quinta-feira, março 04, 2010

25480

Percebo tão sutis quanto inexatos
Caminhos que me levem ao teu braço
E quando nova rota ainda traço
Os dias se perdendo em tolos fatos.

Postergo os meus anseios, sinto ingratos
Momentos em que sigo cada passo
Levando à incerteza de um espaço
Torturas permitindo tais contratos.

Assisto ao meu final de camarote
E quando a realidade dita o mote
Profiro meu poema feito em dor

E sinto ser possível ter na mão
Além de se mostrar a exatidão
Pudesse destilar o bom licor...

25479

Tracejo uma sobeja maravilha
Envolta nos mistérios do desejo,
E quanto mais deveras eu protejo
A estrela com certeza nunca brilha.

E assim tanta tristeza se moldara
No vago de uma vida sem sentido,
O tempo muitas vezes soerguido
Produz imensa chaga, vil escara.

E teimo em prosseguir contra a maré
Sabendo que depois só terei resto
E quanto mais mordaz, torpe e funesto
Mais firmemente sinto tais galés

E delas não consigo me livrar,
E a morte se aproxima, devagar...

25478

Sutis imagens voltam do passado
E trama incoerências onde um dia
O medo que deveras já se urdia
Seguindo da esperança o vão traçado.

E o peso se é menor compartilhado
Ainda mesmo assim em mim ardia
Deixando mais silente a poesia
Moldando o figurino amortalhado.

Tecesse desde então nova saída
E quanto mais atroz a despedida
Maior o meu temor, esteja certa.

E quase ser feliz já não me basta
A face da verdade agora gasta
Aos poucos meu caminho em vão deserta...

25477

Cinzéis em preciosas gemas tramam
Arquétipos de jóias eternais
E quanto em minhas mãos vós derramais
Momentos mais audazes que reclamam

Aquém da realidade em se exclamam
Entranho velhos portos, ledos cais
E neles fantasias sensuais
Saudosas emoções por vezes clamam.

E sendo-vos leal não poderia
Ultrapassar sequer tal fantasia
Vivenciada em pranto, medo e dor,

Mas pálida figura se aproxima
Tornando mais pesado ainda o clima
Gerando tão somente um vil terror...

25476

Mortalha que reciclo a cada verso
E nele me entranhando em sombra plena
Enquanto a fantasia ainda acena
Eu ando sem destino, vou disperso

Adentro esta ilusão seguindo imerso
Nem mesmo a poesia me serena
E quando a morte surge vaga e amena
Permito-me sonhar com o universo

Dicotomias tantas, luzes fartas
E delas sem querer, silente apartas
Os meus momentos sóbrios onde eu creio

Na libertária voz que me sacia
E dela reencontrando a fantasia
Embora prosseguisse em vão e alheio..

25626

Quisera perceber um novo dia
Aonde a fantasia desmorona
Uma alma mais ferina até ronrona
Enquanto cada garra mais afia.

E a sorte que conheço, tão bravia
Durante a tempestade vem à tona
Das estradas que traço já se adona
Fazendo do meu mundo, a montaria.

Por vezes imagino em turbulência
O que pensara outrora em convivência
E sei ser impossível entre dois

Que tanto se engalfinham e se cortam,
E quando as fantasias nos exortam,
Sabemos quão sombrio este depois...

25625

Assumo estas facetas mais vulgares
E beijo o que se fez em luz sombria
Figura melancólica se erguia
Toando os seus acordes nos altares

E vejo recriados lupanares
Em meio a mais soturna fantasia
E dela o meu passado se recria
Atravessando em fúria tantos mares.

E o gosto de vingança ora se apura
A vida perpetua a mesma e escura
Estrada aonde um velho caminhante

Moldara o seu destino de andarilho
E quando sobre o pó ainda trilho
A morte se aproxima neste instante...

25624

Se as lúgubres paisagens descortino
E adentro com furor ou mesmo impávido
O gosto se mostrara bem mais ávido
Tomando sem pensar o meu destino.

O corpo lacerado e quase esquálido,
Restando o velho sonho de menino
E nele com certeza me ilumino
Por mais que o dia siga sempre pálido.

Equânime e sombria fantasia
Aguarda o meu final e se sacia
Nas artimanhas toscas que hoje enreda

E o pano se fechando no cenário,
O que pensara outrora temerário
Nem mesmo a paisagem torpe veda...

25623

Abrindo as minhas cartas encontrei
O fato presumível e esperado
Que tanto demarcou o meu passado
Servindo para mim conforme lei

E dele cada resto eu entranhei
Até ver o meu mundo dispersado,
O gosto tão amargo perpetrado
Adentra o paladar bem mais que sei.

Singela fantasia? Ledo ocaso...
O vento anunciando o fim do prazo
E agora só me resta a despedida.

Articular defesa? Para que?
No fundo te procuro, mas cadê?
Assim se resumiu a minha vida...

25622

Sistematicamente sigo só
E teimo vasculhar minhas entranhas
E quando a realidade tu estranhas
Erguendo do que eu fora, simples pó

O medo se aproxima e em firme nó
Defronte à multidão diversas sanhas
E nelas precipícios e montanhas
Preparam para mim o espelho: Jó.

Ocasos e mentiras se misturam
E delas poucas coisas já depuram
Quaisquer que procurassem desvendar

Retorno ao uterino e bom momento
Somente quando imerso me apascento
Regrido ao nada ser: último lar...

25621

A treva em nuvens densas desce à Terra
E toma esta paisagem ora sombria
E quando a imensidão já se porfia
O medo dentro da alma se descerra

A ventania lembra fome e guerra
A paz que procurei não existia
Tampouco ao encontrar farta agonia
Capítulo da vida não se encerra.

Audaciosamente dera um passo
Alheio ao que deveras já desfaço
Criando com meus pés o próprio abismo

E agora em noite tétrica e fugaz
Distante do que um dia quis ser paz
Molambo sem destino, ainda cismo...

25620

Levito entre os fantasmas que ora trago
E farpas tão comuns devoro e quero,
O mundo que se fora mais austero
Agora não percebo nem afago,

O tempo se transforma em podre estrago
E o corte aprofundado, mas sincero,
É tudo o que carrego enquanto emprego
O verso que pensara outrora mago.

Alquímicos poderes, tal cadinho
Transforma esta esperança em podre vinho
E bebo da vinhaça que me dás.

Da morte quando aos poucos me avizinho
Eu sinto tenebroso e bom carinho,
E nela descansando, enfim, em paz...

25619

Ruidosas esperanças, não floreio
Com verso que talvez não mais traduza
A sorte que deveras tão obtusa
Esgota da ilusão a fonte e o veio,

E quando nos meus charcos banqueteio
Com lúbrica emoção que reproduza
Uma alma tantas vezes tão escusa
Deixando no passado o velho anseio.

Recreio-me com posta apodrecida
E dela se refaz a minha vida
Antraz que ora carrego dentro da alma.

Esmero-me em poder ver no holocausto
Apenas tão somente algum infausto
E a imagem produzida já me acalma...

25618

Metástases carrego vida afora
E pútridas manhãs me destemperam,
E quando os tolos toscos degeneram
Apenas tumular voz já se aflora

A poesia há tanto foi embora
E os restos do que fomos inda esperam
Eméticas delícias onde esmeram
As ânsias mais vorazes. Luz descora...

E o cândido poeta adormecido
Agora pela vida envilecido
Aguarda tão somente este final

E nele se prepara nova senda
Aonde a fantasia se desvenda
Ou nada se transcorre triunfal...

25617

Na lúgubre paisagem desenhada
Pelo meu verso tolo, mas sincero
O fim deste tormento agora espero
Sabendo ao que minha alma é destinada.

Versando sobre a vaga e fria escada
Na qual a queda sempre em gozo fero
Produz esta fratura aonde quero
Ver minha vida em pus já retratada.

O beijo que se escarra em minha face
Aonde se mostrara cada impasse
E nele se refaz a velha história

Por mais que novo mundo ainda trace
Com ares de terror ou de vanglória
Legado ao nada ser, tosca memória...

25616

No íntimo me percebo um morto-vivo
E como fosse assim este zumbi
Vivendo do cadáver que escolhi
Dos sonhos mais felizes eu me privo

E sendo muitas vezes mais altivo
Vazio de esperança chego a ti
Atrocidades tantas mereci
E nelas do que fui anda vivo.

Alvissareiros dias do passado
Apenas um retalho costurado
Em meio aos falsos lumes que carreto

Apesar de saber que inda respiro
Preparo neste instante bala e tiro
Fechando em suicídio este soneto...

25615

Na farsa que traduz inútil vida
Cenário mais propício: ato final
E nele se perfaz o ritual
Aonde se vislumbra a despedida.

A faca pelas ânsias sendo ungida
E o bêbado caindo em meu quintal
Sarjeta dentro da alma é tão normal
E dela uma esperança segue urdida.

Perene poesia este soneto
Ao qual com virulência me arremeto
E bebo cada gota que espalhara

Do pus que dentro em mim ora alimento
E faço da carcaça o meu provento
Na imagem destroçada a vida amara...

25614

Astuta caçadora, uma esperança
Fugaz imagem trama após o nada,
E a carne pouco a pouco devorada
Traduz em sentimento esta vingança

Ao peso do que fui a alma balança
A cada novo dia a vergastada
Reacendendo a morte desejada
E nela a minha cruz, o tempo lança.

Obesas ilusões já não profiro,
E quando se prepara último tiro
A bala se entranhando no meu cerne

Acasos entre ocasos pretendidos
E os corpos de esperanças estendidos
É tudo o que me resta ou me concerne...

25613

Rebeldes caminheiros noite afora
À sombra do que tanto desejei
A podre sensação tomando a grei
E nela uma alma aflita se decora,

A fera que no espelho me devora
E beija este cadáver que entranhei
Mortalha em poesia deslindei
Vagando pela noite sem demora.

Escravizado sonho se moldando
De um tempo mais feliz, quiçá mais brando
Em criminosos passos assassinos

Expressa o suicídio inevitável
E o corpo em rapineiras palatável
Espera ao fim dobrar de vários sinos.

25612

Uma ávida quimera me destroça
E nada se percebe como herança
No olhar desta pantera uma vingança
Que quanto mais voraz melhor desossa

Abrindo esta cratera imensa fossa
A sorte mal assombra enquanto avança
E ao fundo desta poça ora me lança
E a vida gargalhando tudo endossa.

Esgarçado por garras tão venais
Restando ao sonhador os vendavais
E neles o vazio agora traz

A imagem decomposta da ilusão
E vejo se formata desde então
No espelho que ora miro: Satanás!

25611

Esgoto dentro da alma traduzindo
A vermiforme noite em pesadelos
Pudesse pelo menos revolvê-los
Teria sob o olhar fúnebre e findo

O tempo de viver que assim deslindo
Em trágicos momentos, percebê-los
E quanto mais possível envolvê-los
Tecendo a solução, mas eu prescindo.

Acostumado ao mesmo descaminho
Prefiro que me vejas já sozinho
Do que pensar ser minha salvação.

A morte não perdoa quem se entrega
E mesmo quando exposta e quase cega
Momentos mais tranqüilos se farão.

25610

O feto que abortara: fantasia
Em pútrido cenário se desfaz
E mesmo num sorriso tão mordaz
Soergue-se emoção e o dom recria

A morte vai tomando a poesia
E como fosse assim fria tenaz
Deixando esta emoção que sei fugaz
Amortalhado sonho em agonia.

Espúria lividez que, cadavérica
Traduz esta ilusão falaz e homérica
Vinganças preparadas pela sorte.

E tendo sob os olhos o horizonte
E nele cada lua que desponte
Trará um sonho em paz que me conforte.

25609

Pisando na carcaça que hoje sou
Estúpidos os passos que programas
E neles posso ver cadáver, lamas
E delas tradução do que restou

De um ser inusitado e aonde vou
Carrego nos meus olhos falhas chamas
Meticulosamente enredo dramas
E neles minha vida mergulhou.

Na lividez do sonho tumular
Putrefação se expondo devagar
E enquanto a cada estágio mais avança

Certeira caminhada para o fim,
Dourando em poesia o meu jardim
O medo se transforma em esperança.

25608

Ermos dentro da alma soam tristes,
Mas quando me percebo mais desnudo
Deveras caminhando quieto e mudo
Diverso do calor aonde existes,

Por mais que outros motivos bons me listes
O coração sem foco é tão miúdo
E nisto me percebo em tom agudo
Discernindo o terror por onde insistes

Tomar as minhas mãos e ter nos dentes
A clara tentação de uma mordida
E nela cada lacerando em vis gementes

Delírios satisfazem tua fome?
A carne que te entrego, carcomida
Enquanto a própria sorte me consome...

25607

Consola-me saber que a morte vem
E dela bebo a pálida quimera
Aonde se pensara fim se gera
A vida mais tranqüila em novo bem.

O peso do passado segue além
Do que suporta uma alma, mesmo fera
E quando a solidão me desespera
Revejo este cenário. Sem ninguém.

Apodrecendo aos poucos nada tenho
E nem sequer faria mais empenho
Já que descubro ser a negação

E a sórdida manhã beija a carcaça
O tempo sem remédios segue e passa
Espelha as noites frias que virão.

25606

Quem dera se pudesse ser teu alfa,
Mas Omega não posso mais sonhar
Buscando ter meu sonho em preamar
Correndo contra tudo, uma alma esfalfa.

E falo francamente sem refolhos
Que tudo tem decerto solução
E os dias mais sobejos mostrarão
Além de simplesmente vãos abrolhos.

Mas tudo se presume e nada faço
E o bêbado procura a luz, falena.
Minha alma a cada passo se apequena
Não deixo nem sequer um rastro ou traço

E entranho-me na morte que me espera
Atocaiada e bela, sutil fera...

25605

Agrestes as montanhas onde cevo
Mortalha que deveras caberá
E nela o meu destino se fará
Bem mais do que nos versos eu me atrevo.

Envolvo-me nas teias e longevo
O medo persistindo aqui ou lá
Meu erro a cada instante moldará
Invernal garatuja aonde nevo.

O prazo se findando e nada vem
Somente a frialdade e fico aquém
Do passo que permita da cratera

Vislumbrar uma luz que não existe,
E se pareço assim, mordaz ou triste
Que faço se matei a primavera?

25604

Negar a própria essência e prosseguir
Por vias tão funestas que me trazes
E nelas perceber as várias fases
Oráculos discernem meu porvir?

O peso de deveras conseguir
Enquanto prenuncio mais mordazes
Momentos onde pústulas e antrazes
Permitem a minha alma refletir.

Esgarço-me nos fronts e me permito
Saber que mesmo inócuo, sigo aflito
E assino a cada dia esta sentença

Na qual a morte surja deste nada
E como fosse assim predestinada
No túmulo concebo a recompensa...

25603

Corôo com meus temores esta vida
Aonde não podia crer na luz
Deixando os pesadelos quase nus
O medo calcifica enquanto acida.

E tendo neste olhar a despedida
O nada quando em nada se deduz
Prepara esta mortalha e reproduz
Vazio que encontrou, alma perdida.

Acendo este cigarro mesmo quando
Percebo minha vida desabando
Sem ar, já me esfumaço pouco a pouco.

A dívida que tenho não se paga
O beijo da mulher, cruel adaga
E vendo o meu retrato, eu me treslouco....

25602

Descrevo em solitária madrugada
Os vértices de um sonho, um pesadelo
E quanto mais atroz sinto vivê-lo
A imagem desta vida destroçada.

Jogado pelas ruas, na calçada
Condeno o coração a tal desvelo
E quando pelo encanto vago, zelo
Resposta se mostrando o mesmo nada.

Viver e ter apenas o caminho
Que leve á madrugada onde, sozinho
Mortalhas eu carrego e tão somente.

A pútrida manhã em luz desfeita
O medo vendo a cena se deleita
E mata desde já qualquer semente...

25601

Estúpida quimera me rondando
A morte se transforma em solução
E os dias repetindo este refrão
Aonde novos tempos vislumbrando

Já sei que nada tenho desde quando
Fantasmas me tomando a direção
Naufrágio deste barco sem timão
E o vento toda noite me assombrando.

Vivesse mais um pouco e poderia
Realizar enfim a fantasia
De ter no meu olhar um horizonte

Aonde mais sublime luz guiasse,
Mas quando vejo o espelho e o mesmo impasse
Impede que este sol, vago, desponte...