quarta-feira, outubro 25, 2006

Banco de Praça

A santa embriaguez já me domina,
Nos bares da cidade sem Maria...
Quem fora liberdade se alucina.
As horas se passando... Um novo dia!

Cachaças e vermutes, minha sina
É mergulhar demente. Na sangria,
Traçado destroçando desatina...
Não me resta sequer melancolia...

Meu mundo destruído e sem ter volta...
Os olhos fumegantes denunciam...
Os passos tremulantes vida solta,

Maria que se foi numa fumaça.
Reclames de jornais já me anunciam
O banco me convida, a mesma praça...

Filhos da Lua

Na madrugada loucos em desfile...
Um procurando bar, leva a certeza
Que por mais que sua alma destile
Nunca mais viverá vital beleza.

Mas, tresloucadamente verte bile
Atacando qualquer que seja a presa.
Outro pensando estar em pleno Chile,
Declamando Neruda sobe à mesa...

A noite festival dessas loucuras,
Premeditadamente manda a lua...
Um pastor prometendo santas curas.

Os olhos vão brilhando são fanáticos..
Os cães estão ladrando em plena rua...
A mãe lua observando esses lunáticos...

Bocas que beijei

Tantas velas velórios e varizes...
Minhas almas calejas com veneno...
Nos cisnes e cinzeiros infelizes
As plantas que planejas sangue pleno...

Crisântemos cismados, cruzes, crises...
Senos, hipotenusas e cosseno.
Perdas penetrantes são perdizes...
Amantes amaciantes sou ameno...

Vasilhas e mobílias já vazei.
Mastruz com fino leite misturei
Mas não me importará a procissão..

Remendos não resolvem meu fiasco.
No fundo não preciso de sermão.
A boca que me beija é do carrasco...

Em teu rosto vermelhas açucenas

Em teu rosto vermelhas açucenas,
Na verdade transmudam-se douradas...
Buscando formosura morrem plenas.
No brilho de teus olhos, madrugadas...

Nas barcas dos meus sonhos, tantas cenas
Me levam ao sabor das alvoradas.
Borboletas chegando: cem, centenas,
Repetem tuas mãos tão delicadas...

Traduzo meus amores em teu nome.
Trazendo tantas flores tua pele...
A fonte dos desejos me consome

Quem dera fosses minha, és tão formosa...
A teus braços, a vida sempre impele.
As urzes, os espinhos... Perco a rosa!

A natureza inteira em esplendores

A natureza inteira em esplendores
Abrindo os elementos no horizonte.
Repare na fineza destas flores
As águas percorrendo a calma fonte.

A lua nas montanhas, suas cores,
Aurora: madrugada-dia, ponte...
A tempestade louca dos amores,
A Serra do Curral, Belo Horizonte...

Estrelas passeando constelares...
Abismos, profundezas, vasto mar...
A natureza mãe, tantos lugares...

O brilho que encontrei na luz solar,
Merecem orações nesses altares.
E mais maravilhoso, teu olhar...

Quem me dera chegasse o belo dia

Quem me dera chegasse o belo dia
Em que pudéssemos lutar coesos
Contra toda opressão com galhardia.
Nos olhos que por certo estão acesos.

A mansidão vencendo a cobardia...
Amigos sonhadores não mais presos,
Nesta vasta amplidão, a fantasia...
Os dentes e as mentes sãos, ilesos...

Quem dera chegará a primavera,
Nos dedos dos poetas a verdade,
O corte de esperanças sempre impera.

Nos sonhos amansar a triste fera
O canto nos trazendo a claridade.
A vida retumbando a liberdade!

Liberdade: meu canto e minha agrura...

Liberdade: meu canto e minha agrura...
Meus sonhos procurando por altares,
Mergulho vastidão, perdendo altura,
Vasculho liberdade nos luares...

Quem crê nessa esperança não perjura
Espera enfim, galgar todos os lugares.
A liberdade é bela; uma pintura;
É fruta que precisa dos pomares

Estercados com sangue e com revolta.
Penetra e simplesmente exige cortes.
Cuidada com leveza, sua escolta

Tem de ser diariamente renovada.
Embora sedutora, traz as mortes...
A dor, nosso grilhão, vai estampada...

A dama imaginária

A dama imaginária que pretendo,
Dos sonhos que persigo, nunca vem...
Nos livros que pensei seguir relendo,
Os beijos que recebo, de ninguém!

A dama imaginária, fantasia...
Por mundos que navego, perco o bem,
Das noites tão silentes caço o dia,
Nas mãos que torturam, mais de cem...

Por vezes esquecido nas senzalas,
Oposto aos meus desejos, cais e porto...
Da dama imaginária, nada falas...

O medo que me assoma assombra a vida,
O tempo de lutar nunca mais morto...
A dama imaginária, vai perdida...

Abasta tê coração

Seu moço mi dê licença
Deu falá ansim procê.
Nóis avéve nas duença,
Nóis num prendeu a lê...
Nóis é tudo anarfabeto,
E nóis num qué sê esperto...

Eu sei vancê é dotô,
Hôme di sabedoria,
Nóis é tudo lavradô,
Nóis ganha tudo prú dia,
Mais nóis num sêmo ladrão,
Nóis tem munta inducação!

Vancê é hôme letrado,
Sabe falá dos ingreis,
Nóis é uns bicho acoitado,
Mai que már que a gente feiz?
Nóis tudo véve nos mato,
Na bêrada dos regato...

Nóis perciza se entendê,
Nóis é tudo brazilêro,
A gente perciza vivê
Im riba desse polêro,
Mai seu dotô arrespeito,
Nóis tem os mermo derêito...

O sinhô é um dotô,
Das hingiena bem sei,
Mai pru quê que ocê pensô
Qui pudia sê um rei?
Vancê num tem humirdade,
Pérciza tranquilidade,

Cada veiz que ocê parece
Vem falá que é um dotô,
Né disso que nóis carece,
Nóis perciza é de valô,
Os sertanejo trabáia
Carregano uma cangáia...

Os hôme da capitá,
De Sum Paulo, num percebe
Qui nóis mórre de trabaiá.
O dinhero qui nóis recebe
É que é bem poquim seu moço,
Dá mar e mar prus almoço.

Nóis num sêmo vagabundo,
Nóis sêmo é pobre dotô,
Nóis véve no memo mundo,
Nóis tudo é trabaiadô,
Vassuncê é que num sabe
Quantas dô num hôme cabe...

Vancê num teve seus fio,
Cumeno os resto dus boi,
Vancê num véve no estio,
Num sabe memo onde foi
Qui nasceu nosso Sinhô?
No mei dos trabaiadô!

Vancê num tem os dereito
Da inguinorança insurtá,
Se vancê qué sê eleito,
É mió ir istudá
Um pôco deste sertão,
Prá incontrá solução...


Vancê véve avoano,
Mai num pára prá zoiá,
As coisa tá miorano,
Mai vancê qué piorá.
Nóis tudo têmo esperança.
Num vem matá a criança...

Nóis pudia inté lhi ouvi,
Mais perciza de inducação,
Di cachorro prá lati,
Avéve cheio o sertão,
Tem um cabra na Bahia,
Qui inté onti inda latia...

Um coroné marvadeza,
Ixproradô da mizéra,
Um moço da realeza,
Latia pió que fera,
Apregunto pru dotô,
Pronde esse cabra vazô?

Nóis num perciza chibata,
Nóis num qué mais sê robádo
Dessa gente que martrata,
O pobre já tá cansado,
Nóis qué é sujeto amigo,
Prá num corrê mais perigo...

Do sangue da gente pobre,
Munta gente empaturrô,
Robáva até memo uns cobre
Munta gente inté matô,
Mais as coisa tá mudano,
Já cansamo desse engano...

Os coroné que restaro,
Tão do lado do dotô,
Nóis num é mais tão otáro,
Nosso pobrim acordô,
Nóis qué tê liberdade,
Percizamo dignidade.

Nóis sabêmo que vancê,
Amigo dos coroné,
Num consegue convencê
Nóis sabemo o que nóis qué,
É um Brazi mais cristão,
Onde nóis tudo é ermão!

Os nosso fio merece
Um Brazi munto mió,
Tanta dô que nos padece,
Vancê nunca têve dó...
Só fala das capitá,
Vancê qué nus enganá!

Me faláro qui o dotô
Gosta di riligião,
Parece num iscutô,
A voiz do seu coração.
Jesus Cristo nasceu pobre,
I foi vendido pruns cobre.

Cunhicia o traidô,
Mesmo ansim vancê num sabe
Qui Jesus o perduô,
Essas coisa é qui num cabe
Na cabeça de vancês,
Dispois do qui Juda feiz...

É qui o pobre seu dotô,
Num véve di falsidade,
Sabe munto dá valô
A verdadera amizade.
O erro é que é odiado,
E o amigo, perdoado...

Mai num vô falá mais não,
Nem ovi vancê num qué,
Mai vem cá pru meu sertão,
Vai miorá sua fé,
Isquece essa gente má,
Isquece dus coroné,
Vancê vai se adimirá
De vê cumo miorô,
Eu sei, vancê é dotô,
Mais perciza de lição,
Vem abri seu coração,
Sabê da gente mais pobre,
Qui véve de valentia,
O quanto qui uns poco cobre
Dá prá cumê pur uns dia...

Quando Jesus, no deserto,
Veno seu povo faminto,
Pegô uns pão i uns pêxe,
Póde crê qui eu num minto,
E falô pru povo dêxe
Qui nóis num vai mais morrê
Dispois di tudo vancê,
Num intendeu o recado,
Desse povo disgraçado,
Si juntô aos coroné,
Dexâno esse povo a pé,
Inda vem falá di fé?

O qui vancê num divia
É a pobreza insurtá
Nossa dô que se alivia,
Com vancê vai piorá,
As coisa das nossa terra,
As coisa desse Brazi,
As montanha e as serra,
Beleza que nunca vi,
Tanta amô mais verdadero,
Vendê prus cabra estrangero?
Vancê diz que vende não,
Mais qué vendê avião!
Dispois cumo acreditá
No qui vancê fô falá!
Se o prefêto da cidade
Quisé vendê otromóve,
Cum toda a tranquiladade,
Num vai sobrá um imóve...

Seu dotô, já vô imbora,
Tô cansado de falá,
Vê se prus cabra de fora
Finge sabê iscutá,
Vem cá pra minha tapera,
Passá uns dia de fome,
Vai vê qui a vida dum home,
É di trabáio i di fé,
O só isturricadô
Rezamo prá São José,
Nosso trabáio e valô,
Num depende mais da chuva,
Nem di seca ou di istiage
Memo que venha sauva,
Os coroné, pilantrage,
Nóis num morre mais de fome.
Arrespeite entonce o home
Qui nus deu essa vantage,
É um pobre nordestino,
E num é um dotô não,
Passô fome, foi minino,
Aprendeu iducação.
Ouça as palavra dotô,
Vai fazê um bem danado,
Aprenda a dá mais valô
Presse povo istrupiado,
Quem sabe vancê intenda,
Qui prá sê um bom cristão,
Nóis num percisa contenda,
Abasta tê coração!

Nos canto das ingrenage

Nas istrada da sodade
Incontrei meu bem querê,
A vida trais crueldade,
Apercuro pur vancê
Nos canto das ingrenage
Nas bêra dessas viage...

Moça bunita dá jeito,
Num dêxa os óio chorá
Amor prá sê mai perfeito,
Num pode os óio alagá,
Eu perdi minhas bagage,
Nos canto das ingrenage...

Incomendei um vistido,
Prá moça linda vestí,
O meus amô é sufrido,
Das dô qui tanto vivi,
Rebentô essas barrage,
Nos canto das ingrenage...

Tantas noite que chorei,
As mágua num derum paiz,
Eu jamais esquecerei
Tanta dô a vida traiz,
Parece que é pilantrage,
Nos canto das ingrenage...

Maria me deu um bêjo,
A sodade machucô,
Minha vida é só desejo
De vortá pru meus amô,
Mas já fiz tanta bobage,
Nos canto das ingrenage...


Num tenho medo de nada,
Nem de cabra valentão,
Minha viola é espada
Nas noite do meu sertão,
Num suporto fardunçage
Nos canto das ingrenage...

Meus óio já tá cansado,
Destas coisa que inventáro,
Eu sô cabra bem casado,
Mai gosto deste açucaro,
Vivê nessas vadiage,
Nos canto das ingrenage...

Nos canto das ingrenage
Eu termino a cantoria,
Já falei munta bobage,
Vô pegá na muntaria...
Eu termino essa viage
Nos canto das ingrenage...

Os olhos da menina

Falar destas noites passadas, em meio a tantas tempestades sem futuro, sem esperanças...
Vivíamos o pesadelo do não ter ou do que é pior, perder-se o que tem...
Não tínhamos sequer expectativas de mudanças, a noite parecia interminável e arrogantemente interminável...
De repente, uma luz acende no final do túnel, difícil e policrômica, mas uma luz.
No prisma passamos do breu noturno para a claridade do dia, mesmo que, como disse antes, difícil e rancorosa.
A menina dos olhos ou os olhos da menina, brilham e pedem por um novo dia, mais claro e mais iluminado.
Acontece que, a noite ameaça o retorno e, pior, um retorno tempestuoso e nublado. Os raios e relâmpagos anunciam a tempestade que poderá vir, para desespero da menina com os dentes apodrecidos e o sorriso esperançoso..
É meu dever, creio que de todos os que podem evitar que a nossa gente retorne aos dias sombrios deste inverno longo e doloroso.
A menina dos olhos e os olhos da menina agradecem o verde da esperança e o canto de alegria que vem do sertão...