terça-feira, fevereiro 02, 2010

24077

Menino coração não tem juízo
E quando se fazendo passarinho
Os outros passarão, mas tão sozinho
O amor se faz sem medo ou prejuízo,

E tendo desde sempre algum aviso
O quanto é necessário ter carinho,
Bebendo cada gole deste vinho,
Eu bebo a adega inteira e mesmo biso.

Se o todo faz do pouco muito além
Ao ter o quanto amor já nos convém
Não tendo nem por isso outra chance,

Não quero ser apenas companheiro,
O amor quando demais e verdadeiro
Não deixa que a saudade chegue e alcance...

24076

Eu fui pra Porto e bah! Felicidade
Guria trilegal, maravilhosa,
A bergamota amada e tão cheirosa
Trazendo, o minuano esta saudade;

O canto de um gaudério agora invade
E trama a sorte mesmo caprichosa,
Aonde uma marcela brota em rosa
O Amargo tem seu quê. Barbaridade.

Carrego na guaiaca a solidão,
E quando nas coxilhas a geada
Espalha-se tomando todo o chão,

Das margens do Guaíba esta lembrança
Da prenda que deveras, guapa e amada
O tempo na distância não avança...

24075

Teu corpo no meu corpo diz suores
E fogo, fúria, gozo e mil alentos
Entregue aos mais sublimes pensamentos
Deixando para trás falsos pudores,

Encontro neste encontro tantas cores
Matizes que me tomam sentimentos,
E quando se perdendo dos tormentos
Os dias entre nós redundam flores.

Vivendo em tal loucura e frenesi,
O quanto te desejo percebi
No mesmo instante amada em que te sentindo

O teu doce perfume, em vasta insânia
Sem nada que controle a vida. Ufane-a
Num mundo tão soberbo amável, lindo...

24074

Os cálices das flores bebem luz
E trazem aos meus olhos fantasias,
E quando entorpecida, brilhos crias
O quanto de beleza me seduz,

Andara contra a sorte, imensa cruz
Pesando em minhas costas, velhos dias
Agora em que decifro alegorias
Amarga escuridão já se reluz.

Descrevo em cada verso o quão preciso
Do amor que na verdade toma o siso
E beijando a loucura muda o Norte,

Aonde se buscara a paz não tendo,
O amor que em pleno amor vejo e desvendo
Trazendo a plenitude que conforte...

24073

Pudesse te trazer sempre ao meu lado
Quem sabe assim seriamos felizes,
Eu tendo dentro da alma cicatrizes,
Um coração há tanto amargurado,

Revejo cada cena do passado
E teimo no que agora tu desdizes,
Embora reconheça meus deslizes,
O mundo que pensei, ultrapassado.

Não toque com teus olhos minha pele,
Se amor a ti também tanto compele
Compete-me fugir. Fatalidade.

Não tendo uma esperança que me ajude,
Por quanto amor, tanto e amiúde
Apenas a saudade ainda invade...

24072

Não leve a poesia tão a sério
Seria muito bom, mas já não é
O verso com certeza não dá pé
Por falta de emoção; ou de critério?

O canto já foi tempo em que sidéreo
Agora é necessária muita fé
Não tendo nem mais broa nem café
O mote de um defunto é mais funéreo

A Musa na verdade menstruada
Agora já prepara uma cartada
É toda a fantasia ela destrói,

Outrora moça muito venerada
Agora vai posar nua, pelada
É capa garantida da Playboy...

24071

Asperges sobre mim veneno e fúria
Vergastas em lacustre placidez
O quanto do vazio já se fez
Aonde imaginara tanta incúria

Se ao menos houver cor e luz; procure-a
E terás a certeza em lucidez
Do quanto na verdade sem talvez
Acentuado brilho é vida; cure-a.

Não faças de esperanças teus sepulcros,
Arranje com vigor mais fortes fulcros
E tendes a viver com mais vigor,

Imagem que funérea trama a morte,
Não tendo mais sequer quem inda aporte
O cais terá perdido o seu valor...

24070

Aonde se quisera mais eclética
A noite entre tramas dita frios,
Poder que não teria se sombrios
Ainda se moldando nova estética

E faço do penhor desta poética
O quanto se prendera em firmes fios,
Os versos são capazes. Desafio-os
Tentando uma temática que hermética

Não deixe qualquer dúvida e vá cálida
Aonde se pudera sempre pálida
Crisálida diz tons esperançosos.

Qual fora tão somente um lepidóptero
Quisera ser talvez um coleóptero
Os dias não seriam desditosos...

24069

Na cólera sombria que nos toma,
Anexa figura de uma estrela
Aonde poderia em vão contê-la
Entorpecido sonho dita o coma,

E quando luz etérea já nos doma
Vontade de viver e de sabê-la
E quando se possível envolvê-la
Nas teias como fosse um fino estroma.

Fibrose que me enreda nos teus braços,
Assídua maravilha deixa os lassos
Momentos para trás e revigora.

Enlaço-me deveras nesta mágica
E a noite que julgara quase trágica
Renasce sem pudor a qualquer hora...

24069

Na cólera sombria que nos toma,
Anexa figura de uma estrela
Aonde poderia em vão contê-la
Entorpecido sonho dita o coma,

E quando luz etérea já nos doma
Vontade de viver e de sabê-la
E quando se possível envolvê-la
Nas teias como fosse um fino estroma.

Fibrose que me enreda nos teus braços,
Assídua maravilha deixa os lassos
Momentos para trás e revigora.

Enlaço-me deveras nesta mágica
E a noite que julgara quase trágica
Renasce sem pudor a qualquer hora...

24068

Nas turvas águas busco algum reflexo
E nada simplesmente se apresenta
Aonde a noite surge e forte venta
O tempo me tomando todo o nexo,

Aonde se pudera ser complexo
Veria meu amor, quanto apascenta
A sorte se não fosse tal tormenta
Deixando nosso canto em vão anexo.

Espreito da varanda a lua cheia
Viola que deveras já ponteia
Cirandas do passado me tocando,

À beira deste abismo, um precipício,
O mundo se transforma em podre vício
E o quanto outrora quis somente quando.

24067

Amor como albatroz traz liberdade
Alçando em mares tantos seu destino
E quando nos seus brilhos me alucino
Permito a claridade que ora invade
E toma com real felicidade
O templo sem o qual me desatino,
Amor, por quem jamais se dobre um sino
Traduza além de tudo eternidade.
Coragem de gritar nossa alforria
Vivendo sem temor a poesia
Que cedo se irradia deste canto,
Abençoada luz, nosso farol,
Domina com certeza este arrebol,
Em suas tramas mágicas, me encanto...

24066

Iridescente imagem, nosso amor
Compondo este cenário fabuloso
Expressa uma alegria feita em gozo,
Por momentos parece-nos louvor.

Viver grandiosidade em destemor,
Adentrando o luar impetuoso,
Vibrando em luzes fartas, prazeroso
Caminho que se entrega; tentador.

Alvissareiro sonho ao qual me entrego
No mar sem tais procelas eu navego
E vejo que consigo o ancoradouro

Solar vento que toca a nossa pele,
E quando à tal loucura me compele
Nas sanhas deste amor, eu já me douro...

24065

Consola-me saber que teu sarcasmo
Um dia se virando contra ti
Depois de todo o tempo que perdi
Envolto num estúpido marasmo,

Estando desde sempre quase pasmo,
Eu vejo esta ilusão chegar aqui,
E o amor que tantas vezes converti
Em lágrimas causando dor e espasmo

Agora se apresenta e te domina,
Rainha da emoção, dolosa sina
Revejo a tua face de ironia

E bebo esta alegria de saber
Que quem por tantas vezes fez sofrer
Embalde se transtorna em agonia...

24064

Aonde se percebe esta descrença
O tédio nos tomando agora impede
O dia que amanhece não concede
Sequer a quem deseja a recompensa

Por mais que a solidão não te convença
Uma alma sem defesas sempre cede,
E quando o pedregulho já te impede
A dura caminhada será tensa.

Adensando-me em nuvens temporais
Decerto cairão e nunca mais
Teremos esta paz com que sonhamos,

Riqueza que se perde a cada dia,
Enquanto a própria vida se recria
Diversa do que um dia imaginamos...

24063

Homem pelo tédio já vencido
Embrenha-se entre névoas, trevas, medos
E quando se desnudam os segredos
O quanto fora ainda está perdido,

Ao vê-lo transtornado não duvido
Do quão enorme foram meus enredos
E teço no vazio, dias ledos
Amortalhado sonho envilecido.

Aonde se pensara em luz e glória
A noite sem luar tão merencória
Orgástica loucura toma a cena

Uma alma que se entrega sem combate,
Enquanto a vida traz a quem debate
Uma incerteza atroz, dúvida acena...

24062

Mistérios que dominam cada mente
A luz estremecida em sombras feita,
Mundana fantasia se deleita
Enquanto o fim dos tempos se pressente

Aonde se previra o mundo ausente
Não creio mais na paz sendo refeita
E quando a noite chega e a dor se aceita
Prenúncio do vazio uma alma sente.

Consinto em não querer outro caminho,
Vestindo a podridão nela me aninho
E volto ao que já fora no infinito,

Escombro que em escombro assim retorna
A dura realidade me transtorna
O ocaso no horizonte, imerso, eu fito...

24061

Amortalhada face, solidão
Esgueiro-me e deveras nada resta
Senão a fantasia mais funesta
E o gozo interminável da ilusão.

Aonde se estampara uma paixão,
Ao vago do não ser a sorte empresta
O riso mais irônico e a tempesta
Não deixam ver ao fundo esta amplidão.

Somando nossas forças, tenho dito
Que além do quão possível acredito
Insuperável brilho reluzindo

No canto deste amor que não se acaba,
Podendo ser palácio ou simples taba
O encanto já se mostra imenso e lindo...

24060

A sorte se abandona a cada esquina
E dela nem resquícios, inda vejo
O amor que se moldando em tal desejo
A quem se entrega tanto já domina

E sendo teu amor a minha sina,
Um dia bem melhor, amor prevejo,
E tendo esta certeza, num lampejo
A vida ao mesmo instante se ilumina

Amar e ser amado. Ah quem me dera,
Porém a solidão, temível fera
Espera atocaiada e não permite

Que tanto sonho seja mais real,
O toque mais profano e sensual,
Atinge no vazio, o seu limite...

24059

Sou plâncton, sou tão ínfimo poeta
E nada além do que já poderia
Trazer alguma forma de alegria
Deveras coração não tendo meta

Pudera ter a boca predileta
E nela um grande amor se fantasia,
Além do que se vê, melancolia,
Entendo esta ilusão que me completa.

Servir a quem se torna amo e senhor,
Não posso desfazer qualquer temor
Que ainda qual fornalha me alimenta,

A sede de sentir tua presença,
É tudo o que deveras recompensa
A vida que se fez tão violenta.

24058

Embora tenha o riso como meta
No fundo não terei felicidade
Por mais que tão distante ainda nade
A sorte sem a sorte não completa

E o ciclo de um estúpido poeta
Moldado pelas cores da verdade
Mundana fantasia ou realidade?
Apenas descobrindo a doce seta

Cupido bom arqueiro acertando o alvo
O que pensara outrora já não salvo
Momento inusitado: riso e dor,

Viver só por viver e ter talvez
O encanto que esta vida já desfez
Não quero ser somente um sonhador...

24057

Percebo o meu destino malfadado
E vejo que jamais serei feliz,
Enquanto o coração ainda diz
O tempo se afastando, desolado,

Aonde quis o brilho do passado,
Apenas a verdade já desdiz
Aonde se fizera a cicatriz,
Mergulho neste lago abandonado

E tento o que já sei não ser capaz
Aonde imaginara haver a paz
Apenas um momento de ilusão,

A sorte se desfia em vários tons
Amor que fora outrora em megatons,
Agora se tornou mera fração...

24056

Minha alma que do amor deveras se alimenta
Entorpecido sonho adentra a noite insone
Não deixe que este encanto aos poucos abandone
Trazendo em seu lugar, apenas a tormenta,

Vivendo esta ilusão a vida em paz alenta
E quando ouço de noite o som do telefone
Ardente fantasia em brilho que me abone
Visão maravilhosa, a cada dia aumenta

Num fúlgido momento inebriado eu canto
Em versos, trovador, o quanto eu quero tanto
Suave criatura, imersa em abandono,

Procuro e não encontro um modo de chegar,
Recados eu mandei, estrelas e luar,
Porém o que fazer senão perder o sono...

24055

Não posso me furtar a crer nesta ilusão
Do amor que me tomando espalha sobre a Terra
Um gosto agridoce, e quando a luz encerra
Permite que se veja ao longe na amplidão

Imagética luz trazendo a sensação
Da vida que se dá o sol dourando a serra,
Enquanto a solidão, ao largo se desterra
Amar sem ter limite, além de uma paixão...

O quanto se deseja expressa em doce lavra
O encanto se professa e o dom de uma palavra
Espelha a magnitude e o fogo que eu anseio

Deitando sob a lua, estende-se divina,
Inesgotável fonte amor tanto ilumina
Deixando no passado, algum tolo receio...

24054

Desenho no teu corpo em toques multicores
Caminhos em delírio, alçando o Paraíso
E quanto mais audaz, decerto mais preciso
É como se jamais eu conhecera as dores,

E sigo cada passo e vago aonde fores
Amor enlouquecendo entorpece o juízo
Nas tramas deste encanto, amada eu me matizo
E trago o coração exposto em raras flores.

Não deixe que se acabe um sonho tão suave,
Tampouco merecia o medo que se agrave
A noite sem estrela, a tarde sem um sol,

Vencer cada temor e ter em minhas mãos,
Os olhos no infinito, e levo aos solos grãos,
Tramando este jardim, tomando este arrebol...

24053

A lua se derrama em prata divinal
E encontra-te desnuda, extrema maravilha
Mais forte que o luar, o amor tanto rebrilha
Trazendo esta visão superna e sensual,

Pudesse ter no olhar clareza do cristal
A noite não seria o que deveras trilha
Uma alma se inebria e dá-se na armadilha
Sabendo que a paixão tem brilho magistral.

Aonde se pudesse ainda crer na luz
O coração se expondo, enquanto se seduz
Num lírico cantar, belezas entranhando,

Loucura me embebendo, embalde e em vão mergulho,
No amor que desejara apenas pedregulho,
E a procela devasta um solo outrora brando...

24052

Perdoe-me se a trago uma alma tão inquieta
E temo pela vida embora veja a morte
Como se fosse um bem que acalme e que conforte
Na qual o nosso ciclo humano se completa

Senhor tende piedade e saiba que esta meta
O fim a quem me entrego e dele faço o Norte,
Prevê a cada esquina, o imenso e fundo corte,
Sabendo que o Amor a fruta predileta

Permite que se tenha um dia mais tranqüilo,
E quando numa angústia, os medos eu desfilo,
A Tua mão em paz, trazendo alivio e luz

Invada cada dia e tome o pensamento,
Nas horas em que há dor, em Ti eu já me alento
Irmão no Amor e fé, Senhor Cristo Jesus...

24051

Senhor permita que se creia e faça-se cumprir
A eternidade à qual no Amor e no perdão
Uma conquista aonde é que vejo o cristão
Moldando a cada dia a paz no seu porvir.

Caminho pedregoso estrada a prosseguir
Levando com certeza à plena salvação,
Amando além de tudo a Ti, e ao próprio irmão,
E a quem nos ofender. Difícil conseguir.

Ó Pai aplaque então esta ira que consome
Da justiça, Senhor; matai a nossa fome
Tornando bem mais manso um coração que pena,

Soberbo e tão vaidoso, orgásticas loucuras,
Aonde se mostrando as noites mais escuras,
A solidão atroz, aos poucos já se acena...

24050

Coração de estudante, audaz e caprichoso
Há tempos que não vejo assim a realidade,
Nas lan houses da vida, a solidão invade
Tornando este vazio um tanto prazeroso,

Agora só se vê o gozo pelo gozo
E quanto mais salgado o mar em que se nade
Eu vejo o temporal, pressinto a tempestade
E sinto te dizer, o mundo é vergonhoso.

Chegando ao mesmo fim, imperialismos vários
Nos olhos do demônio, os vãos incendiários
Bebendo cada trago amargo deste gim,

E assim em turbulência o que se quis em paz,
Apenas o vazio o vazio me traz
Depois vem me falar de Adão, Eva e Jardim?

24049

Jamais aceitaria enfim qualquer censura,
Se nada faz sentido, o que permitiria
Por caos ou fanatismo impedir novo dia
O que mais vale a pena, apenas se perdura?

Ao escrever não quero opinião, ternura,
Nem mesmo intromissão é minha a fantasia,
Se não gostas desligue e busque o que queria
Aqui não verás luz, porém farta amargura,

Não sou tão tolo e traço o que bem pretender,
Melífero caminho, eu sigo ao bel prazer,
A liberdade tua exige que haja a minha

Assim te respeitando esgotando este assunto,
Não vale camarada, uma água e óleo junto,
De qualquer jeito, a morte, aos poucos se avizinha...

24048

Não vendo e nem tampouco aceito uma barganha
A vida se desnuda e bebe da loucura,
Que tanta falta faz pro bem de quem procura
Além de simples vale, uma enorme montanha.

Verdade é que a palavra enquanto a alguns assanha
Causando certa espécie expressa uma tortura,
O vento na janela a foto na moldura
E o mofo dentro da alma, esgota a leda sanha.

São pétreos dias, vago entre versos e riscos
Quem vive deve ter os pés bem mais ariscos
Senão a queda traz o fogo que não quero,

Aonde quer que eu vá expresso esta saudade
De um tempo aonde o brilho enfim não se degrade
E o gozo do viver, já não seja tão fero...

24047

Jamais eu cantaria a tosca realidade
Se não doesse tanto escracha palhaçada
A venda do perdão, uma puta explorada
E a gargalhada escuto, enquanto se degrade

A nossa bela dama, a vaca sociedade
Aonde se pariu a imagem bem tratada
Na pútrida figura, a bosta mal cagada
Exposta nos carrões esconde atrás da grade.

Que todos vão pra puta aquela que os pariu,
Assim se destroçando a merda que é o Brasil
E toda a humanidade encontra o mesmo fim,

Por isso é que repito, e não me arrependendo,
O mundo inteiro está de perto se vertendo
Numa completa zona, um mar tupiniquim.

24046

Herodes pós moderno, assim define Igreja
A quem tendo o bom senso impede que inda morra
A pobre mulherada aonde a santa porra
Engravidou sem nexo, a merda feita, seja.

Faminta favelada, otária sertaneja
Não tendo quem ainda esta imbecil socorra
Com talo de mamona, em sanguinária borra
Na séptica figura o fim já se preveja

Enquanto que a filhinha engravidou mais cedo
Ou mesmo a burguesada atola-se em segredo
Na clínica bacana, um doutor instruído

Fazendo deste aborto, um caso bem guardado,
Polícia nem aí, o padre diz pecado
E um miserável segue, fodido e possuído...

24045

Depois da tempestade apenas este ultraje
Aonde a boca amarga espera um beijo ameno,
E quando não dispondo ainda me sereno,
Em drágeas vejo o mundo, e visto o velho traje.

Cascata da emoção não vale quem não age
E muda a velha face em busca do veneno
E quando com futuro ao tolo mesmo aceno
A serpe se disfarça e assim cedo interage

Não posso desfrutar delírios da peçonha,
Pois quanto mais se quer, entorpecido sonha
E volto ao mesmo mote: amor e dor, dormência

Ao fundo a mesma e velha audácia do poeta
Que enfrentando a maré, na fúria se completa
Não tendo quem disfarce uma alma então; convence-a;

24044

Impingindo verdade aonde a noite trava
O medo e a solidão ateio em fogaréu
Aonde se pintara azul um belo céu
A fonte da esperança apenas isto agrava,

Não sei se poderia, uma alma que se lava
Ainda ter no olhar o vento solto ao léu
E beber fantasia ainda feita em mel
Depois de ter sentido uma ânsia quase escrava

Um mar sempre bravio, o fio desencapa
E tudo o que pudesse amortalhada capa
Escapa do sentido e molda o não poder

Servindo como fosse um lamaçal divino,
Aonde mergulhando eu sinto e me fascino
Numa vontade imensa, ascendo ao teu querer...

24043

Licores que encontrei na boca mais suave
Ainda refletindo o gozo inevitável
Que tanto poderia até dizer potável
Não fosso o amor insano uma trágica nave

Aonde quer que eu vá sem ter nada que agrave
Pudesse transmitir um sonho mais amável,
No fundo não teria além do imaginável
Senão a fantasia ainda como um entrave

Não deixando seguir, mesquinho o velho enclave
Notória tempestade em voz e tom mais grave
Serpente que sorrindo apenas encontrável

Num Éden que fizeste um gosto que intragável
Pressente este momento aonde um inefável
Delírio que desvenda a evangélica trave.

24042

Irônico fantasma adentra este cenário
E num tropel insano açodam-se diversos
E esparsos carrosséis aonde fiz meus versos
Moldando o que parece além do imaginário.

Vivesse um dia a mais, mudando o meu fadário,
Às vezes poderia andar quem sabe em universos
Melhores do que tenho e neles mais dispersos
Momento não teria a mais que o necessário.

Esgota-se em si mesma a glória e o meu fracasso,
Não posso te dizer o quanto sigo escasso
E vejo que a demora ainda trama a sorte

Vencer o que pensara e enquanto isso não passo
Fazendo da ilusão um mundo em que o compasso
Traduza algum anseio aonde eu me conforte...

24041

Na mão vendo o punhal argênteo fogo, escapo
Da fúria que te envolve e ronda a velha casa,
Aonde se pudesse apenas já se abrasa
O quanto amor se fez e nada resta, é trapo.

Grafando em garrafais; esqueço este fiapo
E bebo o quanto traz quem acusa e defasa
O tempo de viver, a vida não se atrasa
Batráquio que se molda, espelho dita o sapo

E vendo a minha face assim emoldurada
Entrego-me ao pavor a faca que afiada
Entranha sem perdão, adentrando voraz,

Num mórbido desejo, o anseio se estampando
Nublada maravilha, os abutres em bando,
E ao fundo do cenário, encontro Satanás.

24040

Andando entre os chacais, exposto ao bote e a risco,
Encontro este habitat aonde desejara
O tempo se moldando em luz imensa e clara
Aos poucos o que tenho ainda jogo e arrisco,

Mundanas ilusões abocanham petisco
E tudo não passando, a morte anunciara
O dia que se fez impotável ampara
E trama em sua rede, amargo e vão confisco.

Arrendo-me ao demônio e nisto estou feliz,
O beijo da serpente, suave cicatriz
Ainda latejando em loucura febril,

Ao mesmo tempo em glória, a história não desdiz
O fato de tentar e ser o que se quis,
Embora isto pareça a ti, amiga, vil...

24039

Formigante opressão invade o pensamento
E quando na verdade a insânia se aproxima
Velório da esperança, um doce e tenso clima
Num arquejante gozo, a morte eu não lamento.

Sulfídrico delírio adentra o sentimento
Excêntrico desejo, a noite dita a estima
E quando a fantasia acende o que nos prima
Eu vejo neste olhar sombrio e mais atento

Disforme violação, primazes maravilhas
Aonde sem sentir, percorres, andas, trilhas
Por senda provocante em lúbricos anseios

E quando se percebe o fim chegando insano,
O riso do demônio em ar além do humano
Explode-se em delírio invade os rios, veios...

24038

A sorte tenebrosa em brilhos sempre raros
Ascende-se entre nós, promessas entre méis,
Assim ao se mostra perfeito nos papéis
Que cria um belo ator, imerso em motes claros

E beija com sutil desejo e; mesmo amaros
Os lábios do demônio invés de turvos féis
Destilam a delícia e inebria os fiéis,
Legando tão somente os frios desamparos.

Prazer que clandestino incendiando toma
Não deixa quase nada, ao absorver uma alma
Ao mesmo tempo ilude, enquanto até acalma

E assim entorpecido, um quase semi-coma
Bulindo com anseios, os seios, coxas risos,
Promete a cada tolo, em vida Paraísos...

24037

Encantadora em asco imagem de Satã
Erguendo-se da sombra emana forte luz
E num sorriso audaz, enquanto nos seduz
Traçando a nossa vida, amarga e mesmo vã

Num louco e torpe sonho, a noite sem manhã
Por um momento até um anjo reproduz
Um lisonjeiro e tosco, até ao Bom Jesus
Em tentação se fez num doce e louco afã.

Assim ao empunhar as armas mais sutis
Promessa de prazer além do que se quis
Espelha uma alma turva e assim nos ludibria

Endiabrado ser, medonha garatuja
Que tendo a pele esguia, uma alma vaga e suja
Conhece e muito bem, a nossa fantasia...

24036

Mendigo se arrastando em turvas madrugadas
Um pária necessita algum novo prazer,
E quando mal percebe o que se fez sem ver
As ruas na manhã surgem ensangüentadas.

Demônios entre sóis, luas depravadas
Mergulho neste abismo e ao me entorpecer
Nefasta maravilha encontro e passo a ter.
Deitando neste chão, as pedras, almofadas.

Um libertino audaz, medonho e caricato,
O espelho em desafio, a sorte desacato
E bebo cada gole até que se esvazie

Espasmo reticente, inválido demente
Medonhas emoções a vida já pressente
Enquanto o sangue escorre e a morte eu fantasie.

24035

Deitada sobre a cama, a lúgubre figura
Escancarando em riso imenso brilho, farto.
Adentra sem pedir, invadindo o meu quarto
E mostra-se desnuda enquanto me procura,

Tomado por surpresa ao ver a caradura
Deveras me aproximo e insano não me aparto,
Desejo se aflorando, intenso e louco parto,
Enquanto não descansa a imagem lá perdura.

E bebendo do absinto eu me inebrio,
A cada novo instante um torpe cio
Num vício alucinante, ascendo ao majestoso

E sublime caminho aonde alçando a luz,
Efervescência explode e enquanto me seduz
Satânico desdém num ar quase jocoso...

24034

Ocupam cada espírito anseios e terrores,
A morte em plena vida, uma alma em podre face
Por mais que alguma luz, nosso futuro trace
Aonde num mergulho o vago que propores

Trará somente a dor, aonde houvera flores
Acorda! O sol disfarça e nega algum impasse,
Mas logo a vida chega e por onde ela passe
Transmite em vaga luz olhares e temores.

Assim ao ter defronte a imagem do demônio
Encontro num espelho e num fruir de hormônio
Bebendo a insanidade em rito mais macabro

Gargalho e sem sentir, adentro as profundezas
E aonde imaginara a fonte das belezas
A porta deste Inferno a cada dia eu abro...

24033

Aonde se permite apenas o pecado
Esbalda-se em sorriso e ritmos sensuais,
Mefisto em sua glória expõe tais rituais
E o gozo sem limite explica ao fim, o Fado.

Não deve ser talvez por isso condenado?
Nos antros, botequins febris, loucos jograis
Enquanto em vós reluz o que mais desejais
Álcool, anfetamina; orgástico e enfadado

Cadáver perambula adentrando este inferno
Aonde sem saber, aos poucos eu me interno
Vivendo nos motéis, nas camas das bacantes

Na falta de perdão, no amor que não conheço
Na fúria desmedida, assim cada tropeço
No olhar que sempre brilha aos tons dos diamantes.

24032

Assim como se fosse noite tenebrosa
Uma alma se procura e ainda não se vendo,
Permite qualquer gozo, estranho dividendo
Adentrando o demônio enquanto a pobre goza.

Figura prepotente e sempre majestosa
Nos faustos e no riso, espetáculos vendo
Satânica visão, à sombra não desvendo
E nela se mostrando a face prazerosa

Bacante gargalhar, em vastos e profanos
Momentos mais sutis na fúria desvendados
E neles com certeza eu vejo os desenganos

Brindando com delírio às faces mais diversas
Rolando no tapete em transparência e dados
Enquanto em farsa e luzes, um imbecil ser, versas...

24031

Criado com sorriso, imenso cadafalso
E mergulhando o brilho etéreo na masmorra
Sem tendo como fuga a luz que me socorra,
Pisando sem saber, num ato torpe e falso

As brasas entranhando o velho pé descalço
Aonde quer que eu vá, caminho que percorra
Histriônico espectro aguardando que eu morra
Enquanto esta esperança atroz, mais tolo eu alço.

Puseste em minhas mãos uma tosca ardentia
E quando mais eu fujo, a força renascia
Atando-se em galés, acorrentando uma alma

Perversas ilusões, total hipocrisia
Imagem sensual, Satanás sempre urdia
O prazer que, venal, aflorando te acalma...

24030

Engendras soluções enquanto se desdenha
A sorte que se busca em negros temporais,
E quando em desafio, devastas os sinais
Do quanto fora a glória em desmedida ordenha

Navegas calmamente e sabes cedo a senha
Que leve ao prazeroso extremo onde cristais
Derramam-se em fulgor nas cores magistrais
Explicito terror num gozo já se empenha;

Emprenhas de ilusão a raça soberana
E bebes cada gota até total sangria
E quando mais sedento, a sede não sacia

Enquanto o seu rebanho em falsa luz se engana
Orgástica loucura enlanguescidamente
A turba ter idolatra edênica serpente...

24029

Minha alma se desnuda em miseráveis formas
Disforme e caricata arranha esta moldura
E quando a paz eterna ainda em vão procura
Extrai de si a face austera que deformas.

Nublada fantasia estende-se nas normas
Aonde o que mais vale, o gozo que perdura,
Tramando desde sempre as ânsias da loucura
Mefisto gargalhando enquanto os ritos formas,

Usando do infinito e trágico poder,
Ao se expressar no açoite esboçado em prazer
Imenso o seu repasto, enorme confraria,

Rebanho feito em treva, estranha confusão
De pernas num delírio aborta a solução
E a cada novo tempo, o demo se recria...

24028

Satã em sua forma angélica e venal
Deveras é um rei enquanto força extrema
Não há quem o deseje embora sempre o tema
A sorte se mostrando às vezes triunfal

Tramando a cada instante um vário ritual
Permite esta corrente, atroz e louca algema
Atada sobre nós, estranho diadema
Significando a força audaz, descomunal

Fornalha em que se molda o pão que assim sacia
A fome de um prazer, sarcástica ironia
Qual fora um semideus, herética figura

Expondo em ar devasso a enorme tentação
Esgota-se em si mesmo; espúrio e mesmo vão
Da edênica serpente, ao gozo que tortura...

24027

Aonde a velha tocha ainda iluminara
Caminhos sem sentido, o rumo em pedras feito,
Sonoro gargalhar, o encanto putrefeito
Que embora te transtorne em ti já se declara.

A morte te acompanha e dela cada escara
Demonstra a tua face exposta deste jeito,
Não sei se na verdade, ainda quero e aceito
A lama que me dás qual fosse jóia e rara.

Helmíntica figura, apática e satânica
A fúria que te guia uma explosão vulcânica
Permite que se veja; escombros neste olhar

Aonde se pensara ainda num futuro
A vida sem descanso extrai de um solo duro
O nauseabundo tom que irá te deformar...

24026

Banquetes que serviste em fina porcelana,
Orgulho de quem tenta apenas ser alguém,
No fundo o que retrata e sabes muito bem
Uma alma tão vazia entorpecida emana

O pútrido sentido aonde já se engana
A marca em cicatriz, o melhor que convém
Àquela a quem meu verso estampa-se: ninguém.
De onde tu roubaste este ar de soberana?

Imagem carcomida, envilecida em rugas
Preparas num banquete as mais espúrias fugas
E crês ser importante um gozo tão banal,

O prato; porcelana, a prataria e o riso,
Satã se gargalhando ao ver teu Paraíso
Desnudo neste fausto estúpido jogral.

24025

Hoje eu me percebo à cinza reduzido
Aonde imaginara ainda haver um resto
Daquilo que se fez em calmo e triste gesto,
Apenas um restolho, condeno-me ao olvido.

Guiado vez em quando irmanado à libido,
O tempo que perdi; se ao sonho ainda empresto,
Percebendo afinal, deveras nisto atesto,
O bem tão desejado, agora está perdido.

As cinzas do que fui ao vento se darão
Neste instante; sutis luzes chegarão
Medonha e já disforme a face demoníaca

Trazendo o que pensara há tanto abandonado,
Nos olhos do fantasma, o corte do machado,
E a torpe gargalhada, estridente e maníaca...

24024

A noite sem luar encarcerando o sonho,
Atrevo-me a pensar no quão difícil vida
Moldada a cada dia, expondo-se à ferida
Num canto mais absurdo, o amor eu te proponho.

E vejo que o passado embora tão medonho
Marcou-te tão profundo, uma alma em despedida
Da sorte que virá, decerto já duvida
E traz no olhar o medo, um ar sempre tristonho.

Deveras importante é ser além do todo,
Superando em Amor, qualquer engano, engodo,
Trilhando em urzes feito o teu vasto caminho

Sabendo que amanhã nas tramas deste sol,
O dia nascerá e tomando o arrebol
A claridade à qual, deveras eu me alinho...

24023

Amar quem nos odeia e mesmo em prejuízo
Do quanto se pensara além do próprio gozo,
Caminho que seria o mais belo e formoso,
E sei que é necessário, um canto mais preciso,

Do todo que aprendi, perdoe se eu aviso
Enquanto se fez Filho o Pai maravilhoso
Ensinando que Amor é campo pedregoso
E nele um andarilho expondo-se ao granizo

Encontrará se forte, a imensa claridade
Que quanto mais se der, mais bela nos invade
Mergulho dentro da alma extrai a maravilha

Amando quem te fere, ascende-se ao Senhor,
Não há um bem maior, senão o pleno Amor
Embora árduo caminho; expõe quando se trilha.

24022

A minha voz cansada após tanto teimar
Buscando a melodia, ausente desde quando
A sorte pouco a pouco, eu vi se transmudando,
E nela não percebo as ânsias de lutar.

Não posso mais me expor ao turvo lupanar
Do qual imaginara um dia se moldando
Hedônico fantasma, estúpido guiando
A mão do que deseja embalde se salvar.

Inexorável mundo esgota-se por si
Aonde vira luz, decerto me perdi
E nada tendo após somente a dor se emana

Do incenso da esperança, a morte se mostrara
Qual força que transtorna, e nega a própria Vara
A qual feita em cordeiro expõe a face humana...

24021

A luz que nos guiando; expressa mansidão
Não sei até que ponto agüenta a realidade
À qual se entrega a tola e torpe humanidade,
Depois – hipocrisia – ainda quer perdão.

Eternamente o Pai, nos ensinando em vão
Que todo ser humano, agrade ou não agrade,
Por mais que noutro mar ainda teime e nade,
É teu e nosso bem, deveras um IRMÃO.

Assim eu poderia ao ver em mar tranqüilo
Sossegar uma alma, e se isso eu não destilo
É por não ter a força à qual eu me daria

Se ainda houvesse o brilho, além da fantasia
De um novo amanhecer que sei já tão distante,
Aí o olhar sombrio expressaria o avante...

24020

A cada novo dia expulsas mensageiros
Do Pai que nos amando entrega em sacrifício
Seu Filho a cada instante, assim é desde o início
E tolo, nada vendo, és tu entre os primeiros

A crer na eternidade e matar os cordeiros.
Assim é na verdade, o nosso Santo Ofício,
E nele a realidade expressa em fome e vício
O desamor no qual em atos corriqueiros

Expões na velha cruz o que disseste o Cristo,
Pois nele a humanidade e também eu existo.
Perpetuando assim a tosca hipocrisia

Na velha prostituta está neste mendigo
Que matas se não vês omisso desabrigo,
E depois numa Igreja a imagem salvaria?

24019

Mistério que se mostra eterno e doma
O pensamento humano e mostra o quanto
Ainda não se sabe e quando nos assoma,
Estreita-se o caminho, entre agonia e canto,

Vivendo por viver, a verdade nos toma
E nela vez em quando, o riso, o medo e o pranto,
Saber que nada sei reduz a velha soma
E ao ver o quão vazio, agônico me espanto.

Estranho-me no espelho e nada mais de mim
Eu sei, nem onde irei, tampouco porque vim,
Se o vago que sou eu ainda não traduz

Sequer o que pensara o que será no fim
Se não houver um sonho e perecer Jardim,
Aonde caberia ainda crer na cruz?

24018

Numa idiossincrasia, a dor entranha e ri-se
Medonho antagonismo, o ser e o nada ser
Aonde se veria algum tosco poder
Talvez até pareça, uma mera tolice,

Mas quando uma incerteza adentra-se; desdisse
O que se fora certo e morto passa a ter
Caminho que ilusório, um dia irás perder.
O preço do vazio, a sombra a se verter

Tomando o que brilhara e neste lusco fusco
Encontro mais distante o que deveras busco.
Excêntrico desejo, etérea companhia,

Assim fragilizado, o forte esvaecido,
Perece desde quando adentra em cena o olvido
E depois de passado, o nada se recria...

24017

Imaginável rota aonde eu poderia
Entranhar o desejo e ter felicidade,
Apenas o não ser em lástimas invade
E nada se refaz, e nada assim se cria,

Eterno transformar, a morte me daria
A vida que da vida, expondo eternidade
Realça o quanto fui e serei na verdade,
Um ser sempre mutante, eterna sincronia.

Mas quando enfim sonego a vida após a vida
Ao me deixar arder em forno crematório
Termino o velho ciclo; sem nada que reflore-o

Jardim de uma existência aborta-se e, perdida
O que já fora outrora uma renovação
Em cinza se transforma e nela, a negação.

24016

Não quero mais me dar ao luxo de sonhar,
Zelando pela sorte, o tempo me destrói,
E aonde houvera força, a vida já corrói
E nada do que quis, ainda irei tocar,

Fazendo da esperança algum imenso altar,
O medo me tragando o nada se constrói
E tudo que era meu, a vida aos poucos rói,
Arruinado sonho, um fardo a carregar

E nele percebendo o quanto nada valho,
Esqueço da ilusão, quebrando um frágil galho
Aonde me mantinha em sonhos; sustentado

Percebo que em verdade, apenas solidão
Depois de tanta luta; o mesmo e velho não,
Parceiro mais constante encontra-se ao meu lado...

24015

Embora muita vez eu siga introspectivo
Ensimesmado mesmo, até de ti me afasto,
Carrego dentro da alma, um furor tão nefasto
Aonde outrora fora, audaz, mesmo lascivo,

Agora sem ter força apenas sobrevivo,
O tempo que em vazio, ainda teimo e gasto
O gozo que não veio; o amor singelo e casto,
O riso prazeroso. Ambíguo mundo, eu vivo

E sei que depois disto, o nada me consola,
Açoda-me a vontade, a morte, uma pistola
E o rito suicida, a forca ou o veneno.

No fundo ainda resta uma força menor,
Caminho que conheço e sei até de cor,
Mas quando vejo a vida, eu sempre me apequeno...

24014

Isolo-me de tudo e nada me apetece
O não ter e não ser, devora o que foi gente,
Por mais que alguma luz, ainda teime e tente
O vazio completo, aos poucos já se tece.

E quando em minha vida eu sinto que anoitece
O que pensara ser, deveras tão urgente
Morrendo em nascedouro, impede que se atente
Aonde houvera brilho, em trevas escurece.

Não posso me furtar, mas ando tão cansado,
A solidão e o medo, andando lado a lado
Não deixam que se sinta um novo amanhecer,

Queimando em carne viva, ardências desumanas,
E quando sem sentir; a sorte, tu profanas
Não vês que a vida assim, começa a se perder...

24013

A chama da esperança ainda está bem viva
E dela já se emana etérea fantasia
Que sempre se renova e muda a cada dia
Trazendo em belo porte uma presença altiva.

Mas quando deste fogo, o coração nos priva
Aonde se fez luz, a treva imperaria,
Apenas sem proveito, esta mesquinharia
Que embora me transtorne, em cicatrizes criva.

Um embrião que a vida aborte e não permita
Sobreviver se perde e uma alma se faz brita,
Na ausência da esperança, apenas frialdade.

Num gélido caminho, olhar sem horizonte,
Sem ter sequer a luz que ainda guie e aponte
É força que com tempo, aos poucos se degrade...

24012

A liberdade acende ao fundo esta luzerna
Que tanto nos conforta e ao mesmo tempo fere,
Nas tramas desta vida, a sorte se interfere
E quando a embarcação, aos ventos já se aderna

O tempo se demonstra em lástima que eterna,
Mudando a direção, do nada ao nada gere
E faz com que o vazio em nós retorne e impere.
Num libertário canto, a dor se mostra terna.

Não tendo a mesma sorte uma alma procelária
Encontra a cada dia, a falsa luminária
E queda-se em tropeço, andando sempre às cegas.

Diversa da que tem nos olhos a esperança
Que mesmo em temporais, segura mais avança
Não importando o tempo, eu sei que tu navegas...

24011

Estátua do passado em bronze burilada
A vida é um cinzel e transforma deveras
Além do que pensara enquanto degeneras
Do nada que vieste, ao retornar ao nada.

E quando se percebe a longa caminhada,
Diversas estações, distantes primaveras
Hiberna o sentimento, as horas sendo meras
O quanto mais queria; imagem congelada.

Simples fotografia, um espelho renega,
O vinho que se guarda em boa e nobre adega
Persiste muito além aumentando o valor,

Mas quando se entregando aos dissabores vários,
Os prazeres sutis, eternos adversários
O bronze outrora firme encontro a decompor...

24010

O amor tem rituais, aos quais não caberia
Um julgamento tolo e estúpido de quem,
Achando-se supremo enquanto inda convém
Tentar se imiscuir numa outra fantasia.

A mão que me acarinha é a da poesia;
Erótico prazer se meu, de mais ninguém,
E quando uma vontade enorme toma e vem,
O que faço com ela amigo, eu não diria.

Se eu bebo, fumo e gozo, o problema é só meu,
O falso moralismo há muito se perdeu,
Hipocrisia é fato; o amor já não comporta

As trevas do passado, as imbecilidades
A arcaica burguesia estende suas grades
E teima inda em fechar dos sonhos, cada porta...

24009

Pudesse inda manter uma soberania
E ter em minhas mãos controle, pelo menos,
Dos sentimentos vãos, dias bem mais serenos,
Mas quando acordo e sinto o quanto se esvazia

O que restara ainda, em louca fantasia,
Os dias que pensara ainda serem plenos
Escondem desde cedo, o sol, a luz e Vênus
Em névoas eu percebo a sorte que me guia.

Não tendo solução, a vida nada traz
Senão este marasmo aonde quis a paz,
Tempestade se aflora e tudo é sempre igual,

A morte; quem me dera, ouvisse a minha voz,
A sorte não seria, assim, cruel e atroz,
E a luz encontraria ao menos no final.

24008

Fui néscio, reconheço; ao crer num falso guizo
Aonde se mostrava uma ilusão qualquer
Acordo e nada vejo, encaro o que vier,
E sei que na verdade, o sonho inda é preciso.

Pudesse num momento o sol sem ter granizo
A sorte mudaria e havendo o que inda houver
Teria com certeza o quanto inda me quer

Resquícios do passado, a sombra me acompanha,
E quando imaginara além desta montanha
Um vale mais sereno, apenas um remanso,

Encontro no final, imensa cordilheira
Se tudo foi em vão, e a sorte já se esgueira,
Apenas o vazio em água turva alcanço...

24007

A turba se perdendo em meio aos temporais
Quisera algum lirismo e tudo cor de rosa
A vida na verdade, uma esperança glosa
E nada do que fui; serei, pois nunca mais.

Os dias que pensara em tons fenomenais
A paz que procurara, embora caprichosa
Durante todo tempo, ausente e belicosa
Apenas escondida atrás destes florais.

Azedo-me e, talvez, já não tenha saída,
Se toda a fantasia em dores convertida
Não deixa que se pense em outra solução.

Meu verso procurara um dia mais tranqüilo,
Mas quando esta amargura entranha-me e desfilo,
Somente os mesmos féis, os meus versos terão...