quinta-feira, agosto 17, 2006

A História de uma escalada ao Pico da Bandeira

Santa Martha, aos pés do Pico da Bandeira, tem um acesso dos mais difíceis e proibitivos ao cume da mais alta montanha do Sudeste brasileiro.
Nos idos de 1940, a subida ao Pico era algo quase que impossível, pois as matas eram habitadas por um sem número de feras, inclusive as temidas pintadas.
João Polino sabia destas dificuldades, mas o espírito aventureiro do jovem não conhecia nem medo nem obstáculos.
Um dia, surpreendendo a todos, avisou que iria escalar aquele “morrinho”, e que isso era somente um treino para aventuras maiores, já que sonhara ser um alpinista; o primeiro alpinista santamartense.
O povoado em polvorosa, as mocinhas casadouras suspirando, aquela fama momentânea que trazia tanto acalanto para a alma do João.
No dia marcado, colocou uma garrucha no bornal, com um canivete no cinto e se preparou para a perigosa subida.
Seu José Reis, conhecendo bem o nosso herói, tentava consolar Dona Oracina que, a essa altura do campeonato, desfiava um rosário de ladainhas e orações, na tentativa de proteger, de alguma forma, o seu intempestuoso irmão.
A mata fechada trazia mistérios e assombrações. Além das jararacas usuais, a possibilidade de se encontrar com o saci pererê, o caipora, a mula sem cabeça, entre outras, era real.
Corpo fechado, João não temia essas coisas. A bem da verdade, não tinha medo de nada. De nada e nem de ninguém. Quem vencera os alemães, na guerra, e encarara o lobisomem, isso tudo era café pequeno.
Falando em café, tomou um derradeiro cafezinho com guarapa e arribou-se.
A subida, de início, era mesmo complicada, além de ter muitas pedras, havia também uma mata que se fechava a cada metro subido.
Mas, por incrível que pareça, depois de certo tempo, começara a suavizar e, após a mata apareceu uma planície surpreendentemente branda, com um manacial de águas cristalinas maravilhoso, tendo ao fundo uma cachoeira extremamente bela, enfeitada por orquídeas e bromélias floridas.
João, surpreso com a paisagem paradisíaca, achava que estava sonhando e, embevecido, deitou-se à margem de tão bela cascata.
Sonhara, e sonhara de olhos abertos...
De repente, uma voz macia se ouviu, uma voz feminina encantadora.
Ao abrir os olhos, João se deparou com uma indiazinha, uma bela adolescente, dona de olhos amendoados e de uma pele extremamente bela, com dois seios pequenos, convidativos...
Ao ver essa miragem, João se assustou e, entre acordado e sonhando, tentou entabular um diálogo com aquela visão.
Ao perceber que a menina chorava, João perguntou qual o motivo de tal choro.
Ao saber que a menina era uma princesa, filha de um cacique muito cruel que a impedira de se casar com um jovem a quem ela dedicara seu amor, João sentiu verdadeira pena da moça.
Conversa vai, conversa vem, de repente, a menina começou a falar mais mansamente, olhando fixamente para os belos olhos azuis do nosso herói.
João, timidamente, começou a ficar meio corado e tentou consolar a garota, mas esquivando-se de olhar para ela.
Quando, de repente, a menina começou a falar de seu sofrimento, olhando cada vez mais fixamente para João, e se aproximando, a ponto de João sentir o delicioso cheiro das flores silvestres que emanava o hálito da mocinha, João reparou que o que imaginava ser impressão era, na verdade, a constatação da atração da indiazinha por ele.
A menina, então, não escondeu mais o seu desejo e, de forma objetiva, declarou que somente um outro amor poderia salvá-la e esse novo amor começara a surgir em seu coraçãozinho puro.
João, embevecido, quase cedeu; mas se lembrou a tempo, da promessa que fizera a si mesmo: casar-se com Rita, a irmã de seu amigo José Reis.
Rita, a essa época era ainda uma criança, linda nos seus dez anos de idade.
João, com o peito dilacerado, disse então à pobre jovem que não poderia ficar com ela, já que prometera seu amor a outra moça...
Neste instante, chorando, a menina deitou-se e, para susto de João, foi se endurecendo ficando cada vez mais pétrea, até que, num instante, aquela menina, cujo coração fora tocado pelo amor duas vezes e impedido em ambas, e se transformara em pedra, uma pedra sem sentimentos; se transformou numa montanha gigante, toda de pedra, mantendo o formato de uma menina deitada.
Assim surgiu a Pedra Menina, que até hoje está lá, aos pés do Pico da Bandeira, testemunha do grande amor da indiazinha por João Polino que, fielmente manteve sua palavra e se casou com dona Rita, com quem vive feliz até hoje...

A Natália - Soneto

Meus parabéns, Natália, te desejo.
Com certeza serás muito feliz.
A vida, tão suave, num bafejo,
Em sua melhor cena, bela atriz,

Trará o som tão belo desse arpejo,
Horizontes abertos, são servis
De tua sorte, velho realejo,
Afastará, nefastos sonhos vis...

Não precisas de luz, és luminária.
Por onde andas, brilhas, por si só.
Nunca conhecerás sorte contrária...

A vida te tratando a pão de ló,
Pois amor te fará destinatária,
De tudo que há belo e do melhor!

Sextilhas Eu sou mineiro de Minas

Eu sou mineiro de Minas,
Lá das tais Minas Gerais,
Canto versos, faço primas,
Até não conseguir mais.
O meu pai foi sertanejo,
Minha mãe foi só desejo...

Nas montanhas fiz a rede
Pro meu corpo descansar.
Fui matar a minha sede,
Bem distante do teu mar.
Nasci lá na Mantiqueira,
Na minha terra mineira!

Quem me ensinou a pescar,
Foi o meu velho Francisco,
Como é belo esse luar,
Mesmo crispando o corisco.
Na beleza das campinas,
Vou te conhecendo, Minas.

São diversas minhas dores,
Como é belo entardecer,
Tuas matas, meus amores,
Nos teus braços, vou morrer!
Nas tuas guerras fiz paz,
Em teus abraços, Gerais!

Sopro o vento lá na serra,
O vento vem de mansinho,
Canta o canário da terra,
Também canta o coleirinho...
Tanto canto que é capaz,
Encanta Minas Gerais...

Meu lamento vem distante,
A saudade dess’ alguém!
Meu amor, por um instante,
Tanto amor tamanho trem...
Sou mineiro e tenho fé,
Nascido em Muriaé!

Menina, faça o favor,
De me prestar atenção,
Tô falando d’ocê sô!
Vem vindo do coração.
A dor não mais arremata,
Pois sou mineiro da Mata!

Viola de doze cordas,
São cordas do coração,
Vê menina, vai acordas,
Chora meu violão!
Eu sou mineiro da Mata,
Ouça a minha serenata!

Eu comi feijão tropeiro,
Misturado com tutu,
Eu bem sei do mundo inteiro,
No buraco do Tatu...
Minha mãe é carioca
Mas conheceu engenhoca!

Tomei muita da guarapa,
Adocei o meu café,
Onça matei foi no tapa,
Com pescoção e chulé...
O meu pai de Miraí,
Bem perto d’onde nasci!

Fiz meu canto no repente,
Nem pensei no que ia dar,
Em careca, passo o pente,
Tiro poeira do mar.
Tanajura? Comi prato.
Bebi Iara no regato...

Vou terminando meu verso,
Tô cansado de rimar,
Vou buscar meu universo,
Juro, mais tarde, voltar...
Agora vou terminando,
Devagar, já vou andando...

Nas montanhas Gerais, terra mineira

Nas montanhas Gerais, terra mineira;
Onde o mar se transforma na lagoa.
Terra minha, Alterosa, verdadeira.
Da cachaça, torresmo, vida boa...

Vontade de não ser, sendo a primeira.
Caçando melodia na garoa...
Sapo boi, na boiada, a galopeira.
É muito bom viver assim, à toa...

O suor escorrendo pela cara,
A vida transcorrendo devagar.
Vê, repara, teimosa, pensa, pára...

Faz que irá, mas nem tenta começar
De Jessé, de Jessé, nas céu a Vara...
E vem me comover, baita luar!

Trago minhas quimeras escondidas

Trago minhas quimeras escondidas,
Quisera poder, último momento,
Saber sem tem segredos dessas vidas;
Que passeiam caladas, movimento...

Nas filas nas favelas, desabridas...
Tornando mineirices em tormento.
Mar impossível, cala-se nas bridas...

Minha manhã, melindre tão solar.
Meu amanhã, sorvido em ilusões!
Minas, não vou, jamais quero encontrar;

Novo pó, refletido nos porões,
Sem porém, sem talvez, num novo altar.
Velhas jaulas, clausuras, meus leões...

Asma

Morena, em tua boca sei fantasmas,
Dos beijos que me destes, sem ter medos...
Mas quando cultivavas tuas asmas,
Os teus gemidos foram teus segredos..

Achava, num momento: eram miasmas,
Que vinham sem profundos arremedos...
Então quisera Deus, virem do plasma,
Quando, passava, célere, meus dedos...

Agora sei que tinhas tantas crises,
Enquanto cria fazer-te gozar,
Nunca foram, portanto, mais felizes,

Os nossos bons momentos, sem vagar.
Te comparei; melhor entre as atrizes;
Teus gemidos profundos, sufocar...

Brindo outra vez, teimando no martírio

Brindo outra vez, teimando no martírio,
Bem sei que me fugiste, sem perdão...
Busquei-te nas campinas como o lírio,
O que causava inveja a Salomão...

Não mais esquecerei, nem em delírio,
As mãos que me afagavam, com paixão...
Restando tão somente, esse pão sírio,
Do banquete servido, ao coração...

Não mais quero tratar amor tão tétrico,
Nem quero percorrer teu céu, sem lua.
Nas minhas serenatas, assimétrico,

O canto repetido te faz nua.
Te conheci, preciso e milimétrico,
Por isso, na distância, alma flutua...

Mãe

Lembro-me, molecote impertinente,
Teimando sem ter pressa de voltar.
Correndo pelas ruas, livremente,
Querendo, tantas vezes, ir voar...

As mãos cansadas juntas, penitente,
Pedindo a Deus num nunca mais parar:
Faça desse menino, um ser contente.
E que tenha alegria no seu lar...

Hoje te vendo, bela e forte ainda,
Agradeço-te tanto e não percebes,
Queria te dizer: és muito linda!

Contigo caminhei todas as sebes,
Contigo, a natureza se deslinda...
Tens o maior amor e nem concebes!

O menino correndo pela sala

O menino correndo pela sala,
Sem perceber as dores dessa vida,
A minha solidão, então se cala,
Prepara sua triste despedida...

Te vendo tão liberto; tanta fala,
A vida me traduz: valeu a lida,
No meu peito apertado, já se entala
Essa palavra mágica; sentida,

Por todos os meus nervos, mais sensíveis,
Trazendo à tona toda essa verdade,
Florindo esse deserto, com incríveis

Flores azuis, vermelhas, liberdade...
Essa palavra viva em tantos níveis;
Poder dizer, enfim, felicidade...

Te vendo, assim deitada, sobre a cama

Te vendo, assim deitada, sobre a cama;
Suas coxas expostas, ao lençol,
Percebo porque sinto arder a chama,
Queimando bem mais forte que o sol,

Amores e desejos, tudo inflama,
A nuca sugerindo, cachecol,
Tentar compartilhar toda essa trama...
Ser tua casa enquanto caracol...

Trocar tantas carícias sem pecado,
No gosto de teu seio, meu deleite,
Poder sentir que estou apaixonado.

Na boca tanto gozo, tanto leite,
Meu corpo, tremulando, meu recado,
Clamando que, contigo, sempre deite...

Soneto Tens, na pureza dálma

Tens na pureza d’alma, sortilégios;
Que não consegue conceber , quem vive,
Buscando, desta vida , privilégios.
É o mais sublime templo onde eu estive,

Tem a sabedoria dos colégios,
Ao conhecer-te, juro que contive,
Meu amor tão capaz de sacrilégios,
Bem capaz de galgar esse declive,

Somente por prazer de ter teu solo,
Pela delícia frágil, de te ter.
Deitado tão solene, no teu colo,

Vivendo tantas glórias, por prazer;
Envolto em tuas rendas, já me embolo,
E censurar-me, diga, quem há dê?