quinta-feira, janeiro 28, 2010

23740

Festins aonde encontro estas rapinas
Esbaldam-se com pútridos manjares
E bebem desejosas, como em bares
O sangue em que se escorrem tuas sinas,

Pudesse perceber quanto fascinas
Abutres e chacais, seres vulgares,
Os vermes te elevando aos vãos altares
Da negra podridão, fazem-te minas.

E assim em tais orgásticas loucuras
Por entre estas neblinas, já perduras
Eternizado em pérolas sombrias.

Esgota-se deveras num instante
No riso mais audaz e delirante
Das tétricas e horrendas confrarias.

23739

As belas iguarias; banqueteias
E rapineira sombra já me ronda,
Enquanto este fantasma agora sonda
Entranho sem saber em tuas teias.

Por mais que uma alma tola ainda esconda
Tu sabes desvendar artérias, veias
E bebe todo o sangue que saqueias
E a voz em alto brado como estronda...

Estrídulos diversos, murmurantes
Espelhas o que tanto desejaras,
E quando nos meus pântanos a clara

Visão de tolos dias, tu vens antes
E tramas com deveras competência
A morte sem perdão nem indulgência...

23738

Encontro os meus espectros nos ermos
Envoltos em neblinas, noite escura
A cova que me deste em terra dura,
Convida ao que talvez em outros termos

Ainda gostaria de podermos
Arcar com as angústias da procura
E enquanto o pesadelo já perdura
Sem nada que sonhar até bebermos

Do fel evaporado deste espaço,
Aonde o ar se mostre mais escasso
Pedaços do que fomos, e ainda sou.

Nesta fantasmagórica ilusão
A morte se desenha em aversão,
Porém foi na verdade o que restou...

23737

Ainda se pudesse ter saída
No imenso labirinto feito em urzes,
Enquanto no passado vira cruzes
Agora desconheço a própria vida.

A sorte abandonada, ou esquecida
Jamais eu poderia ver as luzes
Por trevas mais obscuras me conduzes
Sabendo que o rancor ainda agrida

Quem vive do passado tão somente
Sonega para o chão; o grão, semente
E tudo não passando de um aborto,

Aonde se pudesse crer na paz
Apenas o vazio já se traz
Negando ao navegante qualquer porto...

23736

Se tudo o que pretendo foi negado,
Em cântaros esqueço cantorias
Os sonhos na verdade sempre adias
E mandas com silêncio, o teu recado.

O prazo descumprido e nunca dado,
As horas que entre os dedos escorrias
Deixando como marca tais sangrias
O corpo exangue além abandonado.

Esqueceste de tudo, mas talvez
Ainda me restando a lucidez
Eu possa refazer a caminhada.

Porém neste funéreo beijo amargo,
A voz que ainda teimo; logo embargo
A vida de uma vez, esfacelada.

23735

Quisera a minha vida mais augusta
Aonde se pudesse crer na sorte
Que tantas vezes trama a minha morte,
E o pouco do que resta inda degusta.

A voz dos meus espectros não me assusta,
Mas tendo tão somente o fundo corte
E a ausência da esperança que conforte
A vida, mesmo parca tanto custa.

Quem dera algum lampejo de alegria
Enquanto a poesia se esvaia
Deixando a solidão por companheira,

Integro os mais profanos bandos, párias.
Aonde imaginara luminárias
A luz por entre as trevas, vã, se esgueira...

23734

A estrada em que decerto inda palmilho
Não tendo mais um ponto em que eu consiga
Apenas a palavra mais amiga,
Um velho coração de um andarilho

Fazendo da esperança amargo trilho,
Ainda que deveras já prossiga
A cada nova curva mais periga
E mesmo entre os humildes, eu me humilho.

Arcando com os meus tantos desacertos,
Vencendo os desafios e os apertos,
Não posso me furtar ao meu ocaso,

E galgo as mais tranqüilas ilusões,
Por mais que sejam curtos os verões
O pouco já me basta, e nisto aprazo...

23733

A dor que agora invade e assombra o sonho
Aonde poderia ter um dia
No qual com tanta fé mergulharia
E a cada bordoada, decomponho.

O que se mostraria tão medonho
Não sei se valeria a fantasia
Na qual uma alma tola ainda urdia
Um verso que pudesse ser risonho.

Insepultas verdades me açodando,
O quase se desnuda desde quando
O tempo demonstrou vago final,

Aonde poderia ter um porto
Não quero, pois me encontro quase morto
Além do meu espúrio funeral...

23732

Se exalto o antigo sonho em que talvez
A minha vida enfim teria paz,
Não posso me sentir mais incapaz
Se o amor em tanto amor já se desfez;

Mortalha vem tomando em altivez
Aquilo que pensara mais audaz,
A morte se aproxima e nisto traz
O fúnebre fantasma que tu vês.

Esqueço a cada dia do que outrora
Ainda poderia sem demora
Vivenciar em tempos mais felizes,

Não sei se eu poderei sanar as dores,
Só penso em te pedir para repores
O que em alegrias já desdizes...

23731

O quanto do passado construíra
E desde então somente o nada levo,
Aonde me entreguei; já não me atrevo
Castelo em esperanças, pois ruíra.

Não trago mais no peito ainda uma ira
Tampouco este rancor terrível, cevo
Nem creio num amor que se, longevo
Ainda outro caminho exposto, mira.

Erijo dos meus ermos este sonho
E morto quando em tréguas recomponho
O mundo feito em fera e mais atroz,

Não quero ter somente o vão tormento,
E quando noutros braços me apascento,
Tornando mais suave a minha voz...

23730

Pensara poder ter além do todo
Alguma explicação mais convincente
E tudo o que minha alma ainda sente
Expressa na verdade podre e lodo,

A vida por si só, um grande engodo
E neste mundo, apenas penitente
Por mais que outro caminho ainda tente
Já não conheço mais paz nem denodo.

E quando tento um ar mais respirável,
Ou fonte que se mostre enfim potável
A mesma putrefeita solidão.

E esvaio em farsas tantas como um pária,
Minha alma muita vez incendiária
À vida apresentando esta aversão...

23729

Desmoronando enfim os meus castelos
Aonde em vãos orgulhos fiz meu mundo,
E quando no vazio me aprofundo
Não restam nem sequer sonhos mais belos.

Espero alguma sorte que não vindo
Desmancha o que pensara ser mais doce,
É como se deveras inda fosse
O mundo mais suave e mais infindo.

Apresso-me a negar os descaminhos
Por onde eu andaria em fogo e lava,
Minha alma que nas trevas se entregara
Buscando solitários, velhos ninhos,

Agora se desfaz em podre esfera
E apenas o final, ainda espera...

23728

Aonde quis o sonho, a realidade
Sem ter nem mais escrúpulos; desnuda
A face aonde outrora quis ajuda
E a morte se mostrou sem falsidade.
Por mais que uma esperança ainda nade
O tempo a cada instante sempre muda,
Nem mesmo a caridade que inda iluda
Permite que se creia em liberdade.
Esgarço-me em neons e brilhos falsos,
Audazes os modernos cadafalsos,
Disfarces entre pernas e sorrisos,
A pútrida verdade é feito em gozo,
O mundo se mostrando caprichoso
No Inferno os aparentes Paraísos...

23727

Qual fora nas pirâmides da vida
O vértice deveras almejado
O templo que julgara no passado,
Agora a sorte morta é vã, perdida.

Aonde imaginara enternecida
Sacrílego demônio enclausurado
O beijo que me dei emocionado
Demonstra esta ilusão vaga e perdida.

Se agora eu apodreço pouco a pouco
E mostro-me aos teus olhos quase um louco,
Amontoando em mim velhas carcaças,

Ao largo desta estúpida quimera,
Sem ter sequer piedade, uma pantera
Seguindo o teu caminho, agora passas...

23726

Somente do passado um velho entulho
Semente dos escombros que me deste
O nada que do nada se reveste
Demonstra a cada passo, o pedregulho.

E quando; os meus segredos desembrulho
Percebo tão somente o frio e a peste
E a dor na qual o sonho ainda investe
Deveras como fosse algum marulho

Distante dos teus mares, navegar
Enquanto em tal desdita sei do mar
Ouvindo a voz medonha do futuro,

Que tanto amaldiçoa quem espera
A sorte que deveras me faz fera
Atocaiada em solo árido e duro...

23725

Só sei que nada sou e disto faço
Apenas a verdade e nada além
O quanto desejara a sorte o bem,
Restando disto tudo um vão pedaço;
Seguindo cada rastro; ganho o espaço
Enquanto o mesmo nada me contém
Hermético fantasma; sigo aquém
Do quanto imaginara e em sonhos traço.
Murmuro o que pensara ser resposta
E quando vejo uma alma assim exposta
Não tenho outra saída e teimo em crer
Que ainda poderia ter a sorte,
Mudando com certeza o antigo norte
E poderia, enfim, deveras ser.

23724

Apenas sou matéria e nada mais,
Mas quando eu fizer em fátuo fogo,
Não tendo mais sequer a reza e o rogo,
Meu verso entre os diversos, frágil cais.

Esboço alguma tola solução
E tento ter a sorte fugidia
De quem em outros mundos fantasia
Sabendo dos vazios que virão.

Não quero e nem pretendo tais lauréis
A poesia é morta e já faz tempo;
Se fosse pelo menos passatempo,
A vida modifica seus papéis.

Aonde outrora houvera alguma luz,
Agora tão somente pedra e cruz..

23723

Canhestro estro ou ostra no ostracismo
Cismando cataclismos cato o vento
Se o menos ou somenos aparento
Aonde houver verão ainda cismo.
E sinto se pressinto o mesmo achismo
Não quero ser o quanto para-vento
Invento uma aversão, dela o provento
No prédio assédio e tédio causam sismo.

Momento onde; mormente adentra infausto
Jamais a mais demais meu holocausto
Jornais ditam notícias, cios, ócios
Extrema unção ação dita a serpente
Ser crente ou coerente ente que mente
Divinos hinos sinos, bons negócios...

23722

Saltava sobre a lava em vão vulcão
Aonde o bonde perde o senso crítico,
Não sendo o que seja este analítico
Caminho leva ao vinho e à viração.
Concreta poesia diz o não
A morte tema homérico quis mítico
Eclético fantoche quase elíptico
Olímpico ser vil sem servidão.
Afasto do nefasto; faustos falsos,
E falo destes fartos cadafalsos
No encalço do meu verso mais perfeito.
Traduz ir-se na luz que não conduzo
Num traduzir-se tanto ou mais confuso
Cafuzo ou mameluco me deleito...

23721

No júbilo, do jugo me esqueci
E julgo que pensei ter asa própria.
Por mais que a vida mostre ser imprópria
A senda que desvenda o que há em ti.
Metrópoles diversas poles certas
Do pólen, colibris, abelhas, levam
E quando as asas livres se relevam
As bocas beijam méis e me desertas.
Partindo do concreto, concretizo
O tremular que emulas entre as velas,
E sendo o que talvez inda revelas
Ao fundo a tempestade diz granizo.
Sementes da semântica; disperso
Enquanto canto tanto em cada verso...

23720

Vontade de meu medo estrangular
Destroçar e deixar em mil pedaços
Acendo o meu cigarro e fumo maços,
Rasgando a minha própria jugular.
Imagem que; prismática e angular
Transforma poesias em abraços,
Os dias se passando sempre lassos,
O medo continua singular.
Agarro os meus desgarros e detenho
O tenho nada diz se não pudera
Aonde não contenho mais a fera
Assanho os seus cabelos, fecho o cenho
Detento deste amor que tento tanto,
Invento um vendaval; me desencanto...

23719

Amortalhando o dia que vivemos
Esqueço-me do quanto não se tem
E penso que a saudade diz alguém
Que agora, com certeza já não temos.
Não quero santos falsos, veros demos
Não valem na verdade algum vintém
E tudo o que meu verso diz desdém
Temática disforme quebra os remos.
Exímios nadadores? Nada disso,
O peso do passado rouba o viço
E o compromisso é feito com a morte.
Assentando a poeira, sou atroz,
Meu verso do meu mundo sendo o algoz,
Não há quem me acalente ou me suporte...

23718

Desmoronando assim vasta montanha
Entre as neblinas fartas, meu mergulho
De cada sensação, só pedregulho
Cascalho que minha alma agora ganha.
Não posso descrever inútil sanha
Se fútil inda faço meu orgulho
Ao longe do teu mar quero o marulho
Sereia tão dispersa já se assanha.
Nas ondas entre pranchas, tubarões,
Barões entre viscondes e condessas,
Entrego de bandeja tais cabeças,
Na cova aonde havia tais leões
Fazendo do meu verso liberdade,
Palavra até sem nexo me invade...

23717

Amor que em fases fazes diferenças
Trazendo em seu lazer dor e promessa
Enquanto a cada tempo recomeça
Provoca tantas vezes desavenças.
Por mais que destes fatos te convenças
O beijo se disfarça e já tropeça
Na boca amordaçada esta compressa
Diversa do que versam tolas crenças.
Não posso discernir meu ir do teu,
Perpetuando o amor que se perdeu
Eu teimo em transformar água no vinho
Aonde inebriado, me torturo,
Porém do quanto fora tão impuro
Saudade cruelmente eu adivinho...

23716

Verdade que deveras turbilhona
O rumo onde embaraça uma emoção,
Degrada desde sempre em podridão
Abaixa dos meus circos, velha lona.
E o pétreo coração não se abandona
E deixa borbulhante sensação
Aonde se fizera alguma ação
A doação sem fé já não me abona.
Se eu quero ou se desfaço, finjo farsas,
Enquanto vez em quando tu disfarças
E mostras gargalhares imbecis.
Não pude condenar quem tantas vezes
Pastor ao desviar as tolas reses
Mostrara seus propósitos mais vis...

23715

Nos tantos que são poucos eu pretendo
Acerca dos engodos ter certezas,
Se expões as tais emendas sobre as mesas,
Não quero ser retalho, nem adendo.
Escondo-me debaixo do que vendo
Não poderia crer tantas belezas,
As bocas demonstrando firmes presas,
A cicatriz somente um dividendo.
Atento aos teus domínios nada faço
E quero só poder em pouco espaço
Abrir as minhas asas e voar.
Poeta tem um quê de fantasia
Que medra quando vê o que se urdia
Nas tramas dos desmandos de um amar...

23714

As bases do que outrora quis verdade
São frágeis e desabam, pois no fundo
Nas sendas destes vagos, me aprofundo
E tudo se transforma, em realidade.
O que pensara ser variedade
Traduz um sentimento vagabundo
E; quantas vezes teimo em novo mundo
Propondo o que talvez nem tanto agrade.
Orgásticas loucuras vão e vêm
Depois de certo tempo mais ninguém
Lembrando-se das festas tão profanas.
E sabes muito bem que quando eu digo
Do amor eu só pretendo ter abrigo,
Se pensas só em risos, tu te enganas...

23713

Enquanto ainda peço e me estremeço
Enveredando rotas mais diversas,
Não quero mais dos sonhos o endereço,
Nem mesmo conhecer sobre o que versas.
Apenas os desvios, reconheço,
E na verdade aceito estas conversas
Que sei ser muito além do que conheço,
Mas sinto a cada dia, mais dispersas.
Perpetuar a dúvida é talvez
O que melhor na vida já se fez,
A verdade absoluta, uma ignorância.
Não quero ser estúpido e por isso
Da mesma forma em que meu sonho, atiço
Retorno novamente à minha infância...

23712

Não veja como fato o que descrevo
E mesmo se pudesse não faria
Se o medo se desmancha noutra orgia
Ainda caminhar sozinho, devo.
E quando nos meus dedos levo o trevo
A sorte na verdade mudaria,
Acervo da ilusão; já não me atrevo
A crer ser mais possível novo dia.
Ardendo nesta febre de consumo,
Eu bebo a poesia e nela esfumo
As pontas de cigarros sobre o chão.
E invento novo vento em tempestade
Por mais que amar demais te desagrade,
Não posso e nem suporto mais perdão...

23711

Vagando pelos vastos do Universo
Versões de tempos outros? Inda creio
Não posso me furtar e banqueteio
Usando para tal somente o verso.
E quando noutro tanto sigo imerso,
Não peço e nem tampouco algum receio
Usando a fantasia em que permeio
O templo sobre o qual ainda verso
Mundanas expressões, fundo funesto,
E enquanto aos meus descasos eu me empresto
Adestro o coração, gauche caminho,
Esquadros entre tês, prédio medonho,
Se o todo neste pouco eu te proponho,
Deveras o que resta, desalinho...

23710

Ao respeitável público, o espetáculo
Começa a qualquer hora, e não tem fim,
Deveras apresento um querubim
Que tem invés de mãos, cada tentáculo!
A sorte adivinhada neste oráculo
Cigana diz que o mundo está chinfrim
E o fogo se espalhando no Jardim,
Invés de proteção; tente outro sáculo.

E Baco desfilando com baquetes
Diabo com as suas diabetes
O Padre vai cantar no trio elétrico

Assim a vida passa e tudo bem,
E quando o Apocalipse diz que vem
O rufar dos tambores se faz tétrico...

23709

Solares entre escombros, velhos prédios,
A caricata imagem do futuro
Verdade que entre corpos eu apuro,
Não sei se existirão inda remédios.
Demônios entre tantos, vis assédios
E a podridão erguendo a cada muro
Um templo mais amargo, em solo duro
Ocasos formam túneis tantos. Vede-os.

Não poderás dizer do desconforto
Ao veres nas esquinas cada morto
A culpa é também tua, quando omisso.
Quem vive a realidade sabe a algema,
Pois injustiça e fome não é tema,
É necessário SIM, ter COMPROMISSO...

23708

Viajo por mim mesmo entristecido
Vencendo os meus rancores mais profundos,
Em sentimentos torpes, vagabundos
Há muito me sentindo envilecido.
O quanto não conheço inda duvido,
E bebo dos dejetos tão imundos
Os sonhos se mostrando moribundos
Apenas o vazio é percebido.
Escrevo por tentar saber se posso
Ainda acreditar que alguém perceba
E desta realidade já se embeba
Fazendo do que é meu e teu, o nosso.
Assim numa corrente; entrelaçados,
A sorte não se lance em meros dados...

23707

Procuro nas ruínas velhas tralhas
E teimo em me fazer inda poeta
A vida que na vida se completa
Não sabe do terror de tais navalhas.
Apenas no silêncio em que trabalhas
Encontro a fantasia como meta,
Mas sei que a realidade é fria seta
Trazendo ao sonhador, restos, migalhas.
E o pântano aonde se fez pura
A imagem devastada da cultura
Apodrecendo em gozos segue hedônica.
Mecânicas sombrias ditam normas
E quando mal percebe; tu deformas
Fazendo do vazio, eterna tônica...

23706

Aonde se fizeram risos, ritos,
Histriônico mundo se moldara
O corte profanado vira escara.
Os medos se transformam; infinitos.
E quando se mostrassem torpes gritos
Aonde a poesia se declara,
Não vejo a solução; pois desampara
A sorte dos ingênuos, tolos mitos.
Assisto aos terremotos e desta era
Apenas não concebo a primavera
Que espera interminável, vagamente.
Enquanto em parricídio segue a vida
Imagem do Senhor sendo vendida,
Igreja se transforma; incoerente...

23705

O sonho de esperança desmorona
E trama a solidão, cruel resgate
Após a nossa vida, duro embate
A solidão e a morte, nossa dona.
Enquanto se profana e se abandona
Por mais que uma ilusão já se arremate
O mundo sanguinário ou escarlate
Fingindo nada ver, dorme e ressona.
Assim não poderia ter sequer
O gozo de um prazer que já se quer
E o tempo não seria tão ruim.
Neblinas e fumaças, turvos dias,
Enquanto a fantasia tu parias
A seca toma todo este jardim...

23704

Apenas tão somente o sortilégio
Seguindo cada passo que tu dás,
A fera que, medonha é mais voraz
Mantendo seu poder, etéreo e régio.
O fraco sem ter alguém que inda protege-o
Vagando pelas ruas, pede paz,
O quanto de amargura a vida traz
Sombrias as ruínas, mundo egrégio.

Acreditar na força da esperança
É ter nas mãos ainda a luz que lança
E mesmo entre fantasmas reproduz
A imagem do que outrora se fez belo,
Porém na podridão que ora revelo,
Não bastaria apenas uma Cruz...

23703

A sorte que busquei, despedaçada
Angústias devorando o ser humano
Enquanto se mostrando mais profano
Ao mesmo tempo entoa o mesmo nada.
Da outrora presa fácil na caçada
Agora um ser terrível, soberano,
Invés da fantasia traz no dano
A marca da pantera disfarçada.
Serpente que devora outra serpente
E quando se desnuda traz peçonhas
Se com paz no futuro ainda sonhas,
O medo do viver que ora se sente
Traduz a realidade em cores mortas,
Por isso em vãos prazeres, tu te aportas...

23702

Por mais que se mostrasse em ordinários
Caminhos, a verdade não se nega
E a humanidade segue sendo cega
Procelas, terremotos: mostruários.
Os versos se entregando aos relicários
Revivem ilusões, o hoje sonega
E quanto mais ao velho já se apega
Futuros são ocasos visionários.
Nefasta criatura à qual se deu
Poder de transformar a luz em breu,
E nisto se produz destruição.
Pensando-se divina, tal canalha
Desfaz este planeta abutre gralha,
Pergunto: quem fará a recriação?

23701

Por sermos, na verdade sempre assim,
O ser humano em ritos temerários
Destrói a cada dia o seu jardim
E busca para tal seus honorários.
Também a podridão chegando a mim
Destila seus terrores que sei vários
Do mundo simplesmente vejo o fim
Neste holocausto, estúpido fadário.
A morte que em mais mortes já se alastra
Futuro a cada dia mais se castra
E o novo não verá provavelmente
O que ainda resta de esperança
Amortalhada espécie ao vão se lança
Embora tal verdade se apresente