domingo, setembro 10, 2006

Fugazes

Levavas, pelas ruas, num cabaz,
As frutas que comíamos, à tarde.
Um jovem sonhador pensou capaz,
De ter teus braços nus, sem ter alarde...

Andavas maciez, sem ser falaz;
De branca tez, sentia- se cobarde;
Desconhecia então fina verdade;
Amar é, sem saber, perder a paz...

A brisa levantava tua saia,
Me deixando antever tal maravilha...
A noite emoldurada, cedo raia...

Meus olhos, pertinentes e vorazes,
Sedentos, te queriam... Lua brilha,
Transmuda; como os sonhos são fugazes...

Abáculo

Me recordo, criança, dum abáculo,
Uma herança ancestral, de minha avó...
Parecia jogado, puro pó,
Nas ermas cercanias, qual oráculo...

A vida repetia esse espetáculo,
Refazendo o que nunca dera nó
Nos meus sonhos, meu mundo rococó,
Dura morte, espalhando um retináculo,

Cercava; rodeando feramente.
Clivava; vagueando, vorazmente...
Não deixando sequer restar escapo.

Escalpos exigindo, todo trapo
Do que fora resquício duma vida...
Minha história, n’abáculo, perdida...

Dança

Tu dançavas requebros sensuais...
Meus olhos nas serpentes, teu quadris,
Refletiam por certo, tais ardis,
Nas tuas tranças, tramas tão banais...

Tuas coxas, sutis, orientais,
Revestem o meu mundo, meus lambris...
Das tetas, o molejo exige bis.
A gueixa, minhas queixas, os meus ais...

Açulas meus desejos incontidos,
Nas lúbricas centelhas um incêndio...
Procuro por meus rumos, já perdidos,

As noites, indecentes, tudo, argentas...
Quisera traduzir-te, num compêndio,
Na tua nudez, guerras, apascentas...

Velha Chaga

Sonhei contigo; velha chaga amiga...
Buscava, em vão, a paz que nunca tive;
Por lares, bares, onde sempre estive.
Na excelsa febre, vida inda periga...

Teus látegos cortando sem fadiga;
Expondo a carne, rasgos, inclusive.
Faziam de meus olhos, um aclive,
Por onde devoravam cada espiga,

Gotejando sanguíneas demências...
Pedia a esmo aos deuses, por clemências,
Restavam-me somente, meus medos...

A velha chaga ria-se de tudo.
Antítese, deixava qual veludo,
Intactos, todos meus grandes segredos...

Restos

Meu cântico melhor, qual serenata...
Nas câmaras da vida, és a central,
Nas gulas mais festivas, carnaval;
Nas sendas mais frutíferas, a nata...

Meus olhos lacrimejam, és renata...
Martírios que tropeço, bem e mal;
Nas curvas do silêncio, meu aval
Para que eu me estraçalhe, casamata.

És o fim e o princípio, overdose,
Profunda cicatriz, marca, queilose...
Criada a ferro e fogo, sangue frio...

Nas minhas merencórias guerras, púnicas,
Sou Cartago, vencida, velhas túnicas...
Não restou nem escombros, ‘stou vazio...

Via Láctea

Quando à noite, nos campos, olho o céu;
A beleza espalhada no universo,
Deus, Poeta, traduz seu maior verso
Nesses caminhos lácteos, um véu...

Pintor, numa só cor, num só pincel,
Nos tons mais belos, raros, diversos;
Num sopro, com matizes mil, dispersos
Pela imensidão, qual um menestrel,

Apaixonado pela natureza,
Sua obra prima, filha natural.
Num momento de lúcida beleza,

Nos deixou, estampada eternamente,
A grandeza silente dess’astral,
Que faz sonhar, maravilhosa, a mente...

Bodas

Não temo a sorte, corte; quiçá trevas.
As neves,tuas preces, nem teu rogo.
Espero, espreito, oculto, sei teu jogo...
Nos rios, ritos, bagres e cambevas.

Nas almas, dores, flores, tudo levas...
Teimosa glosas, queimas, todo o fogo;
Para muitos és simples desafogo.
Mansa, a todos, sempre cevas,

Esperando, espreitando, na tocaia,
Tocas, retocas, sabes dar o bote...
N’hora certa, entoando o velho mote...

De ti, cada momento, que se espraia,
É como navegar , teu rumo, norte...
Nossa boda infalível... Velha Morte!

Velhas Tristezas

Velhas tristezas pesam, lesam, marcam...
Acaso o ocaso chega, nega, queima.
A vida finge, esfinge, tanto teima...
Nos meus remendos, quedam, me maltratam.

Jogo nas naus, e fingem que se embarcam,
Forjam da seiva, velha guloseima,
Qual velha brasa oculta que requeima,
Nos meus salões, funéreas, se engravatam;

Valsam soltas, sacrílegas, canalhas...
Revolvem meus saraus, velhas mortalhas...
Noctívagas tempestas, vendavais...

Velhas tristezas, cúmplices mordazes,
Fingem adormecidas, são audazes;
No banquete da vida, comensais!

Passarinho

Nas asas do pensar, sou passarinho...
Quem dera ter a fera dentro em mim,
Saber se sou ou fiz,serei seu ninho,
Roda da vida gira, fui assim...

Nas asas dessas almas toco o pinho,
Esqueço que ofereço esse jardim.
Há tempos nos seus campos era linho,
Teus bandos, meu chorinho, bandolim...

Nas horas , nas auroras, madrigais;
Nas casas, nas vielas, nos umbrais...
Te temo, não te tendo, sou austero.

Nas voltas, meus volteios, sem revolta;
Ausculto tuas culpas, sou escolta,
Nas asas dess’amor... Bem que te quero...

Minha barca

Minha barca, seguindo essas correntes,
Que levam os naufrágios ao meu peito;
Que fazem do que fora, contrafeito,
E do nunca, talvez, impertinentes...

Barca, náufrago, afagos e serpentes...
Mares, marés, luares... Meu defeito
Maior, sentir teu bafo arfando. O jeito
É vagar, por quaisquer tais penitentes...

Vastos mastros, as altas ondas, ritos...
Ledos medos, segredos, odes, mitos...
Minha barca navega sem ter termo...

Meus destinos, meu mundo vai, na barca...
Quem me dera fugir, mas cruel Parca,
A minha barca, a vida, tudo é ermo...

Teu Sorriso

No teu sorriso, amada, claridade...
Na tua boca, anseio por delícias,
Nas estrelas procuro santidade
Da qual, teus passos foram as primícias...

Se quero a mansidão, sinceridade,
Buscando, no teu corpo por brandícias;
Quem dera conceber felicidade,
Na magia que encanta.. .Mil sevícias...

Teus belos olhos, rumos a seguir...
Não me permitam nunca mais, perder
Nem sequer um segundo... Estou aqui,

Anseio pela estrada, meu caminho...
Depois de tudo, quero poder ter,
Do começo ao final, sempre meu ninho...