sexta-feira, setembro 08, 2006

Infância

As luzes que conduzem nossos sonhos,
Reluzem belos dias, alvorada...
Nas horas mais felizes, dessa estrada,
O riso, os rios, ritos tão risonhos,

Os olhos, óleos bentos... São bisonhos
Os medos, a sombria madrugada,
As lendas, todo trauma alma penada,
Muita vez, pesadelos mais medonhos...

Harpas, anjos correndo livres, paz..
Num segundo, seu mundo, é bem capaz
De transformar delírio em realidade...

Fantasias, brinquedos, melodia,
Faz amanhecer, sempre, um novo dia...
Deixando, fatalmente, esta saudade...

Anjo Negro

Tua negra beleza meus delírios.
Realeza gentil, cantil e fogo
Espreito belos peitos, nosso jogo
Pantera caminhando nua, lírios...

Teus lábios, cerne, carnes, meus martírios...
Tuas coxas roliças, tanto rogo,
Tantas preces, nas faces desafogo,
Teus olhos, claridades, meus colírios.

Venero a negritude, tua pele,
Teu andar tão sublime, me compele
A buscar nos divinos céus, sons, banjo...

Amar-te tanto, claros mansos beijos,
Saciando, assim, todos meus desejos,
Na mais bela mulher, u’a rainha, anjo...

Saudades

Nas funéreas saudades desse amor...
A letárgica noite s’abatendo
Trôpega caminhando, convertendo
O que fora jardim me nega a flor...

Os resquícios dolentes, onde for,
Pelo que resta, gestos, cada adendo,
Irão comigo. Sigo me perdendo,
Nos fugidios ciclos, sofredor...


Cadáver insepulto, que carrego,
Vagueio vão, vazio, visceral!
Cego; renego afago, me nego

Ao negar, sonegar que inda te espero...
Sei, estupidamente te venero,
És princípio, primaz e principal...

Satã

Disforme, meritório de repulsa,
Travas e trevas, fóbicos rejeitos.
Vísceras em farrapos, trapos feitos,
Nas vestes, hostes, cobras,dor avulsa...

Nos seus olhos sanguíneos, luz pulsa
Vertendo pus, sorri, garras, nos peitos
Expostos; restos, fogo, cáries. Leitos
Procuras, mais lascivo, ris, expulsa...

Nos pântanos nos cântaros, servil;
Nos âmagos dos néscios, dos bacantes,
Caminha tortos passos, voas, vil...

Nos céus, seus pés por certo nunca mais...
Repousa nos políticos tratantes,
Descansa no Brasil, vil Satanás!

Fantasmagórica

Nas sombras das noturnas mansidões,
Surges, pálida, lívida... mistério...
Quem passa, traça passos, sons, etéreo...
Refletes o que roubas; amplidões!

Escarneces, nem notas, corações...
Nas catedrais, nas tumbas, cemitério...
Remontas outro tempo, atrás, Império.
Perambulas fabulas, nos senões...

Na alvura, tuas vestes, transparências...
Pés descalços flutuas, penitências...
Tua seminudez, tudo o que vejo.

Tal presença noturna, sideral,
Apavora, assustando, verte astral;
Mas eu, alucinado, te desejo!

Apocalipse

Sonhei com sóis, diversos sóis queimando...
Tragando gestos, luas pensamentos.
Flambava frenesis, fornalha assando
Homens, plantas, cidades, rios, ventos...

Do que se fora flora, se infernando,
Sóis algozes ferozes, santos bentos,
Das luzes: urzes, cruzes, derramando...
Sabiam dessas glórias, seus intentos...

De tal clarão profundo, surge Deus,
Domina o caos, Senhor da luz, dos breus...
Alado, armado, brilha mais que sóis...

Rompendo espaços lança desse Astral,
Com Sua voz feroz, celestial:
“O que fiz com amor, tudo, destróis!”

Desejos

Desejos meus, carnais percorrem grutas,
Singram bocas, respiros e gemidos...
Sussurros, nos espasmos, nos sentidos;
Vão dominando cada assalto, lutas...

Buscam o complemento, nas astutas
Cartadas. Cada novo tom, ouvidos
Abertos, sinfonias, som, batutas...
Nesses livros deveras versos lidos...

Catedrais, orações, partilha, reza...
Todo grande desejo que se preza
Traz a sensação louca, divinal...

Não permite nem dúvidas nem medos...
Devora, audaz, não restam mais segredos,
Todo desejo prima bem e mal...

Dor

Dor, cruel feroz, sangra, singra mata...
Nas almas, sorve, crava, trava afeta...
U’a fiel companheira do poeta!
Mares, montes, senzalas, em cascata...

A dor sequer pergunta m’arrebata...
Tantas vezes, perdendo a linha reta,
Trafega espaços, lassos passos, meta...
Carrega, diariamente, mentes, trata...

Saudade, tristeza alma... tudo dói...
Nas vagas divagando. Mas constrói..
Nas carnes, dilacera, fera e flor.

Seus motes, sortes, montes, vários cortes...
Sinas, rumos, nos prumos e nas mortes...
Tantas vezes salvaste o homem, Dor!

Nas manhãs dessa vida

Nas manhãs dessa vida, auroras divinais,
Procuro pelo sonho, ouvindo esse luar...
Quem fora despedida, agora pede paz,
Meu barco, então, eu ponho, em busca d’outro mar...

Não vejo mais saudade, espero e quero mais,
Quem vive falsidade, encontrará lugar...
Pesadelo medonho, outrora foi demais;
Vivendo tão tristonho, esperando chegar...

Nas marcas do teu beijo, esperanças morrendo...
Quem me dera encontrar, depois sair correndo;
Não sei d’outro desejo, a não ser conhecer

Quem fora liberdade, está nos pensamentos,
Busquei pela cidade, ouvindo teus lamentos.
Agora irei parar, preciso te esquecer...