama, sem ao menos se lavar; trocando de roupa silenciosamente e às escuras.
O peixe fora deixado, estrategicamente, próximo à sua cama, numa bacia bem grande, onde mal cabia o graúdo.
O sol ia nascendo quando Beto ouviu um barulho estranho.
Como se tivesse caído uma panela ou coisa assim.
Espantado, procura pelo peixe e nada.
Procura daqui, procura dali, cadê o peixe, meu Deus.
Algum moleque safado tinha entrado pela janela e roubado o seu peixe estranho. Agora não poderia mais contar para ninguém sobre o que tinha acontecido, sob pena de ser chamado de mentiroso.
E, mentiroso, era coisa que não admitiria, tudo menos mentiroso.
É claro que podia, como todo bom pescador, podia até exagerar um pouco; mas mentira era coisa proibida no seu vocabulário.
De repente ouviu um barulho que parecia vir de cima, com um rabo de olho deu uma guinada e, para sua surpresa, viu o inacreditável.
Um jovem nu, inteiramente nu, em cima do seu guarda roupa.
Ah, Beto ficou furioso, como é que podia ter entrado um sujeito e ainda mais pelado, no seu quarto.
Como iria se explicar ao povo de Santa Martha? Logo ele, tão machista e metido a paquerador!
Um homem bonito, deveras muito bonito, peladinho de tudo, nuinho da silva...
Beto, reparando com mais cuidado, percebeu que na boca do rapaz havia um corte, um profundo corte, que perfurava sua bochecha...
É, por pouco não tivemos o primeiro filho do boto de Santa Martha...

Gilberto, O Pescador

Gilberto era o maior pescador de Santa Martha, e disso ninguém pode duvidar.
Um dia, a sua sobrinha Alessandra veio passear, em visita aos seus avós, Seu João Polino e dona Rita . Betinho convidou-a para irem pescar no rio Norte, que atravessava a pequena e convidativa Ibitirama.
Alessandra e seu pai, Joãozinho ficaram muito animados com o convite e fizeram todos os preparativos necessários.
No dia marcado para a aventura, fizeram uma massa especial que consistia num misto de ração, com farinha de trigo e queijo. Prepararam duas varas com molinete e partiram para a margem do rio, junto com o nosso herói.
Surpreendentemente, Gilberto não levava nada a não ser um desses caniços de bambuí muito usados pelos sertanejos para a pesca de lambaris e de acarás.
No meio do caminho, o rio fazia uma curva muito fechada e Joãozinho, que passara sua infância naquelas redondezas não reconheceu tal curva.
Lembrava-se que havia um pé de ingazeiro aonde ia, muitas vezes, se deliciar com os ingás que ajudavam passar o tempo.
Pois bem , o pé de ingá tinha desaparecido e no seu lugar, o rio descrevia aquela estranha curva.
Como o poeta dizia que queria ter seu coração enterrado na curva do rio, João logo associou a curva a uma sensação agradável e comunicou a Gilberto como havia mudado a geografia daquele braço do Itapemirim.
Gilberto, sem pestanejar, foi desfiando seu rosário de histórias sobre pescaria.
A curva daquele rio tinha uma explicação, no mínimo inusitada.
Num dia de dezembro, o calor estava escaldante e a pescaria monótona não trazia nada além de lambaris e de pequenas acarás sem graça.
Mas, a vara de bambuí, num instante se envergou com toda a força.
Gilberto, agarrou-se com toda a força possível e impossível àquela vara e tentou, embalde, retirar o peixe.
Vendo que a situação era um tanto quanto complicada e aproveitando-se de que um cavaleiro, por coincidência, João Polino, passava por ali, teve uma idéia brilhante.
Pedindo a Seu João que apeasse, Gilberto amarrou a vara nas patas traseiras do cavalo e solicitou que esse fosse estimulado a tracionar
Tentando retirar o peixe.
Vara amarrada no cavalo, cavalo tentando sair, poeira levantando e nada de se retirar o peixe.
Nesse momento, passa um lavrador muito amigo de Gilberto e de João Polino e, ao ver a situação, teve a idéia de amarrar uma corda no seu fusca e tentar puxar.
Fusca amarrado no cavalo, cavalo amarrado na vara, fumaça nos pneus e nada do peixe sair.
Beto estava ficando desesperado mas, ao se lembrar que ali morava o seu Benedito e que esse tinha um jipe, solicitou ao mesmo que ajudasse.
Jipe amarrado no fusca, fusca amarrado ao cavalo, cavalo preso na vara e nada!
O peixe deveria pesar, por baixo, mais de quinhentos quilos, para poder agüentar tal tranco e nem se mexer!
A situação já estava passando dos limites quando o Seu Benedito recordou-se de que tinha um caminhão estacionado na venda do Paulão, vizinho de propriedade e fornecedor de todas as horas.
Paulão, ao ver a situação não titubeou; com uma corrente de ferro amarrou o caminhão no jipe, jipe preso no fusca, fusca preso no cavalo, cavalo na vara e o peixe teimosamente nem se movia...
A turma já ia desistindo quando surgiu a presença de Mário.
Funcionário da prefeitura, estava patrolando as estradas de terra do município, e ao ver tal fato inusitado, cedeu a patrol para a tentativa de se retirar o peixe.
Patrol atada no caminhão, caminhão preso no fusca, fusca preso no cavalo, cavalo na vara e, mesmo assim, nem se movia...
Alessandra já irritada com a história resolveu dar um basta e perguntou definitiva:
-E aí Gilberto, o quê que aconteceu afinal?
Gilberto calmamente, respondeu: -Ué! Você não queria saber porque que apareceu essa curva?
Entortamos o rio mas não tiramos o peixe....

Trovas

Minha perna machucada,
Arranhou o meu amor;
Amor de carta marcada
Traz essa marca da dor...

Sangra peito de mansinho,
Cupido foi quem flechou;
Passarinho faz seu ninho,
Meu ninho se aninhou...

Boca do sapo colei,
Esparadrapo da avó.
Meu amor eu amarrei,
Me deu pena, me deu dó...

Vaso trincado não cola,
E se cola não remenda.
Amor por mais que m’acenda,
Ela nunca me deu bola...

Pitando meu cachimbão,
Na choça e no meu roçado;
Um homem apaixonado,
Maltrata seu coração!

São remendos da saudade,
As coisas que quero crer;
Procurei felicidade,
O que encontrei? Só você!

No fumo trago fumaça,
Na fumaça meu cigarro;
Na boca trago a cachaça,
Da vida, tirando sarro...

Na noite servi um copo,
No dia fiz a batida;
O que vier eu já topo,
Amor e paz nessa vida...

Rosa brota da roseira,
Tomateiro dá tomate;
Manga vem da mangueira,
Meu amor não me maltrate...

Cheiro verde e cebolinha,
São temperos sim senhor;
Amor e Mariazinha,
Juntando já nasce flor...

Peixe traz uma minhoca,
Nessa boca quem pescou.
Amor batido e paçoca,
Tanto bate que quebrou...

Resta minha magricela,
Nela ponho minha fé;
É melhor andar com ela,
Do que ir embora, a pé...

Minha cama foi montada,
Meu colchão feito de palha.
Quando vem a madrugada,
Só saudades m’atrapalha...

Saca-rolha o porco tem,
E também tem a tomada.
Meu amor, vou sem ninguém,
Como dói a madrugada...

Dois bicudos não se beijam,
Mas se mordem sim senhor;
Das mordidas não se queixam,
Inda mais se for d’amor...

Bate bumbo na bandinha,
Na bandinha bate manso.
Vem amor, vem de bandinha;
Sua banda assim, alcanço...

Bebi água cristalina,
Na fonte desse riacho;
Amor por essa menina,
Como dói esse diacho...

Vaso ruim tá quebrado,
Procurei então colar;
Meu amor desesperado,
Não pode mais esperar...

Meu livro deixei aberto,
Na página que procuro;
Quando meu amor tá perto,
Fico cego, tudo escuro...

Não mais serei nem peça nem pedaço

Não mais serei nem peça nem pedaço,
Não quero ter completa decisão,
Sobre se fazer, quero a indecisão,
Basta das tais saudades, meu abraço...

Quero terminar tanto quanto passo,
Em meio a quedas, sofro sim e chão,
Menina nunca quero teu perdão,
A vida sigo, preso no teu laço...

Eu quero revelia, meu revés,
Não quero ver a vida no viés,
Pedaços dos abraços traz o tchau.

Essa balburdia cheira carnaval,
Minha senzala feita no varal,
As marcas das correntes nos meus pés...

No verde desses olhos, trazes mata

No verde desses olhos, trazes mata,
Na lembrança feliz da juventude,
Quisera ter a mesma, magnitude,
Do amor que vai correndo qual cascata...

Verde cor d’esperança que maltrata,
Que traz de novo o brilho e atitude,
Verde que me dá vida e mais saúde
Os teus olhos tão verdes, vida e nata...

Não precisava amar, quase mais nada,
A não ser tua lua esverdeada,
No teu canto feliz, os verdes campos...

Brilhando nessa noite, pirilampos,
Não quero me prender nego meus grampos,
Só quero sentir verde na morada...

Caixeiro Viajante e a Onça

Naquele dia de dezembro, João Polino, maior expoente da JR distribuidoras de alimentos, sediada em Cachoeiro do Itapemirim, ia ter que viajar para São José da Pedra Menina, no município de Espera Feliz, nas Minas Gerais.
A estrada era de terra e, como não havia condução para lá, João teria que ir a cavalo.
Nada demais para o grande cavaleiro, acostumado com a montaria, desde menino. Rei dos rodeios que começavam a ser disputados naquela região.
Domador de cavalo bravo, João tinha, por costume, levar a sua garrucha pelas estradas pois, principalmente nas madrugadas era comum se deparar com matilhas de cães do mato, onças pintadas e outras feras que habitavam aquelas matas do Caparaó.
Durante o caminho, solitário e ansioso, João contava com as estrelas como guia e em noite de lua clara, a lua dava a claridade necessária para que a travessia fosse feita sem maiores problemas.
Em São José da Pedra Menina, João era muito conhecido, tendo pousada na hora que quisesse, mas a saudade de sua amada não permitia que o mesmo pernoitasse por lá, ainda mais que a carne é fraca e os olhos azuis conquistadores, não daria outra...
A sorte de João era que, além da garrucha, levava consigo um canivete, desses que os caboclos usam para cortar fumo e unha...
Naquele fatídico dia, a noite estava enluarada e João, para distrair, começou a imitar todos os passarinhos que conhecia. De canário a curió, passando pela graúna, João era um dos maiores imitadores de passarinho da região.
O canto do inhambu era extremamente familiar para João. Para João e para a pintada.
A pintada não, as pintadas...
Ao imitar o inhambu, João nem reparava que estava preparando a própria cova.
Pois bem, em meio ao canto, recebeu, surpreso uma resposta...
Atrás do inhambu, ia João, e o inhambu atrás de João. Inhambu não, onças e das grandes.
Ao avistar as pintadas e perceber que estava com a garrucha, ficou num mato sem cachorro.
Se desse um tiro, poderia matar uma onça, mas a outra teria tempo e disposição para engoli-lo, e vivo...
Parou, pensou e sem pestanejar agiu.
Mirou não na onça, mas no canivete.
Canivete à frente, a bala disparada, metade da bala em cada onça.
Uma correria de dar pena; os dois monstros miando e correndo, feridos de morte.
Acontece que, pensando que ninguém iria dar crédito a sua história, João não perdeu tempo: agarrou a onça pelo rabo, logo a maior delas.
A bichinha saiu correndo mas a pele, descolando-se toda, ficou nas mãos de João.
Ao chegar em Santa Martha, o maior sucesso.
Todas as moças querendo saber do ocorrido, todo mundo em polvorosa.
A história correu mundo, mas só não convenceu a José Reis que, homem sabido, tinha visto a mesma textura e os mesmos desenhos do “couro” de onça, numa confecção de tecidos que visitara em Vitória, no mês anterior...

“Em Homenagem a Chico Anísio”

Haikai Primavera

Primavera e flores
Fecundidade traz vida
Vida, mais amores...

Um caixeiro viajante

João Polino, quando rapaz, era um dos maiores conquistadores de Santa Martha, um verdadeiro cavalheiro, dono dos olhos mais azuis do Caparaó.
O seu atual cunhado, José Reis, irmão de sua amada Rita, tinha um armarinho de secos e molhados naquela terra adorada e fria.
João, dono dos seus dezessete anos, resolveu trabalhar com José, de olho na Rita, menina ainda, mas dona de uma mansidão e serenidade realmente cativantes.
Logo assim que começou a trabalhar, João recebeu um convite irrecusável; uma das maiores distribuidoras de alimentos da região, com sede em Cachoeiro de Itapemirim, resolveu chamá-lo para fazer um teste como caixeiro viajante.
João não pestanejou; a possibilidade de um ganho maior e uma vida de aventuras que se desenhava pela frente eram por demais tentadoras para o nosso herói.
O gostoso da profissão era isso mesmo, a variedade de lugares e de pessoas com que conviveria. Todas essas coisas cativaram João, que começou uma história de aventuras sem par...
Numa dessas viagens, João iria para Guaçui, o que não teria problemas já que a cidade tinha uma infra estrutura até que razoável.
O Hotel Real, no centro da cidade tinha vários leitos à disposição dos viajantes de sempre e dos turistas ocasionais.
Acontece que, por aqueles dias, haveria uma exposição de gado na cidade e a hotel estava totalmente completo.
Nada demais para João, acostumado às intempéries da estrada.
Acontece que, quando se preparava para ir para a estrada, viajando para São Tiago e dali para São Lourenço quando encontraria, facilmente carona ou condução para sua amada Santa Martha, a tempo de ver sua Rita, a chuva despencou.
Chuva não, minto; tempestade, e das brabas.
Chovia como dizem alguns , a cântaros, e até canivete começou a cair sobre as costas dos desavisados.
Procura daqui, procura dali, eis que surge a última esperança: uma pensão lá pros lados da Vila Alta, usada por casais em busca de um local sem testemunhas para a noite de amor que se aproximava.
Mesmo lá, não havia leitos. Mas, com pena de João Polino, Toniquinho, o gerente da pensão deu uma sugestão:
Havia um senhor de avançada idade que, sem parentes e sem amigos, morava na pensão, dono de um quarto vitalício, pago regiamente com seus proventos de ex-militar.
A noite avançava e a chuva nem sombra de amainar...
João aceitou o convite de dividir a cama com aquele senhor, inofensivo e asmático.
Noite alta, madrugada adentro, eis que, de repente, o senhor dá um grito e começa a pedir ajuda de João:
-Meu filho, me arranje uma mulher, pelo amor de Deus, te dou tudo o que tenho, mas me arranja uma mulher depressa...
Ao que João impiedoso, respondeu: -De forma alguma meu senhor, nem por todo dinheiro desse mundo!
-Por que, meu filho, me diga por quê?
-Em primeiro lugar, são duas horas da manhã e eu não vou sair de madrugada procurando mulher, tenha a santa paciência!
-Em segundo lugar, está chovendo muito e eu não trouxe nem guarda-chuvas e não quero ficar doente, muito menos pegar uma pneumonia e em terceiro lugar: meu senhor, o que o senhor está segurando não é o seu não, É O MEU!

Se quando me trouxeste essa roseira

Se quando me trouxeste essa roseira,
Houvesse me trazido uma só rosa,
Terias me deixado todo prosa,
Mas preferi assim, te ter inteira...

Nas horas que passei, hora certeira,
Eu percebi o quanto que és dengosa,
Mas mesmo assim, te tenho, és amorosa,
Vivendo por viver, vida besteira...

Sabendo que não posso te encontrar
Nas rosas que plantei só por plantar,
Procuro pela rosa em meu jardim,

Te quero tão somente para mim,
Te tendo p´ra viver tão bela assim,
Na roseira que quero jardinar...

Cordel - A minha sina - capítulo 3 - Virgulino

Minha vida vai depressa,
Nas matas desse grotão,
Onde bate coração,
Vida fazendo remessa,
Vou passando sem ter pressa,
Buscando um novo cantar,
Procurando por lugar
Onde possa ter certeza,
Que não tenha mais tristeza,
Nem do que me admirar...

Depois dessa confusão
Com Jacinta e sua laia,
Não quis saber de gandaia,
Muito menos procissão,
Procurando um novo chão,
Bicho de saia, tô fora,
Pelo menos por agora,
Nem que peça a condessa,
Até mula sem cabeça.
Encontrei por mundo afora...

Cheguei nas terras do Juca,
Pelos matos da Terena,
Naquela serra pequena,
Alma da gente cutuca,
Vivendo dessa arapuca,
Não posso dela fugir,
Vou morrendo sem sentir,
Cheiro de terra molhada,
Pelo sangue, temperada,
Brotando sem se pedir...

Pois te conto seu doutor,
Não podendo ficar quieto,
Peguei caminho mais reto,
Todo cabra de valor,
Debaixo do sangrador,
De sujeito mais safado,
Abriu desde seu costado,
Descendo o pau mete ripa,
Revirando então as “tripa”,
Deixando bem perfurado...

Empreitada como aquela,
Nunca mais eu vou saber,
Era coisa pra querer,
Sem pensar direito nela,
Por conta duma costela,
Que um sujeito me quebrou,
Mas deu o fora, vazou,
Nem notícias nem recado,
Correu pelo descampado,
Nem rastro dele ficou...

Esse maldito chulé
Dera de contar vantagem,
Isso é muita sacanagem,
Não vou deixar isso a pé,
Nem que fique tereré,
Não vou fazer de rogado,
Eu pego esse desgraçado.
Eu vou tirar isso a limpo,
Soube que está num garimpo,
Vou matar esse viado...

Peguei a minha mochila,
Despenquei, fui para lá,
Tem gente falou não vá,
Mas tem defunto na fila,
Fui correndo pr’essa vila,
Eu nem pensei duas vezes,
Quero a cabeça do sapo,
Arranco logo no papo,
Que é assim que matam reses...

No garimpo lá no Norte,
Procurei por toda parte,
Não pedindo nem aparte,
Estava com gosto de morte,
Apostei na minha sorte,
Pro garimpo fui correndo,
Mal o sol ia nascendo,
Eu nem esperei brotar,
Querendo depressa chegar,
Vingança assim, vou vivendo...
Chegando no mafuá,
Encontrei cabra valente,
Ouro tinha até no dente,
Tanta gente tinha lá
De todo jeito que dá;
Tinha velho desdentado,
Tinha cabra magoado,
Por causa duma mulher,
Todo jeito que quiser,
Muito pudim de cachaça,
Tem sujeito boa praça,
A desgraça que vier...

Perguntei pra todo mundo,
Onde estava o desafeto,
Que por certo, tava perto,
Ele chamava Raimundo,
Era um cabra vagabundo,
Tinha cicatriz na cara,
Bigode tinha na apara,
Uma cara de paçoca,
Uma cor de tapioca,
Ia sangrar numa vara...

Me pediram com cuidado,
Muita vagareza e tino,
Pois ele tinha o destino,
E o corpo tava fechado,
Que por mais que fosse errado,
Com ele ninguém bulia,
Era o rei da valentia,
Sujeito muito covarde,
Que antes que a noite tarde,
Matava mesmo de dia...

Camarada sem tempero
Senhor dessas taperas,
Maior fera entre essas feras,
Temido por companheiro
Rei dum reinado inteiro,
O maior dos assassinos,
Herói de todos meninos,
O superhomem de lá
Nó em jararaca dá,
Dobrava todos os sinos...

Sem ter medo de valente,
Cara feia e assombração,
Matador desse sertão,
Pensei dum modo decente
De levar esse vivente
Pra casa de Satanás,
Dei dois passos para trás,
Chamei esse tal Raimundo,
Que era fedorento e imundo,
Que só morte satisfaz...

Na hora do desafio,
Ele me reconheceu,
E sabendo quem sou eu,
Chamou espada no fio,
Convidando mais um trio,
Prá “mode” poder brigar,
Gostei do desafiar,
Quatro sujeito é demais,
Mesmo assim eu quero mais,
Nunca vou me acorvadar...

Porém com o sangue quente,
A gente não pensa, demora.
Eu nem pensei, nessa hora,
Que tinha lá muita gente,
Que era melhor, de repente
Esconder e tocaiar,
Podia escolher lugar
Pra pegar esse safado,
Mas deixei tudo de lado,
E com ele fui lutar...

Depois de já ter furado,
Um dos cabras de Raimundo
Uma faca entrou bem fundo ,
Me machucou desse lado,
Agora eu já tô ferrado,
Chegou a hora da morte,
Acabou a minha sorte,
Minha sina terminou,
Pensei que tudo acabou;
Mas meu Deus tem muito porte...

Na hora que eu precisava,
De uma ajuda de meu Deus,
Surgiu um cabra dos meus,
Que eu nunca que imaginava
Que esse camarada tava,
Endiabrado, esse dia,
E no mei da ventania,
Sacou de sua peixeira,
Na porrada fez fileira,
Fez à sua serventia...

Esse sujeito do Norte,
Parecia mais menino,
Chamado de Virgulino,
Não temia dor nem morte,
Para culminar a sorte,
O moço meio zarolho
Era cego só dum olho,
Mas enxergava por dois,
Numa conversa depois,
Temperou com muito molho...

Contou que era garimpeiro,
Veio de Serra Talhada,
Corria na vaquejada,
Percorreu sertão inteiro,
E que desde fevereiro,
Nesse garimpo chegara,
Que cedinho já notara,
Naquele tal de Raimundo,
Um sujeito vagabundo,
Que esse dia preparara...

Força de eu ter conhecido,
Pros lado de Pernambuco,
Um cabra bom de trabuco,
E muito do divertido,
Resolvi por mais sentido,
Nessa nossa ladainha,
Perguntei nessa tardinha,
De quem ele era parente,
Fiquei quieto de repente,
Com a resposta que tinha...

Contou-me, pra susto meu,
Que era neto de Zefinha,
Moça dessas bonitinha,
Que no passado viveu,
Que de perto conheceu,
Com muito beijo e abraço,
Moça pegada no laço,
Nas terras desse sertão,
Que teve com Lampião,
O rei de todo cangaço,

Um moleque bem criado,
Um sujeito musculoso,
Cabra muito perigoso,
Campeão de todo o gado,
Esse peão afamado,
O rei de todo sertão,
Era cara e coração
Do pai, sujeito valente,
Compreendi, bem de repente,
Que o neto de Lampião

Era o tal de Virgulino,
Que lutou junto comigo,
Sem temer nenhum perigo,
Sem ter medo do destino
Que com todo desatino,
Ajudou a terminar
Com quem quis me machucar,
Me pegar na covardia,
Mas com toda valentia,
Me ajudou comemorar...

E desde aquele incidente,
Agora não tem jeito não,
Quando vamos no sertão
Ninguém bole com a gente,
Nem na faca ou no repente,
Quem queira corre perigo
Mexeu com ele ou comigo,
Na ponta duma peixeira,
Arrepende a vida inteira,
Depressa vem o castigo...

Nas catedrais dos sonhos, bate o sino

Nas catedrais dos sonhos, bate o sino,
Convocando fiéis para velório,
De quem tempos vividos, foi notório,
Agora já descansa, vai menino...

Teimavas, rebelado contra todos,
Vivendo seus enganos, com coragem;
Lá fora, a brisa sopra doce aragem,
Comemorando, livre; teus engodos...

Quem sonhava liberto, libertou...
Não queria, talvez, tal liberdade;
Mas sonhou com total honestidade,
Até que com leveza, já voou...

Meus olhos não choraram nem marejo,
Esse tempo, aliado da saudade;
Trará enfim, p’ra mim, veracidade,
Saber que conseguiste teu desejo...

Profanando cenários mais sagrados,
Sem confetes, nos flertes sem razão;
Por quantas vezes, disse sim seu não;
Receba em paz, teus olhos tão cansados...

No que fui, sou teu rio, quero mar;
Em todo meu martírio, foste guerra.
Nos meus vales, fugindo dessa serra;
Quem me dera poder só t’alcançar!

Deveria ter asas, passarinho,
Quem sabe assim teus anjos buscaria,
Em tuas mendicâncias pelo dia,
A noite poderia ser teu ninho...

Salmo 6

Meu Pai, não me castigues com furor,
Tenha misericórdia, pois, de mim.
Me cure, já que fraco, sou assim;
Minha alma está sofrendo; Meu Senhor...

Salva-me ,pois, benigno és, caro Pai...
E quem te louvará, sem t’as lembranças,
Molho todo meu leito, choro, avanças...
Meus olhos consumidos, mágoa vai...

Envelheço-me, luto com gentio;
D’iniquidad’ afasta-me, meu Deus.
Pois sei que bem ouvist’ os prantos meus,
Teus ouvidos das súplicas que envio

Sei que estão tão plenos e completos...
Que todos inimigos se envergonhem,
Num momento, contigo, Meu Pai, sonhem,
E que possam trilhar caminhos retos...

A Bichana

Num dia quente de janeiro, João Polino, cansado da mesmice santamartense, resolveu dar um passeio no Rio de Janeiro.
Seu irmão mais velho, há muito morava na cidade maravilhosa e estava cansado de convidar nosso herói para passar umas semanas com ele, desfrutando da praia de Copacabana.
João fez os preparativos para a viagem, arrumou a sua mala, sem esquecer-se das lembranças que levaria para o amado irmão.
Uma cachacinha de lei, um pote de doce de leite, outro de doce de figo, umas goiabas, mangas espada, laranjas,etc.
E, como queria agradar a sua cunhada, amante de animais de estimação, criadora de gatos siameses, angorás; resolveu levar um filhote de onça pintada para ela.
Ao ser informado de que não poderia levar um animal vivo no ônibus, muito menos um filhote de onça, João não pestanejou. Pegou o bichinho e colocou num bornal à parte, tampando a boca da bichana com um pano e amarrou as patinhas do pobre animal, imobilizando-o totalmente.
Assim que entrou no coletivo, deixou as malas no guarda volume, no bagageiro e, carregou o bornal consigo...
Desceram por Ibitirama, passando por Celina e quando já estavam perto de Guaçui, aconteceu o imprevisto. A onça, mercê de tanto stress, resolveu, bem como direi para não chocar as senhoras, evacuar...
As fezes da bichana tinham um odor deveras intenso, empesteando todo o ônibus.
João Polino, fez que não era consigo e, simulando um sono profundo, fechou os olhos e ficou quieto,
Mas, a situação estava ficando insustentável; um passageiro olhando para a cara do outro, desconfiado, como se quisesse reclamar mas sem saber a quem.
Assim que passaram por Guaçui, começou a chover; chuva torrencial.
Daquelas que não permitem janelas abertas, sob o risco de empapuçar quem ousasse abri-las.
Janelas fechadas, o cheiro se intensificando a cada minuto, os olhares desconfiados e João Polino dormindo...
Num certo momento, o motorista não suportando mais tal catinga, disparou, tentando ser educado...
-Quem tiver com a bichana fedendo, por favor, saia do ônibus!
A Dona Zica, esposa do seu Jacinto, coitada, pensando que era com ela que o motorista falava, desceu envergonhada...

Vi teu nome jogado na parede

Vi teu nome jogado na parede,
Como fosse sinal de minha fúria.
Escrevi, pois, embalde essa centúria,
Saber de teu futuro, tenho sede...

Seria bom deitar-me nessa rede,
Pedir licença à Padre, e toda a Cúria;
Poder te desnudar, tanta luxúria...
Mas te quero madura e estás tão verde...

Não quero mais saber desse negócio,
De passar em ti, todo esse meu ócio,
Nem quero saber quando te perdi...

O que no mar achei, me despedi;
Amores que pensei achar em ti,
Só não posso aceitar um novo sócio...

Quanta melancolia a noite traz

Quanta melancolia a noite traz,
A saudade desfruta do meu peito.
Penso mesmo, terei esse direito?
Pois, sem você, serei do que capaz?

Tantas flores no campo, quero mais,
Quero o gosto sincero e tão perfeito,
Deixa a vida seguir desse meu jeito,
Nunca quero deixar isso pr’a trás...

Um gole de conhaque, me traz lua,
A boca dessa noite, os teus lábios.
Queria não conter desejos sábios,

Amores já perdi, mas foram vários.
Minha’alma restará, ficando nua,
Minha alma que, perdida, foi tão sua...

Variando meu lema, busco a paz

Variando meu lema, busco a paz.
Não a paz simplesmente tão cordata,
Aquela que recende numa mata,
Aquela que só brisa mansa traz...

Essa paz que procuro, é bem capaz,
De morrer pesadelo em serenata;
Traz consigo essa fúria de cascata,
É meio Deus arcanjo e Satanás...

Minha paz construída em tuas ancas,
No requebro voraz, vem das carrancas,
Protetoras do Velho São Francisco.

Tem o temperamento mais arisco,
Não temendo sequer o próprio risco,
Traz o vermelho audaz, nas pombas brancas...

Quem sabia dos mares, timoneiro

Quem sabia dos mares, timoneiro,
Se perdeu; tantas foram calmarias,
Sem vento pelas noites, pelos dias,
No mar, silenciado por inteiro...

Não pudera vencer o verdadeiro
Amor que nunca traga ventanias,
Que nunca queimará loucas orgias.
Nas ante-salas, morno e pasmaceiro...

Amor é na verdade, tempestade;
Vagando sem ter medo, nem que tarde,
Consumir-se feroz, nessas procelas.

E não teme castigos e nem celas,
Sabe dores cruéis até singelas,
Amor sem ter tempestas, falsidade...

Minha lágrima, estima e sentimento


Minha lágrima, estima e sentimento; na palidez do não, nem talvez, digo sempre,praieiro coração...
Nas pedras do cais, o caos, o vem e não vais, o jamais, o quem dera. Vida, esfera, roda de bar em bar, girando gitana em busca da cigarra que transforme toda forma em matriz, peço bis, sou feliz mas não queria...
Meio dia, melodia, meu dia é diária avaria. Quebro o tempo, contratempo, conta-gotas, vão envoltas minhas voltas pelo mundo...
Contra-sensos, são imensos, sou imerso, vou diverso de verso em verso...
Mas quero o acero, quero a aragem, a coragem não se fia. Fiador da dor que não pré-curo nem procuro, sobre o muro que escurece e divide.
Dívidas e débitos, bytes e bikes, sou flâmula. Inflama a alma, a lama e a trama, trâmites e trinos, seus hinos e meus tinos, desatino...

No quebrar da onda, mareio e timoneiro, sou Marte, vou Plutão...
Nunca sim, quem sinaliza a brisa entoa, minha canoa não voa, afunda...
Minha funda melancolia, colites e cólicas, eólicas sensações...
Sou vago, e vadio, meu cio é todo seu.
Quero bocas e delírios, teus cílios e teus seios. Teu mar, sou pororoca.
A toca onde entocas teus desejos, meu anseio. Sou vermelho, formalizo, te aliso e não consigo. Mas, prossigo, do teu pêssego, fiz perigo e âmago, meu gosto nesse agosto é teu rosto contra o meu...

Salmo 5

Dê, às minhas palavras, Meu Senhor,
Ouvidos; atendendo à meditação...
Atendei o que clama o coração,
Eu orarei, portanto, ouça meu clamor!

A minha voz,Senhor, pela manhã,
Ouvirás, n’oração que te farei,
És meu Pai, desse Reino, és meu Rei;
Por hoje e para sempre, n’amanhã...

A iniqüidade nunca satisfaz,
Mal não habitará, jamais em Ti;
Odeias a maldade, pois não vi,
Nem sequer sombra dela, em quem t’apraz...

Mentirosos destróis, os fraudulentos;
Aborrecerás, tenho isto por certo;
Mas, Teu Lar estará sim, sempr’ aberto,
Tua benignidade, solta aos ventos...

Guia-me na justiça, meu caminho
Endireita, diante de mim, Pai,
Inimigos, maldades, é o que sai,
Suas sujas entranhas, mar daninho...

Nessas pobres gargantas, um sepulcro;
Que caiam por seus próprios, maus conselhos;
Nas suas transgressões, cruéis espelhos,
Lance-os fora, jogue-os no fulcro...

Mas, que s’alegrem todos que confiam
Em Ti, pois a defesa lá terão,
Os que teu nom’amam, no Pai serão
Abençoados, como eles queriam...

Aos justos, todas bênçãos se darão,
Terás grande defesa, neste escudo;
Protegendo assim, e contra tudo,
Somente por tocar o coração...

Salmo 4

Durmo em paz, eu me deito em segurança,
Pois tenho o meu Senhor, com alegria;
O vinho e trigo, tudo dobraria ,
N’amor do Pai, que é nossa temperança...

Mas, porque converteis a minha glória,
Na infâmia mais cruel; mentiras buscas,
Amando a vaidade que t’ofuscas;
Até quando; responda-me, essa história?

Pois, na angústia me deste tal largueza,
Tenha misericórdia, então, de mim;
Ouça minha oração, fiel, enfim;
Piedosos, separas, com clareza...

Atentai, não pequeis;Ah! Isso não,
Falai sobre t’a cama e calai;
O Bem nos mostrará somente o Pai.
Pois povoas, d’alegria o coração...