terça-feira, julho 18, 2006

Um improvável bolero

Recomeçaria tudo, te juro. Desde o começo fui feliz, nada impediu que a minha vida, ao teu lado, fosse o maior exemplo de felicidade que conheci.
Éramos crianças, mas já sabíamos que não poderíamos fugir deste elo que nos unia: dois corações irremediavelmente atados num só pensamento.
Nossas dores e tristezas, compartilhadas desde o sempre, verdadeiras almas gêmeas, verdadeiras...
Nada foi em vão, nada. Amor profundamente enraizado pelas noites insones, pelas esperanças comuns, pelo adivinhar o que o outro queria.
Na contradança da vida, fomos um só, atados qual fossemos gêmeos, mais que isso, siameses.,.
Não me arrependo de nada que fizemos, nada.
A chama do amor ainda queima, arde no meu peito, incendiando tudo, entranhas e pensamentos.
Minha amada, profundamente amada, te quero, venero e espero a cada momento quando não estás, quando não me ouves.
Bem sei que sentes o mesmo, passo a passo, compassos unidos na mesma dança.
Mesmo que, no improvável bolero feliz, não sejamos nada além da exceção maravilhosa que traz a vida...
Mesmo que, neste salão dos meus sonhos, dancemos a noite inteira, rodando como o tempo que não pára.
Minha amada, madrugadas a fio, lembrando de cada momento do dia.
Lutando para não dormir, pois não há coisa mais bela do que viver contigo, do que estar ao teu lado, numa realidade fantasticamente feliz...
Te amar é conjugar felicidade.
É somar e nunca dividir
É estar sem querer sair,
É viver sem querer a morte,
Sem temer a sorte,
Sem temer a dor.
Começaria tudo de novo...

Depois da curva da estrada

Nunca mais quero saber dessa cidade, nunca mais, nem que tudo mais se acabe, que o mundo se desespere, nada mais me trará de novo essa cidade.
Ficando atrás da curva da estrada, perdida entre montanhas que nem mais serão minhas, nunca seriam minhas, minas de água límpida, turvadas pelas minhas tristezas, perdidas pelo tempo, entre tantos entretantos e poréns...
Nasci na esquina da rua do Sol, com a rua da Lua, filho de um anoitecer ou de um sonho frustrado de uma menina apaixonada pelo príncipe que nunca houve, somente o ronco forte do motor indo embora, voltando para o reino de onde veio, velho e acabado reino, em busca de outras princesas.
Pai que não sei, mal sei o nome, talvez nem saiba mais, nem interessaria tanto para ele quanto mais para mim, solitariamente esquecido na pequena cidade entre as montanhas de Minas.
Minas, de Gerais a tão restritas, minas de minério de ferro, água ferruginosa engasgada na garganta, minha garganta na garganta da serra, da serra mineira, escondida depois da curva da estrada...
Fui crescendo, crescida a mágoa, mãe desaguando no rio, suicídio me contam, mas não sei bem, talvez o gosto da água ferruginosa tenha conseguido calar a voz desafinada que me embalou...
Embalado para presente, qual cavalo troiano, fui rolando de casa em casa, por acaso uma aceitou.
A última que procuraram, acho que em meio a um sem número de diachos, no outro lado do riacho, casa de pau a pique, vida a pique, serra a pique.
Pique esconde, escondido do tempo, brincando rápido que senão a vara queima, marmelo, doce de marmelo, vara de marmelo, queimando nas pernas do moleque safado, pilantra, sem vergonha...
Vergonha traz lágrimas, doem os braços, os abraços negados, os ossos quebrados, pernas amarradas, embira e breu. Talas e varas estaladas nas pernas, em conjunto, reativa a circulação.
Na circular dos meus sonhos de moleque, pés de moleque na boca dissolvendo, o solvente trazendo delírios na adolescência, dando a coragem para a enxada, para o peso do arado, árduo e pesado para o moleque franzino. Hinos evangélicos no final de semana, entre tantos cultos, inculto cresci.
Cresci não, espichei.
Pichado por todos, mãos de piche, negras e ossudas, calejadas, calendário, época de plantar, depois do arado, planta dos pés ferida, feitas de cravos sob as canelas finas, finais, finalizando o esqueleto andante.
Ardente sol, tonteiras e aguardentes, as mágoas ardentes desaguando nos poros, nos olhos, nos dentes esquecidos a cada dia nos cantos da roça.
Dentes de alho para afastar mau-olhado, mas olhar para quê, o quê, quem?
Motos e carros, carros de boi são raros, somente as motos e os motivos: mortes, mortes de tio e tia, as primas e primos, primeiros a terem a primazia, depois dos tios, do açoite.
Açoite e costas magras, costelas expostas na estrada que me chamava.
As marcas das pancadas nunca mais saíram, nem as cicatrizes na pele, pele e osso, colosso de tosse...
Tosse diária, febre de tarde, ardendo tanto, molhando cama e lençol, preguiçoso, vagabundo, vadio, tuberculoso...
Seis meses de tratamento, nove meses para nascer, filho de Maria de Fátima, única louca, meu filho...
Aborto, para sorte de todos, inclusive da criança, principalmente dela...
Fátima era tonta, tão tonta quanto feia, mas a aveia de pobre é capim.
Na veia, depois de tanto, transfusão, confusão, profusão de pragas e palavrões, a sina abre a esperança.
Partir para longe, onde o bonde da sina não me encontre, longe dali, por onde? Qualquer lugar, desde que longe...
Onde vou, sei lá, só sei que a curva da estrada me liberta, melhor o incerto que essa certeza, melhor a morte sem mortalha, que o amargo da serralha, que ficou nessa serra...

sextina

Meu amor foi sepultado
De tanta dor, maltratado.
Quando perdi teu amor
Quando secou essa fonte,
Quando a tristeza chegou,
Tanta tristeza, de monte...

sextina

Partindo do pressuposto,
Que mais belo que teu rosto,
Nunca nada fez meu Deus,
sabendo dessa verdade,
eu bem sei que são só meus,
dissabores da saudade...

sextina

Minha cabocla querida,
Razão dessa minha vida,
Meu canto mais perfeito,
Meu mundo em ti faz sentido,
Pois sem te ter, nada feito,
Melhor eu nem ter vivido...

sextina

Restando meu pensamento,
Por um triste, vão momento,
Nunca podendo escapar,
Quero saber desta mágoa,
Por que tanto chorar,
Se meu canto, em ti, deságua...

sextina

Querendo não esquecer
Nem podendo mais te ter,
A boca que já beijei
Os seios que foram meus
O tanto que já te amei,
Tanto amar, perdoe Deus...

sextina

Nessa gota de orvalho,
Sangra a vida, feito talho,
Cada novo amanhecer,
Traz a saudade doída
De tentar te esquecer,
Renovando a velha vida...

sextina

Montando no meu corcel,
Cavalgando pelo céu,
Vou em busca de Maria,
Procurando meu amor,
Passa noite, passa dia,
Passa o tempo, passa a dor...

sextina

Você partiu, foi embora,
Só restando então, agora
Os meus olhos tão tristonhos,
Você deixou só saudade,
Morando em todos os sonhos,
Matando a felicidade...

sextina

Fiz a casa na montanha,
Onde mais o vento assanha,
Balançando teu cabelo,
Fazendo felicidade
De lã, perfeito novelo,
Da lua, só claridade...

sextina

Amor, bicho serelepe.
E não há quem não se estrepe,
Ao tentar amor conter,
Traquinas, vive fugindo,
Matando, sem perceber,
No final, sempre se rindo...

sextina

Moça da pele morena,
Quero essa boca pequena,
Na minha boca pousada,
Quero teu amor, menina,
Quero essa mão repousada,
No pouso da minha sina...

sextina

Tudo passa devagar
Fingindo que vai passar
Tudo calmo na cidade
Pequena, do meu sertão.
Só não passa essa saudade,
Dentro do meu coração...

Tucanolândia - capítulo 13 - NEGÓCIO DE PAI PARA FILHO...


O Rei Fernando Henrique Caudaloso queria ficar mais quatro anos à frente do Reinado da Tucanolândia, como vimos antes, e um dos principais fatores da sua boa popularidade entre os habitantes do Reino era o Plano Real, arquitetado pelo rei Topete Primeiro, seu antecessor.
O mundo passava por uma crise econômica e o Reinado Tucanolândia não era exceção. Para se manter a paridade entre o real e o dólar, carro chefe da campanha presidencial de Dom Fernando Henrique Caudaloso, seria necessário uma mágica econômica que custaria aos cofres públicos uma fortuna para manter o câmbio, artificialmente, em baixa.
Obviamente, isso custou ao Reinado uma verdadeira fortuna, arrancada das reservas nacionais. Isso, obviamente, não preocupava nosso narcisista Rei, para quem o que importava era manter o poder.
Até aí tudo bem, mas o que espantou a todos foi que, além de praticar essa mágica fantástica, assim que o câmbio foi corrigido, vários bancos e instituições financeiras, parece que o número cabalístico de vinte e quatro, obtiveram informações privilegiadas, o que permitiu que se comprasse dólar a um real e se vendesse pelo dobro do preço, poucos dias depois.
Negócio de pai para filho, sendo que quem pagou o pato foi o povo de Tucanolândia, mas isso pouco importa...
Tivemos também um caso muito interessante, havia dois bancos no reino da Tucanolândia, que tinham importância vital para a população do país:
Um deles, era o Marka e o outro se chamava FonteCindam, eram extremamente populares sendo que, nove em cada dez habitantes do reinado tinham suas economias aplicadas nestes bancos...
Pois bem, o Banco Central do Reino, injetou um bilhão e seiscentos milhões de reais nestas instituições financeiras tão importantes para a economia do povo, emprestando dinheiro a dólares com valores abaixo do mercado, lembrando-se que essa grana foi liberada em um só dia!
A desculpa é que se esses bancos quebrassem, a economia do Reinado ia para o buraco...
Interessante se dizer que, apesar do presentinho, os bancos faliram e o reino, por incrível que pareça, não.
Aliás, os milhões de súditos que nunca tinham ouvido falar nos tais bancos, inclusive esse que vos fala, só souberam do rombo depois.
Falando nisso, o presidente do Banco Central à época foi condenado, em primeira instância, a dez anos de cadeia.
O dono dos Bancos, um italiano chamado Salvatore, e não é da pátria não, se mandou para a Itália e nunca mais vai esquecer sua aventura em terras tropicais, nem ele nem seus descendentes que têm o futuro garantido graças à bondade do Rei Fernando Henrique Caudaloso e seus amáveis e receptivos súditos...
Em tempo, essa oposiçãozinha vagabunda não tem jeito não, pois imaginem que até falar que tinha um esqueminha de venda de informações privilegiadas dentro do Banco Central, havia...
Vê se pode!!