terça-feira, janeiro 26, 2010

23613

Não digas a mentir o que pretendes
Não creio nas falácias e façanhas
Jamais suportarei as velhas manhas
Nem acredito mais nestes duendes.
Da luz que na verdade nunca acendes
Não poderia ver as tais montanhas,
E quando a cada dia bem mais ganhas
O quanto te desejo não entendes.
E dane-se portanto ou por tão pouco
Não quero nem pretendo ficar louco
Apenas no sufoco levo a vida.
Se tens ou se não vens problema teu,
O mundo noutro rumo me escolheu
A história deste amor, já vai, perdida...

23612

Apressas a subida, pois bem sabes
Que a queda na verdade não terás,
Aonde se imagina plena paz
Bem antes que com tudo ainda acabes;
Deveras neste quadro já não cabes
Tampouco outro caminho a vida traz
O mesmo que este pouco ainda faz
Permite então versões onde desabes.
Apenas no final mera centelha
A luz que na verdade se avermelha
Não diz da claridade que procuro,
Mas bem melhor alguma chama
Do que toda a verdade em que se trama
Deixando a minha vida neste escuro...

23611

Desceste com sorrisos esta escada
Depois de ter me dito o não final,
Aonde se mostrara sensual,
Agora não me diz mais quase nada.
E quando percebi nesta alvorada
O sol quarando a vida no quintal,
Bebendo deste corpo todo o sal,
Minha alma já deveras tão cansada
Não pode prosseguir e se calando,
As aves vão fugindo em louco bando,
Apenas a saudade inda me leva,
Mas tudo não passou de uma ilusão,
O verso se mostrando outra versão
De simples aversão imensa treva...

23610

Fogueiras e folias nesta festa
Aonde comemoras o vazio
Que deste de presente e que desfio,
Deixando para trás o que não presta.
A vida me garante e sempre atesta
Não vale mais o tolo desafio,
Restando ao navegante o mar mais frio,
Sonhando com calores da floresta.
Meiguice mentirosa? Que se dane.
No amor que tanto quis, eterna pane,
O verso traduzindo o sentimento.
Aguço meus ouvidos e nada ouço,
Apenas esperando o calabouço
Sequer fugir, querida, agora tento...

23609

Uns dias que se gozam alegrias
Enquanto noutros dias tempestades,
Mesquinharias ditam as verdades
Aonde com certeza interferias.
Bebendo cada gota que darias
Não fossem tão cruéis felicidades,
Nem mesmo quando em mares largos nades
As águas se demonstram bem mais frias.
Peçonha em cada beijo; tua marca
E quando a poesia em ti se embarca
Vagando por naufrágios e tormentas,
Não vês que tudo aquilo se fez vago,
E vejo dos demônios que hoje trago
Aqueles em que tocas quando alentas...

23608

O verso que é reverso da medalha
Inversas emoções, frio e calor,
No quanto a poesia trama a dor,
Ao mesmo tempo em paz, ela batalha.
E sei que quando afio esta navalha
Olhando para o tal retrovisor,
No quadro tenho muito o que compor,
A métrica por vezes me atrapalha.
Sossego que procuro no teu colo,
E quando em tempestades eu assolo
Talvez seja querendo a perfeição.
Sem ter algemas faço o meu poema,
Não vejo no rimar qualquer problema,
Apenas obedeço ao coração...

23607

Tal qual se foram tolos outros dias
Os tempos em mudança, itinerantes,
O que fora verdade, por instantes,
Somente são agora velharias.

Assim também as minhas poesias,
Que na verdade são quais debutantes
Usando vez em quando alguns turbantes
Carregam dentro da alma estas estrias.

Metamorfoses; tento vez em quando,
O teto desta casa desabando,
Matando o que restou de velho em mim.

Dedetizar o verso eu te garanto
Que mesmo não trazendo mais encanto,
Impede que se crie então cupim...

23606

Pensara ser um grande pregador
Falando para as moças, com cuidado,
À sombra do fantasma do pecado,
Ao espalhar decerto algum louvor,

Ao confundir desejos com amor,
O pobre não sabia; desgraçado,
O quanto foi por Deus também amado,
E ao profanar assim o redentor

Mesclando sacanagem com vontade,
Deixando para trás a realidade
Até com o decote ele implicou.

E para completar sua bravata
Somente com o terno e a gravata,
Roupas que Jesus Cristo nunca usou...

23605

Trazias Santo Antonio no teu quarto
Pensando num provável casamento,
Até que depois disso num momento,
O santo se mostrando mesmo farto,
Causando em teu amante um forte infarto
Invés de fantasia este tormento,
Deveras tais crendices, não agüento,
Nem mesmo compartilho ou já reparto,
Só sei que no final a moça veio
Sem medos, sem rancores nem receio,
Audaz com seu vestido decotado,
O Santo adormecido não sabia
Que a moça abandonando a fantasia
Entregou-se deveras ao pecado.

23604

As moças têm nos olhos romantismos
Que os homens muitas vezes nem percebem,
E quando as ilusões ainda bebem,
No amor encontram cedo seus batismos,

Estigmas diferentes, cataclismos,
No fundo em poesia elas concebem
Além do que em verdade já recebem,
Mas sabem como usar seus magnetismos.

As moças são deveras sonhadoras,
Mas vivem com os pés por sobre o chão,
É delas o poder da sedução.

E quando em santos vários, redentoras
Imagens disfarçando a realidade,
Transformam todo adeus numa saudade...

23603

Ó vento do norte, tão fundo e tão frio,
Não achas, soprando por tanta solidão,
Deserto, penhasco, coval mais vazio
Que o meu coração!

Vendaval

Fernando Pessoa

Encontrando vazio o coração
Que outrora se fizera mais feliz,
Aprofundando a dor, tudo desdiz,
A própria sorte traz a negação,

Agora tão somente a solidão,
Aonde no passado amor eu quis,
A sorte me abandona, vaga atriz
Mostrando a cada dia o mesmo não...

Penhascos e desérticos caminhos,
Os dias que enfrentando são sozinhos
O vento traz o frio e rouba o Norte

Aonde houvera um verso, simples trova,
Agora imensa dor e negra cova,
Aguarda finalmente a minha morte...

23602

Tudo quanto penso

Tudo quanto penso,
Tudo quanto sou
É um deserto imenso
Onde nem eu estou.
Extensão parada
Sem nada a estar ali,
Areia peneirada
Vou dar-lhe a ferroada
Da vida que vivi.

Fernando Pessoa

Deveras no que penso sou inteiro
E nada impedirá tal pensamento,
Vivendo imensamente este momento,
Jamais eu mudaria este tinteiro
Deserto em que mergulho, verdadeiro,
É o que decerto sou, e sem alento,
Tampouco no não ser eu me atormento,
Onde jamais estou, nisto me inteiro.
Sem nada a estar nem ter prossigo ali,
Da vida que por certo eu já vivi
Areia muitas vezes peneirada.
Numa extensão parada, vagos sigo
Na imensidão do nada, se prossigo,
Apenas adivinho a ferroada...

23601

Não quero navegar, bastando então
Que possa em liberdade caminhar
Por entre as maravilhas do criar
Tramando sempre ao fim a criação.

Se a vida inda pudesse agigantar
Tornar mais evidente uma emoção
Tocando mansamente a sensação
E dela conseguir já decifrar

A essência que transborda-se em meu sangue
Por mais que seja anêmico meu verso
Poder ao atingir todo o universo

Até que no final um corpo exangue
Ajude a evolução da humanidade
Na mística da Raça que me invade...

parafraseando Fernando Pessoa

23600

Leão mostrando a força em sua juba,
A sorte tem diversas variáveis
Por vezes em caminhos intragáveis
É como ouvir o solo de uma tuba.

Que faço se não como mais jujuba
E o diabetes mostra inalterável
O pé se demonstrou ora amputável
Procuro um tratamento e vou pra Cuba,

Ao menos o charuto é de primeira,
Na escola te encontrei porta bandeira
Nesta estação primeira, quis verão,
Metade do que faço é por engano,
O resto, meu amor, me causa dano
Apenas neste verso a diversão...

23599

Salvando num arquivo os meus poemas,
Eu sei que no final não valem nada,
Jogados pelas ruas na calada,
Apenas romperão minhas algemas,
Não quero ter nas mãos jóias e gemas,
Apenas o que outrora em madrugada
Uma alma tão distante quão cansada
Pensara ter nos olhos, meros temas.
Selando a minha sorte, odor mais acre,
Rompendo da esperança qualquer lacre
Eu acredito e até mesmo acrescento
Não faço e nem farei sequer um préstimo,
Nem mesmo por acréscimo este empréstimo
Somente por alento sigo atento...

23598

Descrevo como vejo a realidade
E nada me censura nem se atreve,
Se trago em minhas mãos calor ou neve
A vida me pertence, eis a verdade.
Não quero que meu verso sempre agrade
Senão eu não seria assim tão breve
Inspiração entrando em franca greve
Já não suportaria qualquer grade.
Matando os desafetos com palavras,
Usando para tal as minhas lavras
São larvas que virão à ser crisálidas.
As armas são trabucos e facões
Não quero ter senhores, soluções,
Se as minhas poesias são esquálidas...

23597

O mundo em tantas voltas volta atrás
E mostra em mil revoltas, liberdade
O sangue que se escorre sempre traz
Depois de certo tempo, a claridade,

E quando o verso encanta e satisfaz
Demonstra do cantor a qualidade,
Porém sendo em verdade um incapaz
Prefiro retratar a realidade.

Embora muitas vezes traiçoeira
Bandeira que demonstra várias cores;
Nos lábaros mais belos, os louvores

Da sorte que virá já não inteira.
Verás que um filho teu esquece a luta
E sabe muito bem porque reluta...

23596

Permite, no Seu Reino, Satanás
Depois de perdoar os seus enganos
Do arcanjo decaído em novos planos,
A Terra conhecendo enfim a paz

Imagem; semelhança se desfaz
E Deus que é o maior dos soberanos
Ao ver a derrocada dos humanos,
Um claro amanhecer agora traz.

Edênicos prazeres rebrotando,
O amor que era total, se demonstrando
A dor da morte, enfim, agora ausente.

E sente-se o perfume da esperança
Que renovada força já se lança
Numa ânsia que se torna mais freqüente

23595

O sol refaz aos poucos seus fulgores
E o ser humano morto e sem morada,
Apenas o cadáver deste nada,
Que um dia transbordou medos e horrores,
E quando sobre os corpos nascem flores,
A vida se mostrando renovada,
Da podre criatura desgraçada
Nem sombra, Deus escuta então louvores.
Demônios se destroem; vão ao Céu,
Cumpriram desde agora o seu papel,
E o arcanjo que era fogo se faz paz.
Redime-me deveras a serpente,
E o Pai sendo em verdade onisciente
Permite, no Seu Reino, Satanás...

23594

Gerando outros fantasmas, novas eras
E a Vida sobrevive à própria vida,
Da carne agora exposta e apodrecida,
No salivar intenso destas feras,
Estraçalhados homens são quimeras
A humanidade enfim em despedida,
A Terra num momento agradecida,
Aos pouco toda a glória regenera.

Depois desta nefasta mortandade,
Sem ter quem a destrua nem degrade
Natura se entregando sem temores.
Aonde a podridão sempre reinara,
A luz já se tornando bem mais clara,
O sol refaz aos poucos seus fulgores...

23593

Imensa multidão de canibais
Vagando sobre corpos decompostos,
Os ossos entre os vermes vão expostos,
Orgásticos e loucos bacanais,
Momentos entre tantos rituais
Demônios entre os mortos sempre à postos
Revezam-se e deveras recompostos
Etéreos e sombrios carnavais,
Medonhas criaturas, ritos trágicos,
Os olhos dentre as sendas quase mágicos
Risonhos caricatos, bestas feras,
Entoam as canções e ladainhas,
Os vermes sobrevivem entre as vinhas
Gerando outros fantasmas, novas eras...

23592

Apenas de Satã se escuta a voz
E a legião de lúbricas bacantes
Tomando toda a Terra em vãos instantes
Mergulham-se e devoram todos nos.
Aonde se pensara mais atroz
Os risos das quimeras triunfantes,
Feridas entre cortes terebrantes
Certeza do vazio logo após,
E tudo num momento se transforma,
A pele decomposta se deforma,
E o gozo se espalhando, e muito mais.
Dos poucos que sobraram, negra sina,
Explode na fatal carnificina
Imensa multidão de canibais...

23591

Cumprindo a mais amarga profecia
Fantasmas entre espectros mortos-vivos
E os ritos mais macabros, são altivos
As trevas sonegando uma ardentia.
A morte do planeta se anuncia
Entre fogueiras tantas, finos crivos,
Pastores se tornando mais nocivos,
Soberbos demoníacos audazes
A lua se perdendo, nega as fases
E a escuridão se espalha sobre nós,
Trombetas disparadas pelos cantos,
Aonde houvera paz, os desencantos,
Apenas de Satã se escuta a voz...

23590

O intenso gargalhar de Satanás
Vestindo-se de lavas, fogaréus,
Mergulha deste inferno, adentra os Céus
E bebe dos arcanjos toda a paz.
Num passo mais terrível e mordaz,
Arranca dos fiéis os alvos véus
E explode num momento os bons ilhéus
E um pandemônio então logo se faz.
As criaturas sacras e benditas
Eternas lamparinas e infinitas
Percebem que o holocausto se anuncia.
Verdade apocalíptica se espalha,
Nas mãos deste demônio uma navalha
Cumprindo a mais amarga profecia...

23589

A lua morre atrás desta montanha
Deixando putrefeita esta ilusão,
Matando o que restara da emoção,
A sorte desvairada já me entranha

E quando imaginara noutra sanha
A vida muda logo a direção,
Entregue aos desacordos, sempre o não
Resposta que minha alma não estranha.

Morresse então seria imensa glória,
Não tendo nem as sombras da vitória
Medonhas criaturas; perco a paz.

Aonde esperaria um riso franco,
Encontro o dissabor e não estanco
O intenso gargalhar de Satanás...

23588

Abortando deveras a semente,
De nada me valeu o sacrifício,
À beira do terrível precipício
A morte se tornando então premente,
O fim da leda história se pressente
Aguardo tão somente o velho ofício
Da bala que penetra, este orifício
Marcando o que deveras, a alma sente.

No infausto de viver, apenas resto
Deitando este vazio que ora empresto
Ao medo feito insânia que me entranha.
A boca que me beija e agora escarra
O sol já se escondendo, escura barra,
A lua morre atrás desta montanha...

23587

Na morte que virá cedo, alucino
E a cada novo dia nova dor,
Aonde imaginara campo e cor,
Apenas o vazio e o desatino.
Acordo o que restara do menino
Que um dia se fez manso e sonhador,
Porém sem ter mais nada pra propor
Nas mãos da morte vejo o vão destino.
Argutas maravilhas se disfarçam,
Os olhos entre as trevas já se esgarçam
E deixam que se veja tão somente
A negra escuridão que se aproxima,
Amortalhado sonho, dita a rima,
Abortando deveras a semente...

23586

Eu vejo nos teus olhos, fria fera
A sanguinária deusa que me bebe
E quando se demonstra e se concebe
Nas garras afiadas da pantera
Aonde imaginara mansa espera
O fogo feito em lágrimas recebe
Aquele que esperança inda percebe
E nela tão somente se tempera.
Aguardo o meu final, em cena atroz
Das criptas e masmorras solto a voz,
Mas nada se compara ao desatino,
Voraz no qual adentro em frialdade,
Aonde imaginara liberdade,
Na morte que virá cedo, alucino..

23585

Nesta sorte intragável, eu me arrisco,
Cadáver em total putrefação
Buscando tão somente algum perdão,
O gozo que tivera; eu já confisco.

O mundo se tornando mais arisco,
No fundo o que me resta, a negação
Depois de tanto tempo sempre em vão
A morte se apresenta qual petisco.

Das sombras que me deram como herança
Amortalhada luz de uma esperança
Vulgarizada e estúpida quimera.

Não posso me calar frente à verdade
E mesmo que a palavra desagrade,
Eu vejo nos teus olhos, fria fera...

23584

Mas sei que no final, virá ninguém,
Por isso me despeço num soneto
E quando nos teus braços me arremeto
Bebendo cada gota que contém

Enquanto a madrugada inda não vem,
Medonhas ilusões; já não prometo
E tomo do veneno, adentro o gueto
Aonde a poesia dita o bem.

Nefastos tais espectros do passado,
O beijo que me deste, amortalhado,
O gozo de um prazer é quase um risco.

Dos pélagos de uma alma entorpecida,
Procuro reviver o que, perdida,
Nesta sorte intragável, eu me arrisco...

23583

Numa ânsia que se torna mais freqüente
A fúria de um passado me condena,
E quando a podridão tomando a cena,
O olhar quase mendigo, se apresente.
No quanto quis e nada se fez gente,
Tampouco a boca amarga ainda acena
Se a lua em despedida se fez plena
A morte encontrarei em seu poente.
Mesclando poesia e realidade,
Vivendo por saber que a claridade
Por mais que seja errônea, um dia vem.
Mumificados sonhos, abandono,
Quisera algum momento a mais de sono,
Mas sei que no final, virá ninguém...

23582

Na festa que em si trágica dizia
Dos gozos entre rastros esquecidos,
Mergulho sem pensar os meus sentidos,
Expresso na ilusão, a fantasia

Que embora tantas vezes me traria
Os dias entre pedras repartidos,
Aonde se estendera em vãos gemidos,
A morte da sincera poesia.

Não posso me furtar ao ver a escória
Legada para todos pela história
Sutil e deformante caricata,

A mão que te acalenta, a que destrói,
Prazer que te apascenta, o que corrói
A sorte à qual te entregas, a que mata...

23581

A lira silencia enquanto o bardo cala-se
Deixando como herança apenas poesia
Que expressa ao mesmo tempo o mundo que queria
Distante do fulgor expresso em algum Palace,

Do muito que dissera em versos tristes; fala-se
Somente do que outrora em expressão diria
Sorvendo de uma estrela a imensa fantasia
E o corpo em cremação, ainda teima. Estala-se.

Não poderia ter sequer a sorte plena
Da mansidão divina aonde a morte encena
Algum festivo ocaso, envolto em negritude.

Porém ao se perder dos tantos que gostara
A morte na verdade, em bálsamos declara
O que tão frágil vida espera quem a mude...

23580

Já o Loures não sou.... Que palhaçada
Bocage merecia outro final,
Escrito com certeza por boçal
História muitas vezes mal contada.

No fim da minha vida é minha alçada
Falar deste canalha ritual
Que mostra na maior cara de pau
O Cristo sendo exposto na calçada.

De tantos pecadores eu garanto,
Deus deu o seu perdão; mas, entretanto
Ao vendilhão o açoite; mas contemplo

Que a corja nesses dias continua,
Só que vendiam tralha em cada rua
Agora vendem Cristo no Seu templo...

23579

Não é difícil crer neste Jesus
Tampouco compreender o que dizia,
No amor e no perdão, tanta alegria,
Assim é bem mais fácil nossa cruz,

Porém quando um pastor qualquer conduz
Rebanho vai entrando numa fria,
É tanta confusão que então se cria
Deixando bem mais longe a clara luz.

Pecado é garantia de salário,
Metade deste povo é salafrário
Do otário que esta turba podre engana

Não é a salvação que agora importa,
É muito estreita eu sei, do Céu a porta,
Cuidado que o seu lobo quer é grana...

23578

Pecado é ganha pão de meio mundo,
Não fosse Satanás pobre pastor,
O padre sem ter nada o que propor
Seria tão somente um vagabundo?

E quando me confesso mais imundo
Pedindo algum perdão mesmo um louvor
O dízimo cobrado é um favor
Pedágio sem o qual não me aprofundo.

Batismo com certeza tem seu preço,
Assim no casamento um adereço
A mais custa aos nubentes e o aluguel?

É tanto azeite para esta engrenagem
Que até me parecendo sacanagem
Viagem muito cara: Igreja ao Céu...

23577

Cadela em pleno cio faz a festa
Coitada da infeliz, estupradores
Diversos em matizes, várias cores
Até que de uns dois, três ou quatro gesta.

Depois em plena selva ou na floresta
Os lobos entre lobos caçadores,
Devoram os mais fracos, perdedores
Canibalismo é tudo o que inda resta.

O roubo da comida, simples sorte,
Cabendo ao mais esperto uma atenção
Leão come filhote de leão,
A lei que sempre impera: a do mais forte.

Humanidade dela já dá cabo
O que nos freia um pouco é o Diabo...

23576

Antes do entendimento da presença
De um Deus e de um Diabo malfazejo
Reinava sobre todos; o desejo
E nele tão somente a velha crença.

Abraão com sua irmã é natural,
E Lot com duas filhas de uma vez,
Jamais passou por ser insensatez
O incesto abençoado era normal.

Em nome de Javé a morte é santa,
Os saques são comuns, estupros idem,
Pra Jeová, decerto tudo bem,

Barbudo com mais nada já se espanta.
Até que veio alguém que de uma cruz
Mostrou toda a verdade e a clara luz...

23575

Já não suporto mais hipocrisia,
Vencer os desafios não é fácil,
Por mais que a moça seja bela e grácil
Ainda traz a velha fantasia.

Calão se for do baixo ou se é de cima,
Não mudando o sentido do que falo,
Se é falo ou se é pipoca; eu já me calo
Senão pode esquentar demais o clima.

Meu filho me mandou para a pariu
Aonde ele escutou esta bobagem,
Se o mundo se entregou à sacanagem
Nem por isso serei grosso ou gentil,

Meu verso não é feito com tesão,
Também não sou escravo da paixão...

23574

Não sou vitoriano nem velhusco
Tampouco quero ter falsas morais,
Aonde são prazeres anormais
O mundo se tornando bem mais brusco,

Se orgasmos entre festas inda busco
Não sou somente hedônico; boçais.
Falsos conservadores são fatais,
Porém em toscas sombras não me ofusco,

O sexo com certeza é natural
E chego a te dizer: essencial,
Nasceste por acaso de outro jeito?

Não quero ser somente um tolo orgástico,
Mas posso te dizer sem ser sarcástico,
Quem sabe exercitando faz direito...

23573

Das gregas ilhas vejo no passado
Farta sabedoria em gozos vários,
Momento divinal, velhos fadários
À eternidade sempre condenado

A poesia, um dom abençoado,
Ao qual se devotaram visionários
Por mais que agora esteja nos armários
Há tempos o futuro revelado.

Em Lesbos maravilhas foram feitas,
E se hoje nos sonetos te deleitas
À lésbica e soberba poetisa

Tu deves o prazer que agora tens,
Num verso heróico dou meus parabéns
Àquela a quem em glória se eterniza...

23572

Dionísicas loucuras, festas risos,
Entregas sem limites nem pudores
Enlanguescidas fêmeas, multicores
Em toques violentos e imprecisos,

Aonde se pudesse ter certeza
Os laços se rompendo por segundos,
Nos vinhos e nas carnes, vários mundos
Seguindo a mais diversa correnteza.

E lúbricas serpentes, gargalhares,
Obesos cavalheiros, podres damas,
Em sáficos prazeres, fartas chamas,
Na imensa profusão destes altares.

Impérios desabando e o gozo aflito
De um povo que pensara-se infinito...

23571

Erótico senhor, deus das loucuras
Encontro em tuas flechas os delírios,
Vencendo com prazer velhos martírios,
As dores e os temores, cedo curas.

Expressa-se em prazeres transbordantes,
Delícias entre ritos sensuais
Nas festas e soberbos bacanais,
Em meio ao sortilégio das bacantes,

Um fauno se entregando, insaciável,
Sacrílegos festins, vinhos e sexo
Sem ter qualquer juízo, perco o nexo
Mergulho neste mundo incontrolável.

E bebo dos delitos e pecados,
Lúbricos caminhos desvendados...

23570

Sentindo o fogo ardendo em cada veia
Bebendo destes goles prazerosos,
Adentro maravilhas, sonho gozos,
E a sorte num momento me incendeia,

O fogaréu que aos sonhos vida ateia
Momentos delicados, caprichosos,
Caminhos sem pudor, voluptuosos
Atado sem defesa à tua teia.

Penumbras entre beijos e mordidas,
As horas vão passando em fúria e riso,
Passamos dos limites e medidas,

Jamais alguém se deu com tanto fogo,
E assim ao perceber o Paraíso,
Orgasmo interminável nem um rogo...

23569

Netuno com sua ira em mar revolto
Procelas e borrascas, sem bonança,
Aonde imaginara uma esperança
O mundo sem destino; segue solto.

E quando a voz do vento; ao longe escuto
Preparo-me deveras para o ocaso,
A vida sobre a Terra tem seu prazo,
Porém inda resisto e até reluto,

Mudasse este destino, mas Netuno
Explode em maremotos fúria imensa,
A morte em paz seria a recompensa
Erguendo alguma prece a Zeus e a Juno

Descubro ser inútil, tal apelo,
E ao final só resta, em dor, sabê-lo...

23568

Seguindo por estradas mais formosas
Adentrando caminhos e arvoredos,
Os dias me contando os seus segredos,
A cada novo encanto; cevo rosas,

E vejo entre estas árvores frondosas
A fonte cristalina e entre meus dedos
Cumprindo deste Fado, seus enredos,
Estradas entre flores, maviosas.

Ouvindo a flauta doce, penso em Pan
E bebo este ar tranqüilo da manhã
No amor é necessário que acredite

Quem sabe decifrar da natureza
Detalhes que ela expõe com sutileza,
Vislumbrando nos prados, Afrodite...

23567

Gozando este prazer de ter comigo
A bela criatura que se fez
Expressão mais completa da altivez
Na qual encontro a paz do eterno abrigo,

Trazendo neste olhar o que persigo,
O Amor que em tanto amor mais do que vês
Permite que se veja o Deus que crês
Um Pai além de tudo, irmão e amigo

Acenas com sorrisos e convidas
Ao bem maior que existe em nossas vidas
No encanto deste amor inigualável.

A fonte dos desejos em teus lábios,
Momentos delicados, raros, sábios
Num mundo se tornando agora, amável...

23566

O nada transformando-se no nada
Aonde poderia crer na luz,
Ascendo ao vão inferno; e a mão conduz
À negra solidão tão ansiada.

Especulares sombras dominando
A cena transtornando as ilusões
Demônios vão chegando aos borbotões
Porões escurecidos, me tomando.

À parte dos fantasmas vejo a imagem
De um soberano ser, cruel visão
Que tendo um cetro escuso em cada mão
Reinando na nefasta paisagem,

Em meio à névoa extensa, ri-se, audaz
Em lúbrico delírio; Satanás...

23565

Deitado sob a lua eu te imagino
Desnuda maravilha a quem me entrego,
Por mares bem tranqüilos se navego,
Ribeiro delicado e cristalino,

E quando isto; percebo e me fascino,
Abandonando a dor que inda carrego,
Em rimas bem mais pobres eu me apego
Tomado pelo amor, santo destino

Quisera declarar-me em versos belos,
Tramando em fantasias os castelos
Aonde poderias ser rainha,

Porém um pobre e tolo sonhador,
Não tendo quase a nada a te propor
Deseja que tu sejas sempre minha...

23564

Na decomposição dos seres vivos
A fome se matando em mortes tantas,
No eterno movimento, risos, mantas
Por quer sermos pernósticos e altivos?

A própria natureza traz seus crivos
E ao vê-los com certeza desencantas,
Da imensa podridão que tu decantas
Benéficos cadáveres. Nocivos?

Se deles somos feitos e refeitos,
Por que então teríamos direitos
De comandar a vida se é da morte

Que nós sobrevivemos, e deveras
A fera que se fez entre mil feras
Pensa ser diferente a sua sorte?

23563

O verso que emolduro em tantas alegrias
Dizendo desta forma o quando necessito
Falar deste momento aonde mais que um grito
Expresso o que bem sei ainda em sonhos crias

Emoldurando em sonho o quanto fantasias
Trazendo para a terra o universo infinito
Estrelas que percebo expressam cada rito
Num êxtase supremo, aonde poderias

Dizer do teu demônio embora em cores frágeis
Os dedos no poema expressam versos ágeis
Mordazes ilusões, perpetuando assim

O quadro que deixaste em cima desta mesa,
Mesquinharia cega, aonde quis beleza,
Negando a correnteza esmaga o que há em mim...

23562

Numa ânsia delicada em formas tantas
Beleza que desfilas pelas ruas,
Mergulho nos teus braços; vejo em luas
As formas constelares com que encantas

O bardo sonhador; cedo agigantas
E enquanto tu levitas e flutuas
Marmórea fantasia que cultuas,
Delírios entre sonhos, logo plantas;

A vida em tua vida traz a sorte
Brindando ao teu prazer esqueço o corte
E vibro na fantástica alegria

Ao salpicares astro quando passas
Dourando com delírios, fartas graças
Desmanchas em teus passos, fantasia...

23561

Amigo e companheiro de caçadas
Adentrando estas selvas, em Diana
A deusa protetora, a soberana
Que nos permite sempre as mais ousadas

E belas entre matas, caminhadas,
Jamais a minha seta em vão se engana,
Nos cervos e narcejas já se explana
Bem sucedidas horas; tanto agradas.

Adentrando estes campos verdejantes,
Aonde se buscara diamantes
As mãos de vários deuses e pastores

Cevando as esperanças lança e seta
Na glória de um cantor, simples poeta,
Prazeres muitas vezes redentores...

23560

Somente por ditosa e bela dama
Suspira o coração deste poeta,
Que a sorte sendo rumo, sonho e meta
Ao mesmo tempo adoça e já reclama,

Presença que mantendo a mesma chama
Deveras cada dia me completa
Moldando a fantasia que repleta
Minha alma em melodias, mansa trama.

Bebendo desta fonte cristalina
Que enquanto me sacia e me domina
Permite que eu consiga ser feliz,

Eterno enamorado, nas paixões
Encontro os meus caminhos, direções,
Na glória insuperável que assim quis...

23559

Sentindo estremecer os pés cansados
Expostos aos diversos espinheiros,
Os dias que percebo derradeiros
Não sabem nem verão campos ou prados.

Apenas em demônios disfarçados
Os risos entre gozos corriqueiros,
Dos pântanos, meus leitos costumeiros
Os dias entre dias desgraçados.

Arfante e sem domínio a besta fera,
Expondo suas garras, mostra os dentes
No olhar avermelhado dos dementes

A sorte num escárnio já me espera,
Após emanações pútrido gozo,
Sarcástico demônio, prazeroso...

23558

Quisera em verdes prados, clara fonte
Apenas um pastor com seu rebanho,
O sol deitando luzes no horizonte
Pensando em minha diva desde antanho,

Após este arvoredo um belo monte
Aonde houvera Ninfas eu me banho,
E aguardo que entre as matas já desponte
A Musa à qual entrego amor tamanho.

Diana percebendo os meus anseios
Esvanecendo em paz tantos receios,
Trazendo esta pastora que em meus braços

Deitando tantos sonhos e carinhos,
Transborda em fartos beijos, raros vinhos,
E Zeus compadecido, estreita os laços...

23557

Vislumbro em teu olhar a castidade
Na alvíssima beleza em que se expõe
O mundo nos teus braços recompõe
O que perdera outrora em qualidade,

E tendo esta visão que tanto agrade
A sorte num segundo me propõe
O verso que esperança em paz compõe
Negando desde já qualquer saudade.

Ausentes deste olhar, os dissabores,
Espalhas nos canteiros, belas flores
Fulgores deste sol enamorado.

E em ti depois de tanto, eu pude ver
Que a vida guarda em si farto prazer,
Prossigo o meu caminho do teu lado...

23556

Numa harpa desenhavas melodias
Aonde imaginara em cada acorde,
Um mundo aonde o gozo nos aborde
Diverso que em versos tu dizias.

Magérrima e dantesca criatura
Que em meio aos temporais, se fez profana,
Enlanguescida e tosca soberana
Mortalha te servindo de moldura.

Visões que demoníacas nos tomam,
Caminhos que procuras, espectrais
Na abóboda dos sonhos, seus vitrais,
Mosaicos e arabescos que se assomam.

Quasímodos estúpidos servis,
Reinando sobre a corja; mas gentis...

23555

Saudade descorada pela vida,
Na fátua sensação do nada ter,
Aonde pude após evanescer
Sentir a mão deveras já perdida.

Enquanto nos seduz, cruel acida,
E mata a cada instante o teu prazer,
Não vejo nela como amanhecer
Se traz toda a verdade destruída.

Destroços ambulantes; podre e inerme
Sensação que eterniza cada verme
Moldando eternidade do vazio.

Neblina amortalhada que nos segue,
Saudade tendo quem sempre a carregue
Eternizando o inverno amargo e frio...

23554

Os vermes me devoram pouco a pouco,
Adentram o intestino e meus pulmões,
Vagando por diversas direções
Matando em própria vida um pobre louco.

A podridão se faz a cada instante,
Meus pés denotam cedo a turva cena,
Nos dedos avançando-se a gangrena
A amputação prevista e debridante.

O quinto pododáctilo direito
Mumificado expõe a realidade,
A morte se aproxima e quando invade,
Sobrevivência é um rumo bem estreito.

Acordo e mal percebo o odor intenso,
E, tosco, num futuro ainda penso...

23553

Espalhando-se ao vento a cabeleira
De um ébano; formada, em raro brilho
Ao ver tanta beleza, maravilho
Minha alma se entregando não se esgueira.

Tu tens em teu olhar a derradeira
Vontade de seguir em manso trilho,
Do amor não mais encontro um empecilho,
Augusta fantasia traz cegueira.

Não posso me furtar a tal desejo
Que enveredando os sonhos, dizem luzes,
Não tendo em meu caminho pedras, urzes,

A vida em plena paz ora prevejo,
E espalhas pela casa o teu perfume,
Falena entorpecida segue o lume...

23552

Mansão aonde espíritos vagueiam,
Celebram em sanguíneos sacrifícios,
A morte enaltecendo tais ofícios
Os restos que ficaram se rastreiam

Num brinde feito em pútridos fluídos
Os rastros se espalhando pelos quartos,
Esquartejados corpos, novos partos,
Banquetes por demônios divididos.

Diviso em névoa densa os meus escombros,
Escórias do que outrora se fez gente
E tudo numa orgástica vertente
Os erros inda pesam sobre os ombros.

E as sombras me revelam o que fomos,
Da fruta proibida, simples gomos...

23551

Minha alma entregue aos gozos da peçonha
Que molda o meu futuro, e me incandesce,
A sorte não se crendo nunca tece
Além do que esperança ainda sonha.

Nos olhos a mortalha me envergonha
E o quadro feito em dor, ternura e prece,
Já não me ouvindo mais, agora esquece
E um tempo em desventura se componha.

Erguido sobre os restos, as carcaças
Dos homens que pensaram liberdade,
Ao fim da leda história, esta inverdade

Mostrada quando em risos esfumaças
E tramas num intenso gargalhar
A morte neste imenso lupanar...

23550

Qual fora um mensageiro destas flores
O gozo da esperança se perdendo,
A sorte não passando de um adendo,
Aonde poderia ver as cores

Embalde mergulhei em vãos amores,
E o dia pouco a pouco anoitecendo,
Mistério em desencanto; não desvendo,
Tampouco caminhando aonde fores

Sabendo que em teus rastros e pegadas,
Somente a imensidão que não aguardas
Negada a cada dia. É sempre assim.

Das doces violetas e verbenas
A morte se moldando enquanto acenas
Matando sem pensar o meu jardim...

23549

Uma engrenagem vil e sem proveito,
Mesquinhos os anseios deste ser
Que tendo em suas mãos algum poder
Pensando ter na morte, o seu direito,

Insânia que nos toma, não aceito,
E vejo todo dia apodrecer
Imagem que desvenda o anoitecer
Eterno em que deveras me deleito.

Desonra que polui esta Natura
A deusa se mostrara bela e pura,
Porém ao ter gerado a raça humana,

Mal percebia o quanto estava errada,
E agora a cada dia mutilada,
O verme sem pensar, tudo profana...

23548

Etéreos sentimentos, vagos sonhos,
Fenômenos diversos, e o vazio,
Assim após a morte o desafio
Se molda em ritos trágicos, medonhos.

Pensara num momento em paz ou guerra,
Delícias ou martírios, treva ou luz,
Porém a morte à morte nos conduz
Na escuridão imersos, sob a terra.

Uma alma se sossega e volta ao zero,
Mergulhos em profundos precipícios,
Voltando para os nossos vãos inícios,
Sem riso ou dor intensa, assim espero.

E a morte num momento revelada
Trazendo simplesmente o eterno nada...

23547

As normas que criaste; agora vãs,
Numa esterilidade se desfazem
E quando esta verdade enfim te trazem
Desenhas falsos quadros e amanhãs.

Orquestras em mentiras o futuro,
Não sabes dos espectros que virão,
No sangue que espalhamos pelo chão,
Esterco produtivo que procuro,

Cadáveres que agora tu empilhas,
Mesclados com escusas esperanças,
Provocam nos demônios festas, danças,
A Terra se inundando em maravilha

Do esgoto se refaz a vida e a sorte,
Negando com firmeza a própria morte...

23546

Hirto ao perceber farsas inglórias
Escarro sobre os corpos; sigo a sina
Da mão que se mostrara uma assassina
Envolta nestes gáudios das vanglórias;

Envolto pelas névoas, vou soturno
Erguendo cada morto qual troféu
E sanguinário abutre em seu papel,
Revezam-se rapinas turno a turno,

E quando enfim retorno das profundas
Esbarro nestas farsas dos mortais,
Disfarces entranhando tais chacais
Mundo em podre eflúvio; logo inundas

Bebendo cada gota liquefeita
Da carne apodrecida, já desfeita...

23545

Minha alma aniquilada encontra a morte
E nela a solução dos meus anseios
Aonde ainda houvera algum receio
O fim das esperanças mata a sorte.

E em meio às vãs neblinas, podridão,
Açoites explodindo em minhas mãos,
Os dias foram toscos, tolos vãos,
Encontro tão somente a escuridão.

Das cores e alegrias já me afasto,
Perpetuando o escárnio; intensa dor,
Incrível que pareça, este torpor
Tornando o mundo amargo e tão nefasto.

As trevas dominando o que restara
Da vida que pensara calma e clara.

23544

O olhar mortiço e frio desta fera
Que aguarda tão somente algum descuido,
Bebendo todo o sangue e qualquer fluido
Na insânia destemida se tempera.

Cadáveres se espalham pelos cantos
Desnudas podridões, saques diversos,
Demônios sobre os ossos vão dispersos,
Entoam ladainhas, velhos cantos.

E enquanto se preparam para o fim,
Nas mãos o frio açoite vergastando
As semi-vidas toscas molestando,
Estupros entre incestos no festim.

A turba se confunde em formas várias,
Eternidade em lavas temerárias...

23543

Entranho neste estranho labirinto
Aonde sem saída nada vejo
Senão este abortar de um vão desejo,
O quão inda sonhara agora extinto.

Farsantes e dementes criaturas,
Espasmos entre risos, palavrões,
O sangue se escorrendo aos borbotões
A sede insaciável nele curas,

Esperança esquecida nos portais,
As lavas consumindo o que inda resta
Sombrias garatujas, louca festa,
Numa expansão de ritos hormonais,

Satã com seus demônios, nada fala;
Observa este ir e vir na horrenda sala...

23542

Perdida no passado a mera lenda
Da sorte que talvez trague a esperança
Apenas um resíduo na lembrança
A morte cada farsa já desvenda.

Encontro após o túmulo a verdade
Em formas mais diversas, podridão,
Minha ama na fatal putrefação
Das dores e terrores tem saudades.

Efêmeros prazeres; aproveites
Que tudo se deforma totalmente,
Quem pensa eterna paz, não sabe e mente
Apenas nos vazios, os deleites;

O Céu inalcançável, mera imagem,
Caótica e terrível paisagem...

23541

Emanações diversas e sombrias
Espectros de um passado sob trevas
Disformes multidões, podres catervas
Tal qual antes do fim tu percebias.
Medonhas criaturas, noite eterna,
O látego explodindo nos costados
Demônios entre corpos destroçados,
luz se afasta da pálida caverna.
E vândalos destroem tal cenário,
Satânicas bacantes, loucos vermes
Ossadas espalhadas já inermes
Insano passageiro, visionário
Em meio às podridões, carnificinas
E louca entre fantasmas te alucinas...