sábado, agosto 26, 2006

Cordel - A minha sina - capítulo 2 - Jacinta

Marina, minha menina,
Safada como ela só;
Na minha vida deu nó.
Depois da mão assassina,
Continuei minha sina;
Em busca do meu caminho,
Mas dei tempo, fiz um ninho;
Com Marina fui morar,
Tanto prazer para dar,
Por que vou ficar sozinho?

O doutor nem me pagou,
Nem precisava pagar;
Marina foi no lugar,
Foi tudo que me restou;
E, de novo, aqui estou...
Na cama dessa pequena,
Que faz bico e que faz cena;
Pronta para me engrupir,
Bastava só me pedir,
Rezava até em novena...

Mas, num dia de tristeza,
Por causa de romaria,
Cismou de ir com Maria;
Filha da dona Tereza,
Que fez voto de pobreza;
Duma forma diferente,
Dando pra todo vivente,
O que Deus lhe deu com fé,
Ia a cavalo ,ia a pé;
Toda noite um diferente...

Juntando pólvora e fogo,
O troço todo fedeu;
Marina, então se esqueceu,
E mesmo com todo rogo,
Fugiu com um tal Diogo;
Sem deixar rastro e sinal,
Juntei então no bornal,
E pra outras cercanias,
Em busca das valentias,
Recomecei meu jornal...

Nessas estradas mineiras,
Sem ter medo mais nada;
Na serra ou noutra baixada,
Fiz das rimas verdadeiras,
As ramas foram esteiras,
Onde dormi sem ter medo.
Desse meu novo degredo,
Exilado sem ter casa,
Meu peito ardendo na brasa,
Na solidão, meu segredo...

No bornal levo cachaça,
Três pistolas carregadas,
Luares e madrugadas,
Que é coisa que dá mais graça,
Cigarro prá ter fumaça;
Um monte de valentia,
Um novo romper do dia,
Quatro mortes nas “costa”
Três foram de pau de bosta,
Que nem pra bosta servia...

Num canto desse cerrado,
Onde vi onça pintada,
Pelas ribeiras, jogada,
Tudo me foi preparado
Encoivarei um roçado,
Das coisas que sei plantar,
Quiseram me contratar,
Pra fazer mais três “defunto”,
Que, pra terra de pé junto,
Era fácil de levar...

O serviço foi moleza,
Eles morreram no susto,
Tavam atrás dum arbusto,
Se borraram na certeza,
Nem me causaram grandeza.
Servicinho mais vulgar,
Mas deu pra comemorar,
A filha dum tal meeiro,
Nunca vi, no mundo inteiro,
Uma beleza sem par...

Jacinta, a moça chamava,
Tinha um rosto mais perfeito,
Tudo que tinha direito,
A moça tinha e sobrava,
Mas eu nunca imaginava
O que tinha diferente,
Pois se toda aquela gente,
Ninguém me contava nada,
Por que estava, ali, jogada,
Uma moça, assim, ardente...

Sem querer saber por que,
Não me importava a peleja,
Pois quando um homem deseja,
Nada pode convencer,
Não há do que se temer,
Nem há o que perguntar,
É só correr e pegar,
Pois, na vida o que é do home,
Nenhum bicho vai e come,
Nem preciso comentar...

Pois bem, essa tal Jacinta,
Tinha a beleza da flor,
Nem conhecera o amor,
Não procurou fazer finta,
Fui pintando, tanta tinta,
Sem licença pra pedir,
Chegando, fui conferir,
A moça bem de pertinho,
No seu colo fiz um ninho,
O seu cheiro quis sentir...

A moça ficou só no beijo
Não aceitou meu carinho,
Que, mesmo indo de mansinho,
Acendendo seu desejo,
Me deixou só no cortejo,
Fechando as pernas pra mim,
Pensei logo ser assim,
O jeito dessa donzela,
Que depois, numa esparrela,
Ia tintim por tintim...

Depois de tanto alvoroço,
Sem dar ouvido a ninguém,
Que quando a gente quer bem,
Angu não tem nem caroço,
A gente mergulha no poço,
Sem saber profundidade,
Nem pergunta da maldade,
Nem quer saber de mais nada,
A moça, perna fechada,
Parecia santidade...

Mas, depois de três semanas,
De tanto rala e não abre,
Mostrei a ponta do sabre,
Os olhinhos mais sacanas,
Que engana mas não me enganas;
Jacinta não resistiu,
De beijos, então cobriu,
Fez que teve uma vertigem,
Surpresa: não era virgem,
Onde entra um entra mil...

Quis saber dessa safada,
Por que foi que me fechou
Porteira por onde entrou,
Um boi, talvez a boiada,
Ela então, desesperada,
Me disse bem deslambida,
Que nunca na sua vida,
Ela poderia ter,
Um outro amor pra viver,
Sua sorte era perdida...

Me contou: quando menina,
Com doze anos de fato,
Deitada nesse regato,
Que a lua mais ilumina,
Nessa água tão cristalina,
Foi, um dia, se banhar,
Mas não podia esperar,
Que toda nua, e bonita,
O coração que s’agita
Nunca iria imaginar...

Na margem daquele rio,
Um moço que lá chegava,
Belo cavalo montava,
Um príncipe em pleno cio,
Enchente em tempo de estio,
Não conseguiu resistir,
A boca então quis abrir,
Num solavanco com força
Ali, acabou-se a moça,
Se deixando possuir...

Acontece, não sabia,
Que esse príncipe fajuto,
Era o safado dum bruto,
Que não tinha serventia,
A não ser na sacristia,
Que tristeza dessa sina,
Quando tirou a batina,
O padre por pilantragem,
Fez tremenda sacanagem
Com essa pobre menina...

Saiu correndo depressa
Mal completou o contado;
Eu fiquei descompassado,
Com toda aquela conversa,
A quem quer que isso interessa,
Vou contar bem devagar,
Nessa noite de luar,
Vendo de novo essa cena,
Ouvi de longe a pequena,
Num lamento, relinchar!

Sai correndo ligeiro,
Deixei tudo de empreitada,
E, naquela madrugada,
Naquele triste janeiro,
Perto daquele ribeiro,
Antes que a terra me engula,
Só falar, coração pula,
Te juro e falo verdade,
É pura realidade:
Eu tinha comido a mula!

Quadras em decassílabo - Teu retrato

Quando enfim encontrei o teu retrato,
Descorado e jogado na gaveta;
Assinado seu nome, com caneta,
Percebi com saudade, fui ingrato...

Tinhas um olhar triste e tão distante,
Como quem procurasse amor, prazer;
Ou quem sabe, somente, reviver,
Tantos sonhos perdidos, e bem antes...

Não podia sonhar d’outra maneira,
Quem a vida feriu e maltratou;
Tua fotografia me mostrou,
Tanto amor que viveu, a vida inteira...

Me recordo das noites que passamos,
Nossas camas, sentidos e visões;
Em um só, transformando os corações.
Hoje eu bem sei o quanto, nos amamos..

Em teu corpo desejos eram vias,
Tuas mãos delicadas mil delícias,
No sofá, nossa cama, das carícias
Que trocamos, fantásticas orgias...

Teu colo, âmbar , beleza sem igual.
Nos desfiles nas nossas loucas noites,
Nossas línguas desciam, qual açoites
Que traziam eterno carnaval...

Quanto tempo passado, vou sozinho,
Minha cama jamais teve outro alguém;
Procurei sem saber, um novo bem,
Todo mundo passando, eu passarinho...

Na procura silente, quero crer,
Que tal mel, tua boca, só me traz.
Perseguido e tentando ser capaz,
De encontrar outr’amor para viver...

Encontrar teu retrato foi doído
Desespero tomou tudo d’assalto;
Como pude tentar, sou tão incauto
Reviver esse tempo já vivido...

Nunca mais reviver a tua foto,
Nem revirar gavetas, nem passado.
Me perdoe, se tanto andei errado,
Minha vida,um retrato tão remoto...

Triste Sina

Tua sina, querido companheiro,
Com certeza, jamais foi invejada.
Começou, desde início, malfadada...
Teus irmãos dominaram mund’inteiro.

Te restando as profundas; foste herdeiro
Do que nunca, ninguém, quis como estrada...
Dos mortos, o teu reino era entrada,
Da grande Proserpina, amor primeiro.

O teu destino triste, desgraçado,
Achavas que seria teu legado.
De Júpiter, Netuno, foste irmão.

Dos mortos, teu reinado, e possessão.
Isso não bastaria a ti, Plutão;
Depois de tanta glória, rebaixado...

Telefone tocando, novamente

Telefone tocando, novamente;
Preciso dormir, quero e necessito.
Mas como conseguir com esse grito
Infernal que transtorna minha mente...

Madrugada transcorre normalmente;
Não fora tão somente esse maldito,
Que com seu infernal e cruel rito,
Repetindo a chamada, vil demente;

Não deixa descansar quem trabalhou,
Quem, durante, esse dia, labutou;
Para o sustento e glória da nação!

É, mas não tem mais jeito: a solução
É receber maldita ligação...
Alô! Quem é? Responda! Se enganou...

Sentimento mordaz que me metralha

Sentimento mordaz que me metralha,
Não me deixa, sequer, nem respirar;
Na vadia tortura, procurar,
Por alguém que, feliz, tanto atrapalha...

Teu sorriso transforma-se em mortalha,
Machucando feroz, quem quis um par;
Vagabundo serei, não vou parar,
Me contento em fugir dessa navalha...

Sentimento safado,vive tonto;
Aumentando, cruel, ponto por ponto,
Vazia sensação de ser abjeto...

Não sou nem a metade, simples feto
Que procura crescer; tolo, incorreto,
E nunca estará, para a vida, pronto...

Almíscar: meus desejos, teu perfume

Almíscar: meus desejos, teu perfume;
Penetrando as narinas, me conquista.
E não há, na verdade, quem resista,
Nem quero e nem concebo mais queixume...

A vida sem teus olhos, não tem lume,
Meu caminho se perde. Não desista:
Grito contido, perco-te de vista.
Mas teu olor suave, qual costume,

Denuncia teus passos, minha amada...
Não perderei jamais a tua estrada,
Nem quero mais sentir outro desejo.

Teu perfume causando, nesse ensejo,
A doçura suave de teu beijo,
Presença do Senhor, glorificada...

Nessa minha oração, peço perdão

Nessa minha oração, peço perdão;
A quem, por amor, sigo meu caminho.
Quem me fez contemplar, e sou daninho,
Andorinha sozinha, no verão...

Quem me trouxe, certezas, por paixão,
Me embriaga, bebendo verde vinho.
Fermentando, devora, vagarinho,
Tudo o que restou. Sem solução...

Vindo da noite, gritam pesadelos,
Como viver melhor, não quero tê-los,
Mas, mal fecho essa porta, a força bruta...

Amor, transfigurado, nem me escuta,
Cansado, vou vivendo essa labuta,
A minha vida envolta em tais novelos...

Quantas vezes, na noite, me desperto


Quantas vezes, na noite, me desperto;
Acordando, procuro por você;
Com certeza, sedento de prazer,
Muitas vezes, sofrendo, estou bem certo...

Mas estás, assim, distante mas tão perto,
Aguardando-me, enfim. Sobreviver
Nessa vida improvável, quero crer
Que te tenho comigo, tão dileto...

Eu não sei mais porque tanto m’agarro
Só nessa perspectiva, tudo varro:
Tristezas, agonias, sofrimento...

Quem me dera poder ter teu alento,
Onde esperança teima novo intento;
Em tua brasa acesa, meu cigarro...

Quando ando sozinho, sem destino

Quando ando sozinho, sem destino,
Procurando saber da liberdade,
Vasculhando por toda essa cidade,
Percebo, pois, o quanto eu sou menino...

Muitas vezes, me julgo qual felino;
Entretanto sou manso, na verdade,
Queria transformar a realidade.
Mas, calado, vivendo, descortino

Tremenda mansidão, que me tortura,
Trazendo tanta angústia, peço cura;
Nada encontro, senão um doce canto.

Quem me dera poder ter tal encanto,
Que se encontra na luta, caos e pranto.
Mas meu Deus, me legou tanta brandura...

Salmo 3

Os meus adversários nesse mundo,
Aumentam toda dia e todo instante;
E tentam impedir, isso é constante,
Amor por Deus, gigante e tão profundo....

O Senhor me sustenta d’alegria,
O Temor vai distante, pois eu creio;
A salvação que escolho, vem por meio
Da clemência que peço e m’alivia...

Salve-me, Meu Pai, peço tua glória;
Feriste os inimigos nos seus queixos.
Desses ímpios, seus dentes, com mil seixos,
Quebraste e não deixaste nem memória...

Salmo 2

Os povos imaginam coisas vãs,
Amotinam-se contra o Criador;
Acreditam poder, sem meu Senhor,
Dominar, sem temor, suas manhãs!

O Meu Pai, conhecendo tais gentios,
Sabedor dos desejos mais secretos;
Me dá forças maiores, pois são retos,
Os caminhos que levam; desafios...

Pobres reis que renegam Nosso Deus,
Seus destinos não trazem temperança;
Os seus povos serão maior herança,
E os fins da terra, todos, serão meus...

Pois meu Rei foi ungido, com amor,
Sobre o Monte Sião com alegria;
E como todo aquele que confia,
No nosso bom Senhor, vivo temor!

Salmo 1

Uma árvore plantada junto ao rio,
Tem flores, frutos, fortes com certeza.
Agora o coração que vai vazio ,
Não traz, em si, nenhuma realeza...

Os ímpios tanto falam e não procuram
Os caminhos e sendas do Senhor,
Não sabem discernir o que é amor.
Depois, sem ter perdão, jamais se curam..

O vento espalha, sempre, a boa nova,
Os ímpios, no juízo, não prosperam.
Os frutos bons, que tanto bem fizeram,
O rumo da justiça; se renova...

Quadras em decassílabo - Meu Amor

Amor, minh’alma triste te procura,
No amanhecer da vida foste fera;
Agora que, saudade já impera,
A noite se aproxima, mata escura...

Num momento feliz, foi tão amigo;
Mas a vida transforma toda gente,
E depois, tão cruel, foi diferente,
A paz, então, jamais vive comigo...

Sentir a baforada dessa boca,
Que acalenta a dor, vero sentimento;
É conseguir suprir meu pensamento,
Dessa ternura audaz, a voz mais rouca...

Amor quimera, mera diversão,
Que maltrata quem sonha liberdade;
Tão faminto, traduz voracidade.
Começa a devorar, sem ter perdão...

Amor, é doce fruta que envenena,
E vicia quem dela for provar;
E bêbado, tropeça no luar,
Agiganta a que fora tão pequena...

Nos lábios, minha amada, meu desejo;
Um resto de ilusão bate na porta.
Contigo, essa tristeza já vai morta,
No cálice fantástico do beijo...

Teus olhos, são promessas d’esperanças,
Num tempo mais feliz da minha vida.
Seus brilhos iluminam a avenida,
Por onde caminhávamos, crianças...

Nos teus cabelos trazes maciez,
Que minha mão jamais vai esquecer;
Neles, vou embrenhar-me e conhecer,
O que fora da glória, essa altivez...

Em teu pescoço; jóias e colares.
Em teu louvor cantar todos os hinos,
Buscando, nos teus olhos cristalinos,
A força que leva aos teus altares...

Beber de teu sorriso tanto mel,
Saber de tuas noites orvalhadas;
Sonhar contigo minhas madrugadas,
Por ti, agradecer a Deus do Céu...

Amada, tão risonhos os meus dias;
Desde o momento mágico que tive,
Felicidade igual onde, sei, vive
Os pássaros que encantam, melodias...

Teus pés de tão macios e pequenos,
São obras d’arte feitas com louvor;
Por quem foi o mais mágico escultor,
Que por inspiração, não fez por menos...

E caminhas? Flutuas pelos ares,
Teus passos são concertos orquestrados;
Meus olhos na procura, extasiados,
Desejam conhecer os teus altares...