segunda-feira, março 08, 2010

25627

Aonde se escondeu a estrela fria
Que tanto se fez falsa em noite escura,
O quanto me perdi em tal procura
Minha alma sem remédio se esvazia

E o bêbado funâmbulo traria
A queda sobre a pedra turva e dura
Sinal do quanto valho e em tal loucura
Somente me restando a ventania.

Abrindo as escotilhas inda vejo
Naufrágio de um estúpido desejo
Amanhecendo em vão, tosca quimera,

E o passo sem sentido ou direção
Dizendo quanto a vida fora em vão
Não tendo uma emoção sequer que espera...

25599

Qual fora perseguindo este raro astro
Depois de tempestades no horizonte
Sem sol que ainda veja e não desponte
O barco não tem leme e perde o mastro,

Afundo enquanto em dores eu me alastro,
Mergulho no abissal buscando a ponte
Que um dia poderia ser a fonte
Não vendo do futuro sequer rastro.

Rastejo sobre pedras, réptil vago
E a morte com prazer ainda afago
Beijando a sua boca em podridão,

E o medo não produz qualquer mudança
A faca no pescoço adentra e avança
Com fúria numa exata direção.

25598

Razão de cada sonho mais audaz,
O verso que pensara ter valia
Aos poucos se transforma em voz vazia
E nele na verdade tanto faz.

O passo preferido leva ao nada
As chances não teriam mais valor,
O medo novamente ao meu dispor
Mudando esta visão tão deturpada.

Aspectos variados, beijo e corte,
Afiando assim a faca e o canivete
E quando ao nada ter já se remete
A seca dominando algum aporte,

Nesta aridez minha alma se detém
E morre solidária, sem ninguém...

25597

Extraviando a rota em tal seqüestro
Vestindo esta mortalha e enlutado,
O beijo pela dor silenciado,
Momento mais feliz sequer orquestro,

E sendo nesta vida tão canhestro
Percebo tão somente o mesmo enfado
E nele refazendo o meu passado,
O verso sequer tento nem adestro.

Esgoto os meus anseios no vazio,
E quando a realidade aqui desfio,
Enceto-me em mortais caricaturas,

Servindo aos meus senhores, sou o nada,
A sorte tantas vezes desprezada
Distante do que queres e procuras.

25596

De quem se fez feliz e quer bem mais
Apenas um sorriso não acode
Além do que deveras inda pode
Enfrenta estes terríveis abissais.

Eu sinto que o final já se aproxima,
Mordazes os momentos mais cruéis,
E neles enfrentando os velhos féis
O quanto é necessária alguma estima.

Estigmas que carrego são vulgares,
Mas tento disfarçar um ledo engano
Mudando a direção em novo plano,
Retorno sem saber aos tais lugares

Esgarço-me e demonstro em cada parte
O que se fez inútil e já descarte...

25595

Aonde se pensasse em liberdade
O ser humano muda toda a história
Bisonha criatura que em vanglória
Destroça o que inda houvesse em quantidade.

Estúpida quimera vaga solta
E traz nos seus olhares fogo e fúria
Mortalha se desenha em tal incúria
Deixando em polvorosa e tão revolta

A nave-mãe que um dia se fez nobre
E agora mero esgoto, mal suspira
Na mão de um verme inválido esta pira
Com bruma e com veneno a mãe encobre,

Depois deste serviço em vão completo
O rei dos animais? Simples inseto...

25586 até 25594

25586

Bebendo desta fonte poluída
Por tantas e terríveis ilusões
Na verdadeira face que me expões
A tradução perfeita para a vida.

A porta escancarada traduzida
No todo que deveras decompões
Aonde ao meu destino não opões
Verões em plena neve, tudo acida.

E quando esta carcaça se permite
Usar de uma esperança qual limite
Errático fantasma segue a trilha

E mesmo quando em fétidos aromas
O nojo neste instante; tu já domas
Minha alma em tom bem pálido rebrilha.


25587

Apenas os espinhos entranhando
A pele já desfeita em podridão
E o quanto novos dias mostrarão
Resumo de um momento amargo e brando,

As rapineiras chegam, ledo bando
Fazendo do cadáver, divisão,
Mortalha se tornando meu colchão
O mundo cada parte devorando.

Afasto-me dos sonhos, bebo as trevas
E quando te aproximas também cevas
Os restos deste espectro que inda sobram,

Deveras me entregando não resisto,
Sabendo que o culpado maior disto
Sou eu, e os meus demônios vêm e cobram.

25588

Resignado prossigo meu caminho
Rumando para a morte incontestável
Figura assaz comum e detestável
Satânico percorro e vou sozinho,

Nefasto caminhar me leva ao ninho
Deveras como fosse um intragável
Destino deste ser tão deplorável
Nos túmulos de uma alma vã me aninho.

E riscando os espaços nada deixo,
Sequer um rastro fétido. Não queixo
Sabendo ser assim a minha sorte,

Depois de tantos erros, desventuras
Nas mãos esta vergasta em que torturas
Condenas com escárnio à fria morte.


25589

Jogado pelas ruas como um pária
Já não pertences mais ao mundo que
Tentaste conhecer, mas já não vê
Figura caricata uma alimária.

Esgota-se por si tão temerária
Imagem deturpada que se crê
Maior do que deveras já se lê
No olhar ensimesmado da alma otária

Expondo esta faceta apodrecida
Ainda pensa ter alguma vida
E morto, perambula por aí,

Um cão entre outros cães e nada mais,
Nos sórdidos retratos vãos, venais
Sorrindo de si mesmo tal zumbi.


25890

Murmúrios prenunciam noites fartas
Em trevas adiando uma esperança
As nuvens provocando rara dança
Enquanto da alegria tu te apartas,

Jogando sobre a mesa as mesmas cartas
Somente o funeral de uma alma avança
Sarcástica figura em aliança
Futuro desde já sei que descartas.

E morto em vida segues qual fantoche
Exposto aos vis sarcasmos e ao deboche
Rolando sem destino nem paragem,

A podridão sondando cada passo
Que dás rumo ao vazio que ora traço
Selando em tom mais fúnebre a paisagem.


25891

Na lúgubre paisagem tal mortalha
Esboça este retrato mais fiel,
O olhar degenerado rompe o céu
E voa libertários corvo e gralha

Apenas quando vejo esta batalha
A faca se transforma em carrossel
Girando vagamente segue ao léu
Enquanto a realidade se atrapalha,

Adentrando no peito o canivete
A morte transcorrendo em paz intensa
Satânico caminho recompensa

A boca apodrecida me remete
Ao lago em placidez sob a neblina
Ao qual a nossa vida nos destina.

25892

Numa ávida ilusão feita quimera
A boca se escancara furiosa
Enquanto a própria vida já se glosa
Apascentar a fúria de uma fera

E dela toda a sorte degenera
E muda esta faceta cor de rosa
Agrisalhando o olhar se ri e goza
Do pânico que atroz, em todos gera.

A morte se mostrando nua e crua
Deveras nos tortura e continua
Atormentando até chegar o fim

E pútrido penhor nos devolvendo,
A carne noutra pasta convertendo
Aduba das daninhas o jardim.

25893

Mesquinhos abandonos em que vejo
Uma alma demoníaca e desnuda,
Penando a cada dia sem ajuda
Entregue aos vagos nãos de um vão desejo.

Afasto-me do espelho que me traz
A face decomposta deste estúpido
Aonde se fizera outrora cúpido
Agora se demonstra mais mordaz,

Voluptuosamente insaciável
Satânicos momentos que vivera,
E em cada deles sempre convivera
Com fera de perfil mais intratável

E entranha-se na podre criatura
Que mesmo após o fim atroz, perdura.

25894

Aonde se pensara em lucidez
A pútrida impressão do nada ser
A morte se aproxima e sinto ter
Nas mãos a mais completa insensatez

O quanto a realidade já desfez,
Caminho que cansei de percorrer
Fantoches do passado a recolher
O mundo que criara se desfez

Só resta então a podre sensação
Carcaça deste ser que sendo vão
Adentrando neblinas mais funestas

As cinzas coletando vida afora,
Apenas este odor fétido ancora
Imagem decomposta à qual te emprestas.

25585

Vestindo esta carcaça feita em vida
Ainda não consigo a liberdade
Na morte com certeza rompo a grade
Enquanto este delírio se decida,

Há tempos a minha alma vai perdida
Vivendo a cada dia enquanto brade
Apodrecida face diz metade
Completa-se em total insanidade
E prepara feroz a despedida.

No cerne da questão ser ou não ser
Sentindo a cada dia envilecer
O que restara ainda deste nada

No não ser me completo e assim percebo
Que cada vez bem mais disto me embebo
Até que a noite chegue, em vão... Nublada.

25584

Medonho caricato; eu nada tenho
Somente o soçobrar da embarcação
A morte se traduz em podridão
E assim perpetuando um vago empenho

Mergulho neste abismo que se abriu
E nele percebendo estas carcaças
Diversas das que geras quando passas,
No olhar mais demoníaco e assaz vil

Encontro as garatujas que pintara
Em formas mais bisonhas e satânicas
Tétricas figuras, mas orgânicas
Praguejo contra a sorte, tão amara

E erguendo-se por sobre o mar bravio
A Serpe num etéreo desafio.

25583

Os lábios que me beijam, descorados
Satânicos orgasmos prometidos
E assim entre demônios as libidos
Traduzem os delírios mais ousados

E quando se percebem estes Fados
Os fardos que carrego sendo urdidos
Por mãos destes canalhas desvalidos
Em dias com certeza mais nublados,

E as tramas nas quais vejo o meu retrato
Estúpidas quimeras desacato
E forjo outra saída mais sutil,

O rosto que se vê num vão espelho
Sulfídrica figura em tom vermelho,
Bebendo o sangue expõe meu lado vil.

25582

Das sombras, ressurgido Satanás
Vasculha nas entranhas deste que
Agora já sabe, mas só vê
O medo que se estampa, amargo e assaz.

Enquanto a névoa densa já me traz
No olhar entorpecido o que se crê
Este fantasmagórico buquê
Moldado num sorriso mais mordaz,

Eu sinto a minha pele apodrecida
E assim tomando toda a minha vida
Hercúleas emoções expondo a nu

A carne que deveras decomposta
Seduz a rapineira e cada posta
Devora com prazer este urubu.

25581

Amargos e violentos os delírios
Quebrantos que percorro em vã neblina
A morte pouco a pouco me fascina
E nela posso ver vagos martírios

Esboço reações, mas não consigo
Vencer putrefações tão costumeiras
E nelas as verdades são bandeiras
Expondo a cada passo outro perigo,

E teimo contra as forças das marés
Vigorosos, soturnos temporais
Entranhando estes vermes triunfais
Ainda permaneço sobre os pés

E sinto que se abala a frágil base
Por mais que a morte ainda em vão se atrase.

25580

Amordaçada sorte não me ilude
E dela me esquivando a cada passo
E quando outro momento ainda traço
Bem mais do talvez uma atitude

E necessário crer que a juventude
Ainda tenha em mim qualquer espaço,
Deteriorado sonho, me desfaço
E bebo a podridão, cruel açude.

Erguendo então um brinde ao nada ser
Esboço algum sorriso, mas percebo
Que quanto mais a morte em ti concebo

Maior deveras vejo o meu prazer
E sei que na verdade rapineira
Eu sinto a minha voz mais traiçoeira.

25579

Diária por saber felicidade
Cobrada de um poeta vagabundo
Num ágio sem igual, expondo o imundo
Caminho aonde a sorte me degrade

Mordazes os momentos em que luto
E teimo contra a força das marés
Sabendo meu amor por que tu és
O vento é cada vez mais forte e bruto.

Carvalhos arrancados na raiz
Escárnios costumeiros repetidos,
E os ócios contumazes das libidos
O tempo tanto afirma, mas desdiz.

E o jogo não termina e se refaz
Levando para sempre alguma paz...

25578

E nada nos maltrata ou atrapalha
Durante a caminhada sem destino,
E quando nos teus braços sou menino
Amor é fogaréu, mas pouca palha.

O gesto de abandono nunca falha
Vontade de partir, mas me domino
E o gozo anunciado, eu determino
Qual fosse um mero campo de batalha.

Permissivos desvios são vulgares
E neles muitas vezes seus esgares
Nefastas realidades se apresentam.

Marcados pela brasa em carne viva,
Enquanto esta verdade já me priva
Os dias são iguais e me atormentam.

25577

Pois temos neste amor, sinceridade
E tudo é tão fugaz. Mas mesmo assim
Teimamos e tentamos crer enfim
Que há sorte, mesmo contra a realidade.

O beijo se mostrara mais venal,
E o quarto de dormir desarrumado
Demonstra a insanidade do passado,
E o porto abandonando a tosca nau

Argúcia se transforma em heresia,
Ecléticas vontades deslindadas
As hordas muito mal acostumadas
Enquanto esta mentira desfazia

Uma alma em tais mosaicos enredada
Sabendo que ao final, não resta nada...

25576

Na ponta de uma faca ou de navalha
Os dedos decepados da ilusão
Os dias com certeza não terão
A mesma face escusa da medalha,

E quando a fantasia em vão se espalha
Tomando e negrejando esta amplidão
Perdendo há tanto tempo a direção
O corte se apresenta e nunca falha.

Acordo entre os espinhos mais comuns
Seleciono e guardo mesmo alguns
Sabendo desta herança em podre face.

O peso não suporto e se me dobro
A força ainda teimo e assim desdobro
O mundo feito em dor, vazio impasse...

25575

Contamos com a força da verdade
Para podermos ter alguma chance
E mesmo quando a treva ainda avance
O gosto de um prazer sequer invade.

A pútrida faceta escancarada
Carranca que devora e não sossega,
A sorte sendo audaz se mostra cega
E traz após tempesta o velho nada.

São lúdicos caminhos, disto eu sei,
Enamorada luz não me acompanha,
Falácias se perdendo em tola sanha,
Carcaça resta sobre a amarga grei.

E o beijo desencarna este fantoche
E dele a própria vida faz deboche...

25574

E somos prisioneiros deste sonho?
Jamais aceitaria esta falácia,
Não tendo nem sequer qualquer audácia
O que fizeste em trevas não componho.

E mesmo quando a vida não embace-a
A sorte se transtorna em ar medonho,
E o bêbado sem luzes, sou bisonho,
No sangue quase não existe hemácia...

A porta destrancada e mesmo assim,
A podridão expressa de onde vim
O parto se abortara e a vil placenta

Deveras desenvolve-se e sobeja
Ainda tem o olhar de quem deseja
Embora a vida nega e desalenta.

25573

Que se faz renovado a cada dia
O sonho mais audaz aprisionando
E mesmo se mostrando vez em quando
Realidade há tanto já não guia.

A farsa se desvenda e ora recria
Um templo onde prevejo em tosco bando
O gozo necessário desarmando
A podre condição, torpe heresia.

Compêndios não bastaram nem um tomo
E quando a fortaleza invado e tomo,
Saqueio os meus demônios e os desfaço,

Mas tudo se transborda em falsas luzes,
Deveras aos infernos me conduzes
Seguindo sem pensar vou passo a passo...

25572

Nas lutas que travamos, eu reponho
As armas já perdidas no passado
E quando me percebo amargurado
Ainda sem sentidos, teimo e sonho.

O caso é o que o futuro é tão bisonho
E nele quando estou mais entranhado
Percebo que não resta nem bocado
Do todo aonde às vezes decomponho.

A porta se fechando diz do quanto
Apenas herdaremos desencanto
E toda esta ternura fora inútil

Assento-me deveras sobre o fardo
Assim o passo audaz mato ou retardo
Sabendo que o viver se tornou fútil...

25571

Vontade muito além do que dizia
Poema de um antigo companheiro
No quadro desenhando vou inteiro
Deixando para trás a fantasia,

E a morte anunciada não permite
Sequer que eu veja um brilho onde não tem,
O passo desdenhoso nega o bem
E o peso ultrapassando algum limite

Extraio poesia da cachaça
E nela me inebrio e sem sentido,
O quanto desejara é dividido
E quem procura bem logo rechaça

Empórios em total liquidação
Meus olhos, novos dias não verão...

25570

No mundo que queremos, mais risonho
Apenas leves sombras reconheço,
O tempo se transcorre e não mereço
Sequer a fantasia que componho.

Eu vejo o meu futuro em tom medonho
A sorte já não sabe um endereço
E tudo variando sem começo
E quando canto assim, eu sei me exponho

Ridículos os dias sonhadores!
Matamos o jardim, queremos flores?
Não vejo nisto algum sentido, amiga.

Exatas são as nossas recompensas
Se as labaredas vejo sendo imensas
Destino em desatino já periga...

25569

Nós somos passageiros da alegria?
Quem dera minha amiga, quem me dera...
Aonde se escondeu a primavera
Que o inverno nunca mais nos largaria?

Espreito da janela e bem queria
Matar se ainda viva fosse a fera,
Mas quando a fantasia nos tempera
A boca escancarando uma ironia.

Exaltamos loucuras e fantoches
Expondo nossos dias aos deboches
Sarcásticos palhaços, dois bufões.

E temos histriônicos caminhos
Medonhos, mas sublimes passarinhos
Que matas quando em risos tu te expões...

25568

E assim, nada nos cala, nem alcança,
Tampouco nos trazendo algum prazer,
Inércia costumeira posso ver
Nas mãos de quem matou minha esperança.

A sorte se mostrando em tal vingança
Sorrindo de soslaio me faz crer
Que ao menos poderia parecer
Melhor quem no vazio ora se lança.

Ocasos em terrível firmamento,
E quando novas sendas inda tento
Atento aos dissabores, não me culpo,

E verso sobre o tanto que talvez
Ainda nunca viste e já não crês
E o fim em sordidez agora esculpo.

25567

De par em par, querida, a mesma dança
A vida se enlaçando com a morte
Sem ter quem na verdade ainda aporte
O brilho necessário, sem mudança

Ao deus dará meu sonho já se lança
E nele com certeza sem um norte,
Aprofundando sempre mais o corte,
Quem tenta novo dia nunca alcança.

Assomam-se terrores mais freqüentes
E quando tempestades tu pressentes
Assisto à derrocada em camarote.

Heréticas manhãs não me seduzem
E os dias ao final quando conduzem
Preparam com prazer último bote...

25566

Sentindo o teu respiro junto a mim
Eu vejo retratado o quanto fora
A vida em falsas luzes, tentadora,
Num átimo em teu lábio carmesim

A angústia discernindo de onde vim
Uma alma muitas vezes sedutora
Morrendo ao se sentir reveladora
Extremamente estúpida; eis meu fim.

Não posso desvendar velhos mistérios
E quando o tempo dita seus critérios
As farpas penetrando em carne viva

São pregos e tenazes que me prendem
E os sonhos finalmente já se rendem
Enquanto a fantasia agora priva...

25565

Um pesadelo horrível num segundo
Anunciando o fim da poesia
E quando esta verdade já se urdia
Deixara há muito tempo o tosco mundo

Retrato o meu passado tolo e imundo
Enquanto um novo tempo se recria
E nele morta em dor a fantasia
O velho coração de um vagabundo

Anseia algum momento em abundância
Revive o sortilégio de uma infância
Aonde o privilégio de sonhar

Vivenciara sempre com prazer,
E agora ao se notar e nada ver
Mergulha no vazio especular...

25564

Pensara que este estúpido destroço
Vagando pelas ânsias do não ser,
Ao crer no emaranhado de um prazer
Além do que em verdade já não posso,

Esgueiro-me entre redes e mortalhas
A serpe me acompanha em risos fartos,
Aonde imaginara novos partos
Apontam-me os olhares várias falhas.

E sei que talvez tenha tal coragem
De em falsas ilusões não mergulhar
Salgando com as lágrimas meu mar
Aonde não se vê sequer miragem,

Desertos me acompanham desde cedo,
E aos vastos deste nada eu me concedo...

25563

Numa alegria augusta; eu me aprofundo
Embora saiba bem a estupidez
Que a cada passo dado, mais tu vês
E dela sem defesas vou ao fundo

E vendo destroçado um peito imundo
Tomado por total invalidez
O peso do passado já desfez
A rota de um canalha vagabundo.

Apertando este cinto eu sei o quanto
O bêbado caminho em desencanto
Não poderia dar sequer sinal

E o vandalismo invade cada passo
E quando novo rumo ainda traço,
Aguardo tão somente o meu final...

25562

E vejo que não foi; querida, assim
O mundo que traçara no passado
O gesto repetido cancelado
Percorro e já sem flores o jardim

Estúpida quimera vê ao fim
O tempo com certeza mais nublado
E quando se percebe o torpe Fado,
Acendo o que me resta: este estopim

Bombásticos delírios de um poeta
E tendo a minha vida em frágil seta
O peso das vergastas não esqueço,

Não fora mesmo assim, minha querida,
Invalidando enfim a tosca vida
Marcada a cada queda, em vão tropeço.

25561

Estás comigo, amada, aqui ao lado
E sei dos tão diversos dissabores
Gerados pelos medos, vãos temores
Há tanto que protelo o anunciado

Momento toscamente desejado
Ainda que desvende em ti as flores,
Desejos muitas vezes tentadores
E neles ao final, um mero enfado.

Astuciosamente se percebe
O vário colorido desta sebe
Mesquinhos os abismos que traçaste

E neles minha queda se anuncia
Gerando o desfazer da fantasia
Enquanto tu te ris, tolo contraste...

25560

Eu posso te tocar, sentir teu cheiro;
Mas se equivale ao que pensara,
Desvio o rio em foz diversa e clara
E quando me percebo só me esgueiro.

Estranho o descaminho e vou ligeiro
Numa ânsia sem igual a alma declara
O medo que este olhar torpe escancara
Diverso do meu mundo corriqueiro.

E beijo em meus destinos, descalabros,
Altares sem sequer os candelabros
Desabo e percebendo tais ruínas

Ainda te gargalhas e ironia
É tudo o que deveras anuncia
Tua alma. Mesmo assim tu me dominas...

25559

O dia renascendo, iluminado,
Seria uma notícia prazerosa,
Mas quando não se vê sequer a rosa
O que farei do velho e agreste prado?

O peso em minhas costas demonstrado
Em noites claras traz a caprichosa
Verdade onde o prazer já nem mais goza,
E o templo que criei desmoronado.

Procuro pelas ruas o esmoler
Sabendo aceitarei o que vier
Esfaimado pedinte sem paragem.

E tendo no horizonte um sol vazio,
O estúpido caminho ora desfio,
Nublando dentro em mim tal paisagem...

25558

Ressonas sobre fronha e travesseiro
Pensando no talvez que nunca veio
O quadro se desenha e sem rodeio
O mundo não seria lisonjeiro.

Acordas e não vês o companheiro
E quando se percebe estando alheio
O gosto delicado de um recreio
Morrera há muito tempo em vão ribeiro.

Assédios tão comuns na juventude
Agora a fantasia não ilude
E a queda de um andaime é tão comum.

As pernas varicosas, olhos mortos,
Na vida coletados os abortos,
De amores que sonhara; vês nenhum...

25557

Beijo-te com carinho, aliviado,
E sei quantas quimeras enfrentei,
A sorte muitas vezes disfarcei
Em risos de ironia. Sei do fado

Que tanto tem por vezes destroçado
Caminho mais tranqüilo eu não trilhei,
E agora quanto mais longínqua a grei
Maior o meu desejo sem enfado.

Percorro os meus anseios e detenho-me
Nas furnas mais terríveis, mas embrenho-me
E sigo sem temer os vendavais.

Abismos corriqueiros, precipícios
Não deixo nesta estrada mais indícios
E sigo mesmo em tempos tão venais...

25556

O dia enfim renasce alvissareiro
E nele não se vêm brumas atrozes,
E quando se percebem noutras vozes
O canto que pensara o derradeiro,

Mergulho meu delírio num tinteiro
E alçando fantasias mais ferozes,
Encontro os descaminhos, bebo as fozes
E sei do mar imenso, timoneiro.

Infaustos coletados pela vida
Apenas me preparo em despedida
Na lápide epitáfios não desejo

Assumo a derrocada de um poeta
Que tendo a fantasia se completa
Somente no vazio de um lampejo.

25555

Ao ver as tuas costas, nuas, alvas
Entranho por caminhos mais audazes
E sei que tantas vezes tu me trazes
Apenas tão somente estas ressalvas.

E delas quando expressas negação
Escondo os meus desejos e pereço
Enquanto solitário me envelheço
Momentos mais felizes voltarão?

Não creio em tal falácia e sigo assim
Estúpido palhaço sem juízo
E tendo muito mais do que preciso
Sem medo vou chegando mesmo ao fim.

Etéreas ilusões desenfreadas?
Há tanto tempo sei abandonadas...

25554

As esperanças riem; fartas, sonsas
E fazem dos meus dias histriônicos
Caminhos que se mostram desarmônicos
Guiando as fantasias, geringonças

Diversas das que tanto concebi
E o peso me envergando não permite
Se crer nalguma luz pós o limite
E dele não retorno mais aqui.

Esgarçam-se os meus últimos momentos
Em furiosas sendas, vago em vão
E sendo o meu destino o de um senão
Que tanto se perdera sem alentos

Espraiam-se os delírios numa tenda
Diversa da que o sonho inda desvenda...

25553

Ao ver especular imagem minha
Desnudada figura envelhecida
Marcada pela angústia de uma vida
Que sei ser tantas vezes tão daninha

E quando a morte chega ou se avizinha,
A sorte se anuncia desprovida
De toda a maravilha e a despedida
Sem lágrimas aos poucos se adivinha.

Descrevo a minha senda sem pudores
E vejo após as chuvas, tentadores
Caminhos que me levem ao passado,

A juventude; esqueço em algum canto
E sinto do final doce acalanto
Momento tão temido e desejado...

25552

Tomado por encanto, adoradores
Dos mais diversos deuses encetando
Caminho tantas vezes duro, brando,
E nele seus poderes redentores,

Quem dera se somente fossem flores,
A espada muitas vezes desnudando
Na farsa de um cenário aonde um bando
Mergulha e dissemina seus terrores,

Aonde poderia crer que um Deus
Gerasse ao mesmo tempo o ledo adeus
E a fúria invés de amor entre os irmãos?

Somente numa mente doentia
A morte salvadora se faria
Tornando os nossos dias toscos, vãos...

25551

Só isso, simplesmente, já me acalma
Saber dos meus fantasmas e enfrentá-los
A mão se lapidando em tantos calos,
A cada nova queda, novo trauma,

E sinto que se perdem dentro da alma
Momentos de raríssimos regalos
Sabê-los e vivê-los mesmo amá-los
É conhecer da vida toda a palma.

Mas sendo tão servil e insano creio
Tempestuoso mundo verte anseio
E nele me entranhando solitário,

Vestindo a falsa imagem que ora crio
Viver é com certeza um desafio
Um passo no vazio, temerário...