segunda-feira, fevereiro 01, 2010

24006

Não sou o teu tutor também vou sem tutela
A boca que me beija e morde em desvario
Enquanto noutro tanto encantos eu sacio
A sorte atropelada em lástimas revela.

O tempo se faz canto e barco trama a vela,
O parto que se deu jamais fora vazio
E quando o temporal, eu bebo e desafio
A morte sobre a mesa, emoldurada tela

Acendo o meu cigarro em fumo vou morrendo
Talento; eu nunca tive. Apenas um adendo
Adentrando a verdade invade o livre gozo.

O cheiro da comida espalha-se na casa
Fogão à lenha é claro acende gosto e brasa
E o verso que fizeste; amor, maravilhoso...

24005

Sem sempre nem talvez; quem sabe faz agora
E o gosto da vitória espalha aos quatro ventos,
Por onde andaria houvesse em pensamentos
O quanto se tecia em versos sem demora,

O que não cabe tanto; e a vida ainda implora
Dizendo sem saber dos velhos sentimentos,
Não quero meu amor ainda os teus lamentos
Se não vieres já melhor eu ir embora.

Sou mero repentista e assim vou me virando
Se tudo cair bem, as aves noutro bando
E o contrabando diz do quanto não comprara

Se eu fosse como um rio, aceito o desafio
E neste enovelado eu quero e me desfio
Fazendo desta vida a jóia bela e rara...

24004

Fomento sem fermento o tanto quanto atento
E vivo este destino audaz e cristalino
Aonde na verdade o que não sei ensino
E encilho o meu corcel chamado pensamento,

Vivera por viver e só neste momento
Ainda sem ter rumo entranho e me alucino
Do beijo que me deste ao recordar, menino
Fazendo do meu verso apenas desalento

O vento em temporal, atemporal medida
Numa intempérie tola eu compor e faço a vida
Audaz e desmedida, ao léu um andarilho

Bebendo deste pó aonde quis estrada
A lua se deitando e a Terra iluminada
Dizendo deste encanto aonde em canto trilho.

24003

Pecado não é ter bem menos do que espero
Apenas se preparo o gozo triunfal
Fazendo do viver eterno carnaval
Aos poucos sem caminho eu já me desespero,

O brado que soltaste, ao menos bem mais fero
Arguta maravilha espera sem igual
O mundo se prepara ao velho ritual
Navego mar imenso e nele me tempero

Salgando a fantasia apenas fui gentil
Dizendo que este senso há muito tempo viu
O pré adentra o pós depois quer gradação

Azeda-se o futuro aonde fiz meu bote,
Não tendo mais quem queira ainda que se adote
No fim sobra a rasteira e as quedas que virão...

24002

A dor se faz tanta
E trama decerto
O mundo deserto
Que já desencanta

Uma alma que canta
Seu rumo eu acerto
Estando por perto
O amor me agiganta

E sei dos sabores
Por onde tu fores
Irei te seguir

Na noite vazia
Amor fantasia
Um manso porvir...

24001

O meu verso triste
Falando de amor
Que vem se compor
Aonde inda existe

E sempre resiste
Mais forte o temor
Do espinho e da flor
Deveras insiste

Bebendo da sorte
Que tanto conforte
O forte e ao fraco

Buscando este cais
Em sóis magistrais
Aonde eu atraco...

24000

Passei ontem a noite junto dela.
Do camarote a divisão se erguia
Apenas entre nós - e eu vivia
No doce alento dessa virgem bela...

Tanto amor, tanto fogo se revela
Naqueles olhos negros! Só a via!
Música mais do céu, mais harmonia
Aspirando nessa alma de donzela!

Como era doce aquele seio arfando!
Nos lábios que sorriso feiticeiro!
Daquelas horas lembro-me chorando!

Mas o que é triste e dói ao mundo inteiro
É sentir todo o seio palpitando...
Cheio de amores! E dormir solteiro!

Álvares de Azevedo

Pudesse ter a sorte ainda mesmo apenas
De ter em minhas mãos aquela a quem amando
Percebo que talvez, trazendo um dia brando
Não deixe se perder, as noites que serenas.

São poucas, na verdade, as alegrias. Condenas
Quem se faz sonhador e tendo assim se desviando
Do velho caminhar que escapa-te ao comando
Mudando desta peça; antigas, velhas cenas.

Assim não poderei sequer falar do sonho
Aonde mergulhara e dele inda componho
Os versos que ora trago a quem desejo tanto.

Falar de estrelas, lua e não se perceber
Este gozo absoluto e imenso de um prazer
É deveras morrer em vida, sem encanto...

23999

XVIII

Dormes... Mas que sussurro a umedecida
Terra desperta? Que rumor enleva
As estrelas, que no alto a Noite leva
Presas, luzindo, à túnica estendida?

São meus versos! Palpita a minha vida
Neles, falenas que a saudade eleva
De meu seio, e que vão, rompendo a treva,
Encher teus sonhos, pomba adormecida!

Dormes, com os seios nus, no travesseiro
Solto o cabelo negro... e ei-los, correndo,
Doudejantes, sutis, teu corpo inteiro

Beijam-te a boca tépida e macia,
Sobem, descem, teu hálito sorvendo
Por que surge tão cedo a luz do dia?!

Olavo Bilac

Adormecida está maravilhosamente
O amor que em palidez encontro em lua clara,
A voz doce e serena, uma paixão declara,
Marmórea lividez um gozo audaz pressente.

Alabastrina tez, um ar quase dolente
Jogando-me aos teus pés, a vida enfim se aclara,
E tens em tua face alvura bela e rara,
Queria ter talvez o amor que me apascente.

Escuto a voz da noite em meio aos vários cantos,
Noturna melodia; a profusão de encantos
E a sorte se afastando a angústia de saber

Que estás aqui presente e não posso tocá-la,
A luz deste luar ao invadir a sala,
Trazendo em solidão, vontade de morrer...

23998

Pede o desejo, Dama, que vos veja,
não entende o que pede; está enganado.
É este amor tão fino e tão delgado,
que quem o tem não sabe o que deseja.

Não há cousa a qual natural seja
que não queira perpétuo seu estado;
não quer logo o desejo o desejado,
porque não falte nunca onde sobeja.

Mas este puro afeito em mim se dana;
que, como a grave pedra tem por arte
o centro desejar da natureza,

assi o pensamento (pola parte que
vai tomar de mim, terreste [e] humana)
foi, Senhora, pedir esta baixeza.

Luis de Camões


Amor sidérea fonte aonde em luzes fartas
Em vagas a plangência; expressa-se em luzernas,
As horas sendo assim somáticas e eternas
Etéreas ilusões, das quais jamais te apartas

Hedônica beleza, as mesas entre as cartas,
As sortes se lançando, excêntricas e ternas
Mesmo se estás ausente, eclética me externas
Intrépida loucura impede que tu partas.

Constelares ardis; exemplas sutilezas
Velada voz avisa as ânsias das riquezas
Que sei em ti encontro enquanto em cantos tento

Há tanto que me encanto e teimo em ser feliz,
Vontade audaz e férrea incita o que se quis
Prismáticos cristais, diamantino alento...

23997

MONJA

Ó Lua, Lua triste, amargurada,
Fantasma de brancuras vaporosas,
A tua nívea luz ciliciada
Faz murchecer e congelar as rosas.

Nas flóridas searas ondulosas,
Cuja folhagem brilha fosforeada,
Passam sombras angélicas, nivosas,
Lua, Monja da cela constelada.

Filtros dormentes dão aos lagos quietos,
Ao mar, ao campo, os sonhos mais secretos,
Que vão pelo ar, noctâmbulos, pairando...

Então, ó Monja branca dos espaços,
Parece que abres para mim os braços,
Fria, de joelhos, trêmula, rezando...

Cruz e Souza

Amor que tanto amor nos traz e neste encanto,
Mudando num momento, o rumo ao qual o Fado
Entrega-se por certo, um tempo mais amado,
Vivendo tão somente em busca deste canto.

Tendo-vos como a dona à qual eu me agiganto
Já não comportaria amargura, dor e enfado
Aonde o Amor se entrega e deixa no passado
O amargo sofrimento, a dor, o medo e o pranto.

Eu ser-vos-ei então Senhora em magistrais
Momentos qual um servo a quem vós desejais
Seguindo vosso passo; os rastros sendo guias

Lavrando em solo bom; certeza de colheita,
Minha alma enamorada, então em vós deleita
Servindo ao servidor, Amor diz poesias...

23996

Plenilunio

Desmaia o plenilúnio. A gaze pálida
Que lhe serve de alvíssimo sudário
Respira essências raras, toda a cálida
Mística essência desse alampadário.

E a lua é como um pálido sacrário,
Onde as almas das virgens em crisálida
De seios alvos e de fronte pálida,
Derramam a urna dum perfume vário.

Voga a lua na etérea imensidade!
Ela, eterna noctâmbula do Amor,
Eu, noctâmbulo da Dor e da Saudade.

Ah! como a branca e merencórea lua,
Também envolta num sudário - a Dor,
Minh'alma triste pelos céus flutua!

Augusto dos Anjos

Eu trago dentro da alma a solidão de quem
Durante a vida inteira à espera de um carinho,
Mortalha feita em dor; prossigo tão sozinho,
Olhando com cuidado, eu sei que ninguém vem.

Mergulho no passado e sinto a voz de alguém,
No encanto deste canto entrego-me, mansinho,
E quando em farto brilho, eu deito e já me aninho,
O sol adentra o quarto e não vejo ninguém...

Uma alma entristecida aguardando o final,
A lua se deitando e pálida; invernal
Expõe minha nudez e assim enlouquecido,

Percebo o quanto a dor espalha-se em meu quarto
E quando da esperança, ao fim eu já me aparto,
Eu penso que é melhor não ter sequer nascido...

23995

Crisântemos

Sombrios mensageiros das violetas,
De longas e revoltas cabeleiras;
Brancos, sois o casto olhar das virgens
Pálidas que ao luar, sonham nas eiras.

Vermelhos, gargalhadas triunfantes,
Lábios quentes de sonhos e desejos,
Carícias sensuais d´amor e gozo;
Crisântemos de sangue, vós sois beijos!

Os amarelos riem amarguras,
Os roxos dizem prantos e torturas,
Há-os também cor de fogo, sensuais...

Eu amo os crisântemos misteriosos
Por serem lindos, tristes e mimosos,
Por ser a flor de que tu gostas mais!


FLORBELA ESPANCA


Nefasta humanidade expondo-se deveras
Qual fora a flor pisada, amarrotada sorte,
Aonde poderia, apenas vejo a morte,
E o eterno renascer das pútridas panteras.

Carcaça do que fui, aquém do que inda esperas,
Mistérios mais sutis, a podridão do aporte
Por mais que isto te estranhe é gozo que conforte,
Ascendo ao nada ser, e volto às tais quimeras.

Efêmero e funéreo açoda-me o desejo
De ser eterno enquanto a morte que prevejo
Moldada num escárnio esgota-se em jardins.

Crisântemos já murchos; encontro lírios, cravos,
Meus dias do temor, ainda são escravos,
Dos vermes que virão, vidas feitas dos fins...

23994

Vencido pelo medo escapo do massacre
A vida se perdendo, um pouco a cada instante,
Vivesse sem temor amor belo e constante
O mundo não teria este sabor tão acre.

Alardeio o vazio; a porta sem o lacre
Permite que se adentre um gélido e alarmante
Terror sem ter medida e embora eu me agigante
Não tendo mais a força e ninguém que ela lacre.

Um velho camponês lavrando a terra
Espera que a semente frutifique,
O barco que navego vai a pique

E a solução decerto, o tempo enterra,
Herdando esta vereda árida e estéril,
Estou amiga morte, ao seu critério.

23993

Pudesse apenas ter alguma fantasia
Aonde se pensara a glória de uma vida
Por mais que nada valha, a sorte permitida
Não me deixa pensar no vago que se cria.

À sombra do arvoredo, imagético dia
Batalha se mostrando, há tempos aguerrida,
Não vejo mais aonde eu possa ter saída
Se não consigo agora o amor a quem daria

Além deste momento, a própria eternidade,
Porém o sentimento escapa e quando evade
Sombrios rastros; deixa, em dor e sofrimento.

Pudesse ter o riso e nele esta esperança
De haver um Paraíso ao qual amor se lança,
Sem ter qualquer notícia, insano eu me atormento...

23992

Não há gozo eu bem sei nestes mundanos bares
E neles eu entranho o que fosse prazer,
Sabendo desta sorte, enfim, melhor morrer
Ou tentar prosseguir aonde tu andares.

Porém fazendo assim, das ruas meus altares
Somente a noite fria; ainda eu posso ver
Bebendo da aguardente amarga do sofrer,
Em plena treva busco os brilhos e os luares.

Andasse com ereta e firme compleição,
Quem sabe encontraria, no inverno este verão
Que tanto anseio agora e sei que não virá.

Andante e sem destino, um bêbedo sem rumo,
Se às vezes o meu erro, aceito e até assumo,
Espero em meu futuro, a terra, a enxada e a pá....

23991

Ouvindo nesta sala ainda este rumor
Que apenas na verdade, em minha mente existe,
Um coração atroz, em lágrimas resiste,
Mas sabe muito bem o quando dói o amor.

Espero a cada instante o brilho multicor,
Porém o que fazer se andando sempre triste,
Apenas no vazio a vida inda consiste
E nada mais teria amor a te propor

Senão um canto amargo aonde se revela
O medo do futuro. Adentro uma capela
E peço então perdão, meus erros foram tantos…

Engodos de quem quis e não podendo ser
Um dia, mais feliz, a Deus peço poder
Fazer desta emoção, suaves, doces cantos...

23990

Minha alma sendo triste expressa em poesia
O que mais poderia entoar; coração.
Vivendo do passado, as coisas que virão
Uma alma sem futuro, ainda se esvazia

E bebe a solidão e nela se recria,
Formando do que fora, apenas ilusão
Um mundo onde talvez houvesse solução
Que jamais poderei encontrar na alegria.

Servindo ao que melhor ainda tenho aqui,
O tempo não voltando, o dom eu já perdi
E sei da lua exposta em noite sertaneja

Ponteio esta viola e beijo o vento amigo
Romântico cantor, a luz enfim persigo,
Porém uma alma triste insiste e não deseja...

23989

Não vou ficar aqui fazendo picuinha
Se tudo vale à pena, uma alma se apequena.
Mas quando a noite surge e vem bem mais amena
Num colo bem gostoso, o coração se aninha.

Mas quando estou birrento a razão sempre é minha,
A sorte é que o calmante aos poucos me serena
Senão tanta besteira, ao fim só me envenena.
Não vou chamar de galo aquilo que é galinha.

Depois neste poleiro, apenas sou pintinho
Sujeito lá da roça um pobre analfabeto,
Não pode te dizer o que é ou não correto,

E então vou me mandando, amigo, de fininho,
Se a bola que ele joga, eu falo que é quadrada
A trova se eu quiser; SONETO, apelidada...

23988

Buscando ter na sorte o olhar mais delicado
De quem se fez poeta e tenta estar liberto,
Se o rumo que me deste aos poucos eu deserto
Não posso reclamar ou culpar o meu Fado,

Apenas vou falar o que melhor achado,
Machado em arvoredo é bom ficar esperto,
Não venha me dizer: portão estando aberto
Convite para a fuga, e o que faço sem gado?

Neruda quando fez sonetos em falsete,
Vontade desgraçada é de dar um cacete
Neste chileno imenso, eu sei lá qual motivo

O fez agir assim, preguiça ou simples birra?
Traje de gala, amor; não se amarra co’embira;
Mas deixa isso pra lá, senão disto eu me privo...

23987

Neste ultramodernismo, arcaico e ultrapassado
A figura que eu vejo, a mesma caradura
Que há tanto se disfarça e bebe a noite escura
Qual fora um bom caminho, eterno e iluminado…

Cadáver execrado, estúpido e fadado
Ao fim de certo tempo, enquanto ele perdura,
A ter o seu cantar que é como uma tortura,
Aos poucos, estou certo, enfim desfigurado.

Eu sei que vão dizer que é muito para o pouco
Que represento até falar qual fora um louco,
E criticar o que se fez ser liberdade

Sem métrica, sem ritmo, apenas por ser feito,
Não dá sequer senhor, a ti qualquer direito
Denominar soneto ou o que melhor te agrade.

23986

Excêntrico cantor cantando em doce tom,
Falando de um amor ou mesmo deste adeus,
Aonde se pudera em sonhos teus e meus,
Tramar uma ilusão de um mundo sempre bom.

Não posso disfarçar neblina com neon,
Tampouco me fazer um quase semideus
E crer num mundo aonde a luz impeça os breus,
Poeta; um fingidor? Mas não tenho este dom.

Um mero repentista assiste sempre inquieto
A morte do embrião, aborto deste feto
Que agora ao chão tão duro, em lágrimas se lança

Deixando para trás o que pudera vida,
E vendo assim a sorte, em podridão urdida,
Não quero ter ausente o quer resta: esperança!

23985

Embora te pareça, eu sei que não só trago
Amargor dentro da alma, e posso até pensar
Que a tal felicidade estende-se ao luar
E nela eu já concebo o doce e bom afago.

Quisera num momento apenas ser um mago
Alquímica loucura, expressa num cantar
Permite que se creia e possa-se entregar
A um mundo bem melhor, sem perda e sem estrago.

Quisera ter ainda o velho e bom lirismo,
E não crer tão somente em queda, fim e abismo,
Porém nada adianta um verso que se cale,

Ou trame a fantasia, aonde a dor se esconde
Perdoe se não posso; ainda não sei onde,
Falar de melodia amena que te embale...

23984

Possível se falar de um amor tolo e mundano
Se tudo o que percebo expressa o fim da vida.
A espécie, do Senhor, a mais nobre e querida,
Volvendo o seu olhar imundo e tão profano

Causando ao próprio Pai, a cada dia um dano?
Bem que eu queria em versos, a aguerrida
Paixão que nos domina e traz adormecida
A fera que se pensa, o ser mais soberano

E expõe o mais divino e belo que inda resta
Na imagem derradeira, amarga e assim funesta
Do ser que se fez dono, apesar de não ser

De toda a Natureza e o que dela se emana,
Primata incoerente, uma alma dita humana,
Hedônico animal, só pensa em seu prazer...

23983

Tal monstruosidade, um bípede falante
Que se fez o senhor dos outros animais
Enfrenta a brava fera em toscos rituais
Se fazendo mais fera a partir deste instante.

Demônio que encarnado, um podre diamante
Em momentos; capaz de coisas magistrais,
Em pouco tempo expõe os féis que derramais,
Eu vos peço Senhor, que o tempo se adiante.

E o fim que se demora, agora seja feito,
E nele a realidade além deste imperfeito
E vago ser audaz, um canibal voraz

Engodo capital que Vós não percebeis
E que destrói agora, as vossas belas greis,
Após esta atitude, a Terra volta à paz...

23982

A criação se fez em tons maravilhosos
E assim se perdurando até que num momento,
Do barro feito lama, eis que surge excremento
Tornando o tempo calmo, em ritos prazerosos

Aquém do que já fora, antes dos caprichosos
Motivos pelo qual, também eu me atormento
Buscando depois disso, a Deus como um alento
Após ter concebido engodos volumosos.

A rota humanidade imiscuindo a morte
Aonde poderia haver somente o aporte
De divinal beleza além do que se espera,

Mas traz nos olhos sempre a marca do demônio,
Guiado pela fúria expressa em cada hormônio
Devastação completa. Agrada ao Pai tal fera?

23981

Dos elementos tais que formam cada parte
Deste completo e vago andante ser humano
Por vezes qual fantasma, estúpido me ufano,
E para a fantasia, o fantoche já parte,

A vida se renova e feita pro descarte
Não deixa, meu amigo, haver sequer engano,
Um ínfimo fantasma autor de perda e dano,
Teimando; da Natura, expressar como uma arte

A decomposição da qual autor funesto,
Aos olhos do Senhor, eu sei e disto atesto,
Pudera ter a chance e ter a eternidade.

Mas quando me poluo e assim fazemos todos,
Chafurdando este verme envolto pelos lodos;
Queremos que, depois, de nós o Pai se agrade?

23980

Absorvendo assim infernos, céus e ritos,
Não me vejo retratado em nenhuma faceta,
Apenas quero ser talvez como um cometa,
Deixando em paz e nus, os velhos, torpes mitos.

A voz já se perdendo em busca de infinitos
Aonde quero o fim, o resto que arremeta
Pedaços do que fui, sem nada que prometa
Além deste momento, envolto em sóis bonitos.

Asquerosa figura andando sem destino,
Esgoto feito em alma, amarga criatura
Que tanto já se deu, e assim, inda perdura

Olhando este horizonte, o quanto eu me fascino
Permite-me pensar na vida como um fato
Além da eternidade, à qual em sonhos me ato. (mato?)

23979

Contrastes que percebo e teimo em relutar
Vencida cada etapa o fim já se aproxima,
Aonde ainda havia as sombras de uma estima
A vida não suporta e deixa-se levar.

Sonhara, pois poeta, em luzes e luar
A perfeição suprema, extrema de uma rima,
Mas quando vejo a vida em outro, vário clima,
Não posso me furtar, tampouco me calar.

Ao exemplificar o que talvez não caiba
Nem nos versos, sequer mesmo eu não saiba,
Mas sinto ainda viva a imagem de um passado

Deixado por acaso, exposto na vitrine,
E quando vejo o amor, que amor já descrimine
Percebo quão se torna agreste e seco, um prado...

23978

Aonde imaginara apenas um jardim
Eu vejo destroçado o solo que eu arava
E tudo o que eu queria, aos poucos desabava
Dizendo do vazio aonde e quando eu vim.

Coincidência estranha, a vida é sempre assim,
O vulcão da esperança esconde, cedo, a lava
Minha alma sem saber, de outra alma segue escrava
E nisso acendo então, da bomba um estopim,

Fluindo com ternura um verso poderia
Dizer desta ventura, amena fantasia,
Mas nada do que penso; expressa a realidade.

Augusta melodia, ao longe, quando a ouço
Trazendo na memória, um velho calabouço
E esta melancolia – amiga – não se evade...

23977

Sentindo este sarcasmo exposto no teu rosto
Após a tempestade, a calmaria é sonho,
Se quando faço um verso eu mesmo me proponho
A deixar muito claro o que sou quase exposto,

No fundo prosseguindo embora decomposto,
Não posso me furtar ao ver quão é medonho
O mundo que criaste; o mesmo, onde risonho
Teimara no passado, em ver suave gosto.

Agora se não tenho ainda um porto manso
E mesmo se tivesse; a sorte eu não alcanço
E avanço pela noite, estrada mais sombra

Na falsa luz que encanta e finge-se de lua
A sanha sem proveito, apenas continua
Do nada ao nada feito, o nada se recria...

23976

Pudesse te falar sem medo e sem pudor
Do quanto nada vale o amor sem ser cuidado,
Jardim há tanto tempo estando abandonado
Permite que um abrolho espalhe invés da flor.

Eu vejo o meu futuro e nele a se compor
Um dia bem diverso; escondendo o passado
Podendo sim ou não, te ter aqui do lado,
Não importando então ser tens algo a propor.

O que fizeste deve analisar-se bem
Talvez já não se importe o que faça ou convém,
Convento da ilusão, amor se mostra a nu.

Mas tudo na verdade expõe um passageiro
Momento que depois, não sei se derradeiro.
Afinal do mirim, também se faz o açu.

23975

Deixando para trás as marcas do que fora
Há tempos o bastante e agora já não cabe,
Bem antes que a verdade expresse-se e desabe
Castelo em cartas feito e no vazio ancora

Sabendo que o prazer jamais determina hora
Quem vive sem temor, deveras sempre sabe
O que se faz e teima, aqui e em Abu Dhabi
Vencendo o que virá sem ter qualquer demora

Prepara-se por certo e vê num novo dia
O sol que teima e brilha e se renova e cria
Nos raios da manhã belíssimo fulgor

Não se deixe levar, já que deveras mata,
Por algema qualquer: escravo ama a chibata,
E a liberdade traz a paz de um novo amor...

23974

Das larvas e do medo, apenas a crisálida.
Esboço do futuro, amarga realidade
Aonde quer que eu vá o atual invade
E a morte do passado, expressa em cor tão pálida

Tornando o que vivera uma figura inválida.
Internético gozo ainda que me agrade
Telegrafo descarto? Ou mato esta saudade,
Apenas tão somente, imagem morta e cálida.

Usando o que bem sei; o alexandrino verso,
Exponho-me decerto e sei que velhas feras
Medonha criatura além do quanto esperas

Serpente em pleno bote, atocaiada aguarda
Um velho usando fraque; um tosco caminheiro,
Desta imagem puída eu fujo e já me esgueiro,
Não uso no soneto, amarrotada farda...

23973

O tempo nunca pára? Eu sei que isto é normal,
Quem vive do passado expressa o nada ser,
Apenas um museu, não sabe e já morreu,
Mas nem por isso amigo, o futuro é bom ou mal.

Revejo cada engodo e nele a velha nau
A direção eu corrijo ou mesmo passo a ver
Que nada do que fui ainda posso crer.
Mutável criatura eu sou tão desigual

Ao que deveras flui e segue em mansa rota,
A velha roupa rasga e sei que se amarrota.
Porém já não me cabe afirmação correta

Se tudo está conforme agora deveria,
Mitose após mitose expressa a alegoria,
Fotografo do tempo, apenas sou poeta...

23972

Falava do passado, os tempos de criança
Aonde era feliz, dizia o conterrâneo,
O mundo que se mostra agora é instantâneo
Do todo nada além do que afinal se alcança.

Pra frente é que se anda, e corra senão dança;
Tu pensas deste jeito. Então, amigo; explane-o,
Pois tanto se deforma o ser contemporâneo
Um caranguejo ao léu, assim o mundo avança.

Olhando bem de perto, eu vejo a imperfeição
Por isso; o meu espelho; escondo no porão.
Do jogo de botões ao novo vídeo game

Pretérito futuro? Aonde irei parar?
Se nada mais eu vejo; esqueço do luar
Poeta? Um funeral... Por mais que ainda teime...

23971

Renasço desta cinza aonde disfarçado
Vivera numa espreita apenas observando
As dores; já não tenho. Afastaram-se em bando
Somente este retrato, há muito amarelado

Mostrando simplesmente, o que fora o passado,
Aonde desejava a paz, e mesmo quando
Ausente de um olhar, sem medo inda teimando
O gosto tanta vez, um tanto amargurado.

Mas tudo se renova. Assim a cada sol,
Apesar do futuro, acerto o meu farol,
Retrovisor faz falta e ensina a direção,

Porém olhar bem fixo apresenta o futuro
E nele a realidade, à qual sempre procuro,
Sabendo desde já os dias que virão...

23970

Ocultas sem sentir segredos incontáveis
Porém nada te cobro e sei que isto é normal,
A verdade absoluta é com certeza um mal,
Alguns momentos são no amor inconfessáveis.

Nem sempre estamos nus, mistérios insondáveis
Permitem que se creia e tenha um ritual
Que sempre determina um final triunfal
Domando em mansidão, medos incontroláveis.

E nesta auto defesa, apenas com cuidado,
Não interessa a alguém, se houve ou não passado,
Mas somos imbecis e nisto nossa dor.

Garimpando a peçonha à qual nos entregamos
E nela por si só, já nos envenenamos,
Querida, somos peça, é fácil recompor...

23969

Final dos tempos? Pára. Eterna babaquice,
Estamos num processo, apenas de reforma,
A imagem que se vê, o espelho já deforma
A foto demonstrada a si mesma desdisse

Repare no retrato, e basta de tolice.
Prazer pelo prazer arcaica e tosca norma
Miséria cultural? A velha plataforma
Retorna e repetindo uma eternal mesmice.

Não vendo diferença entre estas realidades,
Por mais que contra uma onda ainda teimes, nades,
O mundo sempre assim, do Éden até o hedônico

Depois contra-reforma, arranhado vinil,
O filho que nasceu igual a quem pariu?
Jamais. Um novo ciclo; um mal antigo e crônico.

23968

A tônica que rege o império do gozo,
Botecos de cristãos, um lupanar católico,
A sorte no vazio, um tempo parabólico
Estampa esta quimera, o mundo é fabuloso...

Nas coxas da morena, o jeito prazeroso
Palavra se perdeu, destino assim, eólico
Aonde se pensara haver algo bucólico
Erótica figura em ar tão desastroso.

Ultrapassado e velho? Ou eu, ou este mundo
No qual a cada instante, eu bebo e me aprofundo
Realidade arcaica, aos tolos sempre engana,

O que se vive agora, um erro milenar
A Dionísio erguido, em cada esquina, altar
Retrato mais fiel, do fim da era romana...

23967

Cálices e cristais, nos brindes que ora faço
Percebe-se tolhida a sorte desejada,
Aonde não pudera; expondo-se este nada,
O tempo vorazmente esboça um grasso traço.

Me expressando com fúria, ao ver cada pedaço
Da vida que pensara ainda destinada
A ter um belo dia, a partir da alvorada
Despedaçada sorte um mundo amargo e lasso.

Aprendo a conviver com tal estupidez,
E vagando nesta onda encontro o que não vês,
Lasciva adolescente em bailes, cocaínas,

O cérebro grotesco, agora em glútea forma,
A moça em paparazzo, avisando me informa
Num frenesi boçal, ao que tu me destinas...

23966

Flexível caminheiro encontro estas vertentes
E da dicotomia eu traço o meu futuro,
A dor sendo comum, o medo até que aturo,
Porém o nada ser, peço; não me apresentes.

O mundo se transforma e traz novas correntes,
Midriático espectro, assim morto eu perduro
E quanto mais não vejo, eu mais teimo e procuro,
Sombria realidade em estúpidas gentes.

Pior que qualquer droga, a ignorância absoluta
Expressa a realidade, uma alma tola luta
E vendo esta batalha inerte e sem proveito,

Tornando-se eremita, esconde-se deveras
Enquanto com o sal que trazes e temperas,
Um hipertenso tolo e voraz; não aceito...

23965

Sepulcros do passado? O tempo revigora
E a trágica lembrança adentra a nossa sala,
A pasma humanidade, ainda em vão se cala,
E a morte da esperança, eu sei; não se demora;

Quem sabe muito bem já faz e não tem hora
Enquanto num desdém, a noite feita em gala,
Miséria pelo mundo, a podridão não fala.
E quando ela se expõe; carrasco se apavora.

Etéreo sentimento entranha-nos, fugaz
Um oco dentro da alma, a vida molda e traz
Numa nudez se expondo a carne bela e crua

Vendida numa esquina, em bares e motéis
Aos homens do presente, ignaros e cruéis
Medieval figura, ainda continua...

23964

Aonde se pudesse em luzes bem suaves
Invés da palidez constante e temerária
Vencendo a solidão, eterna procelária,
Moldando uma esperança, sem medos ou entraves,

Por mais que a realidade; em lucidez, agraves
Na luta por justiça, as reformas agrárias
Que há tanto prometida em falsas luminárias
Momentos sem futuro? Esperando outras naves...

Decerto é que se faz aos poucos a mudança
Porém sem ter critério, ao vazio se lança
Amanhã sem remédio exposto ao léu, insano,

Atrevo-me a dizer que o mundo sendo assim,
Exposto ao abandono, e nele se me dano
Retrato do planeta: um mar tupiniquim...

23963

Colérico fantasma um vulto que espasmático
Esboça reações e nada sendo feito,
Aos poucos se percebe e tenta dar um jeito
Na sorte em frio Fado, um futuro enigmático.

Do espectro delirante, um rumo tão pragmático
Não sei se poderia, e disso faço um pleito
Encontrar mansidão nas horas em que deito,
Atônito me vejo, em ar já sorumbático.

Lacustre sensação incrustando minha alma
Crustáceo ensimesmado, a placidez acalma
E permite que estenda a lua no quintal

Salubre fantasia, adubo da esperança
A vida se entrelaça e quando passa alcança
A foz que tanto quis, num imenso caudal...

23962

Minha alma intoxicada em fumaças diversas
Monóxido carbono entranhando narinas
E quando mal percebe a fúria não dominas
Um ar bem mais tranqüilo? Apenas são conversas,

E quando se estampando a luta à qual tu versas
As forças mais sutis entranham fundas minas
Assim já sufocada, afinal te alucinas
Aos filhos como herança, as horas mais perversas.

Assim se demonstrando a nossa estupidez
Há um Ser que criou, criatura desfez
Deixando esta aridez tomando a terra e o céu,

O grito segue embalde, e fingindo surdez
A Terra se demonstra em tal insensatez
Planeta sufocante, a vida segue ao léu...

23961

Amor tanto acalanta enquanto me apascenta,
A vida se mostrara em luzes mais sombrias
E agora esta esperança à qual me entrego e crias
Deixando a minha vida, outrora violenta

Em violetas, feita; ausência de tormenta
As noites neste amor, jamais serão tão frias
E o tempo em raro ardor, conforme me dizias
O ressurgir da vida, o amor ainda tenta

E sigo seu caminho, os rastro que ele deixa,
Nas mãos da deusa nua, a sílfide, uma gueixa
Deitando sobre mim esta ternura imensa

Fazendo deste encanto, um mar belo e sem fim,
Deixando no passado, o amargo de onde vim,
Trazendo no prazer a glória e a recompensa...

23960

Fazer da própria dor, uma aliada a mais
Ao enfrentar a vida, e tudo que virá,
Sabendo que importante, é ter e desde já
Noção de ancoradouro expressa em algum cais.

As noites de luar, sublimes, magistrais,
O canto na alvorada, o sol que brilhará
Encanto deste sonho, aos poucos tomará
O coração insano; aonde derramais

A vossa magnitude, amigo e companheiro,
Da vida ao vosso lado, assim enfim me inteiro
E tramo num segundo enquanto a luz avança

Futuro bem mais belo, um templo verdadeiro
Alçando em brilho raro, um tempo lisonjeiro
Aonde se governe o amor feito esperança...

23959

Sentir o teu perfume e dele extasiado
Adentro a fantasia e tramo este espetáculo
Em luz e brilho feito. O amor não teme obstáculo
E segue sem temor divino e manso prado,

Aonde se perder é ter já se encontrado.
A vida nos enlaça e num doce tentáculo
Conforme já previra, outrora algum oráculo,
As dores e o temor são coisas do passado.

Vivendo a plenitude intensa do desejo,
A sorte que procuro, a paz que tanto almejo
Encontro em tua boca, e bebo cada gota

Do imenso fogaréu que em nós à noite espalha,
Entranho delirante, e preso nesta malha
A tristeza esquecida, agora ausente e rota...

23958

A secular batalha aonde a dor só vence
E o medo que se espalha expondo a nossa face
Ainda quando o tempo, atroz avance e passe
Não vendo solução não há quem se convence

Do quão vazia, vida, enquanto a morte adense
E mesmo após a noite o dia ainda trace
O fim que se aproxima e neste torpe impasse,
O coração cigano de um tolo muriaense

Aguarda alguma nova, uma esperança apenas,
Herética loucura; assim tu concatenas
E ris do meu tormento, exposto em verso e lida.

Pois na célula-tronco, a sorte se refaz
De um belo amanhecer talvez seja capaz,
Porém o que fazer, se a Igreja é contra a vida?

23957

Dantesca gargalhada a vida me prepara
Ao ver até que ponto, uma alma se apodrece
Embora respirando, a morte aos poucos tece
Uma espiral vazia; e a queda se declara

Fulgores do passado, a sorte bela e cara,
Em densa e turva névoa, a cor já se esvaece
Não resta nem sequer, a solução da prece,
Aonde houvera força, a invalidez da escara.

Mereço este final, eu sei que na verdade
Quasimodo nefasto, um Fausto morto em vida
Uma alma sem valor e há muito já vendida

Olhando para o espelho, imagem desagrade
Reflexo do que atroz, aos poucos degradei,
Qual fora num infausto, um novo Dorian Gray.

23956

Lutando contra a sorte enfrento-me deveras,
Perpétuas ilusões fenecem num segundo
E quando dentro da alma, imerso, eu me aprofundo,
Percebo na verdade, apenas duras feras

Aonde eu poderia; ausente, degeneras
E esgotado percebo o quão me sinto imundo,
Um velho solitário, audaz e vagabundo
Vomita em ironia, afasta as primaveras.

Uma alma vã e arcana adentrando o infinito
Olhando o meu fantasma, assusto-me e se grito
Talvez em desabafo ou mesmo com terror

Na turbulenta vida, apenas fetidez
E o cadáver do sonho, apático que vês
Espelha o que tu és; no etéreo decompor...

23955

Mortalha que reveste uma alma apodrecida
Aonde poderia haver uma esperança,
Carcaça se expressando invés da temperança
A pele se desfaz aos poucos carcomida,

Esgotando-se estes vis caminhos de uma vida
A morte se aproxima; a foice então se lança
Apenas o não ter, deveras minha herança
Retratos do vazio, eterna despedida...

Medonho sortilégio, algozes e carrascos,
Venenos em alta dose, embora leves frascos,
Assídua tempestade, imenso vendaval,

A sorte se desfia em névoas e neblinas
E vendo tal cenário, ainda te fascinas
A vida que se vai, um fato tão normal...

23954

Inútil perceber alguma luz após
A fria madrugada em que, velho e impotente
Buscara alguma força e a verdade inclemente
Mostrara a sua face estúpida e atroz.

Ainda poderia, esboçando estes nós
Viver algum momento, e embora ainda tente
Não tendo mais resposta, e nem voz indulgente
Escombro do que fui, espalha-se feroz.

Percebo no vazio, imensa iniqüidade
E apenas sofrimento, ainda vem e invade
Tornando-se infecunda uma alma que buscara

A luz por tanto tempo e agora se esvaindo,
Nesta inutilidade expõe um vago infindo
Do pélago funesto aonde mergulhara...

23953

Pudesse ter ainda além do que tortura
Uma saída amena aonde eu poderia
Envolto em ilusões, estúpida alegria
Sentir da mão suave, ao menos a ternura.

Porém a solidão adentra e assim perdura
Tomando num repente o pouco que ainda havia,
Matando em nascedouro, aborta a fantasia
E deixa por herança, a morte em vã moldura.

Se o canto é tão sombrio e o sol, não reconheço,
A culpa se faz minha, e após queda e tropeço
Não pude mais me erguer, esgota-se a esperança.

Enquanto amargo sou, nefastas tempestades
Deveras sonhador, em turvas águas nade
Uma alma que funérea, em podridão avança...

23952

Uma alma soberana adentrando este esgoto
Por onde mergulhara há tempos sem pudores
Revendo num instante, os mesmos roedores
Amigos do passado; espiam tosco broto

Que ao retornar ao lar uma esperança esgoto
E volto novamente aos dias em que horrores
Tomaram pensamento, e nele ao me propores
A morte em plena vida, o quão vago eu sou, noto.

Oh luzes que jamais eu poderia ver
Arauto incoerente; esqueço algum prazer
E volto ao meu jardim em fétidas daninhas.

Insetos, vermes são meus velhos camaradas,
E quanto mais me afundo, irônica degradas
Devolve-me; portanto, às plagas que são minhas...

23951

Refulge na manhã um sol de raro brilho
Estende-se por sobre os vales e as montanhas,
Relembro num momento; antigas, torpes sanhas
E as sendas do passado, incauto e tolo eu trilho

Fúlgida beleza espalha-se e o andarilho
Revolve como um louco as profundas entranhas,
E enquanto mais distante; atônita, acompanhas
Espectro do terror, aperto este gatilho.

Espasmo convulsivo, herética ironia,
Andante cavaleiro, aos poucos fantasia
Intrépida loucura, insânia me tomando,

E visceral, medonho; esqueço-me de ti,
Revejo no teu rosto, o amor que já perdi,
Volvendo a lucidez, então manso, me abrando...