quinta-feira, agosto 24, 2006

Eu trago, nos meus olhos, a saudade

Eu trago, nos meus olhos, a saudade,
De quem jamais devia me ausentar;
Sem ela, desconheço claridade,
Sem ela, vou buscando meu luar...

Quem dera Deus tivesse compaixão,
De quem , errou na vida sem saber.
De quem somente teve sempre não,
Como resposta hostil, sem ter por que...

Não quero mais sentir a ventania,
Roçando meus cabelos, sem ter pena.
Quisera conhecer, um novo dia,
A noite, cruelmente, faz novena...

Vencido por temer guerra e fastio,
Num último poema, tento vê-la;
Sem ela, não existo, sou vazio,
Vagando, vaga-lume, quero estrela...

O zéfiro respira, me bafeja,
Transgrido as ordens, erro sem destino;
Perdido, sigo tendo essa peleja,
Perdendo meu sentido, desatino...

Quem dera se pudesse ser criança.
De novo correria para os braços;
Daquela que pensei, triste lembrança,
Um dia cerraria tantos laços...

Mas sinto que não posso resistir,
Em vão procuro tenras mansidões.
De tudo não consigo nem pedir,
Paz renovada, lastro dos perdões...

Momento atroz , penumbra d’existência,
Cartas jogadas fora, sem valor.
Te peço, tão somente por clemência,
Quem dera conhecesses minha dor...

Quiçá, então tivesses piedade,
Num último delírio dum poeta.
A vida não seria, essa verdade
Que extermina, de forma tão completa.

Amores já os tive, e os perdi,
Retratos bolorentos do passado.
Mas amar, tal qual amo, só por ti
O meu verso entoando triste brado...

Nunca mais te terei, minha centelha
Dessa luz que transporta meu desejo.
A lágrima que escorre vai vermelha,
Da boca que sonhei com tanto pejo...

Arranco dessa rosa, seu pendão,
Espinhos vão cortando os pobres dedos.
A terra vai s’abrindo, some o chão,
Em volta, nos contornos, só meus medos...

Vencido pela angústia e pelo fado,
Meus pés vagueiam loucos por estradas.
Que nunca compartilham, mesmo lado,
Seguindo paralelas, já cansadas...

Meus mares são vazios, sem marés,
A barca dos meus sonhos naufragou.
Eu pergunto a mim mesmo, se tu és
Meu todo, me responda o que sobrou?

Vivendo sem ter rumo e sem porém,
De que me serve luta sem ter glória.
Sem ter porque viver, sem ter alguém,
Meus dias vou perdendo, na memória...

Enfim, melhor morrer se não te tenho,
De que me servem festas da natura.
As matas todas, por onde eu me embrenho,
São cadafalsos, plenos d’amargura...

Te quero tão somente por querer,
Eu te fiz minha lira e minha voz.
Procurei por alhures, mas cadê?
A noite me tragou, vida feroz...

Quem sabe num momento de ternura,
Possamos reparar o que findou.
A luz, enfim, brilhando, noite escura,
Me traga essa esperança que restou...

A vida passou ávida de vida

A vida passou ávida de vida, pelo campo onde caminhava solitário.
Não quis ser mar nem ser maré, quis viver Maria, que nada mais continha a não ser poesia...
Mas me detinhas a cada passo, teu cansaço e minha sina, meu abraço e tuas pernas, penugens e paragens, margens e manhãs...
Quis ser sonho e pedregulho, ser seixo e ser queixume, deixo meu ciúme e minha cisma; cataclisma fatal sem fátuos fatos...

Num átimo um ótimo momento, um último madorno me adorno de teus ouros e perolados olhos. Nos óleos que me tramas, casas e camas, nas brasas, chamas e não respondo, oculto.
Te cultuo num duo infernal, sem eco, sem ego, trôpego, trafego e me apego a teu passo, pássaro solto, contrafeito...
Desfeito tudo que pudesse ser meu, mel e mal, Maria, o mar ia amar, andei e não te vi, bem te vi, mentiras e martírios.
Marujo sem sabujo, não sei se rei, sereia que seria minha teia, mas atéia, ateia tantas brumas, bruxuleante brisa, concisa e precisa, necessária...
Amar Maria, mar ondeia, nos seios, seixos e desejos, um beijo e um aceno, contraceno com velas e veleiros.
Nas mãos vazias, azias e ânsias, anseias seres livre, me contive e não tive outro chão...
O vão aberto sob meus pés, fendida a praia, fendida a saia, a baia, o portão...
O porto longe, a vida longe, longevidade para quê?
Na seda que roubaste e vestiste insiste meu tato, permite o olfato que, de fato serei ato, sou regato e regado a tanta maresia...
Mar se ia sem Maria, sem marés e sem viés para o invés do investido, antes tivesse ido, morrer no mar, sem Maria, sem mares, sem marés, sem poesia...

No meu cabelo ao vento, quero pente

No meu cabelo ao vento, quero pente,
Na minha mão sedenta, peço luva.
Como é cruel sentir a dor de dente,
Choveu mas esqueci meu guarda chuva...

Mordendo, teu veneno de serpente,
Quando passas, renovas passas, uva...
Como enxergo? Dos óculos és lente,
Nas baladas, embalas quando groova...

Nem versos meus, conversas jogo fora...
Na partida parida pela guerra.
Se tanto quis outrora, quero agora.

Não sei bem certo, tudo que me encerra.
Na natureza, certo és fauna e flora..
O templo mais gostoso desta terra...

Extraio poesia da cachaça

Extraio poesia da cachaça,
Num copo ressuscito tanto trago,
A vida bem melhor, dança na praça.
O resto dessa farsa, fez estrago...

Nos livros que devoro, como traça,
Reparo nos prefácios Nem indago.
Palhaço, vou temendo não ter graça,
Do que restar caduco, tudo embargo...

Na minha certidão de nascimento,
Não tive solução para o problema.
Ser filho da saudade e esquecimento,

Não quero nem desejo ser teu tema,
Vivendo por saber que casamento,
É como um ovo, feito clara e gema...

Vida vai sem sentido vai sem nexo

Vida vai sem sentido vai sem nexo,
Eu tento solução, mas não consigo,
Procuro mãos, encontro só teu sexo,
Beijando calmamente, então prossigo...

Não quero conceber pois sei complexo,
O sentimento fútil, meu abrigo,
Respondo nesta carta, vai anexo,
O que restou, guardou perfeito artigo.

Sentido cravo nesta marcação,
Embora saiba nunca deste não,
Num átimo servil, não faz sentido.

Mimosa fosse rosa o teu pedido
Me deixe ser somente teu marido,
Quem sabe irei tocar teu violão?

Minha mão passeando por você

Minha mão passeando por você,
Buscando por seus seios divinais.
Querendo, tão somente me perder,
Em meio a suas selvas, matagais...

Meus lábios, vão buscando, por querer,
Entradas e bandeiras, quero mais...
Vertendo meus desejos, vou saber,
Onde encontrar você; mananciais...

Vou descer, mansamente, cachoeira;
Que em meio a suas pernas, incendeia.
Saber lhe conhecer, viver, inteira.

Intensas as fogueiras que incendeia;
Não quero nem saber da verdadeira
Morfina; seu amor, em minha veia...

Bastam-me mais uns poucos sentimentos

Bastam-me mais uns poucos sentimentos,
Não quero transformar tristeza em ouro.
Minha história não cabe tais momentos,
Essa faca penetra no meu couro...

Arrebentando tudo, seguem lentos,
Meus cruéis guias, sabem dess’agouro.
Nada seria nem sérios os ventos
Que me retornam, livre matadouro...

Me deixaram saber que não partilhas,
De minha sina, víbora-veneno.
Nem os teus cães, caçando nas matilhas,

Conseguem penetrar meu sonh’ameno...
Fugindo sem parar, quer’essas ilhas,
Que me dariam, sono mais sereno...

Meu amor, não saber por onde anda

Meu amor, não saber por onde anda,
Embriagado, restam-me tremores.
É jóia rara, como um urso panda,
Quem me dera sentir perfume e flores...

Sua festa, clarins tocam na banda;
Nas ruas, alamedas dos amores...
Tanto quero, liberto-me em Vanda,
Seus caminhos, por onde vai, olores...

No sentimento, lúdico, d’amor;
Por um momento, vértice de luz,
Vanda me faz sentir por onde for,

A vida leve, é breve minha cruz,
Deste cenário, sigo sendo ator,
Ao fundo um cego, triste, toca blues...

Participo de todo este cenário

Participo de todo este cenário,
Na procura de nova solução
Se vivo, não sou canto nem canário.
Nem quero ser problema nem senão...

Sou vertigem sentido e campanário,
Muitas vezes prendi porta e porão,
Não temo nem sequer sou temerário...
Calha quebrando encalha o coração...

Vate sem termos tento ser poeta,
Nessa busca incansável pela musa,
Minha noite sem horas, sei completa,

Nos cabelos, serpentes, és medusa.
Nos teus olhos, carpidos, sangue injeta.
Que delícia: tirares tua blusa...

Sensual, teu corpete cor de rosa

Sensual, teu corpete cor de rosa,
Fazendo delirar minha libido.
O olhar deliciado, faz que goza,
Em tal emaranhado, sem ter lido

Sequer algo que fosse nova prosa.
Amor, batendo forte, descabido,
Tritura tantas manhas, antegoza,
Do que mais poderia ter sentido...

Teu corpete caído no sofá,
Esquecido, traduz os meus anseios.
Como que se pudesse, estando lá;

Acariciar, toda, sem rodeios,
Essa bela mulher, gata angorá,
Dos seios que permitem devaneios...

Vai chovendo confetes sobre mim.

Vai chovendo confetes sobre mim.
Na festa, pela fresta da janela,
Tanto ser pierrô , ser arlequim,
Saudades são tão minhas quanto dela...

Não quero carnaval, nem mesmo assim,
Tampouco vou saber ser sentinela,
Dessa rosa que morre, cor carmim,
Nas manhãs, que me devora, singela...

Rompe dia, sem tento nem sustento,
Teu grito, colombina, foi engano.
Se matasse, veria cortar lento,

O que me dera, solto, simples plano,
Que me deu conforto, mais de cento,
Meus amores estragam e eu m’abano...

Me dê tuas mãos, vamos procurar

Me dê tuas mãos, vamos procurar,
Nos espaços celestes, nossa cama.
Quem sabe bem por onde começar;
Conhece, dos amores, toda a chama...

Vamos nessas galáxias, luar,
Procurar nos cometas todas tramas
Que, sem sentir, passamos a vagar;
Nas florestas divinas tantas ramas...

Vamos em busca do sonho perdido,
Onde nunca mais quero ver ocaso.
Meu mundo, tempestades, dividido.

Entre tantas certezas e o acaso,
Eu sou o alvo, flechado por Cupido,
Sem ter rumo, sem meta, sem ter prazo...

Cordel - A minha sina - capítulo 1 - O coronel e o doutor


Vou curvando minha vida,
Nas capotadas da sorte,
Perdoando até a morte,
Que sei que traz despedida.
Minha sina, minha vida,
Carrega tanta certeza,
De fundear a tristeza,
De trazer pano pra manga,
A morte, minha capanga,
Flutua desta leveza.

Fiz parto de sucuri,
Namorei onça pintada,
Minha sorte não foi nada.
Carreguei o que perdi,
Travei luta e não venci.
Deu empate nessa joça.
Fiz uma nova palhoça
Para morar com você;
Queria lhe conhecer,
Plantei uma nova roça.

Você foi minha quimera,
Não conheci sua manha,
Minha lida foi tamanha,
Dentro da minha tapera,
O sal da vida tempera.
Plantei feijão, plantei milho,
Plantei, em você, um filho.
Fiz da lenha essa fogueira,
Minha velha companheira,
Só tem cano e tem gatilho.

As armas da solidão,
São as mesmas que disparo,
Com meu amor, eu deparo,
Nas rotas do meu sertão,
Bebo o sim, conheço o não.
Vadiando sem parar,
Sem ter nem onde chegar,
Sou um passo da saudade,
Vou mesmo sem ter vontade,
No sertão virando mar...

Cravo dente na maçã,
Da cara de quem me escarra,
Tenho dentes tenho garra,
A vida segue mal sã.
Tem tempero d’ hortelã...
Nas enchentes da ribeira,
Desabou a barranceira,
E cobriu casa e estradão,
Nada restando, senão
Uma cama e uma esteira...

Nas ligas dessa fornalha,
As plagas se confundiram,
Vieram e se fundiram
Numa ponta de navalha,
Nessa dor bem mais canalha.
No medo da poesia,
Fiz a minha moradia,
Nos altos desse penedo,
Mas a chuva meteu medo,
Só restou melancolia...

Coronel Antonio Bento,
Cabra muito descarado,
Só matou pobre coitado,
Sempre a gosto e a contento,
Nem precisa juramento...
Pois mesmo de safadeza,
Carregado na pobreza,
Matou sem pedir licença.
Matou mais que a doença,
Por causa de miudeza.

Deu três tiros em criança,
Comeu ovo de valente,
Matou cabra já doente,
Se não me falta a lembrança,
Matou até esperança...
Sem dar chance de defesa,
Foi o rei da malvadeza,
Não perdoa nem defunto,
Quando a morte é o assunto,
Coronel é realeza...

Pois bem, meu companheiro,
Conto sem titubear,
Pela luz desse luar,
Juro pelo mundo inteiro,
Que no dois de fevereiro,
No sertão da Muriçoca,
Coronel virou paçoca,
Nas mãos desse matador,
Contratado por Doutor,
Lá da serra da Minhoca...

Doutor lá da medicina,
Homem muito conhecido,
Famoso por ser sabido,
Que conhecendo Marina,
Pelo amor, mal assistido,
Quis levar ela pro céu,
Nessa vida assim, ao léu,
Nos colos dessa montanha,
Conheceu a dor tamanha,
Na filha do Coronel...

De emboscada, na tocaia,
Foram três tiros com fé,
Dois na cabeça e um no pé,
Estribuchou qual lacraia,
Bem antes que o mundo caia,
Escapou por um milagre,
Mas a vida pro vinagre,
Ficou quase sem andar,
Agora deu de sonhar,
-Vou pescar aquele bagre...

Lá na capital mineira,
Escondido na grandeza
Da cidade, na certeza,
De que numa vez primeira,
Preparava uma rasteira,
Para o Coronel safado,
Mundo gira, tá girado,
Tempo passa sem parar,
Não perde por esperar,
Já tá tudo combinado...

Passa mês, passa dois, três,
Passa um ano sem notícia,
A vida naquela delícia,
Coronel matando rês,
Volta e meia, outro freguês.
Tudo em paz, na paz da morte,
Quem tiver pouco de sorte,
Escapa da covardia,
Vê nascer mais outro dia,
Sabe que é gado de corte...

Numa ponta de fuzil,
Na bala bem atirada,
Vida não valendo nada,
Coração batendo vil,
Nessas terras do Brasil.
A morte por encomenda,
A solidão vira tenda,
Vai cortando esse caminho,
Cabra andando tão sozinho,
É, da morte, compra ou venda...

Acontece que, Marina,
Moça bonita e safada,
Me pegou só, de empreitada,
Pela luz que me ilumina,
Foi a minha triste sina...
A moça bem sem vergonha,
Me deitou mesmo sem fronha,
Num travesseiro de terra,
Lá bem n’alto dessa serra,
Que prazer e dor medonha!

As pernas da moça prendiam,
Eram como um alicate,
Prontas para esse arremate,
Davam prazer e ardiam,
Depois, de novo, fugiam...
Madrugadas com Marina,
No mato, bem de surdina,
Dos grilos, de companhia,
Mordia, depois gemia,
Marina, doce menina...

Sabendo que essa querência
Era coisa do diabo,
Pisando em Satã, no rabo,
Imaginei qual valência
De morrer sem clemência...
Mas a vida tem seu jeito,
De fazer desse mal feito,
Uma nova circunstância,
Mesmo tendo na distância,
Essa dor que dói no peito...

Quis a vida, no seu bote,
Trazer minha solução,
Sem ter mesmo precisão,
De sangrar o seu cangote,
Nem viver desse rebote,
Tive a sanha mais querida,
De salvar a minha vida,
No meio desse pagode,
Matar esse velho bode,
Era a minha despedida.

Acontece que o doutor,
Sabendo da valentia
Que meu nome já dizia,
Entre os cabras de valor,
Escolheu, pra matador,
Dentre os homens do quartel,
Que sangrasse o Coronel,
Esse que aqui vos fala,
Me deu rifle, me deu bala,
Pra mandar ele pro céu...

Fiz que não queria tento,
Pois já conhecia a fama,
De deitar gente na lama,
De não ter um pensamento,
De saber que esse jumento,
Era a mais terrível fera,
Que riscava até cratera,
Nas pontas do cravinote,
Era preparar o bote
Que a morte sempre se gera.

Cobrei desse Satanás,
Pra fazer esse serviço,
Que eu mesmo já cobiço,
Quase vinte mil reais,
Se pedisse, dava mais...
Da raiva que ele mantinha,
Da tristeza que ele tinha,
De não poder mais andar,
Da querência de vingar,
As balas que ele retinha...

Numa noite sem ter lua,
Me preparei para a caça,
Com uns goles de cachaça,
Me dirigi para a rua,
Onde o medo não atua,
Onde a saudade não vinga,
Eu tomei mais uma pinga,
Prá coragem não fugir,
Na certeza de engrupir,
Os quatro ou cinco safados,
Que, pau desses bem mandados,
Dali não iam sair...

Acontece que, chegando,
Na casa do celerado,
Olhando assim, bem de lado,
Eu fui logo reparando,
Nesses olhos que, m’olhando,
Diziam pois sem dizer,
Que bem queriam me ter,
Da forma que sempre teve,
Na cama que me conteve,
Do jeito que fosse ser...

Marina, bem safadinha,
Camisola transparente,
Dizendo ser eu parente,
Do mesmo saco, farinha,
Me fez de galo, a galinha.
Colocou dentro de casa,
A fogueira e toda a brasa,
Que queriam tanto arder,
Era matar ou morrer,
A vingança não se atrasa...

Fiz da sorte, o sortilégio,
A vida foi na maçada,
Sangrou até na calçada,
A morte sei do colégio,
Matar foi meu privilégio.
Sei de tanta valentia,
Que não viu raiar o dia,
Sangrada no coração,
Não deixou sequer razão,
Nem a sorte que queria...