domingo, agosto 20, 2006

Soneto com estrambote - Uma gota feroz no meu telhado

Uma gota feroz no meu telhado,
Pingando sem parar; horas adentro...
Estou ficando até desesperado,
Como posso pensar, como concentro?

Queria te falar apaixonado,
Mas como? Essa goteira bem no centro,
Batuca no seu ritmo desgraçado,
Penso que, na cabeça bate dentro...

Tumtum não pára nunca de bater.
Tumtuneia não cansa; a noite inteira...
Eu tento, não consigo reverter.

Minha amada, te juro; é verdadeira,
Essa emoção que quero transcrever:
Odeia poesia essa goteira!

Então perdoa querida,
Por favor, não leve a mal,
Dess’amor nem Deus duvida,
Sem ele passo até mal...
Teu amor é minha vida,
Eta goteira infernal!

Dimitri, filho amado, na pureza

Dimitri, filho amado, na pureza
De teus olhos, espero pela glória!
Caminhando tropeças em beleza
Teus passos, transformaram minha história...

Teu velho pai, tristonho na certeza
De saber que jamais, pobre memória,
Teria a paz, inquieta natureza...
Vê agora a, outonal, vida simplória...

Meus versos; um pedido: foram vãos,
Os dias que vaguei sem cabimento,
Vagando tempestades e lamento,

Sentindo sem saber o sofrimento,
As carícias trocaram-se de mãos:
A ti peço perdão e a teus irmãos...

Se eu falar de saudade, diga nada Sextilha

Se eu falar de saudade, diga nada,
É simplesmente verso sem sentido,
Amando vou levando, de empreitada,
O tempo que jamais achei perdido.
Das horas nem por ora faço caso,
Em meio a tantas farsas, em me embraso...

Sem fleugma, sem vergonha, mentiroso,
Invento dores, falsas cãs atéias.
Meu mundo nem sequer é sulfuroso,
Não tive nem rainhas nem plebéias,
Sou resto, rimo sempre por rimar,
Nem tenho céu, quiçá terei luar...

No jogo da permuta me lasquei,
Troquei não ser feliz por fantasia,
Confesso então, vadio já pequei,
Nem esperei sequer raiar o dia,
Montei no meu cavalo e fui embora,
Não soube nem talvez irei agora.

Quem sabe, na manhã que vai nascer,
Eu possa, simplesmente ser feliz,
Procuro em toda moça por você,
Cadê? Onde andará a minha miss...
Então por não saber dessa Maria,
Desconto na cachaça – poesia!

Sextilha - Dos amores que tive, e foram tantos

Dos amores que tive, e foram tantos,
Das mulheres que em sonhos concebi,
Meus dedos, nas carícias, nunca santos,
Tantos planos, enganos, que vivi...
Foram peças cruéis do meu destino,
Matando aos poucos, sonhos de menino...

Nas mais diversas camas, chama ardeu...
Nas mais divinas bocas, naufraguei,
Embora tanta glória se perdeu,
Julgava, tolamente, fosse rei...
Percebo, na tardinha dessa vida,
Que em cada encontro, havia despedida...

Silenciar feroz dessa existência,
A noite s’aproxima, vem inteira,
Procuro noutros braços por clemência,
Encontro a solidão por companheira,
Não quero mais sentir esse bafio,
Nem quero mais lutar, nem desafio.

De todas essas fêmeas tão ingratas,
As almas gêmeas foram simples mito,
A voz cansada, tantas serenatas,
Nem pretendo sonhar, digo e repito.
As tive todas, ‘té de santo véu,
Somente a poesia foi fiel!

Soneto Sertanejo

Trago os ói de sodade machucado,
Da tristeza d’amô que me dexô,
Pulo céu avoando, fais riscado,
Num curisco carregadim de dô,

Apois bem, se calô disisperado
No sertão, tanta tráia já levô,
Meus amô trupicando ansim de lado,
É pruque marvadeza carregô!

Coração, no meu peito, faiz vexame,
Bateno, sem compasso, sem medida,
Dotô, num necessita nem exame,

Do jeitim que esse cabra feiz da vida,
Num tem nada que sente nem reclame,
Amô discompassô sua batida...

Sextilha - A minha poesia me sustenta

A minha poesia me sustenta,
Do que mais necessito p’ra viver,
Quando busco dessa água, alma sedenta,
Sacia sua sede de saber,
Na fonte maviosa e cristalina
Que só na poesia surge, mina...

Quanto mais vou faminto, mais preciso,
Desse maravilhoso, bel repasto,
É pão... dessa ambrosia eu como e biso,
Afastando o temor, cruel, nefasto...
De sentir, madrugada afora, fome,
Poesia-banquete me consome...

Ar que respiro, base para a vida,
Sem ela, poesia, me sufoco.
Força mantenedora, minha lida,
Nos meus versos, amores eu estoco...
Eu pergunto-te então, como seria,
Se não houvesse enfim, a poesia...

Oitavas camonianas - Meu primeiro amor...

Meu primeiro amor, longe de ti, sei
Das quimeras vorazes da saudade,
Viver sem ter amor, viver sem lei,
Não conhecer nem sombra do que há de
Melhor de nossa vida; triste rei,
Num reinado onde vive sem alarde,
Sem ter paz nem dilúvios nem ter sonho,
É viver e morrer tédio medonho...

Amor, na tempestade, calmaria...
Ilumina com trevas nossa vida,
Eclipse total cega em pleno dia,
Achando que se sabe, mas perdida...
Julgando ser mais plena; mas vazia.
Amor, suor, batalha; dor bandida;
Que acalenta, conforta, me ameniza.
Meu amor vendaval que julgo brisa...

Te busquei sem saber onde encontrar,
Provoquei minhas ânsias na procura.
Fui ao sol, tentativa de luar,
Traz toda claridade, noite escura...
Quero, em pleno deserto, navegar...
Amor és a doença e também cura!
Nada mais que completo, fracionado,
Esperança traduz: desesperado...

Sextina II


Pois eu tanto quisera ser feliz,
Ninguém mais, com certeza, merecia,
Tantas dores carrego, nego o bis,
A vida me deixando a poesia,
Tudo que falo, nada mais me diz,
Me deixando, somente, fantasia...

Quem me dera viver a fantasia,
De cavalgar solene e tão feliz,
Mas a saudade, cega, vem e diz,
Quem amou assim, tanto merecia,
Mas de tanto viver na poesia,
Felicidade deixou, sem seu bis...

Perdido pela sorte sem ter bis,
Nem chance de tentar, sem fantasia,
Me perco, vago mundo e poesia,
Ness’altar que sonhei, viver feliz,
Hoje, enfim eu percebo, merecia
Bem mais que essa tal sorte vem e diz...

Não quero mais saber o que é que diz,
Quem me negou poder, num novo bis,
Achando que jamais eu merecia,
Só por acreditar na fantasia,
Que me fez incapaz de ser feliz,
Por viver impossível poesia...

Quem, portanto, acredita poesia,
Quem por ela morrendo, tudo diz,
Acreditando nela ser feliz,
Mesmo tendo na vida, todo o bis,
Por ela viverá da fantasia,
Sem ao menos saber se merecia...

Mas talvez, melhor sorte merecia,
Quem amou vida afora a poesia,
Eu sou seu prisioneiro, fantasia...
Vem; chega devagar, então me diz:
Pelo amor do Senhor, último bis,
Me deixe, num segundo, ser feliz...

Eu quero ser feliz, bem merecia,
Amor eu peço bis, na poesia;
Vem correndo e me diz: é fantasia?

Meu amor, quando escuto o canto triste

Meu amor, quando escuto o canto triste
Da araponga, trazendo chuva ao chão,
Recordo como fomos, no que insiste
Ser mais forte punhal, a solidão...

No que sonhei pudesse e não resiste,
No tanto quanto quero não ser vão,
A metade querida qu’inda existe,
Enquanto outra vagueia no sertão...

Meu amor, nos meus vagos vergalhões,
Nas entranhas doídas do que negas,
Quero te conceber nessas canções,

Na nossa estranha dívida que pregas,
Nas cantigas de roda as soluções,
Vou vazio, caminho onde navegas...

Eu vou devorando árvores, pensares

Eu vou devorando árvores, pensares,
Pesadelo feroz sem ter limites.
Nas montanhas terrenas, cãs solares...
Quero sorver demais, meus apetites...

Não consigo levar aos teus altares,
Nem as dores perdão, nem meus convites
Para transmudar nossos céus, luares,
Nem por tantos lugares ond’habites...

A minha serenata não tem rima,
Minha manhã, jamais renascerá.
Minh’alma vai descendo, nada estima,

Eu quero simplesmente ir para o mar,
Mas se o mar já secou, morte vitima,
Não deixando mais nada, nem sonhar...

A estampa na parede demonstrando

A estampa na parede demonstrando
O retrato cruel do fim do mundo,
Vagabundo meu mundo vai rodando,
E mal quando eu percebo; já me inundo,

De toda crueldade, m’afogando.,.
Qual abissal marinho, sou profundo,
Me resta tão somente esse segundo,
A vida nada vale mais, estou brando...

Incrivelmente, brando nada temo,
Espectral fantasia tudo toma,
Minha vida vai trôpega, sem remo,

Mas nem mesmo o temor a dor se soma,
E de encanto tenaz, incrível, gemo...
A morte não será mais que esse coma...

Festa vai começar nesse terreiro,

Festa vai começar nesse terreiro,
Com o canto feliz da mocidade,
Orgulho batuqueiro brasileiro,
Disparando no peito, na verdade...

A cachaça que eu bebo com vontade,
Nosso churrasco assando no braseiro,
Tanta porrada traga essa saudade,
O sorriso cai falso, e verdadeiro...

Nossa vida tá dura, que me importa?
Patrão me despediu, quero beber...
Tristeza vai ficar, lado de fora...

Eu quero rosetar, nem sei por que...
Quero festa, senão eu vou embora...
É tudo que preciso pra viver...

O meu olhar cadê? Você levou

O meu olhar cadê? Você levou...
Deixando tão somente esta distância
Que nunca mais traduz o que restou,
Fez do meu coração, u’a triste estância,

Onde esperança, cega, s’arribou...
Talvez possa dizer, foi petulância
De quem amou demais; por fim, levou
Seus cacos carregados na ambulância

Em busca de curar o que não cura,
Nem pretenderá toda medicina.
A dor da solidão, nem toda jura

Nem reza, benzeção, nem a morfina,
Podem amenizar, nem atadura
Estanca essa sangria... Desatina...

Nunca mais sentirei tanta saudade

Nunca mais sentirei tanta saudade,
Nem de ti, nem das dores que me trazes,
Caminhando, sozinho, na cidade,
Vou mutante, permito tantas fases.

Qual inseto, crisálida da tarde,
Voarei no futuro, são audazes
Os meus sonhos, buscar felicidade...
De todas migrações, o novo invade...

Eu serei novamente o que perdi,
A larva rastejante que morreu,
Tanto tive, calado estou aqui...

Ressuscito meu cálice no breu.
Trevas, pregas, praguejo; vou a ti.
Pensamento persegue, sigo ateu...