segunda-feira, agosto 21, 2006

Nasci na batucada dessa vida

Nasci na batucada dessa vida,
Em pleno carnaval, sem esperanças.
A marca dum cigarro foi tingida,
A primeira e mais forte das lembranças...

Minha mãe, colombina noutra lida,
Fazia cada noite mais crianças.
Suas pernas abertas, foi tangida
Feito gado, nas danças, contradanças...

A velha prostituta enfim morreu,
Tuberculose escarra podridão.
Desses dez que pariu, sobreviveu

Um só moleque, feito solidão,
Minha sorte vadia, feito meu.
É que inda vou cuspir nesse teu chão.

Bêbado da saudade de Maria

Bêbado da saudade de Maria,
Vou fechando boteco após boteco.
Noite raia, clareia novo dia,
Os meus passos trocando, paro, breco.

Saberei do conhaque, tanta orgia,
Meus suores e lágrimas, eu seco.
Eu confundo verdade e fantasia,
Nem deu tempo: saí com meu jaleco.

O meu nome estampado, qual crachá,
Denuncia que estou de sobreaviso.
Dane-se, quem irá se preocupar?

Pelas escadas, caio, vou, deslizo;
Pior, essa cachaça é d’amargar!
Morrer agora é tudo que eu preciso!

Minha alegria é faca, corta fundo

Minha alegria é faca, corta fundo.
Dilacera qualquer que tenha medo.
Vagueando, penetra todo o mundo,
Na ponta dessa faca, meu segredo.

Nas marés cheias, enche tudo, inundo...
Faca foi amolada, no degredo.
Temperada a coragem, vagabundo,
Nas tardias da vida, cortou cedo.

Faca vadia, trava guerra à toa.
Embarca na arapuca preparada
Por essas mãos, as mesmas, que canoa

Fizeram virar, tomba marejada.
Inda por cima, fala: faca boa!
Minha alegria, faca enferrujada...

Tercetos - Eu não te quero, apenas te desejo

Eu não te quero, apenas te desejo,
Na minha solidão, guardo teu beijo.
Um retrato deixado na parede...

Tantas vezes sonhei, mas nem recordo,
Apenas navegar, contigo a bordo.
A garrafa demonstra minha sede...

Eu já não mais anseio, nem quero ter,
Tanto me faz ganhar ou te perder.
Quem sabe, poderei me libertar.

Cada momento segue sem depois,
Não quero mais teus beijos, um ou dois.
Talvez Deus permitisse, enfim sonhar...

Trovas - A Minha Amada

Um canto na madrugada,
Traz um gosto de tristeza...
Saudade da minha amada,
Levito nessa beleza...

Silencio sobre tudo,
Não quero falar mais nada...
Vou calado, sigo mudo,
Esperando minha amada...

Não sei falar mais de dor,
Caminho sempre n’estrada,
Estrada do meu amor,
Estrada da minha amada...

Na curva dessa saudade,
Capotei, curva danada...
Vou viver felicidade,
Nas curvas da minha amada...

Trago meu peito cansado,
Minha mão, no peito, atada...
Peito bate des’perado,
Saudades da minha amada...

Menina quero teu colo,
Deixa de ser tão levada;
Vou te deitar neste solo,
Te fazer a minha amada...

Eu nem sei de valentia,
Nem quero cair da escada;
Seja noite ou seja dia,
Eu só quero minha amada...

Vergalhão cortou bem fundo,
Sangria desesperada;
Quer dor maior nesse mundo?
Distância de minha amada...

Vento ventou no telhado,
Chuva caiu na calçada.
Triste sina, triste fado,
Procuro por minha amada...

Toda fumaça que eu trago,
Vai subindo espiralada.
No pulmão faz tanto estrago,
Volta pra mim, minha amada!

Não quero nem mais viver,
Vida vai descontrolada.
Procurando, por você,
Sem encontrar; minha amada...

Quero poder noutro dia,
Estar co’alma lavada.
Oh! Meu Deus, como eu queria,
Saber de ti, minha amada!

Tanta maldade na terra,
Voa então, minha alma alada,
Sobe morro, desce serra,
Procurando a minha amada...

Lavei meus olhos tristonhos,
Na poça d’água parada.
Vou sonhar todos os sonhos,
Até sonhar minha amada...

Amor me pegou de banda,
Escondido, de empreitada;
Lua daqui, de Luanda,
Traz para mim, minha amada...

A moça bonita dança.
Moça da saia rodada;
Coração traz esperança,
Da dança da minha amada...

Pedra faz onda no rio,
Depois de ter sido lançada;
Vou vivendo o desafio
De ondear minha amada...

A safira dest’anel,
Aonde foi encontrada?
Olhei pra terra e pro céu,
Encontrei a minha amada...

Diamante traz riqueza,
Jóia muito procurada;
Mas muito maior beleza,
Nos olhos da minha amada...

No sertão cantando primas,
Tem viola enluarada;
Encontrei todas as rimas,
Nos lábios da minha amada...

O que presta nessa vida,
Nunca foi coisa comprada;
Minha alegria perdida,
Encontrei na minha amada...

Tanta verdura gostosa,
Delas fiz uma salada.
Vida vai maravilhosa,
Nos beijos da minha amada...

Serpenteia minha sorte,
A vida é carta marcada.
Jogo pesado, de porte,
Aposto na minha amada...

Vaso duro não se quebra,
Nem fica a casca arranhada;
Tão lindas, quando requebra,
As ancas da minha amada...

É de Deus a escolhida,
Foi, por ele, abençoada.
Nunca mais quero outra vida,
Nos seios da minha amada...

Canto cantiga de roda,
Samba, bolero e toada.
Planta crescendo na poda,
Quero colher minha amada...

Cantor que canta forró,
Canta xote e embolada;
Nada no mundo é melhor,
Que os braços da minha amada...

Quando cheguei lá de Minas,
“Truce” queijo e até coalhada.
“Truce” coisas tão divinas,
Só num “truce” minha amada...

Da chuva eu sou só um pingo,
Mas você quer trovoada.
Quando choro, esse respingo,
Vai molhar a minha amada...

Toda essa reza que eu rezo,
Na Igreja ou na orada.
Tudo que eu deveras prezo,
Encontro na minha amada...

Na vida perdi o freio,
Capotei numa guinada.
A vida me pôs arreio,
Nas pernas da minha amada...

No circo triste da vida,
Eu perdi a minha entrada.
Só encontrei despedida,
Só me restou minha amada...

Eu sofri tanto, bem sei,
A vida me deu esporada.
Aqui, ao menos sou rei,
No reino da minha amada...

Chora cavaco chorão,
A noite vai embalada.
Vai chorando o coração,
Lágrimas de minha amada...

Dançando xote e baião,
Danço até uma lambada.
Só não danço solidão,
Peço perdão, minha amada...

Errei demais, eu sei bem,
Minha vida é toda errada.
Sem você não sou ninguém,
Me desculpe, minha amada...

Feira boa é a que tem,
Muita coisa variada.
Só não encontro meu bem,
Onde estás, ó minha amada?

Te procurei num castelo,
E não passei da fachada.
Todo dia, então, eu velo,
Na busca da minha amada...

Eu tentei cantar um hino,
Vitrola tá enguiçada.
Quem me dera ser menino,
Para cantar minha amada...

Com varinha de condão,
Eu encontrei minha fada.
Só me restou ilusão,
Encantar a minha amada...

Trabalhei por tanto tempo,
Cavoucando com enxada.
Mas foi tanto contratempo,
Onde “plantei” minha amada?

Já tive tanto revés,
Eta vidinha azarada!
Lavei navio e convés,
O mar levou minha amada...

Mulher ficando nervosa,
Entra muda e sai calada.
Mas feliz, fica bem prosa,
Fala pra mim, minha amada...

Lá na casa que eu morava,
Dizem que é mal assombrada.
Mas era eu quem chorava,
Só por você minha amada...

De tanto amor nessa vida,
Eu a levo endividada.
Vou fazer a despedida,
Já cansei da minha amada!

Meu amor aqui tão só Trovas

Meu amor aqui tão só,
Espero por teu carinho;
Canta triste curió,
Tenta fazer o seu ninho...

No cantar duma graúna,
Encontrei meu bem querer;
É forte como braúna,
O meu amor é você!

Na viola canto primas,
Minhas primas, vou cantar;
Vou brincando com as rimas,
‘Té o tio reclamar!

Sei o gosto da tristeza,
Agostos quase setembro;
Maria foi a beleza,
Que eu encontrei em dezembro...

As marcas do meu passado,
Ficaram no que vivi;
Meu amor foi encontrado,
Jogado no CTI...

Amor que me traz saudade;
Isso digo, e ponho fé,
Doce coceira que arde,
Parece bicho de pé...

Trovas

Vi meu barco na calçada,
O meu carro foi pro mar;
A minha mulher amada,
Vive escondida ao luar...

O que quero sei de cor,
Mas não sei se isso é verdade;
A catinga da Loló,
Apaixonou o compade...

Aninha, quando menina,
Andava sempre fagueira;
Tentava dobrar esquina,
Banho de sol? Na fogueira...

Belinha é muito bacana,
Todo mundo sempre diz;
Eta garota sacana!
Mas bem sabe ser feliz...

Não sou mais que cercania,
Quem me dera ser divisa;
Não consigo ver o dia,
Quero sentir doce brisa...

Poemas. não sei fazer,
De rimas não sei falar;
Meu amor, cadê você?
A procuro no luar...

A lua que brilha aqui,
Não é a mesma de lá;
Pois na terra onde nasci,
Rouba luz do teu olhar...

Quando nasceste, Ritinha,
Toda terra festejou;
Relampeou, de noitinha,
Até Deus comemorou!

Meu amor não tem segredo,
Nem precisa de recado;
Com você perco meu medo,
Coração descompassado...

Num momento infeliz tu me disseste

Num momento infeliz tu me disseste,
Que poderia até, de mim, gostar.
Achei, por um segundo, ser um teste,
Não cria ser possível. Me enganar!

Por horas, dias, meses, sul e leste,
Em todos os lugares; só pensar
Nisso... Hoje percebi que o que fizeste
Fora somente chiste. Devagar,

A vida transformada em maravilhas,
Sonhando sem, ao menos, ter mais medo...
Voando sem ter asas, novas trilhas...

Conhecer, sentir, todo esse segredo!
Naufragar nas mais belas dessas ilhas...
Agora sei, retorno ao meu degredo...

Minha mansidão luta ferozmente

Minha mansidão luta ferozmente
Contra as dores cruéis. Minhas entranhas
Latejando; senil vai minha mente,
Buscando, temerária, tuas manhas.

Em muitas outras horas, fui contente.
O preço: em minhas costas, tantas lanhas...
Por outro lado, sendo continente,
De todas as maneiras, sempre ganhas!

Fingi ser bem mais forte do que creio,
De nada adiantou tanto disfarce,
Não consegui sentir, palpar teu seio,

Somente dar um beijo em tua face...
Quem dera conhecer, tão rico veio.
Talvez soubesse, assim, como te lace...

Contra senso

A podridão do corpo começara,
Sentira o gosto azedo, fecalóide,
As mãos se decompunham, já notara.
Do cérebro porções dum alcalóide

Esparramavam pelo chão... U’a vara,
Logo atravessaria seu mastóide,
Deixando à mostra tudo que almoçara.
Sentia-se zumbi, talvez andróide.

Mas nada de chegar a morte santa,
Redentora de tanto sofrimento.
A cabeça rodando, se levanta;

Cai em seguida. Pútrido, seu mento
Abrira tantas fendas... Ele canta
Incrivelmente, goza co’o tormento!

Estrada empoeirada, tão distante

Estrada empoeirada, tão distante,
Seguindo sempre a esmo, sem chegada.
O rumo que procuro: p’ra adiante,
Para onde irei, nem quero saber nada...

No passado pensei que era gigante,
Mas a vida mostrou como era errada
E cega essa visão toda embaçada.
Percebi, sei que tarde: ela é mutante...

Não quero mais ninguém a minha espera,
Nem pai, nem mãe, amores, sina fado...
As curvas dessa estrada, torpe fera...

Sem ter ninguém nem nada, des’perado...
Coração deu lugar: uma cratera,
Sem teu amor, morrer; rumo traçado!

Soneto com estrambote - Fechadura

Logo que chegas, vindo de onde vens,
Procuras ao entrar, a fechadura...
A chave introduzindo... Parabéns!
Acertaste sim, mesmo noite escura

Não impediu tal glória! Sei que tens
A mansidão divina da brandura...
Mas, irado, ferido nos teus bens
Ou no brio feroz, tal armadura

Demonstra tua raiva sem sentido!
O que fora brandura se transforma,
A mansidão, deixaste pelo olvido...

Com tanta estupidez, de bruta forma,
Tu tentas penetrar, estás perdido,
Pois logo, sem porque, tudo deforma...

Aquele “bravo” sujeito,
Mais calmo, fica besteiro...
Diz, lá no fundo do peito:
Meu reino por um chaveiro!

Soneto com estrambote - Vassoura

Quando chegas na casa abandonada,
Sem ter ninguém, por muito tempo, triste.
Percebes ao chegar, logo n’entrada,
Que nada mais cruel no mundo existe...

Da porta vês a sala empoeirada,
Nos quartos; só sujeira é que resiste.
Sozinha; neste canto, desprezada,
Sou lembrada enfim, cedo tu me viste...

Então, começarás limpar sujeira,
Esfregas, sem ter pena, todo o chão,
Empapuças-me, toda na poeira...

Depois, serei jogada num galpão,
Triste sina essa minha, a vida inteira,
Sou fiel companheira, mas em vão...

Vou deitar-me na despensa,
A minha sina é tão torta,
Se a visita não compensa,
Aí vou pra trás da porta...

Soneto com estrambote - Quando tu vens, cansado viajante,

Quando tu vens, cansado viajante,
Dessas tuas longínquas caminhadas,
Atravessando rota fatigante,
Sob o sol escaldante nas estradas...

Muitas vezes, sedento e radiante,
As notícias virão emocionadas,
Ou mesmo em tais momentos, inconstante,
Nos rapa-pés das gentes educadas...

Num primeiro momento sou lembrada,
Pouco tempo depois, virei poeira,
Depois ninguém mais pensa, não sou nada...

Desprezada num canto, a companheira,
Que tanto te servira mas, quebrada,
Ó vingança cruel dessa cadeira!

Te levo ao chão, de primeira,
Tua nobreza s’afunda,
Quando cais de mim, cadeira,
De novo rachas, a bunda...