quinta-feira, fevereiro 04, 2010

24185

Simpatizas com dores e tormentas
E quando não consegues destruir
Ainda sem ter forças pra seguir
A tempestade imensa que ora alentas

Em meio às ondas tantas, violentas
Não posso mais pensar n’algum porvir
Se tudo o que procuro a te pedir
Responsabilidades? Cedo isentas.

Exijo talvez por incoerência
Algum momento apenas de clemência
E nisso se mostrando os desatinos

Desprendes de teus olhos tal fulgor
Que quando se pretende recompor
Os dias que virão mais cristalinos?

24184

Acordo e quando vejo em desacordo
O quanto se fez tanto e agora é nada,
A sorte quando em morte malfadada
Deveras feito feras no rebordo

Esboço este retrato em tratos férreos
Encilho estes corcéis libertadores
E busco mesmo quando tu te fores
Os sonhos sem ter quem ainda; ferre-os

Desta intempérie, impérios derrocados,
As ânsias expressando o que mais quero,
Arfando como fosse um fogo fero
Em fátuos turbilhões já degradados

Regresso do que outrora fora excesso
E agora cada engodo a ti confesso..

24183

Vivendo a luz que aviva a voz dos sonhos
Aonde ondas diversas versam mares
Por onde tu pretendes desandares
Decerto deverias céus medonhos.

Adentro-me deveras, vãos bisonhos
E biso quando piso teus pomares
Arcano qual arcanjo diz altares
Exaltam-se momentos mais risonhos.

Num lúdico cantar, lúbrico anseio,
Brindando em tal ardor desnudo o seio
E sei o que virá; delito e glória

Perecem; padeceres que prudentes
Impedem maravilhas impudentes
Matando a velha sombra merencória...

24182

Adejo-me em diversas dimensões
Sobejas maravilhas encontrando
Serenamente em tempo suave e brando
As horas se moldando em tais visões,
Vislumbro abrindo em paz os corações
Audácia se apresenta emoldurando
Dourando este caminho, raro bando
De estrelas; constelares seduções.
E sabes sem censura sensual
O amor quando se faz consensual
Expressa um ritual maravilhoso,
Orgástica loucura não se doma,
E quando invade a pele, alma e o estroma
Volátil vôo em vão, vertiginoso...

24181

Viver desta esperança que me trazes
Nos olhos benfazejos da ilusão
Ar puro se transborda em sedução
Enquanto feito em lua, ditas fases,

E sendo que bem sabes o que fazes
E as glórias que decerto inda virão
Perceba a maravilha de um verão
Expressa em raios fúlgidos, fugazes.

Efêmeros momentos florescendo
Na fluorescência rara de teus olhos
Florada vai tomando enfim abrolhos

Na franca efervescência, eu me defendo
Deste flagelo infame, feito em fome
Defasa-se a tristeza, foge, some...

24180

Eneassílabo verso eu persigo
Procurando talvez incapaz
De viver esperança que audaz
Servirá como um último abrigo,

E deveras a sorte eu consigo
Num viver que não seja mordaz
São palavras diversas que a paz
Muitas vezes não mostra o perigo

Onde a lua se esconde na mata
E a saudade voraz me maltrata
Quando vejo teus olhos, morena

A certeza se apossa de mim,
De onde quer no deserto em que eu vim
A alegria em ternura se acena...

24179

Não colho mais as dores do passado
Aonde não podia crer possível
Que a sorte se tornara mais plausível
E o medo num amor, abandonado.

Vivendo a cada dia do teu lado
O gozo de um prazer além do crível
No canto que se mostra imperecível
O verso pelo Amor abençoado.

Não creio mais nas velhas desventuras
E vejo que visões dizem da glória
Aonde se moldando em senda flórea

Deveras novos rumos que procuras
Encontras nas estrelas que polvilhas
Por sobre nossa vida, suas trilhas...

24178

Ocasos em voláteis luzes; vejo
E nelas os matizes ditam cores
Soberbas onde colho raras flores
Toando com ternura este desejo.
Distanciando embora, em vão lampejo
Prossigo em raro encanto sem opores
Aos sonhos mais felizes; sedutores,
Tutores dos meus dias, claro ensejo.
Havendo de surgir sem alternância
Apenas este amor que em abundância
Municiando a vida em tais prazeres
Florescem entre nós, mil primaveras
Realças a beleza e não alteras
Estrelas que refulgem; no colheres.

24177

Fartando-se da glória no infinito
Aonde procurara te alcançar
Um sol deitando as luzes sobre o mar
No amor que nos transforma; intenso, eu grito.

Viver a plenitude e ser bendito
O gozo que nos toma no sonhar
Pudera em mansidão se renovar
O verso aonde amor, deveras cito.

E sinto que talvez já não consiga
Esgrimo com vontades, sacrifícios
E quanto mais difíceis os ofícios

Mais forte com certeza, cada viga
Aonde sendo erguida esta emoção
Resiste à mais cruel devastação.

24176

Procuro a cordilheira, andino sonho
E tramo em Himalaias nossa vida,
Mas quando vejo a sorte já perdida
Apenas vale escuro em vão componho,

Sombrio o nada ter se faz medonho
Deixando como resto, a despedida
E quando do futuro a glória olvida
Retrato de um poeta audaz, bisonho

Ao esgarçar-se assim nada trará
Imensa depressão; encontrei cá
Sem pélvico molejo dos quadris

Explicitando o amor já não mais vejo,
E quando penso resta algum lampejo
Não levo nada além da cicatriz...

24175

Aroma que se espalha pela sala
Minha alma ao mesmo tempo já se cala
E bebe extasiada, tal perfume
Qual fora uma falena em volta ao lume

Palavra dos desejos é vassala
E quando a poesia me avassala
Além do que pensara de costume
Por mais que contra a sorte a vida rume,

Não posso ter sequer algum momento
Caminho sem o qual já não me alento
Envolvo-me e enovelo esta esperança,

E quando ao grande amor, vida me lança
Arrumo com denodo a minha casa,
Porém Musa me trai, com outro, casa...

24174

Um mundo no passado antropofágico
Agora se mostrando novamente
E nisto o nada ser permita atente
A Musa com seu ar meio nostálgico.

Aonde fora apenas casuístico
Herética doutrina diz do vago,
E quanto mais deveras eu te afago
Procuras noutros corpos um ar místico,

Sou pelo menos tórrido e deveras
Excêntricos caminhos esotéricos
Deixando para tais gozos histéricos
Entrego-me sem medo ao que inda esperas

Embora meu poema seja empírico
O tom que rege a vida é mais satírico...

24173

Ao aspirar este ar soberbo e raro
Encanta-me deveras, poesia
Aonde a própria sorte se desfia
Num verso quanto amor penso e declaro,
Versando sobre a luz em que me aclaro
Enquanto o coração já fantasia
Afasto o que julguei mesquinharia
E vivo ternamente em manso amparo.
Elevo-me ao fulgir de um farto sol,
Sentindo esta paixão, nobre farol
Excita-me saber quanto se deu
O encanto não estanco e me proponho
A crer ser bem mais forte que algum sonho
O mundo todo nosso, teu e meu...

24172

«Tan m'abellis vostre cortes deman, / qu'ieu no me puesc ni voill a vos cobrire. / Ieu sui Arnaut, que plor e vau cantan; / consiros vei la passada folor, / e vei jausen lo joi qu'esper, denan. / Ara vos prec, per aquella valor / que vos guida al som de l'escalina, / sovenha vos a temps de ma dolor»



Dante

Alçando este degrau ascendo ao topo
E vejo quão doridos vossos dias
Constrito, envolto em fartas agonias
Embora não me torne um misantropo

Eu vos peço cortês e nobre amigo
Apenas um momento de atenção
Outrora farta dor e decepção
Agora noutra sanha busco abrigo.

Espero que saibais da dor que trago
E ser-vos-ei deveras sempre grato
Do meu passado atroz eu me retrato
E busco da esperança algum afago.

Perdoando a loucura do passado,
Vereis um novo dia, abençoado...

24171

Luar a quem Catulo Cearense
Poeta fabuloso, magistral
De todos o maior, nosso Mistral
Num canto insuperável, me convence

Da bela e prata dama sertaneja
Desnuda em raro brilho em noite imensa,
Minha alma tendo nela a recompensa
Encontra a maravilha que deseja.

Raríssimo fulgor, sem infortúnio
Tornando a própria vida inebriante,
Eu sigo a clara trilha a cada instante
Bebendo deste nobre plenilúnio

“Branqueja folhas secas pelo chão”
Tomando como deusa esta amplidão...

24170

Os ermos mais distantes consagrados
Aos deuses muitas vezes intocáveis
Voláteis ilusões são intragáveis,
Enquanto em nossos dias, desagrados.

Pudesse ter nas mãos finos agrados,
Mas sei dos teus caminhos insondáveis
E bebo destas águas não potáveis
Os dias que virão; a ti sagrados.

Aperolada e bela, rara tez
Ainda mais ausente tu não crês
No encanto que professo quando vejo

Em ti além de mero e claro altar
Esplêndida beleza constelar
Ditando as regras várias de um desejo...

24169

Em única harmonia vejo a vida
Ausente dos meus dias mais felizes
Deixando tão somente após deslizes
Uma ânsia totalmente em vão, perdida,

História noutra história quando ungida
Expressa a invalidez das cicatrizes
E quando de outros tempos tu me dizes
Ascendo à senda atroz, desconhecida.

Assíduo sonhador em dores feito,
O gozo da alegria num confeito
O medo se escancara e nada traz

Somente o desvario de um poeta
Que enquanto em ilusão não se completa
A cada novo verso mais mordaz...

24168

{Vós} sois üa dama
das feias do mundo;
de toda a má fama
sois cabo profundo.
A vossa figura
não é para ver;
em vosso poder
não há fermosura.

LUIS DE CAMÕES

Em vós senhora vejo claramente
As ânsias de um amor que não se acalma,
Trazendo uma esperança dentro da alma
Apenas o vazio este inclemente

Tomando-vos deveras plenamente
Assíduas ilusões trariam calma;
Mas sei o quão difícil, duro trauma
Em vos trazer o nada se pressente.

E perdoai-me se a voz já não se cala
Porém se da verdade a alma é vassala
Entendo que por mais que se procura

A sorte vos desdenha, caprichosa,
O mundo esta esperança vã vos glosa
Somente porque em vós, rara feiúra...

24167

Um manto feito em luzes e carinho
Aonde eu já decifro a magnitude
Do encanto que deveras nunca mude,
Pois dele com prazer eu me avizinho.
Tivesse a sensação de ferro e espinho
Mudando vez em quando de atitude
Moldando noutra esfera a vã saúde,
E nela sem temor irei sozinho,
Professo esta ilusão que não me doma,
Mas quando entorpecido em leve coma
O mundo me parece mais bonito.
Porém mal eu acordo e vejo ignaro
Caminho em que sem luta eu me declaro
E sem qualquer resposta, um tolo, eu grito.

24166

Permito-me falar da Diva e Musa
Que desde os tempos áureos da poesia
Traduz a forma exata em que se cria
O verso que em verdade, a história cruza,

Não deixe que se perca numa obtusa
Senda a maravilha em melodia
Ousando com soberba fantasia
Vencer a sorte amarga e tão confusa

Aonde se demonstra a insensatez
De uma era que se faz em turvas águas,
E quando nestes mares tu deságuas

Transformas a palavra que ora vês
Num mundo feito em brilhos tão diversos
Usando este cinzel que são teus versos...

24165

Pudesse nalgum canto o canto à vida,
Mas sei que o desencanto prevalece,
E sendo o que me resta, alguma prece
Expressa a solução em despedida.
Não tendo mais poder que dê guarida
A quem não crê, sem fé desobedece,
A teia que este mundo agora tece,
Expõe do próprio ser funda ferida.

Carcaça do que eu quis fosse mutante
Por mais que minha voz inda levante
Ninguém escutaria um tosco brado

De quem vivendo as dores do seu tempo,
Morrendo a cada novo contratempo,
Procura reviver treva e passado...

24164

Aonde procurara vi nenhum
E deste nada agora ainda sobra
O verso que em verdade dita cobra
E nunca mudaria; jeito algum.

Escrevo como quem não se conforma,
Pois não suportaria o que se alcance
Nas ânsias deste mundo em vão nuance,
E não comportaria qualquer norma.

Egocêntrico? Nunca desmenti,
Mergulho dentro em mim; e isto me basta,
A imagem transtornada, agora gasta
Traduz o que melhor percebo aqui.

Enquanto se prepara o temporal,
Aonde houver um cais, ponho esta nau...

24163

A sorte que me fez desencantado
Com tudo o que percebo dia a dia,
Meu verso se pudesse moldaria
Um tempo bem diverso; ledo Fado.
O que já se proscreve, diz passado,
Mas dele um novo ciclo se recria,
Trazendo ao velho porto esta agonia
Do barco que se fez mal ancorado.
Presumo deste insumo o que se esfuma
E bebo com certeza desta espuma
Aonde a podridão de um velho encanto
Brindando em raros copos de cristal
Agora o que concebo é frágil nau
Salgando o mar vazio em tosco pranto...

24162

Seguindo cada passo até o inferno
Mergulho neste imenso fogaréu,
Descrente deste ausente e turvo Céu
Nos antros mais imundos, eu me interno,
Bem sei que jamais fui, serei eterno,
E nisto reconheço o meu papel,
O canto procelário é mais cruel,
Mas como poderia ser tão terno

Se eu vejo esta desdita que se espalha,
Na multidão estúpida e canalha
Reproduzindo a insânia dos primórdios,
Sem ter sequer talvez que inda aborde-os
Percorrem este mundo feito em gozo,
Depois num fogo espúrio ou invernoso...

24161

Aonde em descampados meu futuro
Previra neste oráculo, um cigano
Semeio cada grão do desengano
Cultura que deveras eu procuro,
O céu do embrionário gozo é duro
Ascendo ao Paraíso e já me ufano
Do verso que deveras segue insano
Por onde na verdade, não perduro.
Apenas tão somente uma excrescência
Não trago em minhas mãos, sequer clemência
E vivo sem remédios, por viver.
Um tempo em que se mostrara destroçado,
Ainda molda agora o seu reinado,
Matando o que me resta de prazer...

24160

Aonde se pudera uma mansão
Dos vários desenganos fiz barraco,
E quando em realidade; a vida atraco
Percebo que deveras não virão

Os dias onde outrora na amplidão
Agora percebendo ser mais fraco
O coração de quem se mostra um caco
E a sorte se perdendo sem razão.

Morrer e não saber se existe ainda
Um tempo ou temporal ou mesmo nada,
Futuro no vazio se deslinda,

Mortalha do passado traz o luto
Aonde uma alma encontra-se invernada,
Mas contra os vários nãos, teimoso, eu luto...

24159

Do quanto imaginara sou punhado
E desta parte apenas um resquício
Do que pensara outrora desde o início
Num mar, talvez um rio, ou alagado.
Mas sei que na verdade se eu me enfado,
Percebo tão somente o precipício
E dele sem temor, mergulho em vício
E bebo da aguardente um bom bocado.
Tragando com certeza já me estrago,
Porém não quero mais sequer o afago
De quem se fez amiga, mas decerto
É como uma serpente em frio bote,
Por mais que outro caminho inda se note,
O quanto de esperança em vão, deserto.

24158

Aonde se mostrara humanidade
Apenso no talvez que deste a quem
Outrora transformara o que inda tem
No vago que deveras inda brade

Quem tanto se fez luz e claridade
E vive agora ausente e mesmo aquém
Do tanto que em verdade não convém
Morrendo a cada dia, diz saudade.

O ser humano nasce bom? Inerte.
Depois em fria fera se converte
E tudo que pensara em tom sombrio.

E quando mais audaz o passo, então,
Maiores desatinos mostrarão
Os que nos versos turvos eu desfio...

24157

Espero tão somente no final
A paz que não consigo e tanto tento,
Aonde se mostrara mais atento
Vislumbro este momento sepulcral,
Venero cada força deste astral
E mesmo quando ausente ou violento,
Tomando com certeza o pensamento,
Expresso na alegria um ritual,
E vejo após a tarde que se encerra
A lua se aproxima e sobre a serra
Deitando farta luz, eterna dama.
Aonde procurara a lucidez
O mundo neste instante se desfez
E a morte, indescritível sonho, clama...

24156

De todos os meus dias, os destroços
Ainda se mostrando sobre os ombros,
Nascendo e renascendo dos escombros
Apenas restarão de mim os ossos.

Esquálida figura se perfila
Buscando das estrelas algum brilho,
E enquanto em trevas ando e noites trilho
Revolvo num instante a velha argila

E mostro o quanto em pó ainda resta
Do ser que Deus num sopro fez em vida,
Da própria sorte às vezes se duvida
Erguendo um novo altar, alma funesta

Bebendo desta pútrida aguardente
Um quadro tenebroso se pressente...

24155

O pó que se entranhando nas narinas
Depositando a lama que nos fez,
Voltando ao mesmo pó, sem lucidez,
Na treva mais escusa te iluminas,
E quando os meus desejos tu dominas
Percebo em teu olhar tal altivez
Bem mais do que pensara, ainda crês
Que enquanto me maltratas, me fascinas.

Abafam-se os delírios da pantera
Aonde a solidão já destempera
A morte se aproxima quase infame,
Não tendo quem me possa mais calar,
Ascendo neste verso céu e mar,
Permito que minha alma, à morte clame...

24154

Qual fora simples bússola sem norte
Aonde se pensara em luz sou treva,
A sorte se moldando aonde neva,
Deixando a solidão como suporte,
Não tendo quem deveras me conforte
Apenas a ilusão assim me leva,
E enquanto da esperança última leva
Perdendo a direção, traduz a morte.

Não vejo mais nem quero me apoiar
Nas vagas de um estranho e vão luar
Mesquinho e avermelhando argênteo tom
No quadro que se esboça em vulga tela
A vida muitas vezes se revela
E a paz tão necessária, vira um dom...

24153

O quase se reflete muitas vezes
Na plena negação da sorte em vida,
E a quantas, andaria esta partida
Imposta pelos mesmos vãos reveses,

Por mais que noutros campos tu revezes
E vejas com olhar de despedida
A luz que dentre tantas; sempre urdida
Nos moldes que se buscam novas reses

Permite ao sonhador crer que inda resta
Uma esperança tosca, e dela a festa
Assiduamente entorna a serpentina

Aonde em carnavais antigos vejo
Além do borbulhar de algum desejo
A fonte que deveras me ilumina...

24152

O amor que em tanto amor se fez enorme
Aonde se moldara um vasto lume,
Sentindo em tua pele este perfume,
Da sorte que deveras já se informe
Uma alma outrora pária e tão disforme
Esconde-se deveras, onde esfume
A dor que muito além de um vão costume
Jamais descansaria, pois não dorme.

E tendo em minhas mãos as tuas, posso
Falar do sentimento, sendo nosso
Deveras invadindo este arrebol,
Pois quando perceber felicidade,
Além da fúria imensa que te invade
Seremos para o mundo qual farol.

24151

Tecesse alguma imagem com pincéis
Pinçando dentre tantos desencantos
Alguns momentos nobres, belos cantos
E deles desenhasse carrosséis;
Aonde se fartara outrora em méis
Agora ouvindo só terríveis prantos,
Esqueço os dissabores, tantos, tantos,
E penso noutros dias mais fiéis.
Assaz maravilhosa, a vida trama
Envoltas entre luzes, treva e chama
Essências tão diversas, boas, más.
No fundo a gente busca a liberdade
E mesmo que este sonho envolva, agrade,
Como realizá-lo sem a paz?

24150

A morte não é o fim,
é apenas transição:
começo da vida, enfim,
numa outra dimensão

Celina Figueiredo

Quisera poder ter esta certeza
Que trague ao meu olhar a eternidade
E em mares mais tranqüilos sempre nade
Bebendo com vigor a correnteza,
A vida se trazendo em tal leveza
Teria o mesmo tom: felicidade,
E enquanto a fantasia ainda agrade
Navegando ao revel da natureza.

Mas sei que esta verdade é feita em fé
E dela me afastando vez em quando,
O tempo a velha imagem destroçando
Procuro algum momento, ou mesmo até
Quem possa me dizer ao que se lança
O bem que ainda trago: uma esperança...

24149

Neste vôo a liberdade em cores várias
Aonde se fizera larva apenas
Metamorfoseando em luz acenas
As ilusões diversas luminárias,

E quando entre mil fogos; velhos párias
Bebendo a fantasia, doses plenas,
As noites que deveras tu serenas
Outrora foram duras adversárias.

E quando se mostrando em face pálida
O destino lepidóptero da crisálida
É ter o mundo inteiro em asas leves,

E quando alçando encantos, dissabores,
Por onde novamente recompores,
Os passos mais audazes; sempre atreves.

24135 até 24148

5


Ao largo destas ondas, levo o barco
Vencendo as intempéries; mansidão.
Sabendo desde sempre o que farão
As torpes ilusões que não abarco,

O quanto se mostrou na vida parco
O sonho ao ver ao fundo esta amplidão
E nela propriamente a negação
São como setas frágeis para um arco.

Não posso me levar por tais sinais
Aquém do deveras desejais,
Se vós tendes nas mãos a liberdade.

Vos servido não temo outra manhã
E sei que uma mudança tola e vã
Não é o que deveras mais agrade.


6


Às vezes de esconder claros defeitos
Eu sinto ser real necessidade,
Por aonde esta saudade chega e invade
Os sonhos na verdade estão desfeitos.

Encontro a solidão de velhos leitos
E neles a total tranqüilidade
Embora tal retrato se degrade,
Não faço de ilusões sequer meus pleitos.

Apenas quero se feliz e entanto
Ao longe no vazio inda me espanto
E tento sem sucessos ver a luz;

Pois onde no passado houvera penas
Agora se em perdão e paz acenas
Deveras falso brilho não seduz...


7



Se desgraçadamente a mente engana
E tudo o que se vê não tem razão
Apenas simples sombras ficarão
E o tempo traz uma alma soberana

Aonde se mostrando mais profana
Uma alma se entregando sem perdão
Não sabe se inda resta a solução
E quando se aproxima desengana.

Vencer os meus delírios e seguir
E mesmo que não creia num porvir
A vida por si só encanta a quem se dando

Não teme os dissabores nem tristezas
Além do que deveras inda prezas,
As dores se aproximam; turvo bando...

8




Um corpo sem sentidos, vão e inerme
Aonde se pudera crer na sorte,
E quando sem ter luz que me conforte,
Não posso mais sequer talvez; erguer-me.

Além do que pensara sei que ver-me
É como ter nas mãos a fria morte,
E enquanto houver um canto que comporte
Não vou ser devorado por tal verme.

Não quero a placidez que me apascente
Uma alma se demonstra mais ausente
Se tudo o que inda quero não consigo.

Viver só pelo fato de poder
Aos poucos descobrir o que meu ser
Procura além de cais, comida e abrigo.


9


O peito em carne viva poderia
Ao menos ser talvez mais dócil, pois
Enquanto se mostrara sem depois
Expressa no final a fantasia.
Mergulho neste mar onde a agonia
Extrai cada momento de nós dois,
Não dando nem sequer o nome aos bois
A morte noutra vida se recria.
Acende esta lareira após. Senão
Falenas noutro campos volverão
Mudando a sorte imensa de revê-la.
Esgoto-me deveras no que eu disse,
Embora tanto amor seja tolice
É nele que aprendi conter estrelas...


10


As mãos que se cruzando sobre o peito
De um velho sonhador dizem promessas
Audazes que mal tornas, recomeças
E sabes onde escondo o nada feito.
E enquanto estas versões eu não aceito
Sabendo que deveras vivas; essas
Ilusões pelas quais quedas; tropeças
São peças arrumadas sem ter jeito.
Não posso se, enfadonho, busco ao menos
Os dias em que possam ser serenos
Os cortes mais profundos que me deste.
Por mais que não consiga outra versão
Senão esta nefasta comunhão
Da vida com o solo mais agreste.


11



Metido com as mãos erguidas tendo
Apenas este céu por referência
E quando se demonstra a preferência
Não vejo noutra fonte algum adendo,
Se todo o meu caminho assim desvendo
E entregando a minha alma; pois, convence-a
Que ao fundo não verás sequer clemência
No olhar de quem se fez mesmo não sendo.

Escrevo cada verso feito apenas
Por ter necessidade de contar
Além destas estrelas, do luar
Aonde e em que caminho tu serenas
E roubas; logo, as cenas, fato incrível
Do amor que antes julguei ser implausível.


12


Desfila sobre o leito agora o que
Deveras não sabia ter qual alvo
Um dia em que pudesse estando a salvo
Saber desta verdade o que não vê.

E tendo sem desculpas nem cadê,
Auto-controle enorme é que ressalvo
De cada monte o cume, mesmo calvo
E nele em escaladas, céu se crê.

Estrelas e disfarces onde a lua
Deitando sua prata continua
Reinando sobre toda a noite em luz.

Esgoto-me no quanto não consigo
Viver a poesia como abrigo
Que tanto me maltrata e já reluz...


13


Pairando sobre as almas, vejo as asas
Abertas das estúpidas quimeras,
Aonde na verdade não esperas
São presas teorias em que embasas
As vidas como fossem meras brasas
Que o tempo muita vezes destemperas,
Deixando em teu olhar, pródigas feras
Enquanto refugias noutras casas.

Não posso desvendar sabendo a teia
Aonde se enovele o que incendeia
E toma em fogaréu a cercania.
Acerco-me das armas que inda tenho
Mostrando desde cedo o meu empenho
Na luta amortalhada que se cria...


14



Enquanto cantas vida e riso e gozo,
Ainda não me cabe este prazer,
Aonde se mostrara algum viver
O tempo se moldara caprichoso,
Vivendo a fantasia e desditoso
Caminho que procuro, posso ver
O quanto desnudando um vago ser
Apenas mostra o rosto belicoso

De quem se fez mortalha em plena vida
E mesmo que talvez em descaída
História se refaça vez em quando,
No fundo meu cantar trazendo a morte,
Não tendo quem deveras mais suporte
Um mundo noutro canto disfarçando...

15

Cantasse em ironia festa e luz,
Seria na verdade sempre falso,
E quanto mais profundo o cadafalso
A treva sem demoras, já conduz

O velho caminheiro reproduz
Em versos o que ainda usando calço
E quando a realidade turva eu alço
Levando a mais pesada e dura cruz,

Servindo de mortalha a tais abutres
Que insaciavelmente ainda nutres
Com gozo de esperança tola e tosca,

A sorte que se aufere em fogo e chama,
Por vezes de outro mote inda reclama,
Porém a minha noite segue fosca...



16







Passado que em futuro não traduzo
Expondo no presente a solidão
Bebendo desta estúpida ilusão,
As cores que revejo, reproduzo.
E sendo que não posso, mas reluzo
Em plena negritude, pois virão
Tomar já totalmente a embarcação
Moldando a cada passo o mesmo abuso.

Não ter outro caminho e ser assim
Diverso do vazio de onde vim
Mereço pelo menos um momento
Aonde não se faça só promessa,
Mas quando a vida vem e recomeça
Nas ânsias do vazio, eu já me alento.




17



Entorna-se deveras este caldo
E quando não pudesse ter nos dias
Além do que este vão que prometias
Restando neste escombro algum rescaldo.
E quando noutra sanha eu me rescaldo
Esqueço do quer foram fantasias,
E sempre que procuro, mais adias
Numa incerteza tosca, enfim me esbaldo.

E tenho que lutar contra o não ser,
Queria simplesmente; mas poder
Decerto não tem nada com querências.
Aonde se mostrara algum sorriso,
Espanto-me, pois mais do que preciso;
As horas se moldando em imprudências...



18




Presente está pior do que o passado?
Talvez, mas se não creio no futuro
Enquanto em trevas luzes que procuro
Mergulho neste abismo, abandonado,
Vivendo o que não sei ser cruz, pecado,
Pesando a cada dia o chão mais duro,
Pisando neste vale em céu escuro,
O tempo que pensara, desolado.
Rasgando os velhos tomos deste livro,
Dos meus fantasmas, todos, eu me livro
E solto as mãos em busca do que outrora
Pensara ser possível, mas sei bem
Que nada vezes nada, o que contém
O mundo que buscara sem demora.

24134

Abrutalhado ser que em plena paz
Destroça quem encontra pela frente,
Assim com tal furor e incoerente
De tudo, com certeza ele é capaz.

Figura tão insólita e voraz
Nas mãos trazendo a faca se pressente
A morte inevitável no inclemente
Delírio ao mesmo tempo em vão, mordaz.

Cercando-se de deuses mais baratos,
Gargalha-se satânico espetáculo,.
E expondo sem temor cada tentáculo

Não vendo a fúria imensa de seus atos,
Um bípede primata se fez deus,
E nele a vida diz o último adeus...

24133

Restando tão somente após a luta
O fato de não ter luz e inocência
Aonde procurara fluorescência
O passo outrora firme, já reluta.

Estúpida figura segue astuta.
Não tendo mais quem creia após. Convence-a
Do quanto se pesou como inclemência
a fúria do senhor que não te escuta.

Deveras fora assim que me ensinaste,
Um pai que se entregando a tal contraste
Amando enquanto em ódio ora se vinga,

Olhando para o belo, a natureza
Eu vejo coerência em tal nobreza,
O Pai que fez o mar; fez a restinga...

24132

Nas mãos do deus erótico, o futuro
Numa expressão satírica se vê
O quadro sem retoques, nem por que
Aonde com delírios me emolduro.

Encontro vez por outra um alto muro
E nele com certeza o que se lê
Em garrafais além do que a alma crê
A história primitiva onde perduro

O sangue que deveras se fez santo
E nada mais impede e não me encanto
Com cores desbotadas, vãos grafites.

Não quero ter a sorte dos senhores
Tampouco seguirei por onde fores
Nem mesmo acreditar no que acredites.

24131

O que virá depois da última bomba,
Apenas o vazio? O quanto falta?
Pergunto e sem resposta do internauta
A previsão do oráculo já tomba

Uma alma se sutil de tudo zomba
E enquanto a solidão vem e me assalta
A refeição jamais se fez tão lauta
Porém numa hecatombe, outra kizomba?

Acendo então um último cigarro,
Num fio de esperança ao qual me agarro,
A sorte tece redes que incompletas,

Encontrando à deriva o meu esquife,
No olhar tão traiçoeiro de um patife
As honras mais jocosas e diletas...