segunda-feira, setembro 11, 2006

Fadas

Não me deixe morrer, melhor a vida,
Mesmo esquecida nesse quarto escuro.
A dor golpeia, funda, retorcida;
Eu tento, audacioso, pular muro...

A perna que quebrei, mordaz ferida,
Não pode sufocar; então, perfuro
Os meus ossos expostos... Vai fendida
A alma, meu peito rasgo, sou obscuro...

Essa dor lancinante é simples fado,
A noite penetrante, sou culpado
Pelas minhas retinas maculadas.

Tateio, ondeio; seios teus são teias,
Quero tomar-te, enfim, nas minhas veias...
Se sou teu fardo, tuas mãos são fadas...

Criança Morta

Buscando essa criança qual mortalha,
A vida me entregou tantos lamentos,
A casa que deixei sangra, navalha,
Em troca simplesmente, esses tormentos...

Menino audacioso, a morte entalha,
Sutilmente destrói, leva nos ventos,
A mente, apavorada, se embaralha,
Deformando o que foram meus rebentos...

Matei esse menino, fui cruel,
Anjos perdidos, vagam pelo céu.
Não me restou senão esse vazio...

A memória me trai, rompe esse fio,
Nada mais restará voraz lembrança:
Cadáver insepulto, essa criança...

Hipnose

Eu quero teu melhor sorriso, irônico...
Viver em teus desejos, os mais santos...
Rasgar, sem perceber, todos os mantos,
Poder sorrir contigo, amor platônico!

Longe de tua boca, vou agônico,
Não sei d’abissais mares, celacantos,
Nem quero mais cobrir-te, seus quebrantos,
Por certo, ao te ver, resto catatônico.

As tuas mãos, centelhas são tenazes.
Cravando tuas garras mais vorazes,
Devoras, louva-deus, nada mais sobra...

Te quero, venerando teus engodos,
Penetras mais sutil, teus eletrodos,
Os teu olhos hipnóticos, és cobra!

Criaturas

Nunca ninguém que te conhece, pensa;
Nas tuas cicatrizes, nos teus lanhos...
Éramos, sem sabermos, dois estranhos,
A quem a morte sorria, clara, densa...

Vivíamos em fuga, atroz ofensa,
Computando agonias como ganhos...
Me embebia nos teus olhos castanhos,
Não sabia sequer, nem ter descrença,

E lavava minh’alma em fastio,
Deixava-me levar, pútrido rio,
Sem pensar que as correntes me sugavam...

Tuas linfas, qual ninfas, me excitaram,
Em andrajos, depois, nada deixaram,
Criaturas insólitas, s’amavam...

Morbidez

Nas mortalhas da sorte, fiz meu lar,
Deixei, como epitáfio, teu sorriso...
Vorazes cicatrizes, foi preciso
O escárnio com que rias, meu pomar...

Rosas despetaladas, espinhar...
Espetáculo sórdido, teu riso,
M’apunhalas;é mórbido e conciso;
Mas, percebo, é assim que sei t’amar!

Nas noctívagas serpes, traz abraço,
Tuas línguas devoram, forte braço,
Nas lambidas ferozes, teu carinho...

As fornalhas, respiros, me derretem.
Os pecados sutis, nos acometem,
Presa fácil, procuro por teu ninho...

Minha alma, dura, fria, atroz, basáltica

Minha alma, dura, fria, atroz, basáltica,
Lagrima, solitária, cisma errante...
Não fora, mais feroz a cada instante,
Minha alma, traduzindo cosmonáutica...

Vagueando os espaços, mares, náutica,
Espreita pela porta vai mutante.
Quebrando essa cadeira, mesa, estante...
Viaja pelos ares, astronáutica...

Alma, solfejo e sofrimento, pasmo,
Asco, frasco retrátil e marasmo...
Cúmulo tumular, tubular sonho...

Perfume e fuga, frágil como o nada,
Asperge vai desfeita, figurada,
Criando um formidável mar medonho...

Miíase

Lágrimas, os tormentos, convulsões.
Dilacerados, torpes, tais horrores.
Açoitados, lamentos sangram dores,
Nas cortinas vorazes, meus verões...

Quem soubera servil, são teus perdões,
Quem não vira, viril como os amores,
Não servira, nem vil nem meu pendores.
As margaridas cevam corações...

Passai pelas estrelas, faça o verso,
Receba o simples mártir do universo,
As labaredas queimam todo cerne.

A podridão resulta duma vida,
Aurora traduzindo despedida,
Minha alma parasita qual um berne...

A morte, solidária companheira,

A morte, solidária companheira,
Ressona, calmamente, no meu quarto...
Cansado, procurando seu retrato,
A vida, esvaindo-se, certeira...

Quem me dera poder saber inteira,
Deitada, descansando, senso lato,
Comendo, desfrutando o mesmo prato...
A morte principal lema e bandeira.

As carícias que peço, sem demora,
O seu manso sorriso, triste embora,
O que resta de tantas tempestades...

Vencido pela atroz lassidão, morro...
Descalço, vou pedindo seu socorro.
Na morte, encontrarei felicidades!

Marinha

Vieste do mar, domas minhas ondas;
Andas sobre corais, és minha nau...
És sonho e pesadelo. Crucial!
Mergulho-te profundo, lanço sondas;

Mas nunca te encontrei. N’outras redondas
Ilhas, atol, no pélago, n’astral;
Procuro por teus passos, nem sinal...
Nas horas mais difíceis, tuas rondas.

Os braços, cefalópode, m’agarras,
Prendendo sem saída em tuas garras.
Sufoca-me, rasgando inteiramente.

As âncoras perdi, cadê meu leme?
A vida qual tsunami, tudo treme.
Verde mar da razão, sigo demente...