sexta-feira, junho 24, 2011

A medida da dor é a medida do mundo
Do que seja capaz pela força que gera
Aprender sempre mais tanto quanto pudera
Faz valer no sabor do tormento mais fundo.

Quando a fibra retrai num preciso segundo
A cabeça, porém incomoda esta fera
Pois o instinto também despertou a pantera
Na virtude que trai pelo vício fecundo.

Que virá deste céu tão sagrado e silente
Quando a dor for formal no contrato afetivo,
O amargor vir do mel como um fato inocente

E o prazer mais normal brotará tal, furtivo;
Põe no riso seu véu contumaz e carente
Na incerteza fatal que te habita cativo.

Dudu Oliveira.
A dor que impera e trama em tal fastio
A sórdida expressão que nos devora,
Pousando sem sentido e sem demora,
Apenas o que resta, desafio.
E tento transmudar o velho rio
Enquanto a solidão tanto me açora
Traçando a própria fera onde se aflora
Etérea sensação de eterno estio.
Avassalando esta alma, uma senzala,
Que tanto poderia e nada escala
Escarpas entre tétricas procelas,
E o barco se condena ao vil naufrágio,
E as velas carcomidas que revelas
Expressam entre as rocas o meu fim,
Neste caminho torpe um vão presságio,
Silenciando o quanto resta em mim...
REFLEXÕES (diálogo com Augusto dos Anjos)

Se a boca que me escarra é a mesma que me beija,
Não sei o que fazer por esta vida afora,
Se o meu sonhar, sentir em nada mais se ancora,
Se no meu peito a dor o meu amor craveja...

Se a mão que me apedreja é a mesma que me afaga,
Não sei mais que fazer... Como seguir adiante?
Se em nada mais vou crer, sequer por um instante?
Se a dúvida cruel, o amor, sem dó, esmaga?

Se a lama é destino, e está a minha espera,
Se o amor se esvai por ser somente pó, quimera
Quero vive-lo antes que também se aborte!

Que tudo fosse paz e luz, eu bem quisera...
Se a ingratidão é meu devir, a minha sorte,
Quero viver o hiato entre a vida e a morte...


Edir Pina de Barros

A solidão, pantera e companheira,
Que ao menos acalenta em seu regaço,
Trazendo o quanto possa em mundo escasso,
Ousando na ferida costumeira,
E quando na verdade a sorte esgueira
E nisto outro cenário turvo eu traço,
Quimera ora se molda enquanto faço
Da sórdida expressão, rude bandeira.
Em átomos formada a eternidade
No corpo, mesmo em vida, putrefato,
O tanto que se traça e já se evade,
Escárnios enfrentando, enquanto esbarro,
Na luta onde deveras desacato,
Sorvendo da esperança o ledo escarro.
Cansado de chorar pelas estradas,
Exausto de pisar mágoas pisadas,
Hoje eu carrego a cruz das minhas dores!

Augusto dos Anjos

CANSAÇO!

Cansada vou levando a cruz das minhas dores,
Pisando as minhas mágoas, dissabores tantos,
Na alfombra dos meus prados tristes, sem verdores,
Aonde jazem os sonhos meus, os meus encantos...

A minha vida é jardim sem cor, olores...
Distante vou perdida nestes meus recantos,
A ruminar as minhas mágoas, dissabores,
Secando as relvas verdes com meus tristes prantos...

Em minha estrada não diviso qualquer luz!
E nada vejo além de minhas próprias fráguas...
Repiso a minha dor, morrendo dentro em mim!

E repisando meus caminhos sigo assim,
Exausta de chorar, cansada dessas mágoas,
A carregar, de minhas dores, essa cruz!

Edir Pina de Barros


Ao longo desta via sem saída
E nela me entranhando inteiramente,
O corpo traduzindo a rude mente
E rudemente vejo a parca vida.
Imagem da alma atroz e carcomida
Apodrecida e etérea, não desmente,
E sigo em desalento, impunemente,
Marcando o quanto a sorte dilapida.
Aonde se esperasse algum abrigo,
Somente se percebe este jazigo
E nele este silêncio sepulcral,
A tétrica figura desumana
Que a cada novo passo mais se dana
Embora seja um fato natural.
Macrocosmos refletem vago início
Na gênese do sonho ou do embrião
E a vida se revela em turbilhão,
Traçando a cada instante o precipício,
Ao fim não restará qualquer indício,
Do corpo em apogeu, restando o grão,
Na consubstaciosa mutação
E o tempo apagará mero resquício.
A voz que agora ecoa sem limites,
Ninguém escutará, tenha certeza...
Por mais que em teus poderes acredites.
Do ser diverso e forte, nada além,
O túmulo esta ossada ora contém,
Num microcosmos, eis tua grandeza.
E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!


Augusto dos Anjos

Do quanto fora há tempos, nada resta,
Sequer algum resquício, algum sinal,
Deste banquete, nunca um comensal,
Uma iguaria a mais, sorte funesta...
E o tempo se refaz, mas nesta festa,
O tom que parecesse mais venal
Expressa o caminho natural
Enquanto o podre olor, em volta, empesta.
E quando qualquer tom de vida eu perco,
No renovável solo, em vivo esterco,
Repaginando a história que eterniza,
Laboriosamente, cada verme,
Ressuscitando o ser atroz e inerme,
Na forma tão sutil quanto imprecisa.
Por mais que a gente faça, à noite ele entra
Imperceptivelmente em nosso quarto!

Augusto dos Anjos.

Espectro que me ronda a cada instante,
Explicitando o quanto se perdera
A chama dilapida a vela e a cera
Aos poucos se refaz, é torturante...
O nada quando em nada se adiante
E todo este cenário obedecera
Carcaça que eu pensei – já me esquecera-
E volta noutro sonho, degradante...
E nisto se perdendo enquanto cansa
Ao longe um mero espectro, uma esperança,
Num antro doloroso eu posso vê-lo,
E personificando a fátua sorte
Noctâmbulo fantoche dita a morte,
No etéreo, mas eterno pesadelo...
Mas o agregado abstrato das saudades
Fique batendo nas perpétuas grades
Do último verso que eu fizer no mundo!

Augusto dos Anjos

Por entre os dedos, escapando a vida...
E paulatinamente vejo o fim,
Traçado em que mergulho e sendo assim,
A luta desde sempre já perdida.
No quanto a cada passo dilapida
Esterco renovando este jardim,
Da vida se refaz e sem saída
À lama esta matéria apodrecida
Retorno ao mesmo chão do qual eu vim.
Porém levo comigo o mesmo nada
Em face carcomida e degradada,
No herético cenário subterrâneo,
O quanto fosse apenas momentâneo
O verso se perdendo no vazio,
Num verme sem saudade eu me recrio.
Voltando à pátria da homogeneidade,
Abraçada com a própria Eternidade
A minha sombra há de ficar aqui!

Augusto dos Anjos

Eterno renovar-se em tom disforme
Após certo momento em harmonia,
A vida se refaz e me traria
Somente a solidão intensa e enorme.
E quando noutro tom já me transforme
Regenerado sonho em utopia
A morte com certeza carcomia
O que aparentemente deita e dorme.
Porém neste incessante movimento
Explano em várias faces o que herdamos,
E nisto do arvoredo, tantos ramos,
No fim remodelando eternidade.
Repasto aonde um dia me fartara,
Do solo ao solo o arado se prepara
E multiforme ser ao pó invade.