domingo, março 07, 2010

25550

Aonde uma alegria sempre alcança
Além do que talvez eu possa ver
A vida se trazendo em desprazer
Não deixa nem sequer vaga lembrança

De um dia aonde a sorte inda se lança
E mostra a divindade noutro ser,
Pudesse em radioso amanhecer
Vivenciar os lumes da esperança.

Mas vejo que, cansado, nada tenho
E mesmo quando vejo algum empenho
Do sonho tão cruel quando inocente

Eu bebo a podridão deste vazio
E toda a solidão sinto e desfio
Maior do que deveras se pressente...

25549

Olhar para teus olhos infinitos
E ver ainda a força juvenil
Diversa do que em mim já se previu
Na morte em seus venais e tolos ritos,

Ainda escuto ao longe os ecos, gritos
De um tempo mais amargo e teimo vil
Aonde um coração bem mais servil
Tentara decifrar velhos escritos

Traçando o meu futuro em holocausto,
O quando se mostrasse ainda em fausto
Seria uma mentira deslavada,

E após permanecer em sonhos vagos,
Da morte ao conhecer mansos afagos,
Minha alma se entregando não quer nada...

25548

Roubando o próprio brilho desta vida
A sorte se desdenha a cada passo
E quando um novo tempo, inútil, traço
Percebo quão foi fútil a investida.

Espreito desde já minha partida
E marco com terror este compasso,
Se tudo o que fizera enfim desfaço
O medo conflitando com a lida.

Esgarçam-me os temores tão venais
E sei que minha voz traz o jamais
E nele o peso enorme que carrego.

Aonde prosseguir se nada vejo
O sol somente um frio e vão lampejo
Prossigo desta forma, tolo e cego...

25547

Acreditar em sonhos mais bonitos
Depois de conhecer a realidade?
Estupidez não traz felicidade
Os dias prosseguindo assim, aflitos.

E os sonhos são decerto meros mitos,
O mundo se transborda em crueldade
Por mais que um tolo sonho ainda brade
Mais forte do terror, imensos gritos.

Salvasse pelo menos um momento
E nele com ternura e sentimento,
Mas quando a vida expulsa a fantasia

Mortalha se anuncia em pleno luto
E contra tal quimera não mais luto
Nem mesmo outro destino entenderia...

25546

Não ver mais nada além neste arrebol
E ter esta certeza de um vazio
É como se tivesse em desafio
A luta contra o brilho de algum sol,

E o medo me transforma em caracol,
Deixando como herança este fastio,
E nele as esperanças não recrio,
Jamais imaginara outro farol.

Seguindo em solidão a vida passa
E quando se percebe a mesma traça
Devora o que restara de um poeta,

E a boca da pantera escancarada
A morte há tanto tempo anunciada
Agora no teu gesto se completa...

25544

Olhar para os teus olhos e sentir
A pútrida ilusão que se esvaece
E enquanto a realidade me enlouquece
Procuro da esperança um elixir

Sagrando em minhas mãos tolo porvir,
Medonha fantasia ora se tece
Negando com certeza qualquer prece
Matando devagar e sem sentir.

Aos pés desta terrível solidão
Somente os meus espinhos moldarão
Jardim feito em abrolhos e daninhas

Perceba esta penúria em fúrias feita
E quando o meu olhar já se deleita
As almas caminhando mais sozinhas...

25543

Meus guias que acompanham onde eu for
Já sabem dos destinos que traçaste
E a cada nova queda outro desgaste
De um corpo que percebo decompor

E nessa podridão, como um andor
A vida sonegando qualquer haste
Jazendo pouco a pouco, velho traste
Somente este vazio, este estupor.

À parte do que possa a caminhada
Por mais distante e longa, a dura estrada
Não deixa que se veja algum final.

E o beijo amortalhado da quimera
Matando o que restou da primavera
A vida sonegando a mim seu sal.

25542

Desculpe se causei algum transtorno,
Mas nada se compara à cicatriz
Deixada como herança e tanto diz
De um tempo solitário, amargo e morno.

O medo me servindo como adorno,
No olhar de um torpe ser, um infeliz
A vida modifica seu matiz
Sem nada, brilho ou sonho em seu entorno.

E assíduas ilusões batendo à porta,
A face da esperança semimorta
Expressa a violência do não ser.

E quando me entranhasse em seu dissídio,
Apenas me restando o suicídio
E nele última forma de poder...

25541

Também sofri demais e ainda vejo
Em meio às tempestades ventanias
E nelas com certeza me trarias
Além de simples dor, vago lampejo

E quando exposto ao vento ainda almejo
Um cais que possa dar as garantias
Diversas das estúpidas vazias
Manhãs onde ninguém sinta ou desejo.

Herméticos momentos solitários
E neles desprazeres sendo vários
Deixando-me confuso e sem sentido

Aonde houvesse brilho nada creio
E apenas vou herdando um tosco anseio,
Num corpo há tanto tempo desvalido.

25540

Não deixo de pensar nenhum segundo
Nas tantas e improváveis soluções
Diversas das que agora tu me expões
E segue o coração audaz e imundo,

Das podres ilusões quando me inundo
Vivenciando dores e os vergões
Marcando as minhas costas expressões
De um tempo mais cruel. Sou moribundo.

E tento disfarçar meu desengano
No olhar que tantas vezes é profano,
Mas traz os traços duros do abandono.

E quando eu me percebo em noite escusa
A morte em descalabro ainda abusa,
Nem mesmo do cadáver eu me adono...

25539

A vida se transcorre em turbulências
Diversas das que um dia imaginara
Uma emoção feliz é muito rara
Não adiantam mais as diligências

Na busca por sorrisos e clemências
Ausência de um carinho se declara
E a solidão persiste vã e amara
Enfrento as mais terríveis penitências

A morte talvez seja a solução
E nela fartos brilhos tomarão
O céu que se tornou escuro e frio.

Ao ver a etérea sombra de um passado,
Quem sabe no morrer veja outro lado,
E o encanto mesmo mórbido desfio...

25538

Vivendo tão somente um canto lento
Assentam-se os caminhos mais cruéis
E tento mesmo ausente destes méis
Domar o mais terrível pensamento,

Aonde se procura um manso alento
Encontro finalmente amargos féis
E os dias entre fúrias, carrosséis
Girando sem parar e me atormento

Inútil prosseguir, disso bem sei,
Quem faz de uma esperança tosca lei
Jamais conhecerá realidade

E tendo nos meus olhos o horizonte
Nublando sem o que o sol inda desponte
Somente a gelidez venal invade...

25537

Diverso do que tinha impaciência
Tomando meu caminho não permite
Que eu siga muito além deste limite
E assisto à evolução da decadência

E o corpo em sofrimento tem ciência
Da morte que deveras acredite
Tornando-se presente já palpite
E tendo a poesia esta incumbência

De esclarecer aos olhos do poeta
Ainda se envolvendo em outra meta
Esquece de se olhar defronte o espelho

E tendo esta verdade indiscutível
O pânico se mostra indescritível
Não sigo mais sequer qualquer conselho...

25536

Tomando meu caminho, cerca o vento
E nele me percebo em dor e cruz,
Aonde se pudesse ver a luz
Distante prosseguindo o pensamento,

Restando tão somente este momento
Que às trevas mais terríveis me conduz
E como praga a dor se reproduz
Deixando para trás contentamento.

Vencido pela angústia passo a ver
Somente a minha pele envelhecer
E as rugas neste espelho retratando

A vida que se foi sem harmonia
E quanto mais feroz a ventania,
Mais longe, no passado, um tempo brando...

25535

E traz na noite fria esta dormência
A ausência de quem tanto desejara
A vida ao mesmo tempo desampara
E leva pouco a pouco a tal demência

E tendo mais diversa uma cadência
A sorte se desfia, crua e amara,
Na poesia a luz que se escancara
Talvez seja uma forma de clemência.

A quiromante tanto me dissera
Que amor não resistindo à primavera
Teria tal inverno rigoroso,

Auspiciosos sonhos? Pesadelos,
E a cada noite posso enfim revê-los,
Distante do que foi prazer e gozo.

25534

Querendo estar contigo e vendo que
Caminhos diferentes a trilhar
Cerzida sorte em tétrico tear
Procuro o meu retrato, mas cadê?

Se tudo o que deveras já se crê
Persiste muito aquém do imenso mar,
Aonde com firmeza navegar,
Se uma alma se tortura e nada vê

Sequer as velhas sombras do que fomos,
E quando desta vida em frágeis gomos
Expresso a mais completa solidão

Querendo ou não querendo sigo assim,
Apenas aguardando então meu fim
Deixando para trás qualquer verão...