sábado, junho 03, 2006

MEU GRITO DE LIBERDADE

Meu grito de liberdade anda por toda a cidade, percorre guetos e vilas;

Nas favelas e cortiços, nos morros e periferia.

Meu canto de alegria traz o novo embutido.

No novo tempo sentido, em todos os sentidos e tempos. Na atemporal rebeldia, no dia rebelde da fantasia exposta, e posta à mesa.

No meio de tanta incerteza, semeio por precisão, o mais preciso dos sonhos.

Meu mar é de outros tamanhos, de vastos horizontes e fontes, nas frontes e frentes da vida.

A solução da partilha, nunca ninguém mais ser ilha. Todos poderem partir e compartilhar a comida, o sonho igual, repartido.

Repatriar a esperança perdida nessas batalhas, pelos campos e senzalas,

Sem ter vôos sem ter alas, nas velhas cadeias ferozes.

Nos gritos dos condenados, na morte de nossos filhos, no brilho opacificado desse povo amortalhado, acorrentado, neste céu acinzentado, cravejado pelo cristal das lagrimas do povo.

Nossos dias sem futuro, na solidão desse muro, na mansidão do regato, no medo, nosso retrato, exposto qual fora fratura, sangrante, massacre de tantos por tantos por tanto tempo, impune.

No pátio de tantos horrores, na fome e injustiças, abutres perfuram os olhos.

Escarnecem de todos, qual fossem espectros sem rumo.

No meio de tantos, aprumo a carcaça sem sentido e tento olhar para um dia.

Dia em que a melodia não seja vadia ou vazia, nem os olhos vazados e a língua amputada, sobrando somente o silêncio. Sem nexo e sem serventia.

Meu grito procura um eco, tampouco muitas vezes se escuta. A força sempre bruta, abrupta e fera, me traz o tempo da guerra, o grito da selva, a guelra do peixe fora do seu habitat, sem ar, agônico. Afônico , sigo tentando, tateando tatuado, marcado a ferro e fogo, no jogo do forno das almas, da lama até o pescoço, sem viço, meu vício é meu alvoroço, e roço as mãos tão serenas, das justas e mansas morenas que habitam o peito brasilis.

No meio dessa desdita, aflita a mãe grita e pede a quem quer que seja, socorro.

Nos morros e nas favelas, entranhas expostas e podres. Os pobres são mera agonia.

A venda nos olhos de tantos, impede o cheiro da decomposição desse povo.

Perdido no meio das matas, dos velhos e novos cortiços, por onde se esgueira a esperança.

Mas ao renascer da manhã, há luz, fraca, mas viva.

A luz que tantos queriam, que tantos pediram, aparece no final da estrada.

O brilho é frágil, mas vivo. O tempo é ágil e preciso. O mundo precisa disso.

Do brilho dos olhos do povo. Dos olhos verdes da mulata e dos cabelos louros do menino.

Do sorriso desdentado e cheio de cáries, reflexo da falta de caridade, de claridade, nas crateras e cáries da alma dos dominadores.

Por onde fores, cordilheira sobre flores, esmagas e negas os amanhãs.

Os caminhos teus são vãos, são em vão, sem serventia, sem soluções.

Permita a esse povo que acorda que a corda não arrebente, nem arrebate seus dias.

Permita que a luta aflita e bendita, infinita não se torne somente um vazio a mais neste ciclo de vida, que o cio dê a gravidez e a gravidez o parto, de um rebento forte, parido e bem disposto, com o rosto transbordando um novo amanhecer.

Permita que essa fantasia, seja a mais bela poesia, seja o brilho do amanhã.

Permita enfim, que Deus proteja a quem quer que seja, pois sei que Ele almeja o desejo desse oprimido, comprimido, exasperado, sempre desesperado e desesperançado contingente de um continente, por tempos e tempos, subjugado, despojado, amordaçado e infeliz.

Permita esse novo canto, novo encanto em cada canto e, por encanto, o vôo desse condor.

Pairando livre no espaço, forte e sem embaraço, rumo à liberdade.

Ave de arribação, nave de transformação, transformar em ação, o que sempre fora ilusão.

Aflora-se mais esse rito, nosso mito, nosso aflito grito ecoando pela humanidade; dando toda a dimensão de que, nesse rincão, nesse pedaço de chão, a justiça enfim floresce, vendo o pobre que padece, ouvindo a nossa prece.

Nossa maior benesse é essa, a nova promessa de JUSTIÇA!

DE COMPUTO E DE CÔMPUTO

Num dos episódios mais tensos da Câmara dos Vereadores de nossa pequena cidade, temos um embate inesquecível.

Dr. Flavio era um daqueles médicos do interior que, por idealismo ou por sede de poder, passa a entrar na vida política do município, normalmente com êxito.

Elegera-se vereador e, como tal, era uma ilha de conhecimento em meio ao deserto de idéias que compõe normalmente o poder legislativo interiorano.

Paulo Carniça, depois que concluíra o Mobral estava a toda e, já fazendo o projeto Madureza, se achava um douto, capaz de emitir com franqueza suas opiniões sobre qualquer assunto.

Num de seus arroubos de intelectualismo, em plena sessão aberta da Câmara Municipal, saiu-se com essa:

-Senhor Presidente, eu computo novos casos de tuberculose na nossa cidade, e isso vem aumentando todos os meses;

Além disso, eu computo também o aumento das muriçocas e pernilongos que estão impedindo o nosso povo de dormir.

Nessas computações, foi um tal de computo pra cá, computo pra lá até que, para cutucar o doutor Flavio que a tudo observava calado, Paulo cismou de dizer “computo que o atendimento da Santa Casa está muito aquém do que merece nosso povo!”.

Nessas alturas, Dr. Flavio se ergue e, agressivamente responde ao vereador computante.

-Vossa Excelência está enganado, NÃO SE FALA COMPUTO E SIM CÔMPUTO!”, para começo de conversa e, depois, o senhor não tem conhecimento de causa para poder julgar o trabalho de saúde no nosso município.

Ao que, sem pestanejar PAULO RESPONDE:

- Em primeiro lugar, quando eu falo com Vossa Excelência eu falo COM PUTO sim! E, depois quem é o Senhor pra falar em conhecimento de causa. Pelo que me consta o Senhor é Doutor médico e não doutor advogado!

DAS CARONAS E DE PAULO CARNIÇA

Falando em Paulo Carniça, assim que se aposentou como açougueiro e político, o nosso querido amigo, passou, por um processo de alienação mental progressiva, a adquirir um hábito terrível.

Pedia carona a quem quer que fosse para qualquer lugar.

Era comum alguém passar de carro e, ao ser feito o sinal de solicitação de carona por Paulo, ao parar e informar que o rumo a ser tomado era outro, Paulo entrar no carro assim mesmo e ir para nem imaginava.

Esse hábito era conhecido de todos, inclusive por João Bento, caminhoneiro conhecido de uma cidade próxima a nossa.

Pois bem, numa tarde de sexta feira, João Bento, ia para Muriaé, onde tinha marcado um encontro com um desafeto para acertarem as contas sobre um terreno vendido há tempos, no estado da Bahia.

Distraído, ao perceber que Paulo lhe pedia carona, parou e perguntou para onde esse ia.

Ao informar Paulo que iria para Muriaé, esse, prontamente, subiu no carro e se acomodou no banco do carona.

Quando chegaram ao cartório, João pediu a Paulo que esperasse um pouco, pois ele voltaria em seguida.

Para espanto de Paulo, ao descer, João deixou perceber que estava armado.

Mas, como Paulo conhecia João e sabia que o mesmo tinha um temperamento pacífico, permaneceu no seu lugar enquanto o amigo se dirigia par o cartório.

Nesse ínterim, um conhecido de Paulo o reconheceu e começou a conversar com ele.

Assunto bobo, tipo como vai a comadre, como vão os meninos essas coisas...

Mas, de repente, se ouviu um tiro e um burburinho gigantesco no outro lado da rua.

João vem correndo, abre a porta e, com a arma ainda em punho, acelera o carro a toda.

Paulo, pálido e tremendo todo, dos pés à cabeça, olha para João que, sem pestanejar foge em alta velocidade, Rio Bahia abaixo.

Num sentido totalmente contrário ao da pequena cidade.

João distraído e Paulo apavorado, não deu outra.

Quando João se apercebeu da presença de Paulo, já estavam próximos de Governador Valadares.

Ao perceber o amigo em estado de pânico, mas sem poder voltar para trás, pergunta-o se poderia deixá-lo ali.

Paulo nem sabia que cidade era aquela, mas, devido ao estado de choque em que se encontrava, nem pensou em dizer não.

Devidamente “despejado” na cidade estranha, Paulo dava graças a Deus por estar vivo.

João, quando parou o carro, quase na divisa com a Bahia, ao reparar bem naquela mancha escura no banco do carona do seu carro, passou a entender melhor o apelido de Paulo Carniça.

Quanto a esse, depois de tal episódio, se curou da mania de pegar carona.

Agora, como ele voltou para casa; isso são outras caronas!

DE LEIS E DA GRAVIDADE DOS FATOS

Paulo Carniça era um conhecido açougueiro de uma pequena cidade da Zona da Mata Mineira, a mesma que elegera Francisco de tantas aventuras aqui descritas.

Analfabeto funcional, mal sabendo assinar o nome, se elegera vereador na cidadezinha, no mesmo mandato onde Francisco era prefeito.

Esse fato de ser semi-analfabeto o incomodava muito e, francamente, como era bem intencionado, resolveu se matricular no MOBRAL.

A duras penas, recomeçando a estudar já com seus quase 50 anos, seu esforço era emocionante.

As dificuldades de aprendizagem eram muitas, mas, depois de um ano, já conseguia ler algumas coisas.

Uma delas chamou-lhe a atenção.

Ao entrar na biblioteca municipal, reparara num livro de Física esquecido em um canto e o título logo despertou sua atenção;

“A LEI DA GRAVIDADE, por Isaac Newton”.

Imaginara logo que, pelo nome do autor, deveria ser um grande político estrangeiro, o que logo lhe despertou o desejo de se tornar conhecido.

Pensou, pesou, analisou e, chamando seus assessores, depois de quase dois meses de muito trabalho, resolveu fazer um projeto de lei baseado no que entendera ser a lei de Newton.

Entre risos contidos e reações de surpresa, Paulo apresentou sua lei numa sessão solene, onde se homenageava os Professores pelo seu dia, num outubro perdido no tempo.

“A lei da Gravidade é de muita importância para a nossa e qualquer cidade. Por ela se define as gravidades dos assuntos e das urgências e perigos dos acontecimentos.

Por exemplo: se houver uma enchente e tivermos que calçar uma rua, pela lei da gravidade, a gente desvia dinheiro do calçamento para ajudar as vítimas da enchente”.

O comentário de um médico que assistia à sessão da Câmara foi definitivo.

“AINDA BEM QUE O PAULO CARNIÇA NÃO ACHOU UM LIVRO DE GINECOLOGIA, IA SER DIFÍCIL TENTAR APROVAR A LEI DA GRAVIDEZ!”

DOS TEMPOS DA ARENA E DO MDB

Nos tempos da ditadura, como todos nós sabemos, havia somente dois partidos políticos no Brasil, mas, por uma desses casuísmos inerentes aos períodos de exceção, havia a divisão dos partidos em “famigeradas” sublegendas, o que permitia, em Muriaé, que a antiga UDN e o antigo PSD andassem lado a lado numa mesma ARENA governistas.

Alguns poucos corajosos, se reuniam no MDB e faziam tripla oposição; aos Governos Federal, Municipal e Estadual, todos unidos sob a égide da cruel ditadura militar que vivíamos.

Em Muriaé, havia uma professora de Português muito querida por todos, de temperamento explosivo e famosa por suas atitudes corajosas e, muitas vezes, intempestivas.

Pois bem, numa eleição para prefeito e vereadores, lá pela década de 70, a nossa amada mestra, resolveu se candidatar.

Como só poderia ser, optou pelo MDB, o que diminuía bastante suas chances de se eleger, mas, mantinha a coerência de uma lutadora.

Tínhamos nesta mestra, além de um excelente caráter, uma purista do idioma, reagindo com indignação a qualquer erro crasso que ocorresse.

Cabo eleitoral de cidade pequena, normalmente, não tem ideologia. A sua principal função, a de arregimentar eleitores, normalmente é recompensada a peso de ouro.

Luisinho Pereba era um dos mais requisitados de Muriaé, tinha dívidas para com o pai de nossa heroína, fruto de casos passados ligados à compra e venda de gado.

Nessa eleição, portanto, não adiantava nem a Arena 1 nem a Arena 2 tentarem contratar Luis, este estava irremediavelmente ligado à nossa candidata.

Estava, mas não ficou...

Não é por causa de “compra” ou aliciamento, como vocês podem pensar não. Luis era incorruptível.

O problema foi a maldita mania de perfeição de nossa mestra com relação ao idioma.

Num comício, para melhor localizarmos, no MAIOR comício preparado pelo MDB, ansioso com a provável votação recorde de sua candidata e a possibilidade de eleger um vereador, fato raro naqueles tempos bicudos, a professora fez um dos mais belos e corajosos discursos.

Ao falar da desigualdade, da opressão, da falta de liberdade de expressão, nossa heroína se emocionara às lágrimas.

Empolgado, Luis, mesmo sem entender muito que a mestra dissera, resolveu tomar o microfone e defender, com unhas e dentes a sua candidata.

Num momento de emoção incontida saiu-se com essa:

-Votem em M..., ela é a MULHER IDEAL PRA “CAMA” DOS VEREADORES DE MURIAÉ!

A professora, ao ouvir tal disparate, não conseguiu se conter:

- Ideal PRA CAMA DOS VEREADORES É A SUA MÃE, SEU IMBECIL!

Surpreso com a reação da professora e sem entender muito bem o porquê, Luis se levantou e retirou-se do palanque. Do palanque e da campanha!

Claro que a nossa mestra não se elegeu, mas pelo menos a sua honra e a da “flor do Lácio” foram respeitadas!