quarta-feira, janeiro 27, 2010

23700

Em flores tão soberbas, Natureza
Expõe na primavera seus primores
E vendo as alamedas multicores
Entregue sem medidas à beleza
E quando se permite tal leveza
Uma alma mais suave em seus pendores
Proclama a maciez de tais amores,
Mostrando fielmente esta grandeza.
Não posso me furtar a tal cenário,
E tendo em minhas mãos o gozo vário
Estendo-me nos versos e agradeço
A sorte de poder ter em delírio
Além do que pensara ser martírio
Das belas fantasias o endereço...

23699

Pudesse ter nos olhos os segredos
Que ainda não consigo decifrar
Bebendo as alegrias do luar,
Não posso sonegar velhos enredos.
Se eu tenho o meu futuro entre meus dedos,
Os dias que virão podem falar
Do quanto me acalenta o teu gostar
E mostro-me deveras sem os medos

Que outrora consumiam os desejos
E tendo nos meus sonhos tais lampejos
Despejo em luzes fartas, poesia;
O quadro se mostrando mais sutil,
Permite que entre versos céu anil
Azulejando em paz um manso dia...

23698

Mudando desde já velhas roupagens
Aonde se moldaram risos tantos
Envolto pelos riscos, desencantos
Esqueço as mais felizes paisagens,
E enquanto me entregando às engrenagens
Ao menos não vertendo falsos prantos,
Deveras embarcando em sonhos bantos
Arcaicas melodias e visagens.
Fazendo da esperança uma senzala
A voz que tantas vezes nada fala
Emite em sons sombrios meus lamentos,
E quando em fantasias arrebatas
Sentindo em minhas costas as chibatas
Aonde quis a paz, ganho tormentos...

23697

As cores que pensava serem várias
Agora se agrisalham e me afastam,
Os dias na verdade já se bastam
Encontro as vagas noites perdulárias
No céu em abandono procelárias
Os répteis de minha alma que se arrastam
Enquanto nos escuros já contrastam
Com todas as defesas visionárias.
Apego-me ao não ser e tenho nisso
O fogo que em verdade ainda viço
Bastando-me saber da morte em gozo.
O pântano do qual desvendo feras
Expressa as ilusões, falsas quimeras
No espelho me retrato, desairoso...

23696

Entre aves de rapina, o bote é certo
E o corpo apodrecido sobre a mesa
Deveras com fartura, a sobremesa
Mudando de repente este deserto.
E sendo pelos medos descoberto,
Não tendo mais sequer medo ou defesa
Exponho-me sabendo ser a presa,
Em campo na verdade sempre aberto.
Somente estes fantasmas que inda levo
Por mais que imaginara ao fim longevo
Escombro de um passado, vil escória
Que morta em plena vida nada diz,
Amortalhando o risco, um infeliz
Perdido sem vigor e sem memória...

23695

Cantasse alguma música e talvez
Pudesse crer na tal eternidade,
Mas tendo a fantasia que degrade
Não teimo e perco logo a minha vez.
O quanto em alegrias se desfez
Caminho que pensara em claridade
Agora mais distante a liberdade
No fundo o me resta: insensatez;
O berço em que nasci, apodrecido,
O dia muitas vezes esquecido
O gozo insuperável do não ter.
E quanto mais procuro algum caminho
Somente vislumbrando fogo e espinho,
Vontade de fugir ou de morrer...

23694

Na mesma proporção em que me entrego
E vejo destruído cada sonho
O fim da longa história, eu te proponho,
Por mares mais ferozes já navego.
E o quanto se fizera louco e cego,
Ainda em versos frios decomponho
O medo que nos medos eu reponho
Invés de procurar, me desapego.
Bastando ser bastardo e ter por fardo
Abrolho, pedregulho espinho e cardo
Ardentes emoções são falsas tramas.
Esgueiro-me entre ratos neste esgoto,
Da vida devorando o tenro broto,
Aspiro deste incêndio brasa e chamas...

23693

Espécies tão diversas que me habitam
Bactérias, vermes, vírus entre helmintos
E mesmo quando exponho meus instintos
As forças animais já se habilitam.
Mais fortes do que a mente quando gritam
Rompendo da ilusão diversos cintos,
Os ânimos que outrora quis extintos
Deveras muitas vezes inda excitam.
O berço se transforma neste túmulo,
E chego mansamente ao cume e cúmulo
Perpetuando o podre ser humano,
Nos ascos que me tens, asas me dás,
E quando se mostrasse mais voraz
Maior o meu delírio vão, profano...

23692

Não quero discernir morte de gozo
Se todos os caminhos, mesma foz,
Aonde se mostrara algum algoz
O dia sendo assim maravilhoso.
O peso do passado, desastroso,
E o canto que me embarga e cala a voz
Perpetuando o resto que há em nós
Decerto o meu destino é caprichoso.
Caleidoscópios dizem do que sou,
Mosaico que disforme não se expõe
Enquanto a minha sorte decompõe
O preço que se paga é muito caro.
Escrevo tão somente vagas linhas
E nelas com certeza me adivinhas
Putrefação de uma alma eu escancaro...

23691

Niilista tantas vezes quis respostas
E as velhas negações, versões diversas,
Acima dos enganos e conversas,
As mesas entre corpos sendo postas,
Se gostas do que escrevo ou se não gostas,
Verdades sobre as quais também não versas,
Esgoto nos anseios, sendo imersas
Palavras que devoras; nunca expostas.
Apenas os postais de antigos medos,
Aonde se trancaram meus segredos
Sem chaves, estes cofres nada são
E perco-me deveras, desvarios,
Semeio quando colho os desafios
E trago em cada sim a negação...

23690

Na mesma proporção que a dor aumenta
O frio dentro da alma já progride,
Enquanto a realidade sempre agride,
Na forma mais audaz e violenta
Nem mesmo a solidão ora apascenta
Aos tempos mais felizes, vã regride
E o passo a cada dia se decide
Bebendo do vazio que alimenta.
O escasso caminhar não leva mais
Aos dias que pensara sempre iguais
No fundo são deformando o que buscara
Carinho sendo escárnio me acompanha
Forjando da aguardente este champanha
Fazendo da ferida, imensa escara...

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23689

Nas vozes do além túmulo as verdades
Que não sonegaria, pois credito
Aos vermes o melhor de cada rito
Bebendo sem pudor as veleidades.
Enquanto apodrecendo me degrades
Terminas com meu tempo que é finito
E o rosto decomposto exposto aflito
Ainda vê distantes velhas grades.
E sendo sempre assim, a vida e a morte,
Não posso sufocar; negar a sorte
E o verso se aprofunda nos vazios.
Aonde se moldasse uma esperança
Mortalha enegrecida, já se lança
Das velas, acendendo os seus pavios...

23688

A podridão que aos poucos já me invade
Por mais que ainda seja bem sutil,
No fundo tanta imagem permitiu
Enquanto a vida em farsas se degrade.
Apego-me aos valores da saudade
E sei que na verdade isso faz vil
Quem tantas vezes teve e repartiu
Buscando sem perdão saciedade.
Apego-me aos valores mais venais
Enquanto em vilipêndio transformais
Os riscos que pensara serem vagos.
Os beijos desta pútrida quimera
Causando desde sempre a louca espera
Seriam das mortalhas seus afagos...

23687

Vislumbro minha vida com clareza
E sei que nada fui e nem seria
O tolo que se envolve em poesia
Morrendo num momento, velha presa,
E quando a mão desfere a seta, tesa
Esconde o que restara da alegria,
Não posso ser cruel, mesquinharia
Só tendo a minha morte por defesa.
Aonde se escrevesse uma emoção,
Deveras encontrei a negação
E afagos desta fera envilecida.
Assim melhor seguir a minha estrada
Que mesmo só levando ao mesmo nada
Traduz mais fielmente o que foi vida...

23686

Olhando esta sutil fotografia
Aonde se fizeste em cores várias
As tramas que vivemos; temerárias
Na sorte que a verdade ainda adia.
O peso do passado se alivia
Aonde percebera luminárias
E os cortes profanados, vidas párias
Nas almas dos infaustos, as sangrias.
Excluo dos meus versos meus esgotos
Tampouco quero os pés agora rotos,
Escondo-me nas tramas mais sutis.
E sei que sendo assim, falso e venal,
A vida que eu buscara, triunfal
Produz imagem lúdica e feliz...

23685

Se a cada novo instante ainda assomo
A imagem tresloucada deste inferno
Aonde se fizesse ainda eterno
O fogo que deveras não mais domo.
Descomunal figura sabe como
O mundo não teria um vento terno
Se em meio aos teus rancores eu hiberno
Vivendo a profusão de um longo inverno
A vida dividida em cada tomo.
Asperges os teus tétricos fulgores
E quando novo tempo; recompores
Verás quão frágil sonho se apresenta
A quem aquém do todo é sempre escasso.
E quando nos intentos eu fracasso
A vida se propõe mais violenta...

23684

Bebendo desta estrela matinal
O raio que se entranha me diz: trai.
O quanto sem enganos já distrai
O rosto se mostrando mais venal.
O berço deste encanto sideral
Moldando o que deveras alma esvai
No berço aonde outrora quis um pai
Apenas a vergonha toma o sal.
E quando se mostrasse a face escura
Do quase que me leve em tal loucura
Vital essência; eu busco no vazio.
E tendo em minhas mãos a morte insana,
O quanto do meu mundo se profana,
Responde pelo quanto me esvazio...

23683

Ao longe dos meus olhos, inda passa
A velha confraria dos demônios
Aonde se mostraram patrimônios
Somente o que restara: uma devassa,
As mãos já calejadas dos campônios
E o tempo vagaroso se esfumaça
Enquanto se demonstra em plena praça
A fúria insaciável dos hormônios.
Aspectos tão diversos desta vida
Aonde com certeza está cumprida
A sina que nos deram Evangelhos,
Os dedos engelhados, rugas fartas
Enquanto da verdade não te apartas
Devoram-te na certa, escaravelhos...

23682

Qual fora de carneiros, um rebanho
Seguindo o seu pastor, podre promessa,
A história noutra senda recomeça
E o jogo que pensara ainda ganho
Deveras não permite o que inda entranho
Mesquinhos os temores, já confessa
Uma alma que perdida em vão tropeça
Causando o mais profundo corte e lanho.
A perda dos sentidos, convulsão
Esgueiro-me entre as urzes; proteção
Não tenho e nem pretendo, sou assim,
Martírios de mim mesmo vergastadas
As portas do futuro estão cerradas
A vida se prepara para um fim...

23681

De minhas podres mãos a sorte arranca
Pedaços entre facas, canivetes
E tudo o que deveras me prometes
Somente este vazio te desbanca.
Aonde se mostrara uma carranca
Os olhos; coniventes, arremetes
E teimas com escuros e competes
Enquanto a vida atroz devora e espanca.
Não pude mais conter sequer o quanto
Decerto se mostrasse em desencanto
O pranto não sossega, mas prefiro
Metânica explosão em fátuo fogo
Do que poder mostrar em algum rogo
A bala prenuncia a morte e o tiro...

23680

Buscando alguma forma quando e como
Pudera desvendar segredos vários,
Os dias entre nuvens, temerários,
O tempo com vigor diverso eu tomo,
E bebo do prazer enquanto domo
Os medos onde escondo meus fadários
Revelo os dias tolos, seus horários
E tudo o que pudera; simples pomo.
Assenta-se a poeira e o tempo passa,
Aonde imaginara uma fumaça
Apenas leve brasa e nada além.
O quadro se repete vez em quando,
E vejo o mundo inteiro desabando
Olhando de viés, tanto desdém...

23680

Aonde se fizeram toscas crenças
Somente o não se mostra mais completo,
E quando deste vago me repleto
Não posso suportar as desavenças
Por mais que disto tudo; já convenças
Das várias convenções; se inda deleto
O tempo mais complexo, predileto,
Dirá dos descaminhos e doenças.
Naufrágios são comuns em quem procura
A noite sem estrelas tão escura
Nesta obscuridade o meu degredo,
Aonde se moldara alguma luz,
O tempo sem ter tempo me conduz
Ao quanto se perdera desde cedo...

23679

Expondo dos meus sonhos simples fósseis
Mesquinhas emoções herança dada,
O corte que se mostra enquanto enfada
Momentos que pensara bem mais dóceis
No fundo se permitem mais indóceis
A sorte que deveras me degrada
A boca que me beija nauseada
E os vermes sãos os mesmo que inda roceis.
Efêmeros prazeres; não mais quero
O gozo deste pútrido ser fero
Não satisfaz a quem se fez mortalha.
E quando a faca brilha em tuas mãos,
Jogando nestes solos, vagos grãos,
A senda dos senões a morte espalha...

23678

Apenas do que fora, simples fumo
Aonde se fizera força, o vago,
E quando a minha morte ainda afago,
Eu bebo da tristeza todo o sumo.
Os erros do passado se eu assumo
Procuro pelo menos mais um trago
Da vida que se perde em cada bago,
E a cada novo dia me consumo.
Perdesse algum momento e não teria
Sequer o que pudesse em alegria
E tu escarras sempre com teu ódio.
Repúdios que me deste são comuns,
Os dias mais felizes, se inda alguns
Meu corpo apodrecido enfim. Açode-o...

23677

Tal qual se imaginara assim medonha,
Imagem refletida neste espelho,
Deveras bebo o gozo que aconselho
Enquanto uma alma tola ainda sonha.
Escrevo sem ter medo nem vergonha
Apenas não suporto e me ajoelho
Defronte ao paraíso em que me espelho
Além do que este verso te proponha.
Ao menos uma paz que necessito
Não mostre ser diverso deste rito
O canto que encenara o fim dos dias.
Mereço pelo menos caridade,
Por isso não desejo nem saudade
No inferno que deveras me querias...

23676

Sonhasse com diversa maravilha
Não fossem os meus versos realistas
As mãos de insuperáveis, bons artistas
Apenas fantasia, o canto trilha.
Nefastas ilusões, não sendo uma ilha
Apenas o mordaz inda conquistas
E quando noutros rumos tu me avistas
Minha alma sem fulgor, já não mais brilha.
E o ocaso se fazendo mais freqüente
Ainda é que o em verdade se pressente
Depois de não valer sequer a prece.
O peso que se impõe sobre estas costas,
É tudo o que decerto ainda apostas
E a morte salvadora se oferece...

23670

Olhando pelo imenso telescópio
Talvez divise estrelas, nebulosas,
Perfeitas maravilhas, fabulosas,
Delírio comparável mesmo ao ópio.
Enquanto num incrível microscópio
Mais diversas bactérias perigosas
E criaturas vagas, caprichosas
E o mundo desde o nano ao macroscópio
Permite-se vagar em formas várias.
Assim ao refazer a própria vida,
Jamais conhecerás real ermida,
Porém almas errantes, meras párias
Envoltas nos mistérios dos degredos
Em fátuas ilusões, vários segredos...

23675

Deveras exageras proporções
Dos sentimentos tantos que vagueias
Aonde imaginara praia e areias
No fundo são somente provações.
E sei que quanto mais louca incendeias
E tramas outros rumos, direções,
Acendes com loucura os furacões
Entranhas pelas casas, nas ameias.
Escravo do vazio que legaste,
Ao menos ser gentil, não há desgaste
E o peso se tornando um empecilho.
Abrindo os tumulares descaminhos
Envolvo-me deveras nos espinhos
A solução; aos poucos engatilho...

23674

De dores e terrores são compostos
Os dias em que teimo resistir,
Sabendo do vazio do porvir
As dores são decerto, meus impostos,
E os dedos pouco a pouco decompostos,
Os tempos não serão como há de vir
O canto que não pude mais ouvir
E os ossos cada dia mais expostos.
Na macilenta imagem que ora vejo,
Especulares formas do desejo
Outrora insaciável e hoje morto.
Não tendo outra saída, e ancoradouro,
Nos braços da mortalha em que me douro
Imaginando ainda um frágil porto...

23673

Restando do total pequenas partes
Ainda não consigo crer na morte,
Que sei ser desta vida sempre o Norte
E mesmo que conceda tais apartes,
Não verso sobre as formas nem das artes
Eu quero a sensação de algum suporte,
Não tendo uma alegria que se aporte
Resisto bravamente a tais enfartes
E quase não retenho mais os medos,
Aonde se fizeram meus degredos
Os dedos gangrenados não importam.
Se ao menos permitisse algum respeito,
Porém neste vazio em que me deito
Os dias como facas finas, cortam...

23672

Imagem quase informe do que fui,
Passado se mostrando em fria cena,
Enquanto a realidade ainda apena
O bêbedo desnudo ainda flui
Rondando esta esperança que ora rui,
Não quero nem vestígios de uma pena,
A boca que beijara me envenena
E o podre a cada dia mais influi.
E vá-te procurar noutra vereda
Aquele que deveras te conceda
Um gozo mais atroz, velha profana.
Se eu sou este cadáver insepulto,
Não quero nem a sombra do teu vulto,
Canalha que deveras desengana...

23671

Apenas do que fui, mera parcela
Que tanto me maltrata e me magoa
Enquanto o pensamento segue à toa
O barco se perdendo, rota a vela,
A boca que é mordaz já me revela
A vaga sensação que ainda aproa
Naufrágio se prepara enquanto voa
O sentimento em paz jamais se atrela.
Agora o fim de tudo se apresenta,
E apenas o vigor de uma tormenta
Nefastas ilusões, que as leve embora.
O gosto tão amargo que deixaste,
No amor que me disseste, simples traste
Pantera numa espreita me devora...

23670

Observando deveras os mais altos
Montes onde encontrei alguns sinais
Dos dias que passamos; anormais,
Degraus enormes, sempre tais ressaltos.
Os dias que pensara serem lautos
Agora em vãos momentos, transformais,
O quanto se buscara foi demais
Os passos traduzindo os mais incautos

Caminhos onde a sorte se fez tanta
E ao mesmo tempo a morte se levanta
E ri-se desta orgástica loucura.
Já não comporto mais mesquinharias
Diverso deste mundo que querias,
A morte mansamente me procura...

23669

Aonde imaginara cordilheiras
Apenas depressões e vales fundos,
Mergulho nos abismos mais profundos,
Por mais que qual farsante tu não queiras,
Se embalde entre estas pedras tu te esgueiras,
Meus dias prosseguindo sempre imundos,
Olhares que disparas, vagabundos,
Esquecem dos quintais velhas mangueiras.
Bebendo as variantes da emoção
Escravizando uma alma em teu porão
Pensavas ter nas mãos o meu destino.
Qual louca que se entrega numa orgia,
Apenas a verdade me encobria
E agora em versos frágeis descortino...

23668

Aspectos tão diversos, mesma face,
A mortalha que deste, um vão presente
Por mais que uma saída ainda tente
Não posso superar qualquer impasse.
Embora a realidade me desgrace,
Jamais dela seria assim, ausente,
E o quanto do vazio uma alma sente
Permite o mais sombrio desenlace.
Acaso sem saída, morto o sonho,
Nos antros mais escusos, decomponho
Apêndices de um velho trovador,
Que outrora em versos mansos quis a vida,
E agora esta sarcástica ferida
Envolve-me num rito e num louvor...

23667

Olhando com firmeza e nitidez
Percebo que deveras não sou nada,
Vestígio do que andara noutra alçada
Aos poucos minha vida se desfez,
E nesta mais completa estupidez
A sorte foi há muito, destroçada,
Por mais que inda tentasse uma guinada
Não quero ter mortalha em que se fez

A sanha dos poetas e dos loucos,
Se os gritos são embalde, seguem roucos
A porta que trancaste, não arrombo;
Não vejo outra saída nem preciso,
O beijo sem caráter, um aviso
Que preconiza agora a queda e o tombo...

23666

Se ao largo da ventura a paz prefiro
E nada conseguindo eu me permito
Além do que talvez fosse infinito
O corte mais profundo em que me firo,
Apenas dos teus olhos vejo o tiro
E nele está o prazer do ser aflito
Que embalde sortilégio seja dito
Às voltas com vazios, inda giro.
Aprendo a cada dia ser assim,
Nefasta poesia que há em mim,
O pão que me sonegas, distribuis,
Embora virulenta criatura,
Na morte ou na esperança que me cura,
Deveras já não vagas nem influis...

23665

Aonde imaginar poder crer
E ter dentre dos sonhos horizontes,
Devastas com a fúria minhas pontes
Matando o que podia amanhecer
Nas mãos trazes poderes, mastodontes
E bebes do meu sangue até verter
Roubando a fantasia, toma o ser
E secas da esperanças, parcas fontes.
Assim é que se mostra o quanto queres
E mesmo que deveras interferes
No quase que eu herdei e não consigo,
Dos charcos onde encontro a placidez,
Somente o que me resta em lucidez
Transmite ao andarilho algum abrigo...

23664

Procuro tão somente o suicídio
E bebo esta cicuta que me dás,
Assim quem sabe, enfim, encontre a paz,
Depois de tanto tempo em vão dissídio
O verso que pudesse em manso vídeo
Na vítrea passarela sendo audaz
Devorando os escombros é mordaz
Meu mundo se perdendo após. Agride-o.
A raiva se estampando nos meus olhos,
Ferrolhos impedindo uma saída,
E a morte se moldando diz da vida,
Somente entre espinheiros, meus abrolhos,
Atóis que imaginara não existem,
E os ventos mais sombrios já persistem...

23663

Apenas entre insetos sou inseto
Numa metamorfose em perda e dor,
A pútrida emoção a se compor
Diversa do que outra eu quis dileto.
No verso mais feliz, o predileto,
Ainda poderia ter louvor,
Agora me entranhando este rancor
No qual sem preconceitos me completo.
Ascendo ao meu martírio com ternura,
E sei que na verdade a morte cura
Aquele que em tristezas e ilusões
Bebera deste cálice sagrado,
Agora segue sendo destroçado,
Exposto às asquerosas refeições...

23662

Demonstro da ilusão suas facetas
E carcomidos versos demonstrando
O quanto imaginara outrora brando
E agora são medonhas as falsetas,
Adentro pelos becos, guetos, gretas
E o término da vida se moldando,
Não quero mais saber aonde e quando
Ao vago do infinito me arremetas.
Somente sou o tosco em fantasia
Que aos teus olhos amor, apodrecia
Em decompostas formas e atitudes.
Só peço que te vás, e que me deixes,
O rio se envolvendo com seus peixes
Já pede que seus leitos; não transmudes...

23661

A voz da violência que se espalha
Por toda a minha casa, não consigo
Vencer o meu fantasma em desabrigo
A vida se mostrara tão canalha
No fio, o desafio da navalha
E a carne apodrecida, tosco artigo
Vendido em livrarias, mas não ligo,
Apenas a verdade me atrapalha.
Pereço paulatina e friamente
E enquanto a realidade não desmente
Sou mero caricato do que fora,
Servido de bandeja num banquete
Soneto em despedida, este bilhete
A morte enfim seria redentora...

23660

Um verso violento em mar bravio
Perpetuando a dor que me legaste,
A porta que deveras tu trancaste
E em loucas sensações já desafio,
Mergulho no passado em que desfio
Rasgando qualquer sonho. Sou desgaste
Do tempo que se deu algum contraste
Descrevo tão somente o medo e o frio
Aonde não pudera ter preciso
O mundo que devoras, fera escracha,
Minha alma se desmancha e não mai acha
O rumo entre tempestas e procelas,
Mesquinharias são muito freqüentes
E sabes quão mordazes os dementes
Momentos em que nua te revelas...

23659

A vida, esta maldita fantasia
Que tanto nos domina e depois disto
É como se em verdade não existo
A morte se apodera e a paz se cria,
Lateja dentro da alma esta agonia
Por vezes, idiota até insisto
No gozo que deveras sem ser visto
Apenas é longínqua melodia.
Assassinando os sonhos, não me resta
Senão tal desvendar de tolos mitos,
Percorro devagar os infinitos
E vejo o grão que sou nesta floresta
Poeta que, iludido já se cansa
Matei esta quimera, uma esperança...

23658

Os monstros que carrego dentro da alma
Medonhas criaturas que decoram
De vez em quando loucas já se afloram
Causando tão somente medo e trauma.
Da angústia reconheço dorso e palma
E os vermes que deveras me devoram,
Apenas tão somente comemoram
E a cena na verdade ainda acalma.
Quisera ter no fim algum momento
Aonde pelo menos me apascento
Ausência de mentiras e sarcasmos.
Os olhos se esvaziam, se esfumaçam
Enquanto os meus demônios se disfarçam
Os dias seguem vãos, deveras pasmos...

23569

A vida se transcorre em tal rancor
Que nada sossegando o peito aflito
Por mais que na verdade seja um rito
Aonde abarco um cais em plena dor.
Negar a própria sorte muda a cor?
Meu tempo é muito pouco e ser finito
Transforma qualquer verso num só grito
Jamais verei um mágico sol-pôr.
Quebrando estas correntes; me liberto,
Por mais que meu futuro seja incerto
O certo é que não tenho muitos dias.
E a morte se aproxima velozmente
O frio que eternal a alma pressente
Deveras o que sempre tu querias...

23568

Dos restos que hoje sou eu me alimento
Estômago; intestino, eviscerado
Arquétipo do errôneo e vão passado,
A cada novo tempo ainda tento,
Mas sei que na verdade mesmo atento,
Vazio será sempre o meu legado,
Percorro os descaminhos, cada prado,
Não traz sequer a paz, tampouco alento.
E beijo apodrecidos dedos; fardo
Que carregando ainda em plena vida,
Invés da quaresmeira; agora o cardo
Aquilo que decerto ainda sou,
A sorte num momento sendo urdida
Demonstra tão somente o que restou...

23567

Paixão que represento em sacrifício
Cortando a minha pele, a fina adaga
A boca da serpente quando afaga
Fazendo da peçonha o seu ofício,
Trazendo nos seus olhos, precipício,
Enquanto a violenta onda me traga
Fugindo de mim mesmo em fria plaga
O quarto é como outrora fora. Visse-o.
Aspergindo os demônios que me deste,
Agruras são sorrisos, gozo é peste,
E o tempo não decifra os meus anseios.
Morrer em podres fardos, árduo rito
Alçando o meu caminho ao infinito,
Já não suportaria mais rodeios...

23657

Não quero esta versão que heroicamente
Fizeste para a sorte que não veio,
E sendo assim por certo banqueteio
Fazendo do mesquinho, uma semente.
O beijo que me deste, sempre mente
E o peso do passado de permeio
Moldando este caminho que receio,
No barco que naufrague novamente.
Os pés quando amputados salvação
De quem ao se perder na podridão
Ainda busca a vida, mesmo parca.
E tendo a poesia como amiga,
Por mais que no vazio inda prossiga
A sorte noutros cantos desembarca...

23656

Numa misteriosíssima ilusão
Cerceio cada verso em tolas rimas,
E quando em vãs mentiras tu já primas
Mergulho no vazio da amplidão.
E o quase se tornando o meu refrão,
No quanto ainda gostas ou estimas,
Não tenho mais coragem, vejo em Dimas
Exemplo a ser seguir. Peço perdão.
Mas nada impedirá o louco brado
De quem se fez na vida um desgraçado
Mesquinho ser, estúpida promessa
Que agora ao se abortar, mostra na face
O vômito da fera que o embace
E a cada novo dia recomeça...

23655

Mergulho na lagoa dos engodos
Aonde se apodrecem esperanças
E quando entre nenúfares me laças
Encontro tão somente podres lodos.
Escudo-me nos vermes, sei-os todos
Jamais esperaria temperanças
Nem mesmo arcando enfim com tais lembranças
Nas mãos velhas vassouras, toscos rodos,
E tudo não se limpa, putrefeitos
Medonhos caricatos foram feitos
Do barro em que o demônio defecara.
Assim, nos olhos vagos do profeta,
O verso incoerente de um poeta
Descobre de Satã o corte e a vara.

23654

Humanas criaturas, vermes tolos,
Que bebem das sanguíneas emoções,
Torturas entre balas e canhões,
Canhestros camaradas, onde pô-los?
Vassalos dos desejos, sem opô-los
Na permissiva vida, são leões
Nas jaulas, embotados. Nos porões
Aonde poderia recompô-los

São meras feras toscas e medonhas,
Por mais que em ilusões inda componhas
Cenário mais suave; já não me engano.
A farsa se fazendo mais cruel,
Aonde se derrama fúria e fel
Decerto tu verás um podre humano...

23653

Desfilam-se cadáveres e restos
Aonde poderia crer que a vida
Por mais que se mostrasse dolorida
Já não trouxesse ritos tão funestos,
Em meio aos furacões, loucos incestos,
Medonha e sem desculpas a ferida,
Que entre meus pesadelos fora urdida,
Moldando com terror antigos gestos.
Escrevo em toscos versos o que embora
Pareça bem mais mórbido se aflora
E toma todo o corpo, invadindo a alma,
Somente o gozo amargo deste fel
Que tanto produziste, é teu papel,
Depois de tantas fúrias, inda acalma...

23652

Cantasse pelo menos a esperança.
Mortalhas que inda trago; não esqueço
Bem sei que este final; quero e mereço
Enquanto a sorte ao largo já se lança.
Pudesse ter previsto uma mudança,
Ao menos se tivesse outro endereço
Tortura não seria este adereço
Que aos poucos entre as carnes vai e avança;
Meu verso amortalhado só traduz
O que me falta ainda, porto e luz.
Desabrigado sonho perpetua
O fogo que não cessa um só momento,
E quanto mais voraz eu me atormento
Deitando sob o incêndio de uma lua...

23651

Não pude suportar o teu sorriso
Imaculadamente um falso gozo,
E sendo sem candura, pedregoso,
Mergulho no vazio; mais preciso.
E tudo o que pensara ser um guizo
No fundo outro caminho que ardiloso
Moldaste com audácia, caprichoso,
E quanto mais refúgio, mais eu biso.
Frisasse alguma frase eu poderia
Sentir quem sabe ao fundo, a fantasia,
Mas nada me poupando já clareia,
E a carne se apodrece em vãos pedaços,
Ainda do passado, queimos os laços,
A lua nunca mais se fez tão cheia...

23650

Exércitos de farsas e mentiras
Em turbilhões diversos versos verso
O peso do passado vai disperso
Nas balas que deveras já me atiras,
E quando nos vergões inda prefiras
O tempo se moldando no universo,
Seguindo a poesia e nela imerso
Ainda busco em vão belas safiras.
E o fogo não se cansa e me devora
Afloram-se desejos desde agora
Causando no meu peito o descalabro,
E quando a fantasia enfim eu abro,
Descubro a solidão que me decora
No riso da verdade, mais macabro...

23649

O amor quando se faz barro ou argila
Moldando uma figura em vasos vários,
Além dos dias falsos, meus fadários
Sem ter sequer quem dores; aniquila,
Esqueço do passado; arcaica fila
Aonde os meus destinos visionários
Escondem as loucuras nos armários
E o fogaréu da fúria inda destila.
Esvaem-se em segundos tudo o que
Pensara e na verdade não se vê
Sequer a velha sombra do que fora.
Misturo os meus fantasmas e fantoches,
Por mais que dos meus medos já deboches
Minha alma sem remédios, sonhadora...

23648

Quem fora nesta vida messiânico
Paspalho se desnuda em versos frios,
Recebo como herança tais vazios
E o olhar ora cristão, porém satânico.
Não quero nem reparo se houve pânico
Apenso meu destino em vagos brios,
Espectros que me seguem sendo esguios
O mote que perfaço, quase orgânico.
- É carma. Tu dirias, mas sei bem
Que o nada quando em nada se contém
Expressa fielmente o que me resta.
A boca se escancara e traz nos dentes
Os vermes que deveras não pressentes,
Matando o quanto havia alma funesta...

23647

No olhar de quem prepara um simples crime
A fúria desmedida diz que tudo
Não passa deste tempo em que me iludo
Aonde uma verdade não se estime,
A morte sem ventura me redime,
Seguindo em descaminhos, sempre mudo,
No vasto do vazio quando grudo
O verso mergulhado em dor oprime.
Nas carnes decompostas, o prazer,
Se eu tenho vampirescas ilusões,
Os ventos se transformam, turbilhões,
E neles possa ainda mesmo ver
Que nada se fará conforme eu quis;
Porém bisonhamente eu peço bis...

23566

Aonde imaginara a mansidão
Somente encontro aqui a mesma escarpa
Nas mãos que se sonegam, faca e farpa
O tempo se mostrara em solidão.
Vergando sob o peso da emoção,
Já não escuto mais sequer uma harpa
Minha alma tão pacífica qual carpa
Mergulha no vazio ribeirão
E morto sem saber o que fizera
Aonde inda tentara a primavera
A neve se tornando mais comum,
De todos os engodos a carcaça
Apenas tão somente quando passa
Responde em ladainha: sou nenhum...

23646

Os mares mais distantes eu transponho
Usando como barco, este vazio
Que embora seja simples desafio
É tudo que em verdade inda componho.
O tempo se moldara assim medonho
A vida que deveras eu desfio
No mar que em tempestades já desvio
Enquanto um cais suave; inda proponho.
Repondo as minhas coisas no lugar,
Às vésperas da morte, nada temo,
Primando pelo gozo, como um demo
Vergando-me ao diverso mergulhar
Mereço por acaso esta vergasta
Que a mão feita em carinhos não afasta.

23645

Qual fora um ser que ainda em vão medite
Buscando a solução que não virá,
Servindo desde sempre, sei que já
Não terei nem sequer o que acredite.
Não deixo me levar, qualquer palpite
A sorte vez em quando negará
E o tempo na verdade mostrará
Que tudo que eu queria tem limite.
Obesas ilusões são mais cruéis
E delas imagino fúria e féis
Arcando com os enganos dos meus dias.
Aonde se fizera tentação
Não sendo deste amor, decoração,
Conforme imaginaras e querias...

23644

Qual fosse destas sombras mais sinistras
O mártir que se entrega sem defesas,
Aonde poderiam as belezas
Diversas ilusões já não ministras.
Percorro tão somente em vagas listras
Medonhas emoções, diversas presas,
Carcaça carcomida sobre as mesas,
Das ondas mais vorazes, loucas cristas.
Estrídulos; escuto e nada faço
Somente me regendo este cansaço
Da vida que não vale quase nada,
Mesquinharias toscas, o presente
Que tanto se quisera e se pressente
Matando desde sempre essa alvorada...

23643

Tangesse dentro da alma a harpa sombria
Aonde se moldasse um vasto mar,
E bêbedo de luz a caminhar,
Por mais que toda a vida seja fria.
Aonde se derrama o que seria
Do verso se não fosse o bem de amar,
Perdendo desde agora o meu pomar,
Do quanto quis e nada mais teria.
Assaz glorificante a morte exata
No fundo não seduz e não maltrata
Malogros enfrentando dizem vida.
Asquerosa figura se desnuda
Sem ter quem me condene sonego a ajuda
Prefiro a solidão da doce ermida...

23642

Minha alma não reprime os desalentos
Se deles os meus versos são a fonte,
Percebo quando escuro este horizonte
Aonde mergulhar em fartos ventos.
Os dias se passando, os pensamentos,
No quanto se podia crer em ponte,
Sentindo que a verdade desaponte
Não posso mais prever novos proventos.
Apenas os mesmíssimos fadares
Por mais que tão distante navegares
Verás que o verso é feito de emoção.
Entrego algum sorriso e em troca tenho
A podre solidão, cruel empenho
De quem se fez amante e volta ao chão...

23641

A dor que exprimo em versos me deforma
A cada novo tempo mais audaz,
Estrada sem descanso se perfaz
Mudando a cada instante, nova forma.
Não quero obedecer à velha norma
Espero no final algo mordaz,
Bebendo este veneno que me traz
Aquela que propunha uma reforma.
Informo-me dos tempos onde existe
No crivo do passado, sigo triste
E mato esta esperança que me tolhe.
Uma alma em transparência; não percebo,
E quando me entregando ainda bebo
Os restos que minha alma em vão recolhe...

23640

Versos de amor? Findando tal etapa
O quase se mostrara renitente
Por mais que algum sorriso ainda alente
Não quero mais usar a escura capa.
O sol que cada nuvem chega e tapa
Pudesse ser deveras bem mais quente
Sem ter nada que ainda me faz crente
Das pedras quero apenas fria lapa,
Negando desde sempre esta existência
Apelo para quem com inocência
Ainda crê possível Paraíso.
No cerne da questão, a vida e a morte,
Enquanto a fantasia já se aborte,
Ao menos não terei mais prejuízo...

23540

As bocas entre as carnes, lacerantes,
Sentindo cada dente que se entranha,
O verso se moldura na montanha
Aonde me perdera por instantes,
Os velhos predadores são gigantes
E a sorte que sonhei e que me estranha
Deixaram a mortalha como sanha
De quem não poderia ser feliz,
Acerca da mentira que me diz
Quem fosse destroçando o que inda resta,
Nos velhos arvoredos frias caças,
E quando sorridente; ainda passas,
Invés do meu velório; queres festa...

23639

Plantasse uma esperança, porém na horta
A sorte se perdeu faltando o adubo,
Se às vezes noutro espaço ainda subo
A fantasia agora segue morta,
E quando em vários ritos sonho aporta
Mergulho no passado, um velho tubo,
Mudando cada aspecto, prisma ou cubo,
A boca que me beija não me importa,
Serpentes entre farpas e fagulhas
No entanto sem defesas tu te orgulhas
Da faca que entranhaste no meu peito.
E as fontes variáveis do prazer
Podendo a cada instante me perder,
Por sobre finas lanças eu me deito...

23638

Não pude disfarçar a solidão
Que tanto se fizera assim presente,
O quase ser feliz minha alma sente
Trazendo no final a negação;
Ao velho caminhante, a solução
Na morte que deveras se pressente
Por mais que uma razão se mostre ausente
Inverna dentro da alma este verão.
Apraz-me tão somente o ledo fim,
E a morte me rondando, diz do quanto
Perdera-se na força deste encanto
Moldando cedo o riso, sendo assim
Não deixo de tentar sobreviver,
Mas quero ainda algum parco prazer...

23637

Não posso me furtar a ser assim,
Um tempo após a morte dos meus ritos,
O cardo que cevaste em meu jardim,
Permite os versos toscos; velhos gritos.
Havia dentro em mim o querubim
Que agora se perdendo em infinitos
Navega por distâncias sem ter fim,
Ferindo com antigos, tolos mitos.
Aprendo a ser cruel naturalmente
E tudo o que minha alma ainda sente
É feito deste sangue que tu bebes,
Aonde poderia ter a paz,
Agora amortalhado tanto faz,
Além deste cadáver que concebes...

23636

A morte dos meus sonhos deu-se enquanto
Roubaste as minhas últimas verdades,
E quando os meus espaços tu invades
Demonstras que não valho sequer pranto.
Não quero prosseguir, mas entretanto
Já não conseguirás as velhas grades,
Retorno aos meus anseios, pois que brades
O verso não se dobra, nem meu canto.
Que dane-se quem tanto se fez santa
E quase a cada instante se levanta
Mordendo com sorrisos imbecis,
Mortalha se me cabe é meu problema,
Não tendo quase nada que ainda tema,
Não quero e nem serei bom ou feliz...

23635

Infância que perdeu-se há tanto e agora
Refaço nos meus olhos qual pudera
Ainda ser a viva e vã pantera
Que aos poucos, novamente me devora.
Abarco cada sonho que inda ancora
Atracações diversas, quem me dera;
Se o fogo do passado me tempera
A morte da esperança já decora.
Os versos que procurem pelo alento,
Metáfora da vida que eu invento
Adentro este vazio como fosse
Um último tormento, ou manso alívio.
Cadáver do meu sonho está ali. Vi-o
Tal qual uma criança espreita um doce.

23634

Eu sei que não virá quem disse adeus
E nada acrescentando sigo assim,
Mortalhas vão tomando o meu jardim,
Não quero mais pensar sequer em Deus,
Os dias que passaram, todos meus
Das vozes que escutasse chego ao fim
Metáforas; criara e se estopim
A bomba destrançando luz e breus.

Arquétipo de sonhos que não pude,
O meu pensar deveras tosco e rude
Medonhos os versáteis sentimentos.
E quando não couberam soluções
Não pude decifrar as ilusões
Nos olhos dos engodos, meus ungüentos...

23633

Sentando o coração no velho paço
Por onde não passaram mais os trens
Por vezes imagino que inda vens,
Mas logo este fantasma; já desfaço.
E quando mergulhando passo a passo,
Escarifico o resto dos meus bens,
As ordens que recebes dos aléns
Traçando da ilusão velho compasso
Escrevo o verso frágil e mesquinho,
Seguindo devagar o meu caminho,
E sinto que talvez reste uma chance
Aonde ver a sorte se não creio,
Não posso ter em mente este receio,
Por mais que a dor em mim ainda avance...

23632

O vento assobiava melodias
Dos tempos onde quis alguma luz,
Severas ilusões traçando a cruz
Que a cada novo instante me trarias
Não fossem os meus versos fantasias
Compondo o que a verdade não produz,
Na profusão de cores, corpos nus,
Versões que em aversões tu não darias.
Mesquinhos os meandros da paixão
E neles sem saber se sim ou não,
Mergulho os meus poemas e me faço
Apenas a carcaça do que outrora
O vento assobiando se demora
E o beijo não passou de simples traço...

23631

Verdade é como manta multicor
Deveras nos descobre enquanto aquece
E nestas ilusões o mundo tece
Variações do tema, como o amor.
E quase se perdendo a decompor
Na pura invalidez desta quermesse
Sem nada além do quanto se obedece
O peito, num naufrágio teima em dor.
Houvesse pelo menos um instante
Aonde se pudesse triunfante
Adentrando a real felicidade.
Verdade em mil matizes se desnuda,
A sorte que se dá, forte ou miúda
Tentando quem deveras já te agrade...

23630

Palavra não bastando para ser
Aspectos mais diversos que traria
O quadro feito em luz, melancolia
Moldando o meu enorme desprazer.
Assim sem poder ver e sequer crer
Apenas o passado bastaria
Invés de se perder em agonia
O beijo sonegado; pude ter.
No pôr do sol, a sombra do passado,
Somente do que tive algum recado
Mostrado em multicores expressões.
O verso se desnuda por inteiro
E o gozo que pensara verdadeiro
Transmite tão somente estes senões...

23629

Coloco dentro da alma esta mantilha
Que escurecendo o dia nada traz
Seguindo o meu destino; se mordaz,
Apenas no final uma armadilha,
Não faço e nem farei desta matilha
Que o tempo se moldando diz audaz,
O quadro sem rabiscos satisfaz
Enquanto o mar em luas claras brilha.
Enegrecido sonho, faz do tempo
Além do que pudera contratempo
Atemporais momentos; não conheço,
Converto estas palavras em verdades
E quando em mares turvos inda nades,
Vejo a sorte ignorando este endereço.

23628

Buscara algum caminho em que pudesse
Ao menos vislumbrar a liberdade,
Sem nada que em verdade ainda agrade
Vazio versejar meu tempo tece.
E o quanto se fizera o bem que esquece
O medo que persigo ora me invade,
Enquanto em mar tranqüilo quer que nade
Uma alma transparente que tivesse
Percorro em descaminhos outras sendas
Que embora muitas vezes tu repreendas
No fundo não divergem desta foz,
Ainda que se mostre mais escura
A estrada que em desníveis me tortura
Às vezes mais suave ou mesmo atroz...

23627

Puseste dentro da alma um barco e um cais,
Mas nada do que pude salvaria
Quem sabe navegar, faz da alegria
Além do que queria e muito mais.
Por onde poderia, não notais
Se tudo o que pudesse em agonia
No mar de imensas dores nadaria
São sonhos mais comuns entre mortais.
E o verso se perdendo em águas turvas,
Sabendo decifrar o que nas curvas
Transforma em descaminho um bem tranqüilo,
Aonde não pusesse algum espinho,
Vergando sob o peso, vou sozinho
E as mágoas que inda restam, eu destilo...

23626

Não tires o que outrora se fez festa
E deixe que eu perceba o que propões
E enquanto não vislumbre soluções
Apenas o delírio, o que me resta,
Se nada do que teimo já se empresta
Aos medos que não trazem ilusões,
Vestígios do que foram corações
Na noite sem luar, rota e funesta.
Mas peço, por favor, já não retires
O brilho que em teus olhos percebia,
O encanto se mostrando em fantasia
Deixando a proteção de velhos pires,
Impede que eu mergulhe no vazio
Dos versos que reversos, ora crio.

23625

Dos brincos que tu trazes, teus disfarces
Esboças os desejos e as libidos,
Aonde se pudessem esquecidos
Demonstram na verdade tuas faces,
E quando em tais belezas sempre embaces
Os olhos que teimaram, percebidos,
Mordazes os delírios permitidos
Aonde fantasias; inda traces.
Seriam nestes lóbulos somente
Adendos se não fossem sedução
E tenho com total satisfação
O gozo do que em brincos se pressente,
Meus lábios procurando em tais enfeites
Caminhos para enfim, raros deleites...

23624

Saudades que trazemos só desmentem
As dores que sentimos; nada mais.
O barco não voltando ao mesmo cais,
As velas do passado ainda mentem.
E quando dos momentos que se sentem
Assenta-se a poeira, são demais
Os ritos que deveras provocais
Usando das lembranças que inda alentem.
Saudade diz mentira e falsidade,
Retrato bem distante da verdade
Memória seletiva traz o bom,
Matando o que de fato acontecera
Como se fosse assim feito de cera
Neste museu que muda a cor e o tom...

23623

Um pêndulo matreiro, o coração,
Por vezes traz sorriso e mesmo gozo,
Depois este menino caprichoso
Em si já nos demonstra a negação.
Versando sobre as chuvas de verão
Verás o que talvez vá tenebroso,
E embora muitas vezes generoso,
Naufraga qualquer sonho, solidão.
Nas horas mais felizes, riso franco
Depois eu mesmo vejo e já desbanco
Num bando de ternuras e mentiras.
É como fosse festas num velório,
O pensamento expressa este ilusório
Caminho que deveras vão, retiras...

23622

Deixaste que esta máscara caísse,
Depois de tantas vezes se esconder
Nas horas mais difíceis pude ver
O que doce ilusão já me desdisse.
No quanto se permite esta tolice
Eu vejo no reflexo do meu ser
O que não poderia mesmo ser
Fugindo vez em quando da mesmice.
Se vejo atrás da máscara o retrato
De quem por tantas vezes eu retrato
Em versos lisonjeiros ou audazes
Percebo que também assim sou eu,
Minha alma noutra escala se escondeu
E faço do meu mundo o que tu fazes...

23621

Minha alma muitas vezes se protege
E quando se percebe, em fria algema.
O amor velho parceiro, antigo tema
A vida de quem sonha sempre rege.
Em tons mais claros creio; branco ou bege
Enquanto o dia a dia inda se tema
Não vejo e nem procuro mais problema
E quando a realidade enfim lateje

Eu tenho nos poemas, a vingança,
E a voz muito mais forte, o peito lança
Buscando até quem sabe ser feliz.
Não posso sonegar esta verdade,
Atrás da poesia, imensa grade
O mundo a cada instante me desdiz...

23620

Por mais que tanta coisa a gente diga
Apenas são fumaças, nada além,
O muito do vazio se contém
Na face que deveras desabriga.
Da sorte traiçoeira desobriga
Nossa alma que deveras nada tem
Além do que resguarda de outro alguém
Por mais que esta pessoa seja amiga.
No quase e no talvez nos protegendo,
Do todo somos partes; mero adendo
E disso é se faz nossa defesa.
O rio se espalhando pelas margens
Lambendo com vigor as paisagens
Enfrenta vez em quando a correnteza...

23619

Jamais diria alguma coisa, amiga
Do todo que me move; envolto em luzes
Das sortes e dos medos, minhas cruzes
A vida na verdade desabriga.
E enquanto a realidade se persiga
Nos olhos da verdade tais obuses
Ainda que bem pouco inda reluzes
Enquanto no vazio se consiga
A eterna proteção que nós quisemos,
Se temos sacros ritos, loucos demos,
No fundo somos partes deste todo
Que espalha-se nas sombras que deixamos
Enquanto do arvoredo, finos ramos,
Deveras chafurdamos neste lodo...

23618

A vida não permite que a verdade
Se mostre inteiramente, pois é nela
Que uma alma se desnuda e se revela,
Reflexo da total obscuridade.
Enquanto a fantasia nos invade
O barco da esperança abrindo a vela,
Corcel das ilusões, palavra sela
E volta num galope à imensidade.
Mas quando nos olhamos num espelho,
A farsa se mostrando por inteiro,
Não adianta mais qualquer conselho
Envelhecemos sim, e isto me basta
E o que eu pensara, um nobre cavaleiro;
Figura maltrapilha, amarga e gasta...

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23617

Jamais uma verdade se completa
E mostra inteiramente o que sentimos,
Por mais que muitas vezes permitimos
Visão que se demonstra, a razão veta.

Assim é como fosse este poeta
Nos versos que deveras iludimos
Diverso de nós mesmos, o destino
Assim quão variável nossa meta.

Sentir o arfar suave ou dor imensa,
Não tendo nem talvez a recompensa
De um riso ou de uma lágrima, teimamos,

E mesmo quando tentam nos calar
Salgando de alegria cada mar
Invés de nos calarmos, mais cantamos...

23616

Percebo-te sombria, amargurada
E as trevas de tua alma já se apossam,
Por mais que os novos dias inda possam
Dizer da claridade da alvorada

A sorte, tantas vezes desprezada,
Enquanto as nossas lágrimas se empoçam
E as fantasias tolas sempre adoçam
Realidade tosca não diz nada.

A cada tempo a mesma ingratidão
E nisso se resume a nossa vida,
Encontro a solidão da despedida,

O amor nunca passou de uma visão,
E assim seguimos sós; nada contém
Uma alma eternamente sem ninguém...

23615

Uma alma que se mostre assim, inquieta
Em plena liberdade, impertinaz
Buscando a cada verso a velha paz
Na qual a fantasia se completa,
Traduz a voz intensa de um poeta,
Somente o desconsolo satisfaz
Podendo a cada dia mais audaz,
Tendo só fantasia como meta.
Vencer os meus eternos dissabores,
Lutando por caminhos onde flores
Não sejam utopia, mas reais.
Meu canto se esbarrando na verdade,
Enquanto uma ilusão já se degrade
Não deixa de sonhar. Isso, jamais!

23614

Pudesse ter apenas um sorriso
E nada mais seria tão ruim,
O mundo desabando traz pra mim
Um gosto mais amargo, mas preciso
Além do que talvez tomando o siso
Permita que se creia ainda assim
Que tudo mudaria, pois no fim
Quem sabe ainda reste algum aviso
Mostrando uma saída e, de repente
Um novo amanhecer já se apresente
Trazendo a paz bendita, a mensageira
De um tempo aonde possa ver a luz,
Ao sonhador então fazendo jus,
Conforme uma alma livre ainda queira.