terça-feira, julho 25, 2006

No sertão da Solidão


Nasci no sertão de meu Deus, perto de uma curva do Rio Solidão, lá pros lados da Serra da Borborema.
Criado ouvindo o gemido da ema, o mugido do gado faminto e as lamúrias e ladainhas de minha avó.
Filho do nada e de Inalda, moça bonita que partiu para o Rio de Janeiro e morreu no cais do porto.
Assassinada por um estivador apaixonado. Enterro de pobre, vida de pobre, prostituta envelhecida precocemente.
Boi, gado, boiada, fome...
A vida me maltratando com as esporas do destino cravadas no lombo, a mão pesada do patrão, as marcas das amarras e das surras. Moleque matreiro, boi indomável, dei muitas e muitas rasteiras no corisco do azar.
Mas o pequeno boiadeiro cresceu, virou o rei da vaquejada naquelas terras, terras do Coronel Antonio Carlos, velho cruel e protetor.
Os amigos eram protegidos, mas os desafetos, bala e carabina, fuzil e estricnina, morte e sofrimento.
Varrendo todo o sertão da Bahia, égua baia, vida baia, no cocho da esperança, o sal penetra fundo e inunda de sede quem tenta a sorte.
Rei das vaquejadas, meu futuro estava traçado, montando os cavalos bravos e rompendo o sertão de Minas, lá no Jequitinhonha, acabando no mar, como o Riacho que norteava a vida, o riacho da Solidão.
Seu moço, não quero agradar a ninguém, se quiser pode ir embora que não me importo não, mas se quiser me conhecer, é melhor preparar o estômago e agüentar o tranco.
Filho de prostituta e do nada, sou víbora também, não sei suportar arreio, de tanto chicote não temo mais nada, nem a espora dos coronéis nem os anéis das Marias nem das Joanas.
Quero, antes, a liberdade do vento na cara. Essa marca nas costas lembra um A, mas não é marca do gado que não sou mais, é marca do chifre do touro bravo que montei, sangrando.
Liberdade, me falam que estás na bandeira mineira, eu acredito, pois é a minha bandeira, ainda que demorada.
De morada fiz o meu mundo nessa terra sem dono, sem rei, meu reinado.
Meu mundo é o novo, onde não existe mais gado, nem laço, sem cansaço e servidão.
Sem serventia, sem valentia, somente o vento na fuça, o vento tragando tudo. Me inundando de alegria.
Não quero ser coronel, nem quero coronel, não quero jagunço, nem gado e nem montaria.
Quero poder voltar para o Rio da Solidão, buscar minha avó, encontrar Inalda, minha mãe, atravessar o caminho do estivador no cabaret da praça Mauá, quero poder ser de novo um menino, sem marcas e sem esporas.
Quero ser o rei, reinado de menino, reisado e romaria, rota nova, vagando pelo sertão.
Ser tão e tão ser, certo no incerto da vida.
Espera sem espora, sem expor a cara pra tanto tapa. Tapados os olhos, os óleos sagrados de Deus nas costas, onde o A da cicatriz sumiu. Os calos da mão sendo substituídos pelos claros do caminho.
Viver em disparada, sobre meu cavalo correndo pelo sertão, desse reinado sem rei...

Non sense

Tanto quanto poderia,
Falar de tanto que sei
Da vida, nova vida, adia
A vadia que sonhei.
Na avidez de nada ter,
No não temer nem a dor,
De nada tendo a perder,
Lívido, divido a flor
Do pensamento mais louco
Que nada se faz do tanto,
Desse tanto que é tão pouco,
Carregando, levo o pranto.
Na tímida lua nova
Que me inspira tanta luz
Que me traz de novo, a trova
Travada a sangue, no pus
Escorrido pela face
Marcada pelas manhãs
Que, antes que tudo embace
Traz as febres das terçãs.
Me pergunta, nessa espreita
Nova forma, mais disforme
Carregada na maleita
que comigo, amante, dorme.
Quero vícios meus ofícios
Meu principal precipício,
Principiando meu verso,
N’avesso dess’universo...
Tinhas tantas teimosias
Em tuas aleivosias,
Tantas velhas melodias,
São as minhas fantasias.
Quero o sedento sabor
Do mais que a sede dará.
Quero o acre gosto da dor
Na maçã que brotará.
Macia a boca nojenta
Que me escancara desejo
No podre sabor do beijo,
Represa que se arrebenta.
Nocivo gosto de morte,
Transgredindo todo norte,
No topo de minha sorte
Não há ninguém que me importe.
No serão nem no seria,
No sertão, na maresia
Nos olhos de mãe Maria
Trafegando rebeldia.
Quero o medo dos meus medos
Catarse e virginal hímen,
Afagar todos segredos,
Fugindo desse teu lúmen.
Liberdade, tão às moscas
Emboscas e me torturas,
Na noite das luzes foscas,
Tateando nas procuras
De minha cara metade,
Na metade do clarão,
No meio dessa cidade,
No cerne do meu sertão.
Vi teus olhos passageiros,
Teus olhos são os primeiros
Que encontrei nessa viagem
Neles, pedindo paragem.
Falando tanta bobagem
Rasgando meu coração,
Pedindo pelo perdão,
Nas dores, amores agem...
Vou terminar meu incerto,
Concretizar o concreto,
Prometo ser mais discreto,
Amor pedindo meu veto...
Poeta, sempre poeto,
Sempre cometendo rima,
Amar vai trazendo estima,
Estimação de moleque,
Na vida piso no breque.
O resto vai a reboque...
Nas mãos, meu velho bodoque,
Vitrola tocando roque,
Dos versos, final de estoque.
Isso que já cometi,
Nesses versos sem sentido,
Foi porque eu me perdi,
Quando te vi, sem vestido.
Nua caminha na sala,
Embala os sonhos caminha,
A pele, traje de gala,
Que pena não seres minha!

Unção e cura.

Trabalhando numa equipe de PSF na região do Patrimônio da Penha, município de Divino de São Lourenço, no Espírito Santo, durante uma visita familiar me surpreendi com uma dura realidade:
Fui chamado para dar atendimento a uma família que teimava em não receber nem agentes de saúde, nem enfermeiros e, muito menos, médicos.
Ao tentar manter contato, fui recebido pelo “chefe” da família que, arredio ao contato, me informou que “naquela casa, médico não entrava”.
Perguntei o porquê e ele me disse que não teria condições de “comprar os remédios”, ao que repliquei que esses medicamentos não seriam comprados já que ele os tinha pago com os impostos que estavam embutidos nas mercadorias e serviços que utilizava no dia-a-dia.
Sem outros argumentos, me recepcionou e permitiu a minha entrada na pobre casa.
Num primeiro olhar, me deparei com uma realidade estranha; havia três mulheres mais jovens e uma senhora que aparentava uns cinqüenta anos.
Uma das moças, a mais velha provavelmente, apresentava-se com uma erisipela em estado avançado, formando uma úlcera no tornozelo, complicação comum da doença.
Ao, disfarçadamente, perguntar sobre as outras mulheres da casa, a matriarca me interrompeu afirmando que estavam todas boas, inclusive a doentinha.
Segundo ele, a perna da moça estava melhorando e “Deus a iria curar”.
Ao perguntar qual o medicamento que ela estava usando, a resposta veio ágil e firme:
-Água ungida!
Após essa afirmativa, me deparei com um rádio, daqueles antigos que têm ondas curtas, único eletrodoméstico da casa.
Ao conversar com meu auxiliar, fiquei sabendo da história.
Havia um pastor de uma dessas igrejas “de Deus” que, através do rádio, “ungia” a água colocada ao lado do aparelho.
Tal água, após a unção era aplicada sobre a perna da doente.
Obviamente a melhora não estava ocorrendo e a presença da febre alta e da queda de estado geral da moça demonstravam a piora do quadro.
Parei, pensei e tentei arquitetar uma forma de estimular o uso do medicamento.
Rapidamente, peguei um pedaço de sabão de coco, e uma caixa de antibióticos e analgésicos, além de um pacote de gaze e perguntei a que hora era o programa do tal pastor.
Ao ser informado de que iria começar em minutos, pedi para ligar o rádio e, pacientemente, esperei a hora da transmissão do “programa milagroso”.
Solicitei a todos, inclusive ao meu auxiliar, que ouvisse o programa e orassem junto com o pastor, na tentativa de unção do pacote de medicamentos, gaze e sabão de coco.
Dito e feito, depois de “ungidos”, solicitei que, após a perna ser lavada com a água e sabão, fosse dado os medicamentos, todos devidamente ungidos.
A melhora da paciente foi evidente, com a cicatrização da ferida e a cura da erisipela.
A partir desse dia, cada vez que necessitam, transformo o tal pastor em meu maior aliado.
Sem o saber, agora ele está ungindo até vermífugo.

Lobo em pele de cordeiro

Uma das coisas que tem sido veiculada e aceita por uma boa parte das pessoas é a afirmativa de que o Governo Lula e o Governo FHC são parecidos.
Isso é uma mentira descabida, há diferenças estruturais e práticas evidentes.
Imaginemos um estabelecimento comercial, com a mesma estrutura em dois momentos diversos.
Num primeiro momento, o gerente deste estabelecimento vendeu quase todas as mercadorias a preço de banana, vendendo não somente as mercadorias, mas também os armários, móveis, escrivaninha, o padrão da energia, deixando o estabelecimento quase sem estrutura física.
Além disso, foi ao sistema bancário, pegou uma fortuna emprestado e, ao invés de diminuir o déficit da empresa, aumentou formidavelmente sua dívida.
E, finalmente, demitiu vários funcionários, criando uma situação insustentável.
Por outro lado, aparece um outro gerente que, às custas de economias, paga parte da dívida, não vende mais nada, e recomeça um ciclo de criação de empregos.
Qualquer comparação entre os dois gerentes nos dá uma óbvia idéia de diferenças administrativas, isso é claro e evidente.
As desculpas usadas, afirmando que houve um gigantesco desvio de verba do estabelecimento pelo segundo gerente permite duas avaliações:
1- ou o primeiro gerente foi extremamente guloso na expropriação dos bens do estabelecimento ou 2- foi de uma incapacidade administrativa sem precedentes ou os dois.
De qualquer forma, o que me impressiona é a tentativa de se tentar demonstrar que houve igualdade nas administrações.
Aliás, isso é muito comum, a tentativa de se tratar o povo como se esse fosse débil mental.
Não se pode esquecer nunca de que todo poder emana do povo, e em nome deste deve ser exercido.
Não falo que o Governo Lula tenha sido um primor, que não tenha me decepcionado e até me magoado com seus desacertos; mas querer comparar com o período FHC é demais.
Nunca na história recente deste país se viram tantas maracutaias e trambicagens quanto no período tucano/pefelista no governo.
E, não adianta tentar disfarçar, a candidatura de Alckmin e José Jorge não é nada mais nada menos do que a reedição desse período maldito da história brasileira.
O simples fato de se pensar no retorno do país a esses tempos tenebrosos é capaz de criar pesadelos em todos os que querem um país melhor.
A tentativa de se apresentar Alckmin de uma forma mais tragável e dissociado de FHC é como a utilização de uma máscara para tentar fazer pensar que é cordeiro o que tem rabo de lobo e uiva ao invés de berrar.
Não deixemos que isso aconteça, precisamos colocar essa corja no seu devido lugar, no esgoto da história.
Quem quer que ganhe as eleições, exceto esse pessoal que destruiu o país ou por incompetência ou por ladroagem, me dará o conforto de saber que posso deixar algo melhor para os que virão.
Pensem nisso antes de se deixarem levar pela carinha de bom moço ou a aparente “fragilidade” e “inocência” desse tal de Geraldo...

Tucanolândia 20 - vagabundo é o próprio mundo...

Vivíamos, na Tucanolândia de Dom Fernando Henrique Caudaloso, um dos momentos mais difíceis de sua História. Havia necessidade de se fazer uma reforma na Previdência Social, já que o povo tucanolandês, teimosamente, contra todas as previsões, passara a viver mais.
Paralelamente a isso, tínhamos um aspecto interessante e peculiar, coerente com o temperamento disseminado entre a população e , principalmente, entre os governantes: A sonegação.
Sonegação de um lado, aumento do tempo de vida do outro, o que tínhamos era um déficit cada vez maior, o que geraria, indubitavelmente uma quebra no sistema.
Don Fernando não tinha outra opção: tinha que fazer uma reforma o mais rápido possível.
Claro que, se melhorasse o sistema arrecadatório e passasse a punir com mais rigor os sonegadores, isso poderia ter sido resolvido de uma forma mais branda mas, isso seria querer demais do famoso Sociólogo e Monarca.
Pois bem, não havendo outra solução, Dom Fernando alterou as regras do jogo.
Um adendo se faz importante, Sábio e famoso Professor, Dom Fernando havia sido exilado à época da ditadura militar, e isso conferira a ele uma aposentadoria bem mais precoce do que a que estabelecia a nova lei.
Isso não importa, mas ao observar a reação da oposição e dos aposentados, Dom Fernando foi taxativo:
Quem aposenta antes da velhice é vagabundo!
A maioria dos professores e professoras, inclusive o próprio Rei se aposentavam antes de chegar à velhice, o que ocorria também com os profissionais de saúde e, pior, os presidentes todos, mesmo que tivessem tido somente alguns dias de mandato, se aposentavam com salário integral, os deputados se aposentavam e se aposentam com um tempo de “serviço” muito menor do que a maioria da população do reino.
A declaração, um verdadeiro ato falho do rei, demonstra o quanto que o inconsciente da elite tucanolandesa é claro.
A nobreza de caráter de um homem como FHC não permite que ele se aposente antes de morrer, os seus proventos são cumulativos, de professor, senador e presidente da república.
Para alegria do povo tucanolandês, ainda lúcido e coerente como sempre, Dom Fernando ainda tem participação ativa no tão amado reinado.
Foi um dos principais artífices da candidatura de Gerald Aidimim, que teve a sorte de aposentar antes da reforma da previdência, aos precoces e vagabundescos 42 anos de idade...