sexta-feira, setembro 15, 2006

Viuvez

Perpetuas feroz a mão que mordes,
Minhas semanas voam sem perdão.
As cordas das violas, meus acordes,
Pretendo te tocar o coração...

Me fiz até senhor onde quis lordes,
Nas ondas dessa tal revolução...
Marujos vão cuidar, embarcação,
Não há mais lua bela que recordes...

Nas pontas das estrelas as verrugas,;
Meu rosto colorido pelas rugas,
Demonstra minha velha insensatez...

Ladrando, vou fugindo pela escada,
Andrajos que carrego não são nada,
Chorando, carregando a viuvez!

Repente

Venho desse passado mais distante,
Não queres comparar com tua vida,
A noite me trazendo a despedida,
Não me resta sequer mais um instante...

As trouxas que carrego, fascinante,
Não pesam nem consigo... Cai perdida,
Essa estrela cadente, já ferida...
Vencido me lembrei do teu semblante.

Nas pontes, novas fontes, novos brilhos...
Nos mares, novos barcos, velhos trilhos;
Receba enfim um beijo da serpente

Que cultivaste sempre com carinho.
Amares por luares trago o pinho,
A lua, no seu brilho, meu repente...

Cortado

Cortado pelas cruzes que me negas,
Nas urzes que deixaste meu caminho,
As cores que pintei, formando pregas,
Não posso ser feliz assim sozinho...

Vencido pelas noites sou piegas,
Covarde não consigo ter meu ninho,
Nos mares onde vivo não navegas,
As roupas que me deste, puro linho...

Quebrei tua mordaça, te dei fala,
A morte conseguida faca e bala...
As alamedas mostram meu destino.

Te fiz a poesia mais tranqüila,
Venenos tua boca já destila,
Quem dera se pudesse ser menino!

Labaredas

Labaredas lambendo meu sorriso,
As chamas que me queimam aliviam,
Bem sei que navegar inda é preciso,
Fingi que sei o que eles não sabiam...

Amor que enruga, livre torna liso,
Por tantas coisas novas que surgiam
A morte não precisa nem de aviso,
As labaredas, chamas, me lambiam...

Cortei meu pé, feri meu sentimento.
A bula não resolve nesse ungüento;
Urtigas que me coçam trazem cura...

A vida não perdeu um só segundo...
Meu coração parece vagabundo;
A lua não clareia a noite escura...

Transplante

Nem sei mais dos meus sonhos, nem desejo...
As crateras abertas no meu peito,
Pertencem a um tempo já desfeito...
As bocas que beijava, já não beijo.

O tempo que perdi, por tanto ensejo,
Carcome todo o cerne, num defeito.
O tempo que sofri nem sei direito,
Faz tempo que guerreio que pelejo...

Nos trâmites normais perdi meu tento.
Nas partes que sobraram desse invento,
Cavalos vão voando na amplidão!

Nos risos da faminta multidão
As portas se fecharam num instante.
Meu coração precisa dum transplante!

Embriaguez

Bêbado, totalmente embriagado.
Caminho às cegas, negas, mas eu sigo.
As estrelas caídas que persigo,
Nada dizem, somente dão recado...

Minhas roupas rasgadas. Atracado
No teu porto, recebo teu perigo,
Percebo teus sorrisos, não consigo...
Por isso bebo, sinto-me cansado...

A morte encontrarei nesse meus tragos.
As dores que eu amei, causam estragos ...
A noite vem vestida, lindo fraque...

Nos versos que lamento minha sorte;
Não posso me esquecer da minha morte.
Por isso vou brindando esse conhaque!

Ausência

Perdoe-me por nunca ter te amado...
Tantas vezes tentei, isso é verdade,
Não posso mais negar a realidade.
Não mereces, portanto, esse pecado...

Um coração vazio, esse é meu fado;
Não posso procurar a claridade,
A vida me negou essa vontade.
Sozinho, sempre estou acompanhado...

As minhas fantasias já morreram,
As noites nunca brilham para mim...
As flechas de Cupido sempre erraram...

Não posso conceder nem um segundo.,
A vida verteria assim, meu mundo,
Me arrastando, cruel , para o meu fim....

Cordel - A Minha Sina Capítulo 13 - A Cabeça Satânica

Depois de ter escapado,
De novo dessa mulher,
Pensei preciso de fé,
Senão eu já tô ferrado,
Nesse mundo desgraçado,
Sem tentar escapatória,
Dei a mão à palmatória,
Vazei daquele lugar,
Preciso me concentrar,
Senão nem resta memória...

Procurando me esconder,
Entrei na mata bravia,
A gente, quando se fia,
Não tem nada pra temer...
Nas matas do Zabelê,
Nas minhas Minas Gerais,
Espero poder ter paz,
Aqui a terra eu conheço,
Não pode dar nem tropeço ,
Descansar, eu sou capaz...

A noite estava bonita,
Noite de lua e luar,
Um bacurau a cantar,
Outra coruja que grita,
E quem não é bobo evita,
Escapar donde se encontra,
Não tenho medo por conta,
Mas não quero vacilar,
Deixando só por deixar,
A noite, bobeia, apronta!

Debaixo dum jetibá,
Aqui vou ficar, parado,
Descanso bem sossegado,
Repouso não vai faltar,
É melhor ir repousar,
Não perder um só segundo,
Depois eu vazo no mundo,
Procurando Deus M’acuda,
Por certo terei ajuda,
Vou dormir sono profundo...

Sonhei com tanta beleza,
Satisfiz o meu desejo,
Em anja dei muito beijo,
Espantei minha tristeza,
Nadei contra a correnteza,
Fiz a casa de sapê,
Isso é lugar de viver,
Não tem outra solução,
Pr’essas terras, pr’esse chão,
Só no sonhar dá prazer!

Encontrei com Virgulino,
Em Marina dei abraço,
Vencendo esse meu cansaço,
Eu cruzei todo destino,
Virei de novo menino,
Nas cordas dum violão,
Levantava o poeirão,
Dançando muito forró,
Da vida nem tive dó,
Balançou meu coração...

As danças que lá dançava,
Não parava de dançar,
Dançando bem devagar,
Nessas danças me encontrava,
Dancei do jeito que tava,
Não corria mais perigo,
Acabara-se o castigo,
Nem ligo pra mufuá,
O pau pode vir quebrar,
Eu finjo nem é comigo!

Sonho gostoso de ter,
A noite fazia frio,
O coração mais vadio,
Despencado de bater,
Acostumado a sofrer,
Tava bem sossegado,
Eu também tava cansado,
Precisava repousar,
Mas não dá pra descansar,
Sem ficar preocupado.

Um barulho, então ouvi,
Era o mato se mexendo,
Reparei que tava havendo,
Acordei depressa, eu vi,
Há uns dez metros dali,
Uma coisa me espantou,
Do mato se levantou,
Uma coisa diferente,
Uma cabeça de gente,
Que parece, alguém cortou...

A cabeça se mexia,
A danada até falava,
Dava riso, gargalhava,
Tanto medo ela metia,
Desabei na correria,
Sem pensar em direção,
O terrível cabeção,
Não se fez nem de rogado,
Disparou para o meu lado,
Eu não via solução...

Atrás da tal cabeçona,
Eu vi um descabeçado,
Pensei, já tô ferrado,
Meu pai já to na lona,
Vou correndo pr’outra zona,
Aqui não fico mais não,
Procurei o meu facão,
Correndo sem pena e dó,
Cortei mato, até cipó,
Vazei no capoeirão.

Me lembrei então na pressa,
O que contava vovô,
A cabeça se criou,
Na noite que não confessa,
Eu não escapo mais dessa,
Gosmenta como o quiabo,
Com essa agora me acabo,
A cabeça vem atrás,
Foi feita por Satanás
A cabeça do diabo!

Então reparando bem,
Eu vi no descabeçado,
Aquele jeito safado,
Que me lembrava d’alguém,
O capeta agora vem,
Atrás de mim, não tem jeito,
Meti as caras e o peito,
Num buraco qu’encontrei,
Lá dentro eu me enfiei,
Me dou bem por satisfeito...

Quando entrei nesse buraco,
O danado se fechou,
Quem tava fora ficou,
Escapei, foi por um naco,
Confiando no meu taco,
Fui entrando pela terra,
Um bom cabrito é que berra,
Calado morre, sem pena,
Ao entrar, que bela cena,
Um monte no mei da serra!

Tudo brilhava, dourado,
O sol lá tinha nascido,
Até hoje eu duvido,
Daquele meu novo achado,
E fiquei maravilhado,
Com o que meus olhos viu,
Nem parecia o Brasil,
Uma lagoa dourada,
Muito bela, iluminada,
Por um céu azul, anil...

Quando ouvi então sussurro,
Duas moças que se ria...
Me escondi, sem covardia,
Que eu não sou um cabra burro,
Ponta de faca dei murro,
Não quero mais confusão
Me deitei naquele chão,
Reparei que ele brilhava,
Toda a terra clareava,
Um bonito amarelão...

As duas moças branquelas,
Com o cabelo bem liso,
Vou me calar pois preciso,
Escapar pra longe delas,
As roupas bem amarelas,
Os cabelos alourados,
Até chinelos dourados,
Uma riqueza de brilho,
Parecendo até o milho,
Os cabelos cacheados..

Pensei bem onde é que estava,
Depois é que recordei,
Tanta coisa que não sei,
Mas aquela eu me lembrava,
Tanto brilho que brilhava,
Até num lago dourado,
Já tava tudo explicado,
Esse lugar diferente,
Adivinha minha gente:
Encontrei o Eldorado!

Nada mais belo no mundo,
Precisei me beliscar,
Não dá nem pra acreditar,
Que nesse buraco profundo,
Aqui nesse fim de mundo,
Lugar de muita beleza,
Lugar de muita riqueza,
Guardado nesse buraco,
Já tava ficando fraco,
Esperei na correnteza...

Quando vi, bem de repente,
Um bicho bem engomado,
Num caminho rastejado,
Apareceu bem contente,
A danada da serpente,
Começou a me falar,
Então eu fui reparar,
O negócio complicou,
Um bicho que me falou,
Já dá pra desconfiar...

De repente a gargalhada,
Conhecida já faz tempo,
Me criou um contra tempo,
Eu não pensei mais em nada,
A risada da safada,
Da mulher de Satanás,
Corri, deixando pra trás,
Tanto ouro que nunca vi,
Nem da terra despedi,
Mais que o ouro vale a paz!

Voltei de novo, correndo,
No buraco do tatu,
Tô cagado d’urubu,
Viver assim, me escondendo,
Tantas terras percorrendo,
Até descansar da sina,
Pela luz que me ilumina,
Já tô ficando cansado,
Pelo capeta marcado,
Outras tantas me destina!

Me Ouves?

Caudalosas tempestas fazem rombo
No que, deveras, tive e não mais tenho...
Martírios me percorrem como um trombo,
Das mais vazias noites, eu me emprenho...

Latejam tuas mãos, cortando o lombo.
Derrotas meus amores, nem me empenho,
Pois sinto já teus pés, prevejo o tombo...
Nas tonturas longínquas donde venho,

Resgato, essa completa solidão...
Carpindo procurando, teu perdão;
Esqueço, velozmente, teu passado...

Notícias que busquei pela internet,
Me dizem que jamais vida repete;
Me ouves? Nem escutas o meu brado!

Corvos

Crocita o coração, agonizante...
Varando tantas noites, insensatas...
Precisa ser preciso novo implante,
Transplantando, do peito, essas cascatas!

O tédio, meu remédio meu purgante,
Não deixa nem sequer florestas, matas...
Nos livros, me liberto, velha estante.
Carcomida, a minha alma, nas baratas...

De fascínios lascivos quero o gozo.
Tatuagens cravadas. Canceroso
Sentimento, devora, serpenteia...

Se pensei numa lua quase cheia,
Toneladas de mármore me queimam.
Os corvos que namoro, imploro, teimam...

Espelho

Imagem refletida nesse espelho.
A vida foi, talvez, sua madrasta...
As contas ficarão só no vermelho.
A morte, tão solene, vem, arrasta...

Se queimando, cortando este fedelho
Que sonhara ser homem. Sua pasta
Carregando seus sonhos. Um conselho
Não vale mais. O fogo vem, se alastra...

Não restará sequer uma lembrança;
Dia amanhecerá sem esperança...
Na fogueira da vida, nem a cinza...

Perdido, sem recado, sem retrato;
A vida corroeu seu velho fato,
Devagar, mansamente, ele agoniza...

Amparo

Desamparado sigo meu caminho,
Não tenho mais esperas nem sentido...
Meu mundo desastrado, dividido.
Sou passado, pesado, passarinho...

Amparo, cara Amparo, quero ninho.
És essência, demência, lis, libido.
Busco o barco impossível, erigido,
Sonhos tempestuosos... Vou sozinho...

Amparo, foste guerra, foste paz...
A vida que se encerra, tanto faz.
Queria simplesmente cheiro, faro...

Toques sutis na cútis que pretendo.
A noite vem, irei sem ti, morrendo,
Sem forças, esperanças, sem amparo...

Canto Mágico

Os anjos que me beijam, compassivos;
Nas trevas e tabernas, tabernáculos...
Nas horas, orações, hordas, oráculos...
Deitados, languidez, os faz lascivos...

Os anjos, com seus seios, meus cativos...
Eu tento novo intento, seus tentáculos!
Eu espero espreitando os espetáculos.
Carinhos, meus caminhos decisivos.

Os anjos se guardando para a festa,
Idílio, novo exílio, quero a fresta
Por onde todo amparo faz-se trágico.

Os anjos penetrando os sentimentos,
São banjos, seus arranjos, meus momentos.
Encantos de esperança, canto mágico!

Espirais

Quando estás mais distante te imagino,
Sentimentos fantásticos misturam...
Vazio, vou sozinho. Dores curam,
Bem sei, mas jamais quero tal destino.

Quem me dera sentir-me, campesino,
Verter duras labutas que depuram.
Os suores amantes se procuram,
Num delírio vertigem, leonino...

Delicados sentidos, sonhos, erro...
Procuro-te nas tocas. Bocas, berro...
Não me escutas, secretos sentimentos...

Mudo, sigo sozinho... Nada mais...
Nos cigarros que fumo, as espirais,
Desenham, vaporosas, sofrimentos...

Flores astrais

Teus olhos, mansos olhos, meu farol...
As luzes que refletes vão distantes...
Num brilho, belo trilho, faz o sol,
Claro sol, rebrilhar muito mais qu’antes!
Nas procuras por mares, lua, atol,
Teus olhos, belos olhos, mais brilhantes!
Tu tens a claridade dos cristais;
Fazendo florescer flores astrais!

Hora Morta

Hora morta, a vida não mais repete,
Os meus sonhos dividem pesadelos...
As minhas cartas voltam, restam selos.
O tempo atroz, distância me remete...

As festas que passei, quero o confete.
Teus olhos inconstantes, quero tê-los.
O poder de esquecer, ou convertê-los,
A dor de não saber a mim compete...

Hora morta; procuro, pela sala,
Os rastros, passos, nada tenho... Cala
A noite; mergulhando no passado,

Agonizo... Granizo traz estio.
Mas meu coração, fraco, sente frio...
Nesta hora morta, estou desesperado...

Saudade, sentinela da paixão

Saudade, sentinela da paixão,
Alarma, toda vez que sente dor...
Dispara, sinaliza o coração.
Taquicardilizando, chama amor!

Nas voltas da noturna solidão,
Vasculha, procurando pela flor
Teimosa, que não deita a floração,
Nos campos onde amor foi plantador...

As armas apontadas para o peito,
Fingindo-se de morta, perde tino.
Quem planta tempestade, satisfeito,

Batuca o coração desse menino...
Saudade, sentinela faz alarde,
Viver sem ter amor, é crueldade!

Sonhos

Sonhei contigo, esferas diferentes;
As feras que encarnavas, repelia...
Quisera conhecer a poesia
Cantada assim por mim, todas as gentes...

Teus olhos refletiam novas lentes,
Brilhavam, sem me ver, um solar dia.
Dançavas levemente, a fantasia
Crivava-nos de loucos sons, dementes...

Sonhei contigo, vidas já passadas,
Eu era então, moderno sonhador,
Nas flautas que tocavas, toda a dor,

Nas horas que tentavas, sou disperso...
As mãos seladas, velhas, tão cansadas,
Roubavam toda luz desse universo!

Florence

Porque foste assim? Vândala e cruel...
Tragaste, em um momento, toda a essência.
Cravaste, sem te pena nem clemência,
Os punhais, tuas garras... Beijas fel,

Atemorizas sonhos, vida, céu...
Percebo que perdeste a paciência,
Viver não é sequer coincidência...
Os restos que vivemos, num tropel,

Seguem. Acolherei as tuas presas,
As dores que sentimos, vão acesas,
A morte que sonhaste, me pertence...

Das flores que reguei, só tu, Florence
Não deu senão espinhos, cortas fundo...
Nas ondas que serpeias, vai meu mundo!