sexta-feira, junho 23, 2006

Calça de veludo ou bunda de fora

Carta aberta ao senador Arthur Virgílio

Vi com perplexidade o depoimento de V.Exa. na tribuna do Senado na noite de ontem. Mais uma vez utilizando-se de bravatas e agora numa atitude de chantagem explícita, o senhor desafia o Ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, a derrubar o laudo da Polícia Federal que atesta a autenticidade da "lista de Furnas" num prazo de 24 horas, caso contrário "ele vai ver o que é bom prá tosse". Fica clara a tentativa do senador em tentar evitar a apuração das denúncias de caixa dois tucano nas eleições de 2002.
Desde o aparecimento das cópias da famosa lista, V,Exa. e vários outros tucanos de alta plumagem, tentam desqualificá-la, assim como tentaram fazer com a lista de Cláudio Mourão, que além de demonstrar o imenso caixa dois na campanha à reeleição do então governador Eduardo Azeredo, mostrou a utilização na mesma de recursos públicos oriundos de empresas estatais e o nascedouro do valerioduto. A tática foi a mesma utilizada agora: desqualificar o denunciante, falar em falsificação e, quando da comprovação da autenticidade da assinatura e de que não houve montagem, tentar se passarem por vítimas de perseguição da Polícia Federal.
O senhor senador que ameaçou até bater no presidente, me processar, dar prazo de 24 horas para o ministro dizer que a lista é falsa, não mostra a mesma valentia contra o autor da lista. Se, como diz V.Exa. a lista é falsa, a responsabilidade é somente dele, afinal o laudo comprova ser verdadeira a sua assinatura e também não haver montagem. Porque então não processa o Sr. Dimas Toledo? Estaria o senador com medo da verdade?
A bravata e a chantagem de V.Exa., na tentativa de intimidar e sufocar a apuração, pode acabar sendo um tiro no pé. Que Furnas, através de Dimas Toledo, sempre foi utilizada como fonte de arrecadação para as campanhas tucanas, todos aqui em Minas já sabiam, embora até então não fosse ainda comprovado. Era um verdadeiro segredo de polichinelo. Resta agora à PF tornar público o laudo e avançar nas investigações. O ministro é um homem honrado e a Polícia Federal tem atuado com total isenção e liberdade. Nunca se apurou tantos crimes como agora, coisa impossível de acontecer em governos tucanos, que se especializaram em varrer a sujeira para debaixo do tapete..
Por fim, é bom se lembrar que Nilton Monteiro falou que além do original da "lista de Furnas", já apresentado e periciado como verdadeiro, ele possui recibos assinados pelos beneficiados pelo esquema. E é bom não duvidar pois, foi através de suas denuncias, que se desbaratou o grande esquema de corrupção do então governador capixaba (também tucano) José Ignácio e se mostraram mentirosas as versões de Cláudio Mourão, Eduardo Azeredo e agora Dimas Toledo. A verdade virá à tona!
Rogério Correia Deputado estadual

Observa-se, como sempre, a tentativa desesperada de se evitar, a qualquer custo, o aprofundamento das investigações sobre a Lista de Furnas pois, comprovando-se a veracidade desta, temos um fato extremamente grave, similar ao que foi criado pelo deputado-escroque “Comendador” Bob Jefferson; coincidentemente partícipe dos dois “esquemas”.
O agravante desse escândalo ligado à estatal é o fato de, além de termos nomes de muito maior penetração que os chamados mensaleiros petistas, termos também o envolvimento de uma Estatal nesse caixa dois.
Demonstrando, portanto, a participação de dinheiro público em tal esquema.
A comprovação da veracidade da lista nos trás uma interessante observação a ser feita. Um dos argumentos usados contra a veracidade da mesma é de que inclui o nome do filho de Dimas Toledo nela.
Argumentava-se ser, essa inserção, uma evidência de falsificação, pois nenhum pai colocaria o nome do filho em tal listagem.
Portanto, confirmando-se a veracidade desta lista, temos o efeito contrário. Realmente, partindo do pressuposto de que Dimas Toledo não é louco nem quereria comprometer, aleatoriamente, seu filho, temos que a lista demonstra REALMENTE quem recebeu dinheiro de caixa dois.
INCLUSIVE O FILHO DO PRÓPRIO DIMAS.
Os recibos, aliados a esse fato e à confissão do “Comendador” Bob, nos dão a real dimensão da veracidade de tudo.
Agora o que mais irá se ouvir é o famoso: “Eu não sabia”, já iniciado por Eduardo Azeredo.
Isso não justifica nenhum erro, nem serve de consolo, apenas serve para que todos, inclusive os homens de bem do governo e da oposição, lutem veementemente para a reforma política.
Senão, nada disso terá servido para algo produtivo.
Quem nasceu primeiro não interessa, o fato é que temos em todos os partidos, inclusive no “santificado” PPS das propagandas eleitorais gratuitas, a maldição do caixa dois de campanha.
Ou calça de veludo ou bunda de fora.
Reforma política ampla e uma luta pela ética na política. Urgente e sem falsos moralismos.
Não cabe defender nossos erros, somente não podemos deixar que pareça à sociedade que somos os únicos errados.
A demonstração da trava no olho de outrem não justifica a nossa, mas precisamos colocar os pingos nos iis para que não sejamos crucificados pelos erros de todos.
Inclusive e principalmente pelos neo-virgens, pois nenhuma cirurgia plástica irá restituir a integridade de um ACM da vida, nem de um Arthur Virgílio.
O que temos é que exigir, enquanto democratas, um novo código ético e moral na política brasileira, sob pena de termos de que agüentar o “porco falando do toucinho”, degradando cada vez mais a poluída imagem que os políticos nos oferecem.

Suco de Jabuticaba...

Em Espera Feliz, tenho um grande amigo, um dos melhores fisioterapeutas que conheci, sujeito íntegro, honesto, de uma serenidade invejável.
Já quase cinquetão, toda semana faz uma via crucis, de Espera Feliz até o interior do Estado do Rio, onde moram sua filha e sua esposa.
A opção sacrificante pela melhor qualidade de estudo e de base financeira para a filha, segue-se há mais de dez anos; mas o meu querido amigo não reclama, fazendo semanalmente o percurso sem nem ao menos demonstrar cansaço.
Pertencente a uma Igreja evangélica extremamente rigorosa com relação a hábitos como o de beber, de fumar ou de comer carne de porco, nosso amigo é um dos missionários mais assíduos e respeitados dessa Igreja.
Pois bem, um belo dia, ainda no período em que sua esposa morava em Espera Feliz, me recordo de um convite que eles me fizeram para visitar a casa nova que haviam alugado.
Convite regado a um delicioso churrasco e a refrigerantes, aos quais, como abstêmio, não fiz nenhum reparo.
Mas, lá pelas tantas, animado com uma receita de “suco” de jabuticaba que obtivera de um conhecido cafeicultor da região, fui convidado a tomar um copo de tal maravilha.
Realmente estava muito gostoso, supimpa mesmo.
Conversa vai, conversa vem, suco pra cá, suco pra lá, a cabeça começando a girar, a música ficando mais alta, a animação também, resolvi perguntar ao meu amigo como se fazia tal delícia.
A resposta veio rápida e elucidativa:
“Marcos, pegue dez litros de jabuticaba, coloque dez quilos de açúcar, deixe em uma vasilha grande por vinte dias, depois é só coar, deixar na geladeira e beber”.
Realmente, tinha descoberto uma receita maravilhosa para se fazer um licor de jabuticaba.
Não devia, nem podia, mas esclareci ao meu amigo dos poderes maravilhosos da alcoólica bebida.
Espantado, a partir daquele dia, o suco de jabuticaba continuou freqüentando sua geladeira, mas sem os fundamentais vinte dias de fermentação...

Ao muriaense de fibra, em todos os sentidos.

Lula anuncia Alencar como vice
De Lisandra Paraguassu na Agência Estado:
"Embora não tenha anunciado formalmente a sua candidatura à reeleição, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva acaba de confirmar, em Chapecó (SC) que o vice-presidente José Alencar é o seu candidato a vice na chapa que disputará em outubro. Lula disse que aprendeu com o futebol que em time que está ganhando não se mexe. Ao ser perguntado se já teria conversado com Alencar sobre o assunto, Lula disse que nem precisava, porque Alencar já é vice dele, "um grande empresário e grande companheiro".


A escolha de Jose Alencar para repetir a chapa vencedora em 2002 não é nada mais nada menos do que a configuração de um ato de justiça e de bom senso.
José Alencar tem se demonstrado um companheiro fiel e amigo, em todos os momentos, mesmos nos mais difíceis.
Sua importância como maior empresário de Minas, dá o lastro que Lula necessita para continuar sendo visto sossegadamente pelos empresários nacionais e estrangeiros, inclusive os verdadeiros investidores que trazem capital não especulativo para o Brasil.
José Alencar, mineiro de Muriaé, meu conterrâneo, portanto, tem uma história muito parecida com a de Lula.
De origem humilde, na pequena Rosário de Limeira, hoje município, mas à época pequeno distrito de Muriaé, começou como balconista de loja, tendo sua biografia descrita desta forma:
“José Alencar Gomes da Silva nasceu num povoado às margens da pequena Muriaé, Minas Gerais, em 17 de outubro de 1931. O décimo primeiro filho de um total de 15 descendentes do casal Antônio Gomes da Silva e Dolores Peres Gomes da Silva.
O trabalho veio cedo e já aos sete anos, José Alencar estava atrás do balcão da loja do pai. Em 1946, aos 15 anos, Alencar deixou a casa dos pais e foi para cidade trabalhar como balconista na loja de tecidos "A Sedutora". A vida na cidade não era fácil já que o pouco que ganhava não era suficiente para pagar um quarto.
Dois anos depois, em maio de 1948, José Alencar muda-se para Caratinga. Consegue seu segundo emprego na "Casa Bonfim" e, em pouco tempo, é considerado o melhor vendedor da loja, título que já havia recebido em sua primeira experiência em Caratinga.
Quando completou 18 anos, seu irmão mais velho, Geraldo Gomes da Silva, lhe emprestou 15 mil cruzeiros para que ele pudesse abrir seu próprio negócio. Foi então que em 31 de março de 1950, José Alencar abriu sua primeira empresa, "A Queimadeira", situada na Avenida Olegário Maciel, 520, no Barro Branco, em Caratinga.
Morar na própria loja, "atrás da prateleira", e comer marmita fazia parte do esforço para baixar os custos e tornar competitiva a lojinha que vendia quase tudo: tecidos, calçados, chapéus, guarda-chuvas, e sombrinhas. Sempre contando com o apoio dos irmãos, José Alencar manteve sua loja até 1953, quando decidiu vendê-la e mudar de ramo.
José Alencar inicia seu segundo negócio na área de cereais por atacado, ainda em Caratinga. Logo em seguida participou - em sociedade com José Carlos de Oliveira, Wantuil Teixeira de Paula e seu irmão Antônio Gomes da Silva Filho - de uma fábrica de macarrão. Era a Fábrica de Macarrão Santa Cruz.
Ao fim de 1959, morre Geraldo, seu irmão. José Alencar assume, então, os negócios deixados por Geraldo na empresa União dos Cometas. Em homenagem ao irmão, a razão social foi alterada para Geraldo Gomes da Silva, Tecidos S.A.
Em 1963, José Alencar construiu a Cia. Industrial de Roupas União dos Cometas, que mais tarde passaria a se chamar, Wembley Roupas S.A.
Em 1967, em parceria com o empresário e Deputado Luiz de Paula Ferreira, Alencar fundou, em Montes Claros, a Companhia de Tecidos Norte de Minas, Coteminas. Em 1975, José Alencar inaugurava a mais moderna fábrica de fiação e tecidos que o país já conheceu.
A Coteminas cresceu e hoje são 11 unidades que fabricam e distribuem os produtos. São fios, tecidos, malhas, camisetas, meias, toalhas de banho e de rosto, roupões e lençóis para o mercado interno, para os Estados Unidos, Europa e Mercosul.
Na vida política, José Alencar foi presidente da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais, presidente da FIEMG (SESI, SENAI, IEL, CASFAM) e vice-presidente da Confederação Nacional da Indústria. Candidatou-se às eleições para o Governo de Minas em 1994 e, em 1998, disputou uma vaga no Senado Federal, elegendo-se senador por Minas Gerais com quase três milhões de votos.
No Senado, foi presidente da Comissão Permanente de Serviço de Infra-Estrutura - CI, membro da Comissão Permanente de Assuntos Econômicos e membro da Comissão Permanente de Assuntos Sociais.”
Os paralelismos entre esta biografia e a de Lula, demonstram o quão acertada foi a escolha deste mineiro de origem humilde, quase nordestina, para a vice-presidência. Tanto da primeira quanto desta vez.
Num momento em que o empresariado brasileiro, em sua grande maioria, fugia da candidatura socialista de Lula, Alencar se aproximou a ponto de querer se filiar ao PT, fato esse inibido pelo próprio Lula, que buscava com Alencar, aumentar a participação no horário político.
Hoje, quatro anos após, temos em Alencar um dos mais fiéis companheiros, bem mais digno da participação do poder ao lado de Lula do que “companheiros” antigos que se retiraram do barco, acreditando que a canoa estava furada.
A dignidade de José Alencar, homem para quem a política não muda em nada nem seu patrimônio nem sua imagem de homem vitorioso, é uma coisa que merece registro.
Além do mais, a presença de um mineiro no poder é de vital importância para o equilíbrio político do país, fato já detectado por outros mineiros ilustres, como Itamar e Aécio Neves.
A garantia de um governo com maior participação dos empresários que geram empregos, assim como Alencar, é uma garantia a mais não somente da governabilidade, mas também do desenvolvimento e do crescimento do país, tanto economicamente como socialmente, se nos atentarmos para o fato de que temos, tanto o presidente quanto o vice, de origem proletária.
Aliás, para quem conhece Muriaé e suas oligarquias, sabe o que significa para o povo dessa região, o orgulho de ter um vice-presidente da república, distante das oligarquias dos Canedo, Varela, entre outras...
Resta ao povo muriaense, homenagear seu mais ilustre conterrâneo com uma votação expressiva nessa eleição que se avizinha.
Meus parabéns José, mais um José brasileiro, cuja biografia enche de orgulho a todos os que lutam e batalham por um Brasil melhor.

Meus tempos de criança - de um filé de peixe inesquecível.

Uma vez, quando estávamos em Muriaé, num desses dias de verão insuportáveis, o corpo suando em bicas e ventiladores ligados pela casa afora, num janeiro interminável e intenso, chegou à minha casa, o “seu” Valter, amigo do meu pai.
Trazia uma porção de cascudo, deliciosamente perfumada e com um aspecto agradabilíssimo.
Junto com o peixe, trazia a recomendação do meu pai para que ninguém comesse antes dele chegar, fato que se daria lá pelas cinco ou seis horas da tarde.
Para quem não conhece cascudo é um dos mais saborosos peixes de água doce, quase sem espinhos, tendo um paladar único e macio.
O filé de cascudo é uma das iguarias que mais apreciei e aprecio, sendo de um paladar melhor do que o das trutas e salmões que conheci bem mais tarde.
Estávamos sentados a mesa do almoço, eu, minha mãe, minha irmã e minha prima, Patrícia, hoje renomada odontóloga de Muriaé.
Aquele cheirinho, aquele filezinho olhando para a cara da gente, quem iria resistir? Nem você nem nós.
Com arroz branco, começamos a devorar aquele peixe levemente apimentado com sua carne macia e apetitosa.
Recordo-me de minha irmã, Andréa Cristina, palitando os dentes com aquele espinho diferente, não tão achatado quanto o do cascudo, meio que afilado, detalhe imperceptível diante da maravilha que degustávamos.
Meu pai, ao chegar, percebera que sobraram somente dois pedaços, dos vários que “seu” Valter trouxera.
Para nosso deleite, ao ver o que restara, afirmou que estava meio sem apetite e que comêssemos o restante, sem problema.
Minha irmã ficou com um pedaço e eu com o outro.
Fomos dormir, depois disso, satisfeitos como dois paxás.
Mal amanhecera o dia, o pau quebrou entre meu pai e minha mãe.
Essa, com a voz elevada, reclamava e praguejava a torto e a direito.
Ao se esclarecer a situação, soubemos o motivo de tal ira.
Seu Valter, como bom espírita, não comia carne vermelha e havia dito ao meu pai das delícias da carne de cobra, avisando-o que, assim que matasse uma jararaca, iria pedir para sua esposa para fazer uma porção.
Meu pai, temeroso de que minha mãe jogasse prato com cobra e tudo fora, avisou ao amigo que levasse, mas não se esquecesse de dizer que era cascudo e que solicitasse para que não comêssemos antes de sua chegada, a fim de esclarecer e impedir que a gente degustasse tal iguaria.
Ao chegar em casa e ver que não sobrara quase mais nada da refeição, alegara mal estar e deixou para quem quisesse os últimos nacos do “cascudo”.
Esperara o dia amanhecer para explicar à Dona Osília o que acontecera.
O pior de tudo foi que, algumas semanas depois, “Seu” Valter, sabedor do sucesso feito pela jararaca, resolveu trazer uma posta de sucuri, devidamente rechaçada por minha mãe e pela sua secretária, sob a ameaça da mesma de “pedir demissão e nunca mais trabalhar naquela casa de loucos”.

Meus tempos de criança - da madeira de dar em doido

Meu avô era proprietário de uma serraria, em Mirai, Minas Gerais, terra de Carmita Loures e de Ataulfo Alves.
Eu me recordo que, quando criança, adorava brincar com a serragem a qual chamávamos de pó de serra. Era uma delícia pular sobre aqueles montes que se formavam, quando se serrava uma tora de madeira.
A coceira que vinha depois, resultado de tais brincadeiras, nem de longe incomodava.
Eu era feliz e nem sabia.
Mas, um dia, para espanto de minha mãe, sempre zelosa com a limpeza, entranhou-se um odor insuportável na casa.
Por mais que ela varresse e lavasse a casa, a inhaca de esgoto não se dissipava.
Dona Osília, minha mãe, como toda mãe mineira era extremamente zelosa e cuidadosa com a casa.
Qualquer sujeira perdida em um canto da casa era motivo de apreensão e irritação. Recordo-me que, aos sete anos de idade, ao escrever sobre a mãe, no dia dedicado a elas, descrevi-a como uma “barata tonta”; o dia inteiro envolvida com as aulas no colégio, onde lecionava História, e a casa, onde refazia boa parte do trabalho que fora executado pela secretária da época.
Pois bem, a limpeza já se repetia várias vezes, quando percebi meu pai sorrindo, matreiramente, no canto da sala.
Aquele sorriso denunciava o mal feito. Meu pai era extremamente brincalhão e alguma ele tinha aprontado.
Passaram-se uma, duas, três horas e o cheiro continuava, para apreensão de minha mãe, justificando um olhar maroto do meu pai.
Depois da janta, fomos dormir.
De repente, acordei com a minha mãe reclamando em altos brados.
Perguntei o que tinha acontecido e a resposta veio rápida.
Naquele dia, tinham cortado na serraria, uma madeira chamada de canela. Mas não era uma canela comum, dessas parecidas com a Gabriela de Jorge Amado não.
A canela em discussão, era uma madeira que tinha uma característica única.
O odor exalado pela madeira, ao ser cortada, era profundamente desagradável e justificava o nome popular da dita madeira.
Meu pai, depois de cansar de ver minha mãe exasperada, resolvera, enfim, explicar a origem da inhaca insuportável e inexterminável.
“Osília, a tora que foi cortada hoje, é a de canela-bosta.”

De vinganças e vinganças

Um dos maiores parasitas que existem é o conhecido “colunista social”. Escravo e bobo da corte, é vitima e o carrasco das conhecidas “socialites”.
A maior parte das vezes é convidado para as festas da high society, tendo como característica marcante, o olhar ferino e agressivo contra alguma pessoas, principalmente aquelas que não lhe satisfazem os desejos de fama, poder ou simplesmente narcisistas.
Em contrapartida, as que cedem aos seus caprichos são tratadas a pão de ló, tendo o rosto estampado com legendas elogiosas a cada semana ou a cada evento em que estas personalidades estejam.
Mauricio Flavio era um dos mais conhecidos colunistas sociais da cidade de Pintassilgos, no interior mineiro.
Tendo em Amaury Jr, seu principal ídolo, tentava ser simpático com a maior parte dos ricaços do local, sendo cruel com aqueles que não tinham “origem” na tradicional família pintassilguense.
Os novos-ricos, então eram vítimas de sua língua ferina, mesmo nos elogios, não se esquecia dos pequenos detalhes que, invariavelmente, demonstravam a origem camponesa ou proletária da personagem escolhida por Mauricio Flavio para ser esculachada.
Marieta herdara de seus tios uma propriedade rural de fazer inveja a quem quer que seja. Nos seu quase mil alqueires de terra, desfilavam mais de mil cabeças de gado, além da produção de café, uma das maiores do sul de Minas.
Não que fosse uma nova rica típica, isso não. Mas, sua filha, no auge da adolescência e deslumbramento, resolveu fazer uma festa de quinze anos.
A mãe, que tinha mudado para a cidade fazia pouco tempo, relutou em fazer a tal festa mas, sob a influência das companheiras de salão e das amigas de sempre, rendeu-se aos apelos da menina.
A festa fora um esplendor de fartura para todos os gostos, inclusive para a língua afiada de Mauricio Flavio.
Entre os convidados, obviamente, vieram os parentes de marie ta, todos oriundos da zona rural. As misturas de estilos se tornaram evidentes.
Como não poderia deixar de ser, Mauricio Flavio estava entre os meio convidados meio penetras que vieram na carona de alguns amigos da filha da dona da casa.
Marieta não lia as colunas sociais, isso nunca. Mas, como a festa da filha fora anunciada como uma das atrações da maldita coluna, teve o desprazer de perder seu tempo lendo as matérias publicadas pelo “dengoso” mauricinho.
A festa foi desancada do começo ao fim, com críticas vorazes e ferozes contra a “Família Buscapé”, tendo como máxima , a falta de gosto e de estilo da dona da casa e de sua filhota, “exemplo de como não se deve portar a juventude cocoteira e baladeira”. Entre outras coisas, a decoração da casa foi tema de agressivos e preconceituosos comentários do colunista.
O calor começou a subir às ventas de Marieta que, no auge da ira, planejou sua vingança.
Sabendo da sede de poder do adamado colunista, mandou flores para este em agradecimento aos comentários postados no jornaleco.
Este cuja megalomania não permitia discernir nada, agradeceu e encantou-se com tal atitude.
Passaram a trocar correspondências e telefonemas.
Depois de uns três meses de intensas intimidades, Marieta preparou-lhe a arapuca.
Convidou a toda a cidade para uma festa em homenagem a Mauricio Flavio.
Orgasmos múltiplos não dariam a dimensão exata do prazer proporcionado a este pela notícia.
Esquecera, a muito, das críticas impostas a sua nova amiga.
Enquanto essa estava se firmando como uma das maiores fortunas da região, Mauricio a cada dia se encantava mais com Marieta.
No dia da festa, um luxo só. A casa fora toda preparada para a recepção, inclusive com música ao vivo, cantor famoso, em fim de carreira, mas conhecido.
Aquilo tudo estava fantástico. O nosso colunista estava em lágrimas, verdadeiras lágrimas de emoção e felicidade.
Lá pelas tantas, Marieta, pediu a palavra e em tom de agressividade, para surpresa de todos começou a desfiar :
-Esse imbecil que se chama Mauricio Flavio, puxa saco dos ricos, achou que eu ia me esquecer do que ele fez com a minha filha. Convidei vocês para que saibam o quanto esse vagabundo sanguessuga vive das fofocas e intrigas, muitas das quais ele mesmo inventa para extorquir dinheiro ou vantagens pessoais.
Eu não preciso desse tipo de gente, dessa bichinha safada que vive fingindo que tem namorada, somente para esconder o fato de estar saindo com o meu meeiro, Zé Trindade; ou você pensa que eu não sei disso?
Aliás, eu não preciso de seus elogios ou críticas, eu posso e faço o que eu quiser, não quero você, sua lombriga asmática nem aqui em casa e nem no meu jornal.
Pois é seu babaca, acabei de comprar o jornaleco onde você trabalhava e, para que todos saibam você está demitido desta casa e do jornal. Suma!
Ao que, o choroso colunista, meio de banda, humilhado mas com a cabeça incrivelmente erguida responde:
-Caipira, caipira, caipira! E ainda por cima, GORDA!