quarta-feira, fevereiro 03, 2010

24130

O que me resta agora neste mundo
São flores esquecidas nalgum canto,
E quando na ilusão ainda canto
Nas sendas mais diversas me aprofundo

E o coração deveras tão imundo
Apenas embalado pelo pranto,
Lembrando do sutil belo acalanto
Esqueço o meu presente, vagabundo.

Qual fora um mero pária em noite fria,
Ainda se esboçando a poesia
Nas mãos de quem outrora quis o sol,

E quando me percebo tão distante
Do dia que pensara, radiante,
A treva vai tomando este arrebol...

24129

O mais alto de tantos pensamentos
Jamais alcançaria o pedestal
Aonde se encontrando o triunfal
Delírio que apascenta sofrimentos,

Enquanto vou me expondo aos fortes ventos
E aguardo com certeza o temporal
A vida se mostrando trivial
Esconde os mais diversos sentimentos.

Meus versos embalados pelo sonho
Que tanto procurara e recomponho
Usando qual cinzel um simples verso,

Passado se perdendo na lembrança
E quando este porvir risonho alcança
Esqueço o que vivera, tão perverso...

24128

Sentindo em desamor o teu desdém
Um frio pensamento dita a sorte,
Não tendo quem me acolha ou me conforte
Vontade de morrer, deveras vem,

E vivo tão somente por alguém
Que não me quer e busca noutro norte
A fonte que desfila em seu aporte
Enquanto em minhas mãos nada contém.

Vazio coração espera tanto
E enquanto neste sonho em vão me encanto
Encontro o que pensara não mais ter,

E os olhos que perdidos no passado,
Agora vendo o fundo abençoado
Do céu neste tão lindo amanhecer...

24127

Aonde se fizera amor tão fútil
A paisagem muda no final,
Esgueiro-me das ânsias do animal,
E tento mesmo sendo vago e inútil.

Ascendo ao nada ter e nisto faço
Um verso que possa me conduzir
Ainda se acreditas no porvir,
Permita que eu repita cada traço

E beije a podridão que já se exala
Da velha poesia semimorta
E quando noutro cais a vida aporta
A noite que pensara ser de gala

Esboça-se em venal caricatura
E o fim de uma ilusão já se afigura...

24126

Escondo-me nos ossos de quem fora
Ainda há pouco tempo e da carniça
A glória da esperança já se viça
Uma alma se mostrando sonhadora

E quando noutros tempos; tentadora
Mortalha muitas vezes movediça
Fornalha da ilusão trama em cobiça
A morte no final, expectadora

Aonde se mostrara este cenário
Uma esperança atroz, desnecessária
E o fogo se espalhando, temerário.

Queria pelo menos ver a face
Daquela que se mostra a luminária
Da fúnebre paisagem, o desenlace...

24125

Apenas a renúncia doma a fera
Que habita estas entranhas e devora
Aos poucos quem sustenta e sem demora
Atocaiada; a vida degenera,

Aquém do que uma sorte ainda espera
A morte se mostrando a qualquer hora,
Aonde uma esperança vai embora,
Vazio após vazio, o nada gera.

Esqueço-me deveras desta sina,
E bailo frente aos olhos da assassina
Mordazes alegrias; não escondo,

A cada bote seu; outra ferida
E assim embora tosca, vã, perdida,
Uma ilusão; me vejo enfim repondo...

24124

Atrevo-me a pensar em claridade
Depois de tantas noites entre trevas
A sorte entre estas luzes mais longevas
Permite esta esperança que me invade.

Aonde houvera medo; ânsias e grade
O amor em dores feito, trama levas
E enquanto mais distante ainda nevas
Um ar primaveril que tanto agrade

Permite uma faceta mais diversa
E quando em fantasia uma alma imersa
Esgarça a rota veste e se desnuda

Alvoroçadamente a vida eclode
Crisálida que em cor sublime explode,
Alma que agora canta, outrora muda.

24123

Ouvindo nesta noite a voz do vento
Trazendo a vã notícia do final,
O quanto desejara um cais, a nau
Naufraga num vazio sentimento.

E quando em temporais eu me atormento,
Pensando neste mundo desigual,
Ascendo ao mesmo instante o pedestal
Enquanto na verdade, me arrebento.

Volátil luz se emana da ilusão
E dela volto à mesma escuridão
Esgueiro-me entre treva e lusco-fusco,

Aonde se fizera um leve brilho,
O dedo no revólver; engatilho
E a solução fatal, mais manso, eu busco...

24122

Numa ânsia sem limites, infernal,
Angústia vem tomando toda a cena,
A morte num momento já me acena
E bebe com fulgor seu ritual,

Ascendo ao nada ter; termo final
Aonde não desejo sequer pena,
Se a vida por si mesma não serena
O coração de um tolo, vil boçal

Que posso se não tenho mais saída,
Apenas esperar o fim da vida,
Adormecendo em mim a louca fera,

Que tanto se aflorara no passado,
Agora com certeza, abandonado
O velho coração, seu fim espera...

24121

Acendo este cigarro embora nele
A morte se apressando a cada trago,
O quanto do vazio ainda trago
Floresce enquanto a vida me repele

O gozo que não tenho mais presente,
O medo do futuro que não vem,
Encontro destinado contra alguém
O olhar já deturpando o meu presente,

Audacioso passo? Fui capaz,
Agora sem ter forças eu me entrego
E sigo pela vida em rumo cego,
Aonde poderia ser audaz

Um ser que se definha a cada instante
Embora tenha uma alma delirante...

24120

Alheia aos medos vários que dominam
A face demoníaca se expressa,
No quanto se desvia mais depressa
Os rumos do vazio se aproximam.

E quando nada houver sequer a glória
Ainda se fazendo sem pudor,
Ao Pai, o nosso imenso Criador
Deboches; ser humano vil escória

Já conseguindo então seu objetivo,
Destroçando o que resta por inteiro,
Enquanto no poder sexo e dinheiro,
Eu agradeço a Deus por estar vivo.

Medonhos precipícios, longos sismos,
Aos pés desta pantera, vãos, abismos...

24119

Devasta-se sem tempo e nem defesa
A Terra num martírio demoníaco,
O olhar do ser humano, este maníaco
Prepara o Apocalipse, sobremesa,

Deitando no vazio tal herança
Que Deus deu num momento feito amor,
Destroços esboçados no terror
Matando desde já uma esperança,

Aonde quer que eu vá, percebendo ira
Do Pai em tempestades, furacões,
Dos dias que virão; fúrias, verões
Sem ter nenhum poder que inda interfira,

Insuportável ar, furor desértico,
Um ser tão desprezível, tosco e aético.

24118

Diversa deve ser sempre a temática
De quem já filosofa e tenta crer
Teimando desfiar em cada ser
Além do que propõe a matemática.

A vida não se mostra assim estática
Tampouco sendo insólito o prazer
Não devo nem por isso perecer
Nem mesmo vou mudar a minha tática.

Assim novo poeta; eu não serei,
Arcaica e démodé a minha grei
E nele, só por ela é que inda traço

Em ritmos compassados os meus versos,
Que seguem pelas ondas, tão dispersos
E um dia ocuparão algum espaço.

24117

A fonte inesgotável tendo a mística
Palavra que se molde ao que bem tento
Bem mais do que transmita o pensamento,
A vida se moldando em estatística;

A veia em que transborda a luz artística
Exige que ao seu tempo siga atento
Perdido sem valor exposto ao vento,
Meu verso traz em si velha balística.

Num sísmico tremor, aumenta o tédio,
Explícito caminho sem remédio,
Enojo-me deveras deste nada

Aonde se transcorre a atualidade
Sem fonte, sem palavra que te agrade
Assim se faz a nossa caminhada...

24116

A mágica do mundo sepulcral
Invólucros diversos são crisálidas
Aonde dores fartas, mãos inválidas
Transgridem a beleza sideral

Vagando pelas ânsias deste astral,
Mergulho em luzes tantas, toscas, pálidas
Buscando multiformes luas cálidas
Fazendo do meu canto um ritual,

Assédios de satânicos delírios
Prenunciando assim duros martírios
Entre cores diversas, vão dispersos

Os sonhos que deveras acalento
Tomados pelas ondas, forte vento,
Anárquicos caminhos de universos...

24115

Homem pelo medo já vencido
Num ultra e farto gozo esta quimera
Que a tantos causa espécie e destempera
Aonde reinaria esta libido

O gozo pelo gozo diz olvido
E o tempo entre tais teias trama a espera
No olhar inebriante desta fera
O tempo sem ter tempo adormecido,

Esgota-se em si mesmo o fratricídio
Aonde humanidade principia
E quando se mostrara em vão; decide-o

Caminho feito em treva desde o início,
A sorte que transborda em agonia,
Tramando sem defesas precipício...

24114

Meu corpo putrefeito se escancara
E beija esta carcaça do que fui,
Enquanto a fantasia se dilui
E a morte em vida agora se declara

A sorte desmedida, mas amara
Escarpas entre medos; evolui
E o quadro se desfaz enquanto rui
A casa que decerto nunca ampara

Acerto minhas contas e pressinto
Que aonde imaginar algum absinto
Apenas tão somente a embriaguez,

E quando num excêntrico caminho
Da morte insofismável me avizinho
Eu perco a cada instante a sensatez...

24113

Arrulha esta ilusão, pombo correio
Dizendo do passado, escondo agora
O quanto não virá e sem demora,
Não posso mais conter sequer o anseio,

Dizendo desde sempre ao que não veio,
A sorte noutras cores se decora
E quando a poesia vai embora
Não tendo quase nada, tosco esteio,

Agarro-me ao que resta e sei tão frágil
O que se outrora fora bem mais ágil
Demonstra tão somente no naufrágio

O beijo ardente e tolo da esperança,
Aonde quis viver, vejo a vingança
Cobrando com a vida, um imenso ágio...

24112

Tal qual uma esperança perde o senso
Andando sem destino; busco a paz
E sei que quando a sorte se desfaz
Apenas num momento ainda penso,

E quando o céu se mostra escuro e denso
Nem mesmo uma ilusão me satisfaz,
Aonde se quisera mais audaz,
Encontro este vazio enorme, imenso

Se eu tento decifrar cada caminho
Por onde poderia, em vão me aninho
Nos braços de quem sempre atocaiara

E nesta espreita sinto o firme bote,
E mesmo que esta vida vã se esgote
Agora, só no fim a noite é clara...

24111

Perdidas ilusões deixando marcas
Profundas nos meus olhos sonhadores
Se tudo o que pensara fossem flores
Diverso do que agora onde abarcas,
As horas prazerosas sendo parcas
E nelas se puderes onde fores
Terás bem mais bonitos os albores
Nas mansas fantasias que ora embarcas.

Assédios das complexas emoções
A vida se tomando em vãos senões
No fundo tudo aquilo que mais quero
Espelha-se na face da pantera
Aonde algum alívio uma alma espera,
O brado que ressoa ao longe, fero...

24110

Aonde se pensara em simples gozo
Ecléticas daninhas seduções
Tomando já de assalto os corações
Moldando um tempo amaro e pavoroso.

Quisera pelo menos prazeroso
O dia em que sabendo dos verões
Não se perdera a rota, as estações
Agora num caminho caprichoso.

Mecânica na qual tal engrenagem
Enferrujada traz somente o não.
Aonde se buscara a direção,

Perdida há muito tempo esta viagem,
Arguto caminheiro do futuro,
Jamais verei a luz que aqui procuro...

24109

O tempo se mostrando em tom fanado,
Mistérios escondidos desde quando
A vida que em Jesus se transformando
Deixara algum caminho, um manso Fado.

Porém ao homem cabe tanto enfado
Um mundo bem suave, e bem mais brando
Distante do que busca, deformando
O amor com que universo foi criado.

Percebo a morte audaz a me tocar
E quando não mais vejo algum luar,
Semeio a tempestade que colhi.

Bebendo a fetidez de um tempo insano,
Mostrando o quão deveras sou humano,
O Inferno em própria vida; eu vejo aqui.

24108

O quanto do passado se relê
Nos fatos que acontecem dia a dia,
Enquanto a podridão inda nos guia
O homem, sem procurar, no nada crê

Prazer pelo prazer, o que se vê
E nesta falsa luz, tosca ardentia,
O que talvez pudesse fantasia
Agora na verdade, sem por que.

Estúpidos fantasmas me acompanham,
Demônios que deveras inda crio,
E quando desviar-se o velho rio,

Perdendo as ilusões que ainda arranham
Invés da claridade, eterna treva,
Aonde um tempo brando, em fúria neva...

24107

Atemporais prazeres, fim de Império?
Divergem, mas deveras se aproximam,
Enquanto gozos fáceis nos dominam,
O mundo se perdendo sem critério.

O quanto desejara no Mistério
As luzes que por certo já se primam
E quando amores/dores inda rimam
No peito de quem sonha, um vão minério.

Graníticos momentos, alma esquálida
Aonde se perdera esta crisálida
Desvendo este cenário em palidez.

Buscara a Salvação, estando atento,
Com meias soluções não me contento
Ainda teimo e busco a sensatez...

24106

As folhas se perdendo neste outono,
Aonde a primavera se desfez
Bebera do carinho em altivez,
Agora o que nos resta, este abandono.

A sorte que se busca e não abono
Mergulha em total insensatez,
O mar que noutras cores tu já vês
Estúpida ilusão, pois tem seu dono.

Aonde se pudesse crer num fato,
O medo sem temor, se eu desacato
Transforma vento frio em temporal,

Agônico caminho, a humanidade,
Sem mar que se percorra, o vago invade
E o rito se tornando sempre igual.

24105

Não sei se tu reparas ou se notas
O quanto não se pode mais sonhar.
Ausente desta terra algum luar,
As velhas esperanças seguem rotas

Diversas do que outrora em vão denotas
Usando com ardor de um lupanar
Aquilo que seria algum altar
Enquanto; esta roupagem, amarrotas.

Servir ao nosso Pai e Criador
Num tempo feito em gozos e prazeres,
Além do que buscares e quereres
Será bem mais difícil e encantador.
Palavras nada mais representando,
O Amor em falsa face se mostrando...

24104

Acordo e vendo a vida em polvorosa
Demônios disfarçados pelas ruas,
E enquanto o teu caminho continuas
Pensando neste mar sublime em rosa,

A sorte que deveras sempre glosa
Tornando em realidades duras, cruas,
Ao ver que mais distante tu flutuas
Estampa a sua cor mais desairosa.

Não deixe se levar por esta imagem
Que embora te pareça feita em luz
Às trevas mais profundas te conduz

E saiba quão difícil tal viagem,
Gargalhando-se irônico Satã
Colhendo com vigor seu frio afã.

24103

O canto se espalhando em fogo e guerra
Além do que julgara ser possível
Na fúria de Satã tal força incrível,
A quem resistirá destino cerra.

E a porta escancarada desta Terra
Deitada sobre a fome do impossível,
Fazendo todo gozo ser mais crível
A salvação deveras já se enterra.

Não creia que o Demônio te ofereça
Um mundo mais atroz em que padeça
A sorte se fazendo negativa,

Muito ao contrário, nele tu terás
Prazeres incontáveis; mas voraz
Não deixa que tua alma sempre viva...

24102

Desmaia sob o açoite da esperança
Esgueira-se a serpente, e o Paraíso
Há tanto prometido em prejuízo
Ao fogo deste inferno já se lança,

Nas mãos do Redentor a frágil lança
Enquanto humanidade sem juízo
Esboça com sarcasmo algum sorriso,
O Cristo não reluta nem descansa.

Quisera ter a força do Meu Pai,
Porém enquanto o medo ainda me trai
Não tenho outro caminho senão fuga.

Pois quanto mais resisto à tentação
As armas de Satã, cedo virão
Tomando minha face em cada ruga...

24101

Por onde se espalharam tais gemidos
O açoite sobre a pele quase nua,
Ensangüentada cena continua
Vergastas dizem dias mais sofridos,

Os sonhos libertários esquecidos
Uma alma se evadindo em vão flutua
Ao longe, enlanguescida, deita a lua
Enquanto o servo perde os seus sentidos.

Por vezes este fato se repete
Na fome e na miséria, no pivete
E sendo desde sempre até o fim

A História não desmente a realidade
E mesmo que este espelho desagrade
É nele que decifro o que há em mim...

24100

Qual fora da esperança solta vaga
Que adentra-se na areia e toma a praia,
O amor quando demais nele se espraia
A sorte que desejo e não se apaga,

Aonde se mostrara outrora vaga
Agora com certeza, em luz desmaia,
Alheia ao sofrimento já não caia
Nos erros que cometes nesta plaga.

Não se deixe levar por manso mar,
Pois nele só tormenta há de encontrar,
Uma enganosa face em falsas luzes.

E saiba onde tu pisas; nunca viça
A planta numa areia movediça
À qual sem perceber tu te conduzes...

24099

A vaga beija a praia em luzes tantas
E quando vês sublime maravilha
O pensamento amada, também brilha
Nas tramas de um verão tu já te encantas

E as horas em que douras pele, santas
Alvissareira e brônzea estrada trilha
Distante de teus olhos, quase milha
Percebo a claridade em belas mantas

Deixando para trás qualquer tormento,
Sentindo neste vento o que acalento,
Amor em mansidão, luzes solares.

Aonde tu seguires minha amada
Será decerto feita a caminhada
De quem tu escolheste para amares...

24098

Banhado pelo sol; esqueço a lua
E encontro bem mais forte claridade
Que enquanto mansamente chega e invade
Uma alma se dourando já flutua

E enquanto se desfaz, amarga e nua
A sorte que outra senda desagrade
Arcando com cruel fatalidade
A morte sem defesas, vêm à rua

E tomando de assalto quem outrora
Aos raios deste sol se demorava
E agora tão distante se apavora

Mudando o seu destino, num segundo,
Aonde fora sol, do mundo em lava,
Nas sanhas dos mistérios me aprofundo.

24097

Banhado em tantos prantos quanto sei
O dia em que talvez fosse feliz,
Espera uma alegria, a sorte diz
Do quanto se perdera noutra grei

O mundo que deveras procurei,
O encanto refugio e por um triz
O todo que em desejo e peço bis,
Não pode respeitar arcaica lei

E trama do futuro outro sabor,
Sem ter quase mais nada o que propor
Um torpe caminheiro segue só,

Da estrada que pensara redentora,
A senda que julgara salvadora,
Deixando a quem se deu, poeira e pó.

24096

Se encontro em nosso amor com tanto afinco
O quadro que deveras imagino,
Ainda se pudesse, qual menino
Que enquanto co’ilusão ainda brinco

Deixando este telhado feito em zinco
Aonde uma esperança dobra o sino,
Completo e mais perfeito desatino
A porta sem ferrolho, amor sem trinco.

Escapa-me das mãos esta certeza
E quanto mais cruel a correnteza
A sorte que se preza, presa está

Do encanto que se molda a cada dia,
E enquanto em tanto brilho se fazia
A vida se afastando desde lá...

24095

Descendo pelas margens deste rio
Sabendo que talvez não veja a foz,
A sorte se mostrara tão atroz,
Mas como um louco, insano desafio
Vencendo a cada dia, um mundo crio
Aonde se perceba sem algoz
E possa-se escutar mais forte voz,
Assim o meu futuro já desfio.
Aonde se moldara a cordilheira
Minha alma da esperança ora se inteira
E sabe que depois existe um vale,
Aonde em plena paz possa colher
Os frutos que exalando tal prazer
Jamais permitirão que o amor se cale.

24094

Pudesse então minha alma renascer
E trazer noutros dias esperança
À qual quando deveras a alma se lança
É tempo de buscar novo prazer.
Vivendo tantas vezes por viver
Sem ter sequer amor ou aliança
Que possa se guardado na lembrança
Um fato tão difícil de esquecer.
Por vezes, na verdade, sou mesquinho,
E quando encontro pedra, cardo, espinho
Desvio o meu caminho e nada disso
Ajuda ao andarilho que procura
O sol em noite amarga, dura e escura,
Neste solo arenoso e movediço.

24093

Ainda que não possa ter nas mãos
As cores que já sei não mais verei,
Aonde se pudesse ter a grei
Na qual os dias fossem menos vãos,
Plantando com ternura versos, grãos
Fazendo da alegria a minha lei,
Quisera num castelo que sonhei
Vivêssemos os sonhos sem tais nãos.

Alcançaria a glória de poder
Ter neste olhar um novo amanhecer
Na aurora multicor, belos matizes,
E assim ao perceber tanta ventura,
Vida que noutra senda se aventura
Traria dias calmos e felizes...

24092

Pudesse pelo menos em velhos cantos
Ao traduzir antigas melodias,
Diverso deste encanto que desfias,
Apenas me restando amargos prantos,

E quando me perdendo em desencantos
Encontro o que inda restam; agonias,
Aquém deste verso onde dizias
Dos dias mais felizes, foram tantos...

E cabe-nos talvez, lutar ao menos
Por dias mais tranqüilos e serenos
Usando para tanto a luz que resta

Aonde se pudera ver o brilho
Do rumo que, sem mágoas sigo e trilho,
Sem ter lua a escolher, aquela ou esta...

24091

Quisera ainda ter no olhar o estio
Que há tanto se perdeu num longo outono,
E quando mais distante inda ressono
Um ar primaveril, em sonhos crio.

Pudesse ter mais longe o vento frio
Que apenas traduzindo este abandono,
E quando com saudades telefono,
Respostas, não escuto; horas a fio...

Mudasses pelo menos uma vez,
O amor no qual deveras já não crês
No todo desta vida ao menos resta

Uma leda esperança e nada além,
E quando em noite escura, o sonho vem
Invés deste amargor, sorriso e festa...

24090

A flor que ao se murchar nega o verão
Tramando um duro inverno a cada dia,
E enquanto cada sonho desfazia
Apenas frias noites que verão

A sórdida figura da paixão
Aos poucos se perdendo em fantasia,
A noite sem ninguém tanto esvazia
Deixando em teu lugar, a solidão.

E beijo das sarjetas, aguardentes
E peço, pelo menos que tu tentes
Mudar este sarcástico sorriso.

E quando tu vieres, não comentes
O imenso asco que ainda sei que sentes
Do tempo em que me amar fora preciso...

24089

As horas que, mundanas me desdenhas
Descreves o abandono como fosse
Um mote que deveras agridoce
Traduz das ilusões, enigmas, senhas.

Embora sei o quanto te convenhas
Fazer do desencanto em que se trouxe
Além do que este amor em ti; findou-se
Também toda a verdade que inda empenhas.

Palavras nada valem, vento leva,
E enquanto o sol se esconde e vejo a treva
Atrevo-me a pensar noutro momento,

Mas sei que tu não vens e nem virás
Aonde se buscara ao menos paz
Sem ter sequer o amor, me desalento...

24088

Fizesse dos festejos, belas galas
Banquetes e delírios entre mesas,
Aonde se mostrara em sobremesas
Fulgor que não percebes, mas exalas,

Porém este ar tão pútrido que inalas
Não deixa que se veja em ti belezas
Lutando contra as fortes correntezas,
Expondo-se desnuda em ricas salas.

Perdendo cedo o brilho aonde há vida,
A moça sem saber prostituída
Usada como fosse um brinde apenas,

Sem ter noção do quanto é caro
O amor que em timidez já não declaro,
Com um tolo sorriso tu me acenas...

24087

Prazeres que buscara noutras sendas
Agora vão distantes dos meus dedos,
Amores envolvidos em segredos
Que sei, somente tu inda desvendas,

Paixões se transformando em ledas lendas
Restando tão somente os velhos medos,
E teimo em prosseguir, mesmo em degredos
Diverso deste encanto em vãs emendas

Não pude mais pensar em gozo e festa
Se tudo o que em verdade ainda resta
Não vale nem sequer algum nuance

Da sorte amargurada que legaste
A vida vendo a luz em tal contraste
Não deixa que alegria um tolo alcance...

24086

O quanto em puro amor inda consiste
O verso que sonega uma esperança,
Nos bailes da ilusão, meu sonho dança
E a noite já se dana amarga e triste.

Aonde desejara, enfim desiste
E ao vago deste rumo amor me lança
Deixando tão somente na lembrança
Um resto de prazer que ainda insiste

E toma cada instante desta vida
Que embora muitas vezes vá perdida
Não deixa de pensar em novo dia,

Aonde a luz que outrora me guiava
E aos poucos se tornando de outro, escrava
Deveras sem ter brilho a ninguém guia...

24085

No campo aonde estava essa ilusão
De um mundo mais tranqüilo e até bucólico,
Verdade se moldando em tempo insólito
Transmite a mesma idéia, negação.

E quando as fantasia que virão
Trouxerem o futuro melancólico
Verás o que pensaras ser heróico
Morrendo bem distante, noutro chão.

Assim imagem falsa e deturpada
A sorte há tanto tempo não diz nada
E, omissa não permite que se creia

Ainda num momento mais feliz,
Se a própria vida nega e isto desdiz,
Que faço, meu amor, da lua cheia?

24084

Eu sinto no rumor de antigas salas
Presença do que fui e o tempo leva,
Aonde uma esperança existe, neva
Dos sonhos almas não podem ser vassalas.

E quando ao mesmo instante ainda falas
Dos dias em que a luz negando a treva
Moldaram fantasia que se entreva
E muda ao mesmo tempo em que tu calas.

Não posso mais seguir o brilho falso,
Tampouco de ilusões, inda me calço
E vejo após a noite, esta neblina

Que enquanto toma o céu, no alvorecer,
Deixando para trás qualquer prazer,
Algema uma esperança e me domina...

24083

Em ermos descaminhos luzes falsas
Aonde poderia ter a sorte
Apenas solidão inda comporte,
As emoções deveras vão descalças

E quando outro momento em paz tu alças
Não vês que me tomando o rumo e o norte
Tu deixarás somente o medo e a morte
Que sem tu perceberes já realças;

Aonde se fizera algum proveito,
O amor que te me trazes não aceito,
Expondo desde sempre a falsa idéia

De um tempo em que se possa acreditar,
O brilho que inda trazes neste olhar
Irônico, desfilas p’ra platéia...

24082

Aonde poderia ter um resto
De luz que me dourasse, nada havendo,
Apenas solidão; inda desvendo
E tudo o que eu buscava em vão, funesto.

E quando a fantasia; em sonho atesto,
Encontro alguma luz, cruel adendo,
Da infausta sensação, lanterna, acendo
Bebendo da ilusão, sonhos, detesto

E finjo que tal luz possa guiar
Embora tão distante do luar
O brilho determina o passo e o tom,

Nas ânsias de um momento mais feliz,
A sorte por si mesma já desdiz
Mandando, como engodo este neon...

24081

Um solitário cavaleiro busca
Em noite clara se entregar ao sonho
E quando a fantasia; assim componho
E luz da lua cheia toma e ofusca

Deixando no passado a eterna busca
Um pesadelo expõe um ar medonho
E aos poucos sem ninguém eu já me exponho
À férrea solidão tola e patusca.

Ao procurar, inútil, quem me queira
A derradeira estrela, companheira
Também me abandonado atrás das serras,

E vendo este martírio interminável,
Num ato resoluto e indecifrável
Janela de teu quarto, também cerras...

24080

Venenos que me deste em raras taças
Nos cristalinos sonhos nada além
Do quanto este vazio já contém
Destino que deveras nulo; traças.

Aonde se pensara em luas, praças
Apenas solidão; procuro alguém
E sei que na verdade nada vem
Somente a frialdade em vãs desgraças;

Convulsas emoções, o amor nos dita
Mas quando a sorte é vã, torpe e maldita
O que me move então? Louca esperança.

Ardendo no meu peito o saber que
O instante que se espera não se vê
Olha ao infinito, o amor me lança...

24079

Enquanto vejo luto em luz sombria
A dor inevitável dita a sorte
Aonde se pensara em quem conforte
Somente a solidão ainda havia

Vivendo sem demora a poesia
Aonde se moldura a vida e a morte
Num mundo que negando via e aporte
Escuto da esperança a melodia

E sendo esta quimera tão terrível
O quanto imaginara ser possível
Encontro ora vazio, simplesmente.

Alcanço com meu verso outra ilusão
E sei que os tolos me trarão
A fantasia à qual vida desmente.

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O amor se verdadeiro nos liberta
Já não suporto algemas nem correntes
Jamais traduziria atos dementes
Embora sua senda seja incerta

Quem vive o falso amor logo deserta
Levado por caminhos envolventes,
Mas quando ele vier; amiga, tentes
Fugir deste tentáculo que te aperta.

Não se deixe levar em descaminhos,
Amores se reais, ditam carinhos
Trazendo tão somente a liberdade

Viver a plenitude sem deixar-se
Levar por fantasia ou vão disfarce
Não deixe que uma luz demonstre grade...