sexta-feira, fevereiro 05, 2010

24242

Extrema-Unções da Terra que agoniza
Hereges cidadãos a fome espalham
E quando nestes pélagos trabalham,
Aguardam de um Inferno mansa brisa,
A voz que sobre todos nos avisa
E os homens, nada ouvindo, nisto falham
Estranhas esperanças já se empalham
E o mundo sem saber; Demo matiza.
A carne se apodera, e sem Razão,
O instinto prepondera e tudo é válido,
Aonde se pensara ser mais cálido,
O gozo prometido em explosão
Esbalda-se em sarcasmo, vil Satã
E a vida, sem sentido, segue vã...

24241

Sacrários entre trevas, párias, súcias
Aonde se pudera crer no eterno,
Apenas adivinho o imenso inferno
Imerso nos delírios e pelúcias.

Momentos cruciais atravessando
A tosca humanidade em plagas farta,
Enquanto desta sanha não se aparta
As sortes se esparramam, torpe bando.

Austeridade invés de prepotência
Soberba dominando cada ser,
E dele já se emana um vão prazer,
E nele toda a nossa incompetência.

Assim ao ver Satã se erguendo aos Céus,
A Terra se envolvendo em turvos véus...

24240

Aonde em níveas luzes vi a lua
Deitando sobre as tendas e castelos,
Momentos que decerto são tão belos,
Uma alma sobre a imagem já flutua
E quando a maravilha continua
Qual fosse um deus cevando em seus rastelos
Em claros movimentos mais singelos
Descendo do infinito até a rua.
Argênteas ilusões em vozes roucas,
As sortes sem os nortes morrem loucas
No enfado do vazio em que se vê
O medo se esgueirando em claridade,
O vento redentor que nos invade,
Entorna em nossa vida algum por que.

24239

Azeda-se sem nexo a relação
Desvias os caminhos, seca fonte
Por onde quer que o sol inda desponte
As nuvens com certeza o cobrirão,
Dos céus estrelas formam cinturão
Clareiam pirilampos no horizonte,
Mas como, se deveras esta ponte
Tombada por total destruição
Expressando deveras o que somos,
Da fruta paralelos, podres gomos,
Mesquinharia toma este jardim
Aonde imaginara a lucidez,
Em plena insânia o amor já se desfez
Matando o que restara inda de mim...

24238

Fulgindo em noite impávida o luar
Delírio onde poetas mergulharam
E quando os dias negros nos tocaram,
Apenas morte veio em seu lugar,
Pudesse novamente num altar
Erguido ao deus das trevas, onde amparam
Os dias mais sombrios que escancaram
A força indescritível a levar
Os últimos e frágeis imbecis,
Austeridade em tempos mais gentis
Explodem entre as tíbias ilusões
Arcanjos e demônios se entrelaçam
Enquanto sobre nós, estrelas passam
E nelas as terríveis implosões...

24237

Veremos entre os últimos fulgores
As luzes da explosão? Ou nada além
Do quanto em morte ainda nos convém
Negando as alvoradas e os albores,
E quando em descaminhos inda fores
Buscando no final, espinhos, vêm
Tomando a tua senda o que detém
O passo; vão inverno e seus rigores.
Heréticos pudores entre os vermes
E os seres já pensantes, mas inermes
Deitando sobre as pedras, pregos, farpas,
E além neste horizonte em luzes fartas,
Satã do qual; em sonhos, não apartas
Subindo altas montanhas, nas escarpas...

24236

Bebendo desta vida este veneno
Estreitas ilusões, vagos caminhos,
Rastejando meu corpo entre os espinhos,
A cada torpe queda, eu me sereno.
Somente não consigo ser ameno
Enquanto em tosca busca por carinhos
Encontro estas serpentes nos seus ninhos
E a cada novo bote me enveneno.
Arestas entre pontas e cascalhos,
Aonde procurara por atalhos
Retalhos do que fomos se apresentam,
E os medos, mesmo sendo em atos falhos,
Arrebentando casas e assoalhos,
Jamais enfrentaria e me apascentam...

24235

Em ares solitários, ermos levo
E deles renovando a cada dia
O quanto de verdade se historia
O tempo se mostrando mais longevo,

E quando à sensatez eu já me atrevo
Sem ter sequer quem saiba ou mesmo guia
O todo traz no bojo a fantasia,
Porém ser bem mais franco agora eu devo.

Há tanto se destrói e se repete
A mesma insensatez feita em confete
Trazendo neste olhar velho disfarce

Na roupa mal vestida e feita às pressas
O quanto que tu sabes; não confessas,
Até que o tempo surja e enfim esgarce...

24234

Prelúdios, trinos, cânticos de glória
Exército em luzes reluzentes
Excêntricos caminhos renitentes
Herética expressão, tão merencória
Exímio sonhador, medo e vitória
As ânsias destes antros prepotentes
Por mais que contra a força ainda tentes
Nas mãos dos poderosos ruma a história
Verdade se escondendo atrás do pano
Cenário tosco mostra o desengano
Por onde se traduz da humanidade
O passo que se dá em tosco e escuro
Delírio pelo qual eu me emolduro,
E tranco a realidade que degrade...

24233

“Numa luta de gregos e troianos”
Homérica epopéia se moldara
E a luz que no final ainda aclara
Demonstra sonhos fartos, soberanos,
Aonde proliferam desenganos
A sorte se mostrando sempre rara
Apenas o futuro se escancara
E mostra no vazio, velhos danos.
Esperas, tantos anos, dor e pranto,
Aonde uma sereia traz o canto
Mortalha que se tece e se desfia,
Na vida cada qual sendo Odisseu
Batalhas e venturas, luz e breu,
Assim vai se moldando o dia a dia...

24232

“Foste a sonoridade que acabou”,
Deixando a minha noite mais sombria,
Aonde se pensara em alegria
Agora só tristeza o que restou.
E quando me pergunto aonde vou
A estrela que brilhara não me guia,
E o medo se transforma em agonia,
Mostrando neste espelho o que inda sou.
Palhaço que se fez em falsas luzes,
Ainda caminhando sobre as urzes
Espinhos, pedregulhos, aridez.
Aonde imaginara um “chão de estrelas”
Sendas se maravilham por revê-las
Quem tanto e pelo encanto, amor se fez...

24231

“Jabuticaba, teu olhar noturno”
Em negros espetáculos reluz,
Farol que tantas vezes reproduz
Um ar maravilhoso e tão soturno,

A vida se mostrando a cada turno
Diversa do que outrora se fez cruz,
Mergulho neste amor que me conduz
Além da dura algema e do coturno,

Liberdade se mostra em brilho tanto
E quando em tal beleza eu já me encanto
Ascendo ao céu deveras, não reluto

E bebo da esperança em finas taças
E quando pelas ruas, bela, passas
No olhar divino sumo, um raro fruto...

24230

“A lua vem surgindo cor de prata”
E dela se expressando a maravilha
Na qual a sorte imensa trama a trilha
E todo este prazer já me arrebata.

Vencer os meus temores; pois maltrata
A voz de uma ilusão que ainda brilha
Na vastidão do céu, qual fora uma ilha
Vestindo de nobreza esta cascata.

O tempo sendo inglório nos transmite
Além do que se pensa; algum palpite
Trazido pelas mãos de uma ignorância

Aonde presunçosa voz sem nexo,
Talvez por solidão, medo ou complexo,
Ainda se mostrando em arrogância...

24229

Aonde se pudesse ter certeza
Do quão fútil o tempo que perdemos,
E enquanto não tivermos nossos remos,
Difícil suplantar a correnteza
Aonde se espalhara com destreza
O quão difícil turno nós teremos
Ausentes da esperança; não vivemos
Tomados pelos vãos de uma tristeza.
Arejando com sonhos mais audazes
Enquanto na verdade nada trazes
Senão tal desconforto a quem atinges
Palavras ofensivas, torpe dama,
Sabedoria escassa, a das esfinges
Das quais a voz estúpida já clama...

24228

Depois de perder tempo com bobagem
Agora me desnudo em verso e faço
Do quanto se perdera sem compasso
Além do que diverge esta paisagem,
Houvera no passado uma miragem
Que quando se aproxima já desfaço
E sigo com certeza cada traço,
Mesquinharia é pura sacanagem.
Serviço se mal feito tem quem note,
Por isso é que a serpente dá seu bote
Veneno não se cansa de mostrar,
A boca que escancara-se banguela
Apenas o vazio já revela,
E nele nem estrelas, nem luar.

24227

Ao cutucar uma onça em vara curta
O bote se prepara à mesma altura,
Um tosco interiorano se perdura
Por mais que esta verdade não se furta.

Plantara no quintal um pé de murta,
Porém a terra sendo seca e dura
No fim nasceu com turva caradura
Erva de passarinho; a vida encurta

E assim ao ver a praga no capim,
Vestindo de bufão, um querubim
Mexendo com as águas de Camões,

Dois olhos; tinha o mestre lusitano,
Porém era zarolho, ou não me engano,
Do que não funcionava t’as visões...

24226

Espírito deveras decaído
Demônio se expressando em voz pequena,
Uma alma que se mostre mais amena
Ao fim será legada ao triste olvido,
Não quero me expressar pondo a libido
Desnuda no quesito que serena
E ao mesmo tempo atroz nos envenena
Tomando sem pudores, o sentido.
Arcar com ares tanto rarefeitos
Do quão inútil termo sendo feitos
Mecânica deveras trabalhosa,
Quem sabe faz mansinho e com cuidado,
Porém o pobre verso maltratado,
Merece com certeza a tua glosa.

24225

Se “uma parte de mim é todo mundo”
Não posso sonegar o quão medonho
O tempo em que vazio já não sonho
E nestas podres lamas me aprofundo,

Viver esta inocência, vagabundo
E pária coração, nele eu componho
O barco que deveras não mais ponho,
Naufrágio se tornando, agora imundo.

Quisera das metades, união;
Mas sei que falsas luzes tomarão
Cenários onde vi espelhos vários.

Concretizando em versos temerários
Nesta universidade eu represento
Totalidade em lente, mas de aumento...

24224

Aonde o coração se fez perdido
Em trevas, nuvens negras e neblinas
As ondas que julgara cristalinas
Ao mesmo tempo em lágrimas, o olvido.
Estendo as minhas mãos, ouço o rugido
Enquanto dizes não, já me alucinas
E bebo destas podres, vastas minas
E com o verso impuro, ainda lido.
E tendo lido as mesmas ânsias nossas
Além do que talvez ainda possas
Aposso-me do infausto que me deste.
Arranho as escrituras, beijo a cruz,
A cada esquina está pobre Jesus
Açoitado e puído em rota veste.

24223

Sarcásticos e sátiros fantoches
A boca se escancara em riso irônico,
Aonde o ser se mostre então agônico
Apenas dos demônios, os deboches
Grotescos e nefastos ritos tétricos
Assim encaro o dia que desnudas
As esperanças morrem tão miúdas
Excêntricos caminhos quilométricos
Desvios entre vias, versos vândalos,
Aonde se buscara doces sândalos
Encontro os mesmos ermos do passado,
A porta escancarada mostra a fome,
E o fogo como outrora me consome,
Assim o nada ser eternizado...

24222

Ao ver em vós; alheio olhar tão triste
Deveras expressando o que jamais
Enquanto em sendas turvas caminhais
Bem sei que na verdade não resiste.

Servindo-vos o Amor em vós persiste
Além do quão dispersa sei que vais
Alcançaria em vós, soberbo cais,
Mas sei que a solidão ainda insiste.

E dela invoco a paz doce e insolúvel,
Porém vos tendo assim, bela e volúvel
Não posso mais seguir errante passo,

E sem saber qual seja a minha sorte,
Pouca razão traduz um vago Norte
E em meio a tais perguntas me desfaço.

24221

Buscando-vos senhora em vastidões,
Mui tempo se perdera em ânsias várias
Na grã beleza afasto as procelárias
E tendo-vos deveras quais visões,
Ansiando vossos lábios, seduções,
Se em vossos olhos vejo luminárias
Palavras de esperança, então; declare-as
Servindo-vos encontro as direções

Nas quais ao perceber encruzilhadas,
As almas que se sentem mais ilhadas
Não tendem ao propício desenlace.
Não quero permitir tal sofrimento
Se em vossas alegrias eu me alento,
Não deixemos que em vão, a vida passe...

24220

O amor em tantas formas; variantes
Dos mesmos dissabores, vida e morte,
Por mais que a poesia nos aporte
Velhos ancoradouros, vãos instantes.
Escravo destes raros diamantes,
Prazeres entre laços, cartas, Norte,
E o gozo inestimável nos exorte
A ter em nossos olhos sóis errantes.
Ardências entre lavas e granizos,
Os dias; entrelaces, mais concisos
Ascendo ao quase eterno em terno anseio.
Mas quando desvendando a minha face
Por mais que a fantasia ainda embace
O amor se esquece sempre porque veio...

24219

Resumo em fogo e ferro noite extensa
Deitando sobre os pregos, um faquir
Sem ter sequer noção vou prosseguir
Além do que uma alma nobre busca e pensa.
Cobrindo com a lama que se adensa
Não tendo nem resquícios de um porvir
Desilusão e mágoa; irei sentir,
Vingança se tornando a recompensa
Efêmeros prazeres custam caro
E quando nestes vãos me desamparo
Mesquinhos os abismos onde eu vejo
Retrato do que sou e não sonego,
Vagando sem destino em rumo cego,
Matando no não ser o meu desejo...

24218

“Figura que adocica e que me inflama”
A morte penetrando em ocos, vãos,
Cevando da discórdia, amargos grãos,
A vida se tornando mera chama,

E quando se desfaz, enfim tal drama,
Nos olhos esperanças de cristãos,
Porém vazias seguem minhas mãos,
E a plena desventura já me chama.

Perpetuando a dor da qual surgi,
Recebo o vendaval e vejo aqui
A imagem destroçada de um helminto

Que quando procura algum abrigo,
Matando quem cuidara e fora amigo,
Também qual fora a presa morto, extinto.

SOBRE VERSO DE DALVA ABRÃAO

24217

Quisera ter decerto esta ventura
De um dia poder crer na eternidade,
E quando a solidão atroz me invade
Um esmoler esquece esta ventura,

Arcaico misantropo em noite escura,
Um eremita foge à claridade
Por mais que o desencanto desagrade
É nele que meu verso se escultura.

Arcanjos, serafins; será meu fim?
Não creio, mais mantendo uma esperança
Que mesmo no vazio já se lança

Retornando deveras de onde vim
Das cinzas entre cinzas, podridão,
Somente levarei o meu caixão...

24216

Consigo mesmo até desta desgraça
Sorrir enquanto a morte não me alcança
Trazendo esta carcaça que é lembrança
O tempo sem remédio sempre passa,
E quanto mais veloz, exposto à traça
A vida se puindo já se lança
Ao nada que deveras traz na lança
Destino em vis retalhos, vida traça.

Por onde imaginara rua e paço,
Num féretro sutil deveras passo
E encontro o meu cadáver numa esquina.
Mortalha que reveste cada verso,
No qual em podres sonhos sigo imerso,
A sanha terminando me fascina...

24215

Não posso desdizer a sina aonde
Mesclando riso e pranto eu me desfiz,
Quiser ter além da cicatriz
Porém o brilho foge e já se esconde,
No quadro decomposto perco o bonde
E beijo a velha e podre meretriz
Que tantas vezes mórbida não quis,
E agora do arvoredo é viga e fronde.
Um pária, um vagabundo que sem rumo
Esconde-se em sarjetas; eu assumo
Os erros e os meus versos traduzindo
Uma esmolar vingança desta sorte,
Aonde uma esperança enfim se aborte,
O mundo sem defesas, me traindo...

24214

Aonde se sentira as vibrações,
Apenas mortandade e nada mais,
Os dias se mostravam tão banais
E os ventos em diversas direções.
Vislumbro as mais incríveis negações
Ausente dos meus olhos ledo cais,
Por onde em vossos rumos, desfilais
Mesclando dores, medos, podridões.
Enguias entre enormes poraquês
A vida se mostrando em pequenez
E o carma de um fantasma que se expõe,
Enquanto em vossas mãos tive o prazer,
Não posso mais os frutos recolher
Carcaça do que fui se decompõe...

24213

Horríveis paisagens nexo ausente
O término da vida se apresenta
E sem sequer alguém que me apascenta
Mergulho no vazio, incoerente
Por mais que ainda lute e mesmo tente
Sangria se mostrando violenta
A morte que quisera, mais sangrenta
Dos deuses é deveras um presente.
Esguichando-se artérias, vasos nobres
Mortalha que me dês enquanto cobres
Descobrem podres vícios de alma imunda,
E estranhos rituais, demônios sorvo,
Rondando este cadáver torpe corvo,
Nas entranhas em vida, se aprofunda...

24212

Espreito da janela e vejo o fim
Ao qual me conduziste vida insana,
A morte que deveras já se emana
Apodrecendo as flores do jardim,
Crisântemo, roseiras, e o jasmim,
Petrificado sonho não se engana
O corte se desdenha e a voz humana
Reverberando um mundo mais chinfrim,
Esqueço o que se fez nirvana e gozo,
O tempo se mostrando belicoso
Intempestivamente sigo ao nada,
Por onde caminhante de outras eras
Ao menos neste rastro recuperas
A sorte há tanto em vão já desviada...

24211

Beirando o precipício, um vão tamanho
Aonde se mostrara a minha face,
Por onde uma esperança tola passe,
Não vejo mais sequer chance de ganho,
E quando no vazio eu já me entranho,
O quadro se tomando em tal impasse,
Nem mesmo que se mostre o que me embace
Deveras este jogo diz antanho.
Estranhas formações, crateras, vales,
E quando me permites nada fales
Esqueça o que se fez em rastro e sol,
Medonha virulência em cada frase
Sem ter qualquer coluna que me embase
A amiga solidão, luz e farol.

24210

Dispendioso o tempo em que se tenta
Vencer os mais terríveis terremotos,
E quando os dias ficam mais remotos
A sorte se demonstra violenta,
Imerso na ilusão, de bingos, lotos
Escrevo o meu futuro em marcha lenta
E tudo terrifica, onde apascenta
Não vejo mais senão antigas fotos

E quase me iludindo novamente
Aonde a perfeição se dista, ausente
Descrevo especular face disforme,

Sem ter quem ainda possa me guiar,
A barca se perdendo em alto mar,
Talvez somente a morte me conforme...

24209

Sentindo o mesmo vácuo de onde vim
Espero que retorne ao mesmo pó,
Aonde se fizera outrora só,
Matando o que pudera ter enfim,

Não quero ouvir o tosco querubim,
Tampouco desfazer o velho nó
Aonde se fizesse algum trenó
Capoto uma esperança e sigo assim,

Esgotando-me entranho nos desvios
Da nitroglicerina estes pavios
Incêndios, explosões e o nada após,

Ascendo ao finito do meu verso
Que morre sem sentir o quão imerso
Estou neste universo vão, feroz...

24208

Esvazio-me do nada que inda tinha
E sei que depois disso, morrerei,
Fazendo do não ter descanso e grei
A sorte desdenhada é toda minha.
Aonde uma esperança se avizinha
O quadro se desfaz sem regra e lei,
Aonde imaginara reino e rei,
Errei e pelo tanto desalinha.

Naufrágios entre pedras e penhascos,
Das praias as areias movediças
O quanto tu desejas e cobiças
Apenas entranhando em ti tais ascos
Arcando com os engodos, desengano,
O fim se aproximando e nele ufano...

24207

Na sôfrega ilusão de um dia manso
Descrevo com palavras ânsia imensa
E quando esta esperança não compensa
A dor que inutilmente cedo alcanço,

Aonde a cada dia me esperanço
O cerne do vazio se repensa
Esgoto-me no vão desta dispensa
E crio na aguardente este remanso

Perpetuando a morte a cada dia,
Eclético demônio uma alma cria
E tomba-se por sobre o quase exposto

Numa nudez que sei ocasional,
A bêbada impressão do bem, do mau,
Etéreo frenesi, no qual me encosto...

24206

Epiléptico sonho espasmos vários
Vergando sob o peso do talvez,
Aonde uma esperança se desfez
Os dias são terríveis adversários
E os corpos entre farpas, meus fadários
Os rios navegando insensatez
Sarcófago de um tempo o que ora vês
Escrito nos ocasos e estuários
Assino a cada dia um testamento
E beijo o que deveras acalento,
A velha tentativa incoerente
De ser o que jamais eu poderia,
Lacaio de uma torpe fantasia
Descrédito onde o tosco se apresente...

24205

Os medos entranhados em minha alma
Apesar de poder crer que inda exista
Ao menos percebera alguma pista
De um tempo que deveras já me acalma
E deixo para trás o sonho e o trauma,
A escória do que fui – mero – persista
E mesmo que a verdade não assista
O coração traduz pérfida calma
Escombros de um fantoche que se teima
Vencido há tanto tempo em dissabores
E quando o vão que resta tu repores
Verás que não valeu algum esforço,
E tento ao fim da tarde um raro brilho
E neste vão imenso que ora trilho
O quanto me restara já destorço...

24204

Lua cheia em minha terra
não desponta em "verde mata”
mas clareia ao pé da serra
Beagá em serenata.


Celina Figueiredo

Um velho trovador que das Gerais
Encanta-se com luas e varandas,
Mineiro coração dita cirandas
Dos tempos que se foram, nunca mais...
Agora estas estrelas magistrais
Nos véus maravilhosos sem demandas,
Enquanto flutuais, diversas bandas
Alteram alterosas que buscais.

E vejo em vós a voz de uma esperança
Aonde se derramam luzes falsas
Sonhamos com fulgores feitos valsas
Porém ao tempo amargo, a vida lança
Quem fez das serenatas alegria,
Enquanto a lua esconde e se esvazia...

24203

Se queres um sorriso mais suave,
Um verso que traduza um acalanto
Deveras se afastando do meu canto,
A voz que agora escutas, dura e grave,
Ainda mesmo quando em paz agrave
E causa a quem sonhara algum espanto,
Demônios invadindo todo o canto
A sala se transforma em duro entrave.
Pudesse ter ao menos a esperança
Estúpida quimera à qual se lança
Infernais ilusões, torpes canções,
E quando vejo os dias que tu nublas
As horas que pensara claras, rubras
Espalham temporais e furacões...

24202

Uma alma em que se vê desnuda sala,
Escrava do que um dia quis perfeito,
E quando no vazio eu me deleito
Aceito o que incerteza já me fala.
Enquanto a cordilheira, o sonho escala,
Nas ânsias do poder estranho leito,
Medonha consciência; eu não aceito
E o coração audaz então se cala.
Arrulhando em sobejas ilusões
As pombas se perdendo em descaminhos,
Não voltam para os velhos, toscos ninhos,
Tramando no voar as estações
Enviuvada rola nada resta
Senão esta ventura vã, funesta...

24201

Pudesse ter ouvido a consciência
Não mais teria a dor de ver
Perdendo-se sem tréguas o prazer
E tendo como herança a penitência
Vivesse a mais completa paciência
Na placidez que outrora pude crer
Possível mesmo longe do poder,
A sorte procurando alguém; compense-a

Trazendo o teu sorriso mesmo falso,
E quando as ilusões ainda calço
Esqueço do passado e do presente,
Futuro não existe, terminal,
Esgoto-me num canto mais venal
E o quanto nada resta se apresente...

24200

A vida que pensara em apogeu,
Desfiladeiros tantos; já não posso
Apenas do passado algum destroço
Vivendo o que deveras vão, perdeu,
O céu se mergulhando em pleno breu
Desdita a cada instante mais endosso
E vejo a solidão na dor em empoço
E faço do viver, meu perigeu.
Apesar dos pesares prezo a sorte
Que mesmo não trazendo o que conforte
Aguarda este desfecho, vorazmente
Nos gêiseres de uma alma efervescente
O quando se mostrara em rito e morte,
Traçando este final que me atormente...

24199

Esboço em tela rara estes matizes
Aonde mais distante do que dizes
Encontro-me nas luzes que decoras,
As sendas entre flores são senhoras
Dos dias que pensara mais felizes,
Ardis entre tocaias e deslizes,
A sorte se perdendo nas demoras,
E quando em poesia tu te afloras
Mergulho neste encanto, rastros teus,
Aonde se esgueirando de um adeus
Encontro finalmente algum remanso,
Suspenso ao ver beleza deste eclipse
Esqueço havendo ou não o apocalipse
O Paraíso eterno; em ti alcanço.

24198

Senhora das querências mais audazes
Entranho em vosso rumo, meus carinhos
E quando vejo apenas vãos espinhos
Momentos tão diversos e falazes,
A vida tendo assim, momentos, fases,
Expressa a mansidão em descaminhos,
Não quero mais seguir dias sozinhos
Tampouco ver inúteis, tolas frases.
E ser-vos-ei leal feito um lacaio
E quando noutro rumo eu me distraio,
Volvendo ao vosso encanto me permito,
Seguindo vossos passos noite afora,
A luz da bela lua nos decora,
Tornando o nosso mundo mais bonito...

24197

Cadáver de esperança, um verme tosco,
Que galga alguma luz e se inebria,
Aonde se mostrara a fantasia,
Deveras um caminho amaro e fosco,
E quando em tais novelos eu me enrosco
E bebo da paixão, falsa alegria
Restando tão somente esta agonia
Que trago vem em quando aqui conosco.
Num sôfrego lutar, tanto abandono
E quando outra esperança, tolo, eu clono
Vergastas vão cortando minhas costas,
E sei que do cenário putrefeito
Que exponho no momento em que me deito
Satírico demônio; ris e gostas...

24196

Plantara em minha vida este arvoredo
Que agora tu destróis e ainda zombas,
E quando este navio aderna e tombas
Sequer algum alívio eu te concedo.
E sendo desde sempre muito cedo
Nas mãos invés de flores, frias bombas
Sorrisos enigmáticos; se arrombas
As portas e descobres meu segredo.
Uma ímpia criatura néscia e vã
Fazendo da tortura o seu afã,
Escombro do que fora um ser humano,
Escravo deste amargo sentimento,
Se eu posso, na verdade inda lamento
O que se fez em treva; eu desengano.

24195

Pensara ter na vida, ao menos lastro
E quando fosse em fúria, placidez,
Porém na mais completa insensatez
O barco vai perdendo único mastro,
E quando feito praga em vão me alastro
Mergulhando em total estupidez
O quanto se pensara e se desfez,
Não deixo nem sequer passada ou rastro,
Aonde se mostrara tão espúria
E vaga criatura, tanta incúria
E a fúria não sossega um só momento,
Agora simplesmente um excremento
Daquilo que se fez altivamente
E o tempo em inclemência já desmente...

24194

Fantasma do que fui, simples destroço
O vasto descaminho feito em mágoa
No quanto, novo rumo já deságua
A sorte se moldando, eu não remoço.
Além do que talvez pudera; ou posso,
A lua se derrama, imensa frágua
Lacrimejo salgando vida e água
Enquanto a fantasia em vão, acosso.
Avermelhado sol que me banhasse,
O tempo se mostrando em tal impasse
Passando sem deixar sequer momentos
Aonde poderia ter ao menos
Os doces pensamentos mais serenos
Neles, acalentando os desalentos...

24193

Erguendo-me do escombro onde me escondo,
Vivendo por talvez favor e sorte,
Aonde exista esgoto que comporte
O mundo pelo qual, vazios sondo.
No tempo, sem discursos, vou repondo
O quanto se perdendo a cada corte,
Não tendo mais talvez quem me suporte,
Um vândalo em vazios já se opondo.
No quase ser feliz, eu percebera
O quanto a ingratidão se mostra clara
E mesmo sendo a vida a perla rara
Aos poucos se derrete feito a cera
Aonde este pavio aceso, um dia,
Decerto pouco a pouco morreria...

24192

Magérrima esperança se descarna
E quando se mostrar a face escura
Da vida que deveras vã perdura,
Minha alma em podridão, terrível sarna
E quando a fantasia ainda encarna
Navego pelo mar que se procura
Trazendo a paz; diversa da moldura
Que em turva servidão, já desencarna;
Pudesse uma alforria em luz suprema,
Mas quando a dor imensa assim se extrema
Não tendo solução, procuro a morte
Que ao menos trague o encanto do não ter
Nem dores, sofrimentos ou prazer
E mostre este vazio que conforte...

24191

Se desgraçadamente a vida trama
Esgotos, podridão em plena luz,
Aonde um passo trôpego conduz
É lá que manterei última chama,
Vergastas me consomem, alma clama
E a paz que tanto busco; imensa cruz,
Desejo à flor da pele, sonhos nus
E o quanto estou vazio, fúria e drama.
Decrépito fantasma do que fora
O quanto se pensara sedutora
Imagem de um momento em mansa glória,
Os fados se desviam; nada sobra
Somente a solidão, terrível cobra
Num bote terminal; luz merencória...

24190

A luz de um belo dia em raro sol
E apenas o vazio em tomando,
Esperanças em leva, frio bando,
Contrastam com o claro do arrebol,
Aonde um novo tempo diz farol,
Nevascas e granizos desabando
O mundo que eu buscara destroçando,
Quem dera fosse feito um caracol,
Quem sabe um ermitão, ausência e treva,
Nas grotas, nas cavernas. Se a alma neva
E o vento deste inverno se eterniza,
A sorte; eu não conheço e me desdenha,
E a mera solidão inda contenha,
Aqui, um temporal; lá fora a brisa...

24189

Envolto nos clarões de uma alvorada.
Procuro pelas sombras e neblinas
Enquanto em luzes fortes te iluminas
Minha alma há tanto tempo depredada
Esboça a reação que dando em nada
As horas que pensara cristalinas
As mesmas onde em dores já fascinas
O corte desta vida abandonada
Jogada pelos cantos, ser inútil
Um sonho de prazer? Deveras fútil.
Recebo a ventania com descaso,
Sabendo que depois do temporal
Apenas destruído no final,
Vislumbro a cada dia o meu ocaso.

24188

Não vejo o céu que outrora mais clemente
Trazia alguma luz ao caminheiro,
E quando pelos mangues eu me esgueiro
Bebendo a podridão de mim se ausente
A fúria que deveras tão presente
O fim se demonstrando o companheiro
Leal e mesmo sendo o derradeiro,
Apenas nele a paz já se consente.
Mortalha que carrego dentro da alma
Somente a morte apenas inda acalma
Um louco que em completo desvario
Mesquinho verme andando sobre a terra
Que quando mais procura mais se encerra
Tornando a própria vida um desafio...

24187

Aonde se pensara em primavera
Hiberno o pensamento e nada trago
O quanto desejara, feito estrago
Apego-me ao vazio que se espera
Do nada em que surgi, se o nada gera
Estático caminho ainda afago
Escravo do não ser, em dor; alago
O quanto que restou, funda cratera.
Volvendo aos meus momentos invernais
Não quero tua voz e nunca mais
Perceba que estão não inda respira.
Matando o que deveras está morto
Não tendo mais sequer paz e conforto,
Pra que manter acesa alguma pira?

24186

Não creio ser possível demover
Aquele que negando uma evidência
Ou alegando ser coincidência
Sonega o que em verdade pode ver.
Assim sendo impossível para um ser
Seguir a vida em paz, sem penitência
Aonde se pudera ter prudência;
Num passo vacilante quer viver?
O verdadeiro fato, mesmo quando
Em face mais diversa se mostrando
Não deve se esconder em falsas luzes,
Senão cada caminho onde tu fores
Invés de ter espinhos, fontes, flores
Somente pedregulhos, medos e urzes.