sábado, setembro 23, 2006

Ave de Rapina

Minhas costas lanhadas por vergastas
Que disparas, vadio coração.
Amores decompostos viram pastas.
Bebendo mal disfarço a solidão!

Os fortes que lutei dividem castas,
As ruas que marchei, um simples cão!
Se cada vez que nego, mais te abastas,
As pedras construíram meu porão!

Nestas costas sangradas nascem moscas.
Nas feridas estranhas, podres, toscas...
Arranco-te devoras as entranhas,

As dores que provocas são tamanhas!
Gargalhas sem pudores e nem penas.
Das mãos que me torturam nascem penas!

Fugiste

Fugiste... Nem deixaste tuas marcas...
Quando me ensolaravas, foste lépida...
Minha alma bronzeada quis as barcas.
A tarde que negavas, forte, tépida.

As horas de prazeres alçam vôo,
Fugiste... Me roubaste, Messalina!
Messianicamente te perdôo
Não quero me lembrar dessa menina!

Mas, quando a noite chega, velha chaga.
Reflexos desta sobre o mar...
Depressa o pensamento vem e estraga...

Os olhos recomeçam procurar...
Fugiste... Teus caminhos já não sei!
Meu Deus, onde se encontra quem amei?

Solstício

Quando te quis, fugiste num solstício...
Bem antes nem sabias de meus versos...
Agora meu querer não é fictício.
Procuro-te vagando os universos!!

A sorte me legou venal ofício,
Procuro meus sentidos mais diversos,
Nos píncaros mais altos, precipício,
Esses íngremes morros são adversos...

Quando te quis, levaste meu poema,
Sugaste todo sangue que pulsava...
Restando nem sequer um só emblema!

Nas pontes que passei, quedei pinguelas...
Vertidas muitas lágrimas, estava
Fechando tantas portas e janelas!

Racional

Quisera ser por certo racional,
Não pude, nem prefiro ser assim...
Amor que me maltrata, um ser fatal,
A noite adormecida chega ao fim...

Quem dera descobrisse mais leal
Aquela que levou o meu festim,
Quem fora fantasia, carnaval,
Vai agora acendendo o estopim!

Se fui frágil, sou ágil, não me alcanças...
Nas lutas que passei, audazes danças,
Restaram tão somente esse cansaço.

As horas já dormidas, teu abraço...
O rosto que estampaste num retrato,
Traduz num só delírio nosso quarto!

Vermes II

Sobrevivência exige persistência!
A vida se traduz vitalidade...
A fome que corrói, u’a pestilência
Nas torpes caminhadas. Ansiedade

Curtindo nossa gente tão faminta!
Quem já fora repúdio desta raça.
Quem sempre permitiu que tanto minta,
Quem fez em nosso solo tal devassa,


Levanta-se cruel, velha chibata.
A dor que sempre sangra, e que maltrata,
Mitigada por mãos que acariciam...

Agora, esta gente revoltosa,
Espinhos que negaram nova rosa,
Ameaçam calar os que saciam!!

Notório Amor

Em teus braços persisto sempre imerso...
Tu és vulgar, terrível ser ególatra.
Compartilho caminhos, vou disperso.
A boca que beijei, por certo idólatra!

Idolatrada amada. Cadafalsos
Reconheço através de teu delírio!
Os medos que possuo, todos falsos,
Não cabem nem sequer no meu martírio!

Quem me dera saprófita esperança.
Vivesse nos meandros da saudade...
Nos olhos mais sutis nunca se avança,

Quem fora mais criança, nunca há de!
Em teus braços resisto merencório!
Amor te reconheço tão notório!

Serpente II

Perpetuas amor por onde passas...
Nas camas que freqüentas não descansas.
Os corpos que devoras, são carcaças,
As bocas desfraldadas onde danças...

Te conheço, disfarço tuas farsas,
As vezes que te quis, fomos crianças,
Nas camas que dormimos, tão esparsas,
Rolamos amplidões, desesperanças!

Sutilezas profanas, tuas covas...
Amores que perecem já renovas.
Os dentes que me cravas, venenosos...

Nas vezes que apunhalas, distraída.
Escorre neste sangue tanta vida...
Os beijos que envenenas, mentirosos!

Seca

Não te falo em meu nome, sou poeta!
As dores eu encaro com sorriso...
A minha vida segue mais completa
Das trevas vou fazendo o paraíso!

Quando escrevo pensando na miséria,
Eu penso em nosso amado brasileiro.
A treva que se abate é coisa séria,
Orgulho se perdendo num braseiro.

Tendo as filhas vendidas nas estradas,
Tendo os filhos morrendo sem remédio!
Mulheres tão sofridas do sertão...

Os homens engolidos pela fome.
O calor, um incêndio que consome,
O sol vai congelado na amplidão!

A Dor

A dor que dilacera corações,
Reside nas profundas de minha alma...
Herdando velhas chagas, aflições,
Não tenho mais sequer quem me acalma!

As rosas exalando podridões,
Teu nome rabisquei na mão, na palma...
Vermelhos velhos vermes vendilhões,
Meus versos são versões antigo trauma...

Minha dor, resistente não perece...
A cada novo dia me envelhece,
Nas rugas que desenha minha face...

Desdenha sutil corda que embarace
Meus passos sertanejos na cidade.
A dor que já me enluta, a da saudade!

Loucura e Lucidez

Ao te encontrar serena, quis ser lúcido...
Doidivanas pensei que te enganava...
Mas por ser transparente, sou translúcido,
Sorrias, cada vez que me encontrava!

Dos porões, emergindo meus defeitos,
Percebeste num átimo: sou louco!
Não queres mais dormir meus mansos leitos...
Te grito embalde, foges, estou rouco...

A voz não me permite te chamar,
Não posso teus desejos transformar
Em simples valentia nem conquista.

Amor, te imploro, nunca mais insista,
Prazeres não nasceram para ti.
Transtornos são, pois, tudo que vivi!

Gaiola

Como posso cantar nessa gaiola?
Já não tenho horizontes nem futuro.
A dor que me castigam, vem, assola,
As pernas se quebraram, triste muro...

Liberdade, meu peito pede esmola,
Mas negas... Prisioneiro deste escuro,
Procuro me encontrar... Fizeste escola,
Não tenho minhas asas, sou anuro...

Não consigo equilíbrio, vou voar?
As cadeias me prendem, me torturas...
As noites que se foram, ditaduras...

Onde e como consigo meu cantar?
Nos colos desta serra que hoje vejo,
Ali, reside todo o meu desejo!

Adultério

Amanhecer, raiando um novo dia....
Passarinhos cantando na janela,
A boca escancarada, poesia...
Sonhei a noite inteira só com ela!

Nos sonhos tão feliz, a fantasia...
Aurora desfilando cor mais bela,
Acordes dissonantes, melodia...
A vida repetindo essa novela!

Amores são mentiras que sustentam,
Meus sonhos são remotas cachoeiras.
Nas horas mais tristonhas já me alentam,

As asas que voavas, verdadeiras!
Não quero decifrar o teu mistério.
Apenas não me tragas adultério!

Dias Invernosos

Os meus dias mais tristes, invernosos...
Não permitem meu sonho, vil quimera!
Meus tolos pensamentos, andrajosos,
Procuram acalmar aguda fera...

Os olhos que choravam, lacrimosos,
As cordas que jogaste, minha espera!
Os traços que negaste, radiosos,
Os beijos tão mortais desta pantera!

Não quero nem pressinto solidão,
A vida não me deu mas não tirou...
As cordas que ponteiam a canção,

O tempo mais feraz nunca negou.
A vida num silêncio, catedral,
Minha esperança jogo num bornal!

A Vingança dos covardes

A vergonha assolando meu país!
Pelos cantos a fome se aplacava.
Imprensa, oposição qual meretriz,
Ao ver que velha noite se acabava,

Um sonho mais gentil se acalentava,
Já tentam impedir de ser feliz
Aquele cuja fome não calava,
Aquele que vivia por um triz!

Silêncio sobre torpe corrupção
De quem sangrou, roubou,qual vendilhão,
Não deixando sequer resto de esperança...

Ao ver esse sorriso da criança
Faminta, não consegue se calar!
Ao povo por vingança, TRUCIDAR!

Céu

O céu que te guardou era tão límpido,
Os mares que mergulhas quando falas...
Destinos teus, homéricos... Insípido
Pensamento vagueia pelas salas...

Não tive nem sequer uma verdade,
As rosas expulsaram meus caminhos...
Não deram seus ouvidos p’ ra saudade,
Deixaram bem expostos, os espinhos...

Neste céu traiçoeiro, rasga o sol,
Girando transtornado um girassol.
Girando minha vida sem certeza...

Quem dera realidade à realeza,
Adormece segredos. É carnal.
O céu que me enganou, hoje é fatal!

Meus Desejos

Meus desejos transcorrem vivos, plenos...
Transformados em sonhos delicados..
Na beleza que tens, Ó minha Vênus,
Meu mundo viveria sem pecados...

A sorte que me lança de joelhos,
Não deixa mais verter as minhas lágrimas...
Das fontes que bebi, não sei de lástimas,
Os olhos que chorei, estão vermelhos!

Meus desejos deliram seu juízo.
O resto que carrego nem preciso.
O que fizeste enfim, dos tristes versos?

Percorro sem saber, mil universos...
Palavras beijam, cortam, dilaceram...
Amores que criei, nunca me esperam!

Peregrina

Minha vida passando peregrina
Procura por um porto de chegada...
Um medo me transtorna, me alucina,
O de perder-te enfim, não sobrar nada!

Matéria que formou-te era mais fina,
A mata onde brotaste iluminada...
A vida prometida, tua sina,
Descansa seus segredos na calçada...

A minha peregrina solidão,
Esquece de chegar ao teu caminho...
Quem nunca transformou meu coração ,

Procura, de repente, fazer ninho...
A porta já tranquei, passei tramela
A vida vai passando na janela...

Angelical II

O véu que te cobria era tão branco...
As asas que voavas assassinas!
Sorriso meigo, branco, amigo, franco...
Nas asas que voavas, minhas sinas...

O véu que te cobria, belo flanco
Descobria asas, suas asas finas...
Franco sorriso, siso franco. Manco
Coração... Suas asas descortinas...

No véu que te cobria teu sorriso...
Nas asas que voavas, coração!
Francos os teus sorrisos... Te preciso...

Não mintas por favor, não quero o não...
Nas asas que me mostras meu destino...
Os sonhos delicados dum menino!!!

Deusa Casta

Quando te vejo linda deusa casta;
Teus passos flutuando, me alucinam...
A mão mais carinhosa não te afasta,
Mas foges... Torpes dores determinam

Meu sonho tresloucado! Mas, já basta!
Não quero meus mares que terminam,
Na areia triste, vaga, tão nefasta!
Meus dias mais cruéis me desatinam!

Em pedaços ruína do que fui,
Espreito teus carinhos... Não me dás...
Amas, bem sei... Tu chamas por um Rui,

Me arruínas, destróis os meus desejos...
Nas noites que vaguei, fui Satanás...
Agora, mendicante, peço um beijo!!!

Angelical - com estrambote

Adormeces, suave, num divã...
Nunca sonhas comigo, bem o sei.
Os teus olhos fechados. Amanhã
O sol virá beijar o que sonhei...

Adormeces, tranqüila, vida vã...
Em toda fantasia que criei,
Vieste nua, bela cortesã...
Caminhavas, camurça, onde sou rei...

Eu sonhava acordado, nem me vias...
Voavas transparente, num corcel,
Caminhavas, angélica, no céu...

Lambiam-te serenos, ventanias...
As rosas que choravam tua ausência,
Imploravam pediam por clemência.

Mas não ouvias, ias solitária,
U’a passageira alada, temerária...
E a noite te abraçava, solidária!!!

Transparência

Olhava-te... Tão bela deusa pálida...
Na aldeia morta, triste sem sentido.
Meus braços procurando-te, estás cálida,
Deitada, mal percebes... Duvido

Que tenhas tantas luzes nos teus sonhos...
Os dias que virão trarão castelos...
As mãos calejarão-se nos rastelos
Quem dera acreditar dias risonhos!


Mas dormes, não consigo te esquecer...
Nas tuas transparências nem me notas.
Como, meu Deus, irei sobreviver...

Belos seios demonstra teu vestido...
Nossos mundos diversos, outras rotas...
Quem dera não tivesse conhecido!!!!

Estrambótica

Quando te percebi, tão estrambótica,
Pensei ter encontrado enfim, fantasma.
Quem sabe não seria ilusão d’ ótica?
Ou a terra s’abrindo um triste plasma.

Mas ao ver-te de perto não me engano.
O que me parecia fantasmal,
É por assim dizer um ser humano?
Embora parecesse um espectral

Ser, emergindo fétida, pântanos...
Nem que chovesse tétricos cântaros,
Não consigo chamar-te de querida.

És resto do que fora triste vida;
Hálito sulfuroso queres beijo...
Incrivelmente insano: te desejo!

Mãos

Minhas mãos percorrendo teus cabelos...
A boca aberta... Anseios se procuram...
Sementes que lançamos... Nos novelos
Das línguas mais ferozes se torturam...

Procuro por teus dentes, quero tê-los
Mordiscando... Delírios loucos curam...
Morena tez, serena fez vivê-los
Na fantasia louca se emolduram!

Minhas mãos dedilhando são macias,
Nas noites que brindamos, tão vadias...
Montanhas que escalamos toda noite...

Os beijos delirantes são açoites.
Os portos que naufragam nossos barcos.
As mãos a penetrar todos os arcos!

Anarquia

Quando te conheci eu não sabia,
Nem passava sequer um pensamento,
Um amor tresloucado uma anarquia,
Na nossa tempestade sobra o vento...

Mas, no fundo, bem sabes que este tormento
Esbarra na tristonha noite fria.
Quando juntos, unidos num momento,
Sabemos praticar democracia!

As invenções, amores se completam,
Os turbilhões, devoram-se, vorazes...
Democraticamente vão se injetam.

Nem desconfiam, loucos e audazes,
Que descobrimos... Manso, lasso terno,
O mais completo tipo de governo!

Afrodisíaco

Nosso amor assim paradisíaco,
Não descansa nem pode descansar...
As noites a rolar, afrodisíaco,
Afrodite não cansa de dançar...

Amor espúrio, sexo e caneladas!
As luas sem pecados, voyeuristas;
Não deixam de luzir as madrugadas,
Aplaudem, invejosas, dois artistas!

Nas orgias satúrnicas, bacantes...
A noite velha atriz, nos dá cometas...
As bocas se percorrem, delirantes.

Misturam tantos dedos, pernas, tetas...
Nosso amor, nas ternuras e delícias...
Nos desejos atrozes de carícias!

Amor Esquizofrênico

Este amor que me deste, esquizofrênico,
Às vezes distraído, outras vulcânico,
Nas tuas variantes, pensei cênico.
Quantas vezes traduzo assim, tetânico!

Este amor que se fez mais paranóico,
Quantas vezes machuca-me platônico...
Muitas vezes preciso ser estóico,
Outras, inerte, sinto estar atônico...

Este amor pedregulho sem falácias...
Sangue se anemiando sem hemácias...
Riso solto, meu risco sem esperas...

Um amor mentiroso que temperas...
Esquizóides maneiras de se amar.
Te tenho, não me tens, onde parar?

Minha Alma Vai Perdida

Minha alma, embalde, passa, vai perdida!
Não permita tristezas nem vinganças...
Das voltas que passei sem despedida,
As cordas que cortei das esperanças!

Na plantação dos sonhos, minha vida;
As flores não brotaram... Minhas lanças
Ultrapassam espaços. Já perdida,
A noite que busquei deixou lembranças.

Meu velho camarada não descanses...
A luta que se trava tem segredos.
Batalhas tem matizes, tem nuances,

Não se deixe enganar pelos teus medos...
As mãos que plantam tanto se calejam,
Por amores insanos já pelejam!

Desperta Minha Amada

Meu mundo mais silente e sem teu viço.
Num momento, perdeu o seu sentido.
Espinhos carregando qual ouriço,
Às portas da saudade, deste olvido.

Quem fora tão pudico, tão castiço,
Morreu sem nem saber, mais destruído.
A vida derrubando esse caniço,
A sorte não legava, distraído...

Me deste então sentido, mas sem rumo...
Desfazes todo leito em que descansas.
Nas vezes que tentei não me acostumo...

Desperta minha amada, temos danças!
Ao redor, maravilhas se deslindam...
As horas que sofri, lá fora, findam...

Funeral das Esperanças

Não temo o funeral dessa esperança...
Caminho transbordando meus enfados
Os dias já mataram tal criança,
Sem bosques, campos, perco os belos prados.

Quem me pedia estranha temperança
Prefere perceber seres alados.
Nos salões onde, louca, finges dança,
Meus olhos se fechando, enfim, cansados.

Anda, levante tuas mãos sangrentas!
Não tente sepultar as minhas tardes.
As formas de viver já não enfrentas.

Nas luas que queimaram, já não ardes.
Os olhos empapuças com mentiras.
Nas ondas deste mar, já não me atiras!