quinta-feira, outubro 26, 2006

As minhas asas

As minhas asas pedem novo vôo
Eu mal suporto a ira do ignaro.
Não posso te dizer se não perdôo
O podre destroçando todo o faro.

O resto dos escombros denuncia
A morte feita em vida não protege
Nas horas que vivia apodrecia
No fundo não passava dum herege...

Talvez a podridão seja desculpa
De quem, em vida, nunca teve alento.
O medo de sonhar foi tua culpa

Resumo-te no esgoto que não trago.
De tudo que viveu, só sofrimento.
A morte então seria, teu afago...

Meus sonhos

Meus sonhos verticais exigem patas
Seu manto não me serve de agasalho.
Um barco embriagado, feito em latas,
Arromba totalmente esse assoalho.

As dores são geradas em cascatas,
Não servem de tortura e nem de malho.
O dolo que sem medo me arrematas.
É pedra que rolando vai cascalho...

Nos pântanos oscilas és metano.
De restos decompostos tua lira.
Vendeta que não serve é só engano,

Amor que não revive pois indômito,
És cobra que rasteja e vil, delira,
No fundo inebriado, és como vômito!

Nos cascos do cavalo

Nos cascos do cavalo que montei,
As horas que passamos não têm preço.
Nas léguas que caminho, perco a lei
As crinas das meninas adereço.

O talhe de teu rosto que sonhei
Não posso descobrir, está do avesso...
Paixão que no deserto não deixei.
O dono do cavalo foi o rei...

Patrício de meus sonhos quer maneira
De mergulhar insano no passado.
Amante que não tive, é estrangeira,

A tarde se desfaz nessa penumbra.
A morte que me deste, assim assado.
Na ponte das traíras se vislumbra...

Amor que me entregaste com estrambote enviesado

Amor que me entregaste foi mentira
Do mesmo jeito trouxe vê se tira...

Quando te encontrei julguei sereia.
Agora que conheço me despeço
Não quero carregar na minha veia
Tal amor que, por certo, não mereço.

Não quero me enredar na tua teia
Nem quero despencar pois sei tropeço
O fogo que te queima me incendeia
O monte de tal Vênus desconheço.

Nas linhas que concebo verticais
A mão que me pediste foi-se embora.
Os cantos que me contas são banais

O medo do destino me tortura.
Teu quadro, na parede, não decora.
É muito mais bonita essa moldura...

triste cardo

Na lama que freqüentas triste cardo,
Difícil carregar tamanha pedra
Não posso transformar um triste fado,
Que em doce juventude cedo medra,

Em rosa que se esquece dos espinhos
Não sabe nem conhece solidário
Prefere destruir os próprios ninhos.
Ao morrer levará sol solitário...

Vereda que destroça por inveja
Decerto na queimada, os inocentes,
Com medo das palavras que troveja

Não sabem decidir os próprios passos.
Os gritos de tal fera são dementes.
Na mão esconde garra atrás dos laços...

Rapinante

Vento que não espana tal mortalha
Não pode nem sequer ser mera brisa.
Se nem as cinzas víbora, espalha,
Não merece palavra mais concisa.

Quantas vezes pensei ser minha falha,
Mas, reparando bem, já se exorcisa
O que sempre estrumara nem se espalha
Figura que não brilha, pois narcisa...

Menestrel que mal sabe o que é afino
Não desce pedestal que mesmo cria.
O que morde por puro desatino.

É revés do sempre se sonhou.
Rapinante que sempre desafia,
Não mira o próprio espelho que quebrou...

fantasia-se de fera

Meu canto decantando tanto galho
Nos setembrinos cantos das cigarras
O campo de asteróides agasalho
Nos mares desconheço tais vis garras...

Meu mote feito em métrica que espalho
Tempera de venenos e alcaparras
Meu ato que julguei se fora falho
Não justifica medos, gambiarras...

Receba do cometa esta verdade
Mereces, por sinal, internação.
Quem traz um falso amor sem liberdade

Expõe a face negra da megera.
Não pede e nem merece mais perdão.
Aborto, fantasia-se de fera...

Alastras

Meu fado não afogo nem reflito
Mas penso que não peso se não vou.
No labirinto extinto solto o grito.
A rosa do que fui despetalou.

O medo de não ter meu infinito
Expresso nas verdades que não dou.
O mundo que vivemos é sempre hirto.
Nas pontes que passaste naufragou...

A cal que sendo cáustica claudica
No laço que me enlaço te enlacei.
A corda que não medes não se explica

Jazeste nas quimeras que me deste.
O mundo que desejo não tem rei.
Alastras como fosses uma peste...

Saudade sentinela

Saudade sentinela que não falha
Não deixa de fiar a sua teia.
A vida que passava se avacalha
A dor que nunca deixa minha veia..

O gosto mais feroz dessa batalha,
Espero traduzir nessa sereia.
A lua não me prende em sua malha,
Mesmo quando renasce lua cheia...

Boca que tanto cospe não me abriga,
O vento que passava não refresca.
Quem gosta de polêmica e de briga,

Se abriga nas palavras que não sente.
A flor de tal mentira gigantesca.
Morrendo cedo, já nasceu doente...

Esperança é areia movediça

Esperança é areia movediça
Infeliz de quem dança em suas cordas...
Muitas vezes parece que enfeitiça
A gente sem querer, treme nas bordas...

Quantas vezes me perco na cobiça
Outras tantas padeço noutras hordas.
Caniço que procura ser cortiça,
Nem percebes nas horas que me acordas...

Esperança moleca bem traquinas
Esbarrou e quebrou vaso chinês
Nas saias que levantas, desatinas.

No final aluguel no fim do mês.
Siderurgicamente sem bobinas,
Afinal, viciado sou freguês.

As vozes que hoje solto

Não comes poesia em teu almoço
Nas jantas que tu fazes, nada serve.
Não presta pra parar esse alvoroço.
Nem cobre e dá calor quando cai neve...

Quando azeitona comes, sou caroço.
A vida não se torna grande ou breve...
Não torna moço em velho e velho em moço.
Não muda tonelada em coisa leve...

Os pagamentos sempre bem parcos,
Sorrisos, xingamentos pés e grama.
Não serve para mastro nem pra barcos.

Muitas vezes reclamas dos meus versos.
A morte na verdade é de quem clama
As vozes que hoje solto, no universo!

Noites fantasmagóricas

Versificar palavras mais sonoras
Tornando essa cantiga secular
As horas que demoras, enamoras
As ondas que aprofundas do meu mar...

Nas ímpias madrugadas nada imploras
Nos cantos seus encantos vou cantar...
Em cântaros tempestas sempre choras
Valvaldo minhas mágoas ao luar...

Não posso ter medusa em pensamento,
Me basta ter sorvido teus afagos...
Nas barras onde esbarras, me arrebento

Os montes que subiste perdem cumes...
Naufrágios esfacelam tantos lagos...
Noites fantasmagóricas sem lumes...

Nas ondas do teu corpo, navegar...

Escrever simplesmente rebuscado
De forma que pareça mais solene.
Não posso permitir que meu estado,
Pensamentos perdidos, me condene...

Não vi nem quero ver o meu passado
Exposto em galeria que me apene.
Rarefeito sentido passa ao lado,
Não vou mais por caminho que envenene.

Espero por fantasmas trás da curva
Decerto vão trazer o teu aval.
Visão que titubeia fica turva

As algas poluindo o vasto mar...
Desejo que não temo, pois carnal.
Nas ondas do teu corpo, navegar...

Firulas

Deste firulas, as gulas e as fulas,
Fuás...
Cafusas confusas sem blusa, musas
Viés
Desejado gado, fado enfadonho, sonho
Convés
Leste o que teste reveste e conteste.
Ritos escritos benditos e aflitos
Graves e greves, neves que laves revés...
Fala me entala se cala sem gala e galés...
Ornamentos de estética
Métrica e método
Mentes e mentores...
Quero o simples,
A cúmplice
Cumprem-se e se revogam
As vogas e vogais dispersas
Persas tapetes...
E todas as prestações de contas
Serão suspensas.
Às expensas do que não tem sentido.
Tido com sem, cem centavos..
Naves e ravinas. Cravos e cravíneas
Carnificinas...

Improviso meu pedido

Improviso meu pedido
Meu sonido e desculpas...
As culpas foram deixadas
As asas, passarinhada.
Esfarinham minha sorte...
Não posso tentar meu rumo.
Assumo e me consumo
Sou sumo e não sumi...
Não toco e nem sou toco
Rouco...
Louco
É pouco a pouco
Meu foco e meu reboco...
Amo os temas
E as tremas.
Gemas e não mais claras
Faros e faraós.
Partos e parecidas.
Paciência...
Víspora de véspera é vespeiro...
Nada mais a dizer
Pego o meu boné
Para não perder o bonde
Da História...

Marinho

No vasto mar amar é onda
Abissal, abismal ventarola...
Remansos e tempestas
Festas Netunais...
Carnavais e montarias...
Sereia espera cavalo marinho...
Celacanto provoca tsunami.
Ame e não deixe, espere e reveja...
As águas as mágoas...
Mariazinha foi pro mar,
Cadê Mariazinha
Que não sabe amar?
Se não sei nadar
A culpa é dos peixinhos
Que marinheiro só
Nunca fez verão....

Fogão à lenha

Fumo e aço,
Filme e passado
Assado na cozinha
Tinha um cheiro
Beira de fogão...
Curva coração
Cura e me remete
Comete
Cometa
Que se perdeu...

Gado

A cidade adormecida
Aço penetrante
Fogo nas ladeiras
Estrangeiras
Estranhas fogueiras humanas...
À cavalo, malas e estradas.
Terra e barro.
Sertão e seca
Serão e gado
Servidão...
Andando pelos distritos
Cavalo selado...
Povo selado.
Gado...

Banda de Cá

Uma banda, banda
Umbanda,
Velho
Pai
Pele
Negritude...
Orixás
Ogum
Oxum
Oxumaré.
Mares e rios
Marés e sangue...
Senzalas...
Grito do povo, ode ao povo, de novo o povo, ovo, Angola...
Uma banda tocando dobrado,
Dobrando os sinos
Dobrado o valor,
Vales e lágrimas.
Lamas na alma.
Almas e lamas,
Quilombolas
Ora bolas
Somos iguais...
Gás, Bolívar,
Bolívia.
PetroGás.
Lama, alma, lhama...
Chama e chaminé
Suor e sangue, lágrimas, índios, imãs.
Grito do povo ode ao povo, de novo o povo, ovo... Renovo.
Revolvo e retorno.
Índio, negro,
SIMON BOLÍVAR
SIMON
SISMOS E PAROXISMOS
PARA ORTODOXOS.
Exodontias...

Flora

Nascerão espinhos
Pinos e incertezas...
Alcalóides e eucaliptos.
Naftas e resinas
Vinhoto.
Bagaços
Bagos
Sangue
Pus...