sábado, setembro 16, 2006

Cordel A minha Sina Capítulo 14 A Besta Fera

Escapando dessa terra,
Desse famoso Eldorado,
Num caminho desgraçado,
Subindo naquela serra,
Onde coração se enterra,
A vida não tendo jeito,
Lutando pelo direito
De viver a vida em paz,
Escapei de Satanás,
Me dando por satisfeito...

Depois de muito caminho,
Nas matas não ando mais,
Eu deixei tudo pra trás,
Procurei o meu caminho,
A vida sem ter um ninho,
Onde possa descansar,
Tô precisando parar,
A vida não faz sentido,
Meu mundo está mais perdido...

Encontrei um vilarejo,
Lá perto de Sucupira,
Onde cabra bom atira,
Por vontade e por desejo.
Numa morena dar beijo,
Deitar de novo na rede,
Matar a fome e a sede,
Sem ter dó e piedade,
A danada da saudade,
Encostada na parede...

Nessa terra do pé junto,
Que se chama de Ramela,
Onde todo cabra pela,
Tesconjuro seu defunto,
É melhor mudar de assunto...
Encontrei com Virgulino,
Contei os meus desatino,
Ele respondeu na lata,
Me deu um punhal de prata,
Pra cuidar do meu destino...

Depois de muita conversa,
Se despediu o amigo,
Me disse: agora é contigo,
Me desculpe minha pressa,
Tenho que voltar depressa,
A Marina tá esperando,
É melhor ir terminando,
Que essa noite não demora,
É melhor eu ir embora...
Se despediu, me abraçando...

Fui então procurar casa,
Encontrei uma viúva,
Me fez bolinho de chuva,
O seu corpo andava em brasa,
Tanta saudade me arrasa,
Me chamou pra ir dormir,
É melhor ficar aqui,
Um lado meu me dizia,
O outro lado me pedia,
Foi esse que obedeci...

A mulher era fogosa,
Deitada naquela rede,
Viúva igual galho verde,
Balancei então a rosa,
Com dois dedinhos de prosa,
Tava feita a sacanagem,
No mei daquela engrenagem,
As coisas perderam rumo,
Alisei mantive prumo...
O resto todo é bobagem..

A noite de lua cheia,
Era plena madrugada,
Foi então que a cachorrada,
Como que tivesse peia,
Numa bagunça incendeia
Todo aquele povoado,
Num barulho desgraçado,
Assustando até defunto,
Não gostei daquele assunto
Fui depressa conferir,
Mal a porta pude abrir,
Nunca vi tanto cão junto!

Os danados dos cachorro
Corria feito o diabo,
Nesse trem inda me acabo,
Fui conferir, subi morro,
Fui prestar o meu socorro,
Quando vi um bicho feio,
Cavalo e homem no meio,
Sobre os cascos galopando,
Nos cachorros chicotando,
Sem parar sem ter nem freio...

A viúva então me disse,
Que era a tal besta fera,
Que nessas noites impera,
E se a danada me visse,
Se por acaso me ouvisse,
Era melhor cair fora,
Tô frito, pensei na hora,
Eu não dou sorte me ferro,
O bicho então solta um berro,
É hora de eu ir embora!

Não deu tempo nem daria,
Olhando pra minha cara,
Relinchou, fez que anda e para,
Disparou na montaria,
Eu vazei na noite fria,
Ele correndo por trás
Parecendo Satanás,
Não me deixou nem por reza,
Tudo que demais se preza,
A gente não é capaz...

Me lembrei do tal punhal,
Que Virgulino me dera,
Parei, olhando pra fera,
E mostrei fiz um sinal,
Pus na mão direita um pau,
O punhal também mostrei,
Parecendo que era um rei,
O bicho não quis correr,
Fez que iria até morrer,
Pra outras banda vazei...

O danado do mistério,
Se mostrou na solução,
Trotando pediu perdão,
E vazou pro cemitério,
Fiz de bravo, fiquei sério,
Ele então se acovardou,
Num momento se abaixou,
Fez então cara de triste,
O diabo não resiste,
Ao punhal que prateou...

Nem voltei para a viúva,
Peguei o meu embornal,
Varejei no matagal,
Eu prefiro até saúva,
Comi bolinho de chuva,
Fiz festança com mulher,
Vivendo como Deus quer,
Me embrenhei então na mata,
Meu destino me arrebata,
Seja lá o que Deus quiser!

Sem Nexo

Nos braços dessa lua, adormeci...
Deitado no sereno, sem coberta.
Tantas noites que, embalde, te perdi,
Já não tenho o temor. Na descoberta,

Maravilhosamente, te senti.
Caminhavas, seguias mais alerta,
Dos teus passos, descuidos, percebi...
A vida nos traz lutas, vai incerta.

Mesmo que não me queiras, nada temo...
Não te concebo santa nem és demo.
Apenas a mulher, desejo e sexo...

Isso, te quero cheiro sensual,
Me parece então, tudo tão banal...
Mas no fundo, essa vida não tem nexo!

Mate-me suavemente

Suavemente, mate-me querida,
As mansidões que trazes, me ferindo...
Depois de ti jamais terei a vida,
Antes nunca tivesses aqui, vindo...

Cada noite sem ter-te vai perdida,
Doloroso viver sonho tão lindo.
E saber que terei, depois despedida...
Quando me beijas tudo vai sorrindo...

Mas mate-me, te peço, até te imploro...
Eu não te amo somente, já te adoro!
Sobreviver então, é impossível!

Não posso te perder, é dor incrível,
Nada me resta então, senão pedir:
Me mate assim, antes da morte vir!

Contigo Partirei

Contigo partirei buscando sendas,
Nos campos, nas estradas, nas procelas.
Meus olhos não suportam tantas vendas,
A vida escapará de tantas celas...

Contigo partirei, por novas lendas,
Nas noites que sonhamos, todas belas...
No frio do deserto, velhas tendas,
Nas rosas que plantamos, amarelas...

Contigo partirei minha querida,
Percorro procurando nossa vida...
Retiro tantas urzes do caminho...

Abraço a fera noite que me veste,
Contigo partirei d’onde vieste,
Contigo nunca mais serei sozinho!

Sonho Impossível

Sozinho, sem ter Lara, vida segue...
Tantas vezes percebo esse lamento,
Me silencio, quieto, mudo...Tento
Seguir em frente, quero quem carregue

Meus baús tão pesados. Mas prossegue
Meu martírio, persigo mais sedento.
Um bar, uma luz, mares que navegue;
Somente nas mortalhas, meu assento...

Lara foi um soneto, simples verso,
Mas dói, frutificando no universo.
Sem Lara, mortifico cada instante;

Mas Lara nunca veio nem virá.
O brilho de teus olhos, onde está?
Procuro em minha vida, cada estante!

Esperança

Conheci num verão, u’a moça forte,
Dentes e seios rijos, camponesa...
Minha vida era triste, sem ter norte,
Mas nada reparei, sequer beleza...

Os seus olhos castanhos, belo porte;
Sorria, mansamente, sem tristeza.
Estrada me levou, profundo corte;
As curvas dessa vida, luz acesa.

Parti para Sergipe, Propiá,
Muitos anos fiquei por lá;
A moça adormecida na lembrança ...

N’outro dia sonhei com tal morena...
A campesina bela e tão pequena...
Me lembrei do seu nome; era Esperança!

Conselheiro

Vindo dos sertões, trago todos medos,
Medo da solidão, rastros, tocaias...
O medo dessas cobras dessas laias,
Que matam, simplesmente sem segredos...

Dos coronéis perversos, seus enredos.
Das noites sem luares, das gandaias.
Nos cantos onde cantam as jandaias,
As balas vão zunindo, facas, dedos...

A fome se espalhando no roçado,
Os olhos dos meninos sem futuro.
A vida percebendo trás do muro,

Um sonho que sonhei abandonado...
Eu venho do sertão, sou brasileiro.
Quem dera conhecesse Conselheiro!

Império

Império sanguinário dominante;
Transforma em morte tudo que ele roça.
Nas crinas dos cavalos, ruminante...
As bombas são jogadas na palhoça...

Domina, torturando, a cada instante.
Se ri, zombando, vive a fazer troça,
De quem tentar seguir, ir adiante.
A todos que o temem; vil, destroça!

Águia, rapina, matas sem ter penas...
Destróis a todos, marcas, envenenas.
Em nome d’um Senhor mais egoísta.

Permita-nos Ó Pai, sobreviver,
À fúria desmedida desse ser.
Se nos queres servis, então desista!

Altar da Lembrança

Eu guardo essa beleza entronizada,
Num altar soberano da lembrança.
Te procurando, te encontrei guardada,
No retrato escondido, por vingança,

Numa noite longínqua. Aquela dança
Que negavas, fingias seres nada.
Pois eu tentei quebrar aquela lança,
Então riste, zombaste, desgraçada...

Em um segundo, estavas morta, rastos...
Meus sonhos se tornaram mais nefastos...
A natureza artífice perfeita;

Teus restos embalados no porão,
A vida me negando embarcação.
A morte também logo vem, me espreita...

Fantasia e Realidade

Minha amada sutis os teus perfumes,
Dálias, lírios, crisântemos, e rosas
São testemunhas desses meus queixumes,
Açucenas, jasmins, as olorosas

Flores. Com loucos hábitos costumes,
De roubar do meu amor vaporosas
Belezas. Demonstrando assim ciúmes.
Todas elas são belas, invejosas...

Minha amada tem frágeis, delicadas,
Formas que me permitem sonhar...
Quem me dera poder sempre encontrar,

As tuas mãos gentis, maravilhadas,
A cada anseio, sonho e madrugada...
Procuro te encontrar na minha amada...

A Tarde

Choravas, triste noite vinha breve,
Tuas mãos doces, belas e macias,
Dava a simples noção de branca neve,
As horas que passavas, pobres dias...

Choravas... Eu, tarde, sou tão leve,
Em meio aos teus soluços...Sim, gemias...
A noite com ciúmes não se atreve

Testemunhar teu triste sofrimento...
Eu não te deixaria um só momento,
A vida, te prometo, virá mansa...

Mas tenho que partir, a noite vem...
Vindo me levará ao triste além...
Onde teus olhos, braços, nada alcança...

Camaleão

Um camaleão voraz, mudo de cores,
Nas tardes sou azul, negro noturno.
Carregando comigo, meus amores...
Meus passos espreitando tão soturno...

As marcas que restaram, dissabores,
Me deixaram saber de cada turno...
Plantando flores colho tantas dores,
Planetas anelares, sou Saturno...

Meu coração virando latas bate,
Nas madrugadas lúdicas rebate
Com cantos esses uivos que me dás...

Ferrenho lutador procuro paz,
Mentiras são vergonhas e verdades...
Camaleão percorro as veleidades...

Criança

Trazendo velhos sonhos, de criança,
Não quero mais negar o meu passado.
As dores que carrego na lembrança,
Já há muito tempo marcham ao meu lado...

Quem fora brincadeira, por vingança,
Deixou um rastro lindo apaixonado...
As moças que jogavam, bela trança,
Não passam mais. Fiquei abandonado..

Quem dera não morresse mais o sonho,
Assim não viveria tão tristonho...
A vida me faria mais feliz...

Não posso conceber essa saudade,
O tempo destruiu a liberdade,
Na criança que morre, um infeliz...

Mutantes

Das retinas cansadas, meus delitos...
Não quero perceber tua saudade,
Nem quero mais sonhar sonhos aflitos,
Nem perder-me no meio da cidade...

Teus passos são meus rastros, são restritos,
Nas tardes que te perco, liberdade,
Demoras nas encostas solto gritos...
Antes tivesse tido, cedo ou tarde...

Meus dedos dedilhando uma canção,
Percorrem no teu corpo um violão,
Decidem por acordes dissonantes...

Meus versos são mordazes e gentis...
Das forças que traduzes peço bis...
Não mudas mas meus sonhos são mutantes!

Corsário

Um corsário buscando por tesouros,
Nas ondas, nessas ilhas, nestes barcos...
Os canhões explodindo, seus estouros,
Sonhos mais ricos, barcos pobres, arcos...

Nas tempestades lutas maus agouros,
Os ventos que derrubam, velhos marcos.
Tempos passados, novos e vindouros...
Tantos desejos, mortes certas. Parcos

Os sonhos, não lhe resta quase nada.
Da gigantesca frota, dessa armada,
Somente um simples barco, nada mais...

Corsário, na procura por riquezas,
O vazio maior dessas tristezas;
Esse sim, não te deixará jamais!

Lua Nova

Lua nova, aprendiz, lambe esse mar...
Deixando um rastro belo sobre a areia...
As estrelas marinhas, procurar,
Num segredo contado por sereia...

Lua nova, caminha, vem passeia,
Tanto tempo fiquei a te esperar.
Lua nova, querendo ser a cheia,
Rainha nos mistérios do luar...

Adolesces; celeste, cristalina...
Nas noites que te encontro, tanta festa,
O teu sensível brilho me ilumina...

Meus amores parecem bem contigo...
Nas tardes surgem, noite nada resta...
Lua nova, também pleno, persigo...

Crime

Quando desfilas, nua, pelas noites;
Trazendo um manto branco, transparente,
Os ventos que te levam são açoites,
O brilho do luar, mais envolvente...

Quando te espero, longos entrenoites;
A vida maltratando qual serpente,
Espera pelos mágicos pernoites,
Onde serás só minha, finalmente...

Nas taperas, nas quintas, nas bodegas,
Nossos vinhos guardados nas adegas;
Esperam tal momento mais sublime...

Minhas mãos ansiosas tremem tanto.
Meu medo, em tal momento belo, santo;
Ao te tocar, dê sensação dum crime...

Claustro

No claustro onde deixaste o coração;
Sem portas, sem ter chaves, absoluto...
Nas lendas do deserto, da paixão;
Não te restará nada além do luto...

Muitas catedrais trazem a oração,
Muito barco, nos mares, impoluto...
Muitas luas brilhando no sertão.
Homens quietos, do mundo mais astuto...

As forças naturais das tempestas,
Muitas dores simbólicas são festas.
Muitos cantos escondem a sereia...

Muitas flores precisam ser colhidas,
Muitas mortes renascem novas vidas...
Só o teu coração, deserto, areia...

Desértico

O sol a pino queima, atroz fornalha...
Nessa areia desértica, cruel...
Reinando, solitário lá no céu,
Seus raios feito braços traz, espalha...

Nas terras onde cobre, na batalha
Diária pela vida, num corcel,
Campeiam homens, guerras. Meu farnel
Carregado de sobras... Na toalha

Do deserto, preparo meu repasto.
Teu corpo que previ, divino casto,
Tal como esse sol queima, mas seduz...

Quem me dera pudesse desbravá-lo,
Percorrendo, montado em meu cavalo;
Conhecer seus mistérios, sua luz!

A Origem da Lua

Ó bela ninfa, musa dos meus dias...
As percas me perseguem, meu navio...
O mar que naveguei, foi tão bravio.
Das sereias sobraram fantasias...

As serpentes marinhas... Baco, orgias,
Nesse teu brilho, velas e pavio...
Aceso meu desejo, dor e cio,
Espero pela musa, mãos macias...

Vi teu corpo, naufrágio e tempestade.
Os deuses, procurando claridade,
Profanaram as luzes que emanavas...

Roubaram-nas enquanto flutuavas.
Noite que não sabia nem brilhar,
Depois disso, resplende no luar!

Inocência

Na vasta cabeleira que penteias,
As mãos cariciosas, delicadas...
As rosas que plantei, foram marcadas,
Por cores que te lembram. Estonteias...

Nas armadilhas doces, teces teias,
Quem me dera estar preso em tais caçadas...
Dos reinos que sonhei, vãs madrugadas.
Das chamas que produzes, incendeias...

Te quero, não renego o sentimento.
Teus cabelos, reflexos do luar...
Macios, longos, belos, procurar

As rosas que perdi n’esquecimento...
Amar é dar sentido n’ existência!
As rosas brotarão tua inocência!

Pregos

Que dizer da promessa que fizeste?
Farsa, falsa, cinismos me ensinaste...
Meus dias num saveiro, rumo leste,
As luas que me trouxe, cabalaste...

Das mãos que me percorrem, trazem peste,
Mereço, por acaso, tal contraste?
Amar quem nunca amei, rasgar a veste
Que me cobre, quebrando essa fina haste...

Finaste e nada fazes, só flutuas...
As ruas que percorres deixas nuas...
Os olhos que te caçam ficam cegos...

Os dias que persigo são nublados,
Amores esquecidos descontados.
Nos castelos gentis derramas pregos...

A música repete sentimentos...

A música repete sentimentos...
No crescendo voraz, aumenta o pranto,
Não pude nem pedir um outro canto,
A vida não deixou sequer momentos...

Não quero nem sorver os teus tormentos.
Paro, penso, reflito e me levanto.
As horas que se passam, novo encanto...
Devagar fui procurando elementos

Que permitissem sabres e bastões.
Que me salvassem dessas podridões,
Que não sorvessem luz nem dessem trevas...

A seiva sanguinária foi letal.
Não quero transformar num carnaval;
As dores que me deixas quando nevas...

Violão

Sortes e motes, mudas e vestidos.
A nudez percebendo meus desejos...
As tardes que se foram, sem sentidos,
Deixaram coração tão sem lampejos!

Meus livros esquecidos, foram lidos.
Meu tempo foi guardado, cadê beijos?
Os cálices da vida, já partidos,
Os trapos que vesti sem relampejos...

Sortes jogadas, dados sobre a mesa...
Não sinto poesia nem tristeza.
Somente esse solvente que me morde...

Nas sílabas silabo tais torturas,
Nas cordas que soluço, as amarguras...
Meu violão calado sonha acordes...

Vermute

Tambores ecoando, quero os ecos...
Trapaças dessa sorte soam farsas.
Bebendo nessas taças, nos canecos
As danças prediletas são esparsas...

Não Quero nem começo e repetecos,
Nem vistas para o mar. Parecem traças
Espalhadas na casa. Meus jalecos
Guardados, não mais temo as massas.

Tratores vão arando esta seara.
Nas voltas que fecundam, lembram Lara,
Saudades esquecidas na gaveta...

Não sei sentir sonoras gargalhadas,
Nem sei dançar nas luas, madrugadas...
Esse vermute serve de luneta!

Eternizo

Quero o sabor gentil dessas palavras,
Corroendo o que sinto, nada mais..
Minhas mãos cultivando tristes lavras,
As colheitas serviram, tanto faz...

Não sinto tal pendor, nem mais entravas
Minhas pernas cansadas. Sou capaz
De não querer seguir. Se sou falaz,
Minhas serenas matas, fundo cavas...

Decepo a solidão forjando luz.
A corda que me prende, me seduz.
Anseio por venenos, satirizo...

Das entranhas surgiste, tal farsante.
Jogado nesse canto, canto amante...
As pedras que me jogas, eternizo!

Companheira Predileta

Foste cinza, perpétua solidão.
Companheira voraz de tantas dores...
Me ferias, lambendo... Teus odores
Chegavam, recendendo a podridão!

Nas trabéculas da alma, servidão.
Nos jardins que nasceste não há flores,
Caminhos que seguiste mil amores...
Não me resta mais nada, sigo em vão!

Solidão, companheira predileta.
Quer seria da vida sem teu braço...
Não teria sentido ser poeta,

Se não fosse essa ausência tão presente...
A dor que tanto sinto veramente,
Aumenta em teu carinho, teu abraço!

Insistência

Insisto, a noite cai, não tenho medo...
As tardes foram marcos com certeza,
O beijo que roubei me deu destreza;
A vida vai seguindo seu enredo!

As pedras que cultivo, meu penedo;
As bocas que desejo, dão leveza,
Achei das trevas luz, sei o segredo,
Que me dará por fim, a realeza...

Bastiões já se tornaram minhas pernas,
Os olhos te procuram, nas cisternas
Da noite que, caindo, me traz Lara...

Não posso permitir nova desgraça,
A morte nunca pára, por pirraça.
Jamais deixei d’amar a quem amara!

Desafeto

Eu pensei te dizer num belo adeus,
As coisas que traguei contra a vontade,
De nada restaria tal verdade,
Se não pudesse, ao menos, ver os breus

Que me trarão certezas, meu bom Deus,
Das dores te cobrirem de saudade!
As portas que fechaste, crueldade,
Te trarão, por lembranças, sonhos meus...

Receba essa missiva como um míssil;
Não queira nem saber como é difícil,
A quem comeu, cuspir no próprio prato...

As mãos que já lambi, num cego afeto,
Mordendo vou mentindo, perco o teto.
A sede inda procura teu regato...

Marina

Nas minhas delicadas percepções,
Me delicio cios e Marina...
Anota meus defeitos, descortina
Nos versos, veros astros e versões...

Não quero permitir os seus verões,
Nem quero ver as asas, assassina...
Nas trovas traduzidas u’a menina...
Nas horas que passei as decepções!

Se sabia não sinto nem traduzo,
Os motes que me dá, cedo conduzo;
Meus trapos estropio são falazes...

As fontes que bebi logo secaram,
As pontes que passei, s’arrebentaram.
As mãos que lhe percorrem, mais audazes...

Sobrevivente

Recebendo o bafejo benfazejo
Das alvoradas belas, da manhã.
Vivendo mansamente nesse afã;
Pretendo penetrar teu azulejo...

Nos tempos irreais, um realejo...
Quem dera concebesse um amanhã.
Seria, ao levantar, leviatã!
Mas não me restaria um só arpejo...

Coração tropical, trazendo febres...
Caçada audaz, raposas caçam lebres...
Nunca mais terei jeito e solução.

Nas minhas lutas, frisos, frascos, feras...
Em todos passos; quedas e crateras...
Sobrevivente louco, coração!

Movimento dos barcos

Movimentos dos barcos no meu porto,
Parecem com amores que perdi,
Renascendo outros tantos, vivo, morto...
A paz que bebi há muito esqueci...

Sem rumos nem correntes, esmo, torto...
Ressurgem madrugadas, já vivi,
Obsessão, meus navios. Matas, horto,
Tantas vezes pensei estar aqui,

Mas as marés não deixam, sigo a sina
Das algas, sem pousada. Da menina
Que deixei, nem ao menos um sorriso...

Movimento dos barcos, das marés...
Sofrendo por quem sou e por quem és.
Ancorar minha vida, isso preciso...

Amores Tísicos

Não quero amores lúcidos, serenos...
Daqueles que jamais me dizem não!
Loucura qualquer, rumo direção..
Dias pálidos, tímidos... Venenos...

Daqueles que não somam, pois são menos.
Amores que não marcam coração.
Atônicos, atônitos, do chão...
Das dores esquecido vão amenos...

As fantasias perdem, são vazios;
Amores sem desejos, sem cios...
Não os quero! Servis, amores coxos.

Sem temperos, delírios, marasmáticos...
Tísicos, repetidos, são estáticos.
Pretendo nós atados, nunca frouxos...

Vagando

Vencido por cansaços e mistérios,
Vagando por espaços siderais,
As horas que ficaram, cemitérios.
Nas pazes que profanas peço mais...

Nos mundos que teimavas seus impérios,
As bodas esquecidas são banais,
Não temo nem teus medos sem critérios,
Nas bocas que me beijas, mais venais...

Procuro tua forma nas paredes,
Nas sombras que formamos ao andar,
Tais fontes não saciam minhas sedes,

Pareces, vez em quando flutuar...
Não deixas nem sequer sombra nem rastro,
Procuro-te no céu morres num astro...

Falsa

Proverbiais as formas que me mentes,
As forças naturais já não conheces,
As hordas que perseguem-te, dementes,
Não consegues conter, nem tuas preces...

Forças divinas, lépidas urgentes,
São companheiras frágeis que não teces,
Nas lutas que combates, finges crentes,
Num segundo qualquer já nem padeces...

Minha senhora, fazes tuas lendas,
Desérticas areias, velhas tendas.
As pútridas feridas que me deixas,

Nas camas são mentiras enganosas,
Perfumes que garantes, ser de rosas,
No fundo falsificas até queixas...

Meus Versos

Meus versos são venenos bem dosados,
Perfumes que incendeiam depois beijam...
No fundo são meus sonhos desprezados,
As dores que me negas, sempre aleijam...

Meus versos corações desconsolados,
Por onde quer que passem, te desejam,
As formas que traduzem tantos lados,
Nas retas nos retângulos cortejam...

Meus versos são promessas esquecidas,
São pássaros que morrem sem ter asas,
Nas mangas tantas cartas escondidas,

Nos medos meus segredos são inversos,
As chamas que me queimam não têm brasas,
Mentiras verdadeiras são meus versos...

Oração

Nas orações que fazes, te suplico,
Não esqueças jamais de quem te amou.
A vida por caminhos me levou;
Voltei, bem sei não queres, mas eu fico...

Espero que consiga tento, explico,
Não me ouves, pois nada mais restou,
A não ser os meus olhos... Marejou
Saudade, tento tanto, até replico;

Não adianta nada, nem me vês...
Te peço, pelo menos uma vez,
Permita que me arraste de joelhos...

Que mostre os meus olhos meus espelhos,
Vermelhos de chorar. Peço perdão.
Não deixes me matar a solidão!

Mãos Camponesas

Vastos pastos, delícias camponesas,
As mãos esparsas, dias mais serenos.
As mãos vão fecundando de belezas;
Amores primitivos, cheios, plenos...

Quem sabe conhecer as naturezas
Diversas, produzir todos os fenos.
Não precisam sequer dessas grandezas
Sem nem saber de senos e cossenos...

As mãos que acariciam, cortam cana,
Transformam dessa terra, os alimentos.
Sabem das fases, luas, qual semana

Melhor pra se plantar e pra colher,
Conhecem as origens, todos ventos ,
Ensinam tanta vida, sem querer...

Garanhão

Teu pelo todo negro, ergues as patas,
Levantas branca areia do deserto.
Quem me dera pudesse estar por perto,
Nessa beleza negra, me arrebatas...

A cauda erguida, as crinas que retratas;
No teu trotar macio, mais experto;
Dos animais da terra, o mais completo,
Sublime maciez, formas exatas...

Galopas liberdades sem segredos;
Fulguras nesses campos, mais bravio.
Nunca me demonstras saber medos...

Nas guerras, nas viagens no sertão;
A força gigantesca até no cio,
És símbolo do belo, garanhão!

Mansidão

Teus dedos escorregam no piano,
Acordes dissonantes formam hinos;
Perdido vou seguindo desatinos,
Minhas manhãs sequer seguem um plano...

Ronrona o coração, pobre bichano,
Espera a vez de ter asas e sinos.
Nas pernas, tantas pedras e meninos,
As vidas se são sete, ledo engano...

Quis ser assim conforme tu querias;
Beijavas por um lado, outro mordias.
Nas vezes que sonhei com teu carinho,

Nas horas me enganavas com um beijo.
Transpus a vida, fui atrás do queijo
Que envenenaste mansa, nosso ninho...